quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Che em São Paulo

Os astros Benicio Del Toro e Rodrigo Santoro conversaram com a imprensa hoje a respeito de Che, longa de Steven Soderbergh que fecha a 32ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. O filme, que estava sendo aguardado para o Festival do Rio e acabou não dando as caras por aqui, tem mais de quatro horas de duração e só deve chegar aos cinemas brasileiros em 2009, dividido em duas partes. A primeira enfoca o papel de Che na Revolução Cubana; a segunda, sua trajetória na Bolívia, para onde foi com o intuito de fomentar uma grande revolução e acabou assassinado. Benicio Del Toro já está sendo apontado como forte candidato ao Oscar de melhor ator do próximo ano. Já Rodrigo Santoro interpreta Raúl Castro, irmão de Fidel e atual presidente cubano.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Conversas com Almodóvar

O livro, escrito a partir de entrevistas que o cineasta espanhol concedeu ao crítico de cinema Frédéric Strauss ao longo de uma década, traz em sua contracapa uma advertência pra lá de verdadeira: “Depois de ler Conversas com Almodóvar, o leitor terá vontade de rever os filmes aqui comentados”. É a mais pura verdade, ler Almodóvar falando sobre seus filmes é simplesmente apaixonante e o desejo de rever seus filmes sob sua ótica vem num impulso imediato. Depois de ler o livro, me peguei curiosa para dar uma nova conferida até mesmo nos longas que não são meus preferidos, justamente por ter ficado com uma nova impressão deles através da percepção plena de significados mostrada pelo autor.

Mas Almodóvar vai além de dissecar os dezesseis longa-metragens que realizou em vinte e seis anos: o cineasta discorre sobre sua vida, família, iniciação na sétima arte, influências e até relacionamento com os atores. Ficamos sabendo, por exemplo, detalhes sobre as dificuldades de Gael García Bernal para atuar travestido de mulher em Má Educação e também sobre o deterioramento da longa parceria entre Almodóvar e sua musa Carmen Maura. Outro aspecto interessante é o fato de Almodóvar não possuir uma educação formal na área de cinema e, a despeito disso, conhecer tão profundamente cada etapa da realização de um filme, da elaboração do roteiro a detalhes minúsculos a respeito da cenografia ou do figurino.

Mais do que tudo, o leitor sente em cada declaração a paixão e sinceridade com que Almodóvar vivencia sua arte, nunca colocando as conveniências comerciais acima de sua visão artística privilegiada. Leitura obrigatória para qualquer um que se considere amante não apenas do cinema, mas de qualquer expressão artística.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Zodíaco

Por mais que a imaginação humana seja capaz de inventar perversões, não existe história de horror mais impressionante do que a realidade. O serial killer conhecido como o Zodíaco aterrorizou São Francisco por décadas, sem que nunca se tenha chegado a uma conclusão satisfatória sobre sua identidade. Um mistério tão intrigante quanto o de Jack, o Estripador e que perdurou por muito mais tempo, já que o assassino zombou da polícia e da imprensa por anos a fio. O mais desconcertante no Zodíaco é que, ao contrário da maioria dos serial killers, ele não seguia um padrão rígido. Seus assassinatos não eram ritualisticamente repetidos nos mínimos detalhes. Ele parecia estar mais interessado em confundir as autoridades e provar a própria esperteza de que propriamente em seguir padrões. Por isso, o número de vítimas nunca será conhecido com exatidão.

Tudo começa em 1969, quando três jornais recebem três diferentes cartas, cada uma contendo parte de uma mensagem cifrada. O autor, que se auto-intitula “O Zodíaco”, fornece detalhes só conhecidos pela polícia sobre o assassinato de três pessoas e a tentativa de homicídio de uma quarta e exige que as cartas sejam publicadas, do contrário mais pessoas morreriam. Mesmo tendo seu desejo atendido, as mortes e as cartas se multiplicam, deixando cidadãos em pânico e autoridades desnorteadas. David Toschi, detetive responsável pelo caso, vira celebridade, assim como o repórter Paul Avery. Mas é Robert Graysmith, um tímido cartunista que trabalha no mesmo jornal que Avery, quem chega mais perto de solucionar o caso. Recentemente, li o livro de Graysmith que relata minunciosamente a cronologia dos assassinatos, bem como o rumo das investigações policiais e suas próprias pesquisas para o livro. A leitura por vezes pode ser pesada por seu excesso de detalhamento, mas sem dúvida é um trabalho intrigante e completíssimo. Zodíaco, o livro, também me fez reavaliar o filme homônimo realizado em 2007.

Com uma história dessas e um nome como David Fincher na direção, a expectativa a respeito do filme era das maiores. Afinal de contas, à frente do projeto estava o cara que revitalizou o gênero com o cultuadíssimo Seven – Os Sete Crimes Capitais e ainda dirigiu o surpreendente e polêmico Clube da Luta. Este foi o terceiro filme feito sobre o Zodíaco: os anteriores foram The Zodiac Killer, de 1971 (o filme deve ser muito ruim, já que o diretor Tom Hanson encerrou a carreira por aí) e O Zodíaco, de 2005. Sem contar Perseguidor Implacável (primeiro dos filmes de Dirty Harry), também de 1971, que mostra Clint Eastwood caçando um serial killer que ataca em São Francisco chamado Scorpio.

A idéia inicial para a nova versão era criar uma ficção em cima dos fatos relatados por Robert Graysmith no livro. Mas quando o roteirista James Vanderbilt e o produtor Bradley Fischer, dois apaixonados pela história, conseguiram os direitos do livro, acabaram optando por uma adaptação fiel. O que criou um problema de ordem dramatúrgica, já que, como a identidade do Zodíaco nunca foi confirmada e o principal suspeito nem chegou a ser preso, não existe exatamente um desfecho para a trama.


O filme é muito bom até a metade, quando o ritmo fica arrastado e o espectador tem a impressão de que pouca coisa está acontecendo na tela. Perto do final, ganha fôlego novamente. Não é que o longa tenha um grande defeito, é mais uma falha em segurar a atenção do espectador – como Seven faz ao longo de toda a projeção. O que nos leva à questão que seria, no final das contas, a grande deficiência do filme: Zodíaco tem 158 minutos. Nada contra filmes longos, desde que tal duração seja justificada. Não é. Daí a sensação de quebra no ritmo narrativo. O que é uma pena, porque fora isso o filme tem todos os elementos certos: uma história interessantíssima, um clima de suspense bem estabelecido e trilha sonora caprichada. Sem contar o elenco de primeira, encabeçado pelos ótimos Jake Gyllenhaal (Robert Graysmith) e Robert Downey Jr. (Paul Avery). Rodado com câmeras digitais de alta definição e com um orçamento de US$ 85 milhões, era para ser o thriller do ano. Não foi isso tudo, mas o saldo final ainda pende para o positivo. Vale reservar um tempinho (ou melhor, um tempão) para conferir a produção.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Espelhos do Medo


Os espelhos sempre tiveram uma simbologia sombria no cinema e na literatura. Portais para outras dimensões, janelas para a alma, duplicidade, morte, enfim, encontro com o mundo oculto. Na magia, são considerados portais de mão dupla, ou seja, assim como servem para deixar aquele que os utiliza penetrar em outros ambientes também permitem que forças desconhecidas fluam para fora dele. Numa rápida pesquisa internética em busca da simbologia dos espelhos, encontrei uma infinidade de rituais envolvendo seu uso. Em comum, a mesma advertência: é fundamental que a passagem seja “fechada” ritualisticamente depois.

Espelhos do Medo bebe na fonte de toda essa mitologia e traz Kiefer “Jack Bauer” Sutherland no papel de Ben Carson, ex-policial afastado de seu cargo após um acidente em que feriu um colega. A depressão e os problemas com bebida foram o passo seguinte, afastando-o da esposa e dos filhos e obrigando-o a passar um tempo indeterminado na casa da irmã. Louco para recomeçar a vida, Ben aceita um emprego como vigia noturno de um sinistro e enorme prédio. Outrora uma chique loja de departamentos, a construção foi devastada por um incêndio cinco anos antes. Em suas rondas noturnas, Ben começa a ser atormentado por visões horripilantes nos grandes espelhos que cobrem as paredes da loja e que parecem ser as únicas coisas intactas no lugar. Realidade ou fruto de uma mente perturbada?

O filme tem a seu favor a ótima locação. Apesar da trama ser ambientada em Nova Iorque, todas as cenas internas foram rodadas em Bucareste, na Romênia, e o impressionante prédio em que se passa boa parte da trama é, na verdade, uma estrutura encomendada pelo ditador Nikolae Ceausescu para abrigar a Academia de Ciências, mas que foi deixada inacabada após sua morte em 1989.

Espelhos do Medo parte de uma boa história e tem um ótimo cenário, mas, infelizmente, se rende às facilidades de ser um filme de terror comercial. O argumento realmente criativo é desperdiçado de modo a transformar uma história que poderia se converter em algo no estilo O Iluminado ou Os Outros em mais um filme de terror movido a sustos fáceis e trilha sonora óbvia. Isso quando não apela para cenas que seriam mais adequadas para qualquer um dos intermináveis jogos mortais. Um exemplo disso é a cena da irmã de Ben na banheira (o espectador realmente poderia ter ficado sem essa). O roteiro ainda deixa pontos importantes inexplicados, como, por exemplo, o porquê do vigia diurno não ser afetado pelos espelhos. Ele demonstra estar a par do que acontece, mas segue trabalhando ali na boa. Por quê?

Também é meio esquisito o fato do herói não ter pudores em mandar um inocente para o sacrifício quando se trata de salvar sua família. OK. Talvez a maioria das pessoas fizesse o mesmo, mas pegou mal. Principalmente porque o protagonista nos é apresentado como um policial bom-caráter e cheio de crises de consciência. Aliás, todo o desfecho peca pelo exagero e pelas soluções equivocadas, incluindo aí a famosa “pegadinha final” - que pode até ter se tornado uma assinatura do gênero, mas já está cansando.

Apesar disso, o filme não é dos piores. Faço essas ressalvas justamente por ser uma fita de terror bem razoável. Então é decepcionante imaginar o que o filme poderia ser, seu potencial perdido. Mas o que assusta mesmo é saber que o próximo projeto do diretor e roteirista Alexandre Aja é um longa intitulado Piranha 3D. Depois dos espelhos, as piranhas. E em 3D. Que medo.

domingo, 19 de outubro de 2008

Fatal


Nesta belíssima e triste história de amor, Ben Kingsley interpreta David Kepesh, um conceituado professor universitário e crítico cultural. Inteligente e sofisticado, ele tem uma visão cínica dos relacionamentos e coleciona belas mulheres sem se comprometer com nenhuma. David deixou a esposa há muitas décadas, o que faz com que hoje em dia seu relacionamento com o filho seja marcado por acusações e amargura de ambas as partes. Mas essa até certo ponto confortável insatisfação muda quando o sexagenário intelectual conhece Consuela Castillo, uma estudante cubana de 24 anos interpretada por Penélope Cruz (a atriz tem 10 anos a mais, mas tudo bem). No começo, seria apenas mais um casinho como muitos outros. Mas o caçador se torna presa de sua caça e logo David fica dependente de Consuela e obcecado em antecipar o momento em que ela o trocará por um homem mais jovem.

Baseado em O Animal Agonizante, de Philip Roth, Fatal é dirigido pela espanhola Isabel Coixet, realizadora dos ótimos A Vida Secreta das Palavras e Minha Vida Sem Mim. Pela primeira vez, a cineasta dirige um filme que não roteirizou – função desta vez entregue a Nicholas Meyer, que anteriormente escreveu Revelações, também adaptado da obra de Philip Roth. A parceria foi tão bem-sucedida que é difícil perceber uma mudança de tom em relação aos longas anteriores de Isabel. Continuam presentes alguns elementos já identificados com a filmografia da diretora: amores doloridos, personagens unidos pela solidão, ameaça de morte pairando no ar, incomunicabilidade, desesperança... Mas tudo isso é demonstrado na trama de um modo muito sensível e delicado, distante do tom niilista que costuma acompanhar outras histórias desse mesmo estilo.

É uma pena que o título em português não tenha a mesma significância do original (Elegy). Segundo a Enciclopédia Britânica, por elegia entende-se um gênero poético surgido na Grécia do século VII a.C. e que se caracteriza não pela forma, mas pela temática: a tristeza dos amores interrompidos pela infidelidade ou morte. Nada poderia estar mais próximo do estado de espírito desses personagens do que a elegia, seja real ou mental. Porque o filme não deixa dúvidas de que é o próprio David que coloca em movimento a roda de acontecimentos que faz com que o seu romance com Consuela se encaminhe para um desfecho tão tumultuado. Incapaz de aceitar a verdade simples de que aquela mulher jovem e bonita realmente gosta dele, David mina um relacionamento que poderia ser saudável com seu ciúme sem propósito e medo irracional de se comprometer com alguém depois de tanto tempo.

Ben Kingsley está comovente no papel, mostrando para o espectador de forma sutil e muito convincente o quanto aquele homem finge uma superioridade e sarcasmo que não sente de verdade todos os dias de sua vida. E a bela Penélope Cruz prova neste filme que pode atuar bem em inglês sim (ao contrário do que mostram todas as suas tentativas anteriores) se for conduzida por uma direção sensível e acertada. Já o elenco coadjuvante é abrilhantado pelas participações de luxo de gente como Dennis Hopper, Patricia Clarkson e Peter Sarsgaard.

Um filme triste, lindo e perturbador. Imperdível.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Fay Grim


Mais um filme mostrado no Festival do Rio do ano passado que chega tardiamente às telonas, Fay Grim tem sua trama centrada numa dona-de-casa que tem sua vidinha suburbana virada pelo avesso quando descobre que seu ex-marido Henry Fool, um simples lixeiro do Queens foragido da polícia há anos, é, na verdade, um espião que foi eliminado por saber demais. Um agente da CIA convence Fay a ir a Paris recuperar os diários de Henry, que conteriam valiosas informações cifradas. Mas Fay percebe que, no mundo da espionagem internacional, nada é o que parece e ninguém é confiável. Continuação de As Confissões de Henry Fool (1998).

A princípio, o longa é uma divertida farsa que brinca com o estilo 007. Com seus personagens intencionalmente caricatos e uma trama rocambolesca, lembra em alguns momentos o divertido Beijos e Tiros – também uma paródia, mas esse ao film noir. O roteiro inteligente e sarcástico de Fay Grim evolui muito bem até a metade do filme quando, inexplicavelmente, a história perde o tom de sátira que era seu maior charme e o filme assume um tom mais melodramático. Não chega invalidar suas qualidades, mas essa pequena decaída quebra o ritmo narrativo e isso certamente frustrará um pouco o espectador. O que é uma pena. Se tivesse conseguido sustentar a linguagem inicial até o fim, seria um filme excelente.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

No Covil de Allan Sieber


O gaúcho Allan Sieber é um dos mais importantes cartunistas e animadores da atualidade. Autor de tirinhas de sucesso como Preto no Branco e Vida de Estagiário (publicada na Folha de São Paulo), Allan é um dos sócios do estúdio Toscographics e já dirigiu um total de sete curtas, incluindo o premiado e polêmico Deus é Pai. Entre uma lata e outra de cerveja, o bem-humorado o cartunista me recebeu para um papo no seu estúdio em Copacabana.

Em que momento da tua vida você optou por uma carreira nesta área?

Eu gostava de desenhar quando moleque, acho que toda criança gosta, só que os desenhistas continuam. Eu gostava de tiras de jornal, chegava a recortar e colecionava em um caderno, fazia tipo um pequeno álbum. Meu pai também gostava de quadrinhos, então na minha casa sempre tinha muitos gibis. No colégio, eu desenhava os meus amigos, sacaneando eles, coisa de moleque. E segui desenhando, até que aos dezoito anos eu comecei a ser pago pra isso. O primeiro trabalho foi para um jornal de Canoas (cidade próxima a Porto Alegre), e daí não parei mais.

Você mora no Rio há dez anos. O que ocasionou essa mudança?


Eu vim em 1999 para abrir um estúdio de animação aqui. Eu tinha acabado de fazer o Deus é Pai, que teve uma certa repercussão, e foram aparecendo outros trabalhos. Aí na época eu e minha mulher resolvemos nos mudar de Porto Alegre para o Rio porque achávamos que o mercado era maior aqui e seria mais fácil para viabilizar nossos curtas.

Tuas tirinhas, pelo caráter autobiográfico, são muito associadas ao estilo do Robert Crumb. Você realmente tem essa influência? E que outras, além dessa?

Sem dúvida, o Crumb é um modelo para qualquer cartunista. Embora ele não tenha inventado o quadrinho autobiográfico, ele se embrenhou bastante nisso do autor ser o personagem das suas histórias. Sem ser o herói, eventualmente se colocando até numa posição meio escrota. Conheci esse tipo de quadrinho através do Crumb e depois dele comecei a ler outros caras que fazem isso, em geral americanos. Mas influências eu tenho várias: Crumb, Angeli, Jaguar, Millôr, o Reinaldo.

E fora do universo das histórias em quadrinhos?


Eu sempre gostei muito de cinema e leitura. Em cinema, caras meio óbvios, como Scorsese, Jim Jarmusch, Takeshi Kitano... E o Sergio Leone que, para mim, é o maior cineasta de todos os tempos.

Engraçado que você não citou o primeiro cara que eu lembro quando leio o Preto no Branco, que é o Woody Allen.

Adoro Woody Allen, sem dúvida está nos meus preferidos. E o cara tem uma média de um filme por ano, né?

E tem aquela coisa do humor auto-depreciativo...

Exatamente, mas isso é uma coisa que os humoristas judeus têm muito, de ficar se sacaneando, tirando um sarro deles como pessoa, como judeu, da mãe, enfim, coisas da comunidade. Mas o que eu gosto do Woody Allen é que volta e meia ele se aventura fora do terreno do humor, faz uns filmes super sérios e densos. Enfim, é um gênio.

Deus é Pai, teu primeiro filme, foi premiado no Festival de Gramado e também no Anima Mundi. Conta pra gente como foi o processo de realização desse filme.

É engraçado, porque esse filme foi feito num computador bem tosco que eu tinha na época. Na verdade, eu não entendo muito de computador, mesmo usando o dia inteiro. Mas, então, eu queria fazer um curta. Eu trabalhei muito tempo com o Otto Guerra, de 1993 a 1997, e tinha aprendido o processo de como se faz um desenho animado. Se bem que eu fiz um desenho animado que não é exatamente animado, é um desenho desanimado. E aí eu tentei contrabalançar fazendo uma montagem mais esperta, de plano e contra-plano, mas se você reparar os personagens quase não se mexem.

E por que você pensou logo em Deus e Jesus como protagonistas?

Na verdade, é uma situação clássica de pai e filho às turras. Só que elevada à milésima potência, com Jesus e Deus, que teoricamente convivem há milhões de anos.

O filme passou antes das sessões do longa Dogma, do Kevin Smith. Como você conseguiu essa distribuição?

Isso daí foi muita sorte. Quando o filme passou lá em Gramado uma pessoa da Lumière, que era a distribuidora do Dogma aqui no Brasil, assistiu ao filme e achou por bem usar o Deus é Pai como complemento da sessão do Dogma (comédia também de temática religiosa). Não foram em todas, mas em grande parte das sessões passou o curta antes e eu achei do caralho um curta passar no cinema numa sessão normal, sem ser em festival.

Como surgiu isso do Paulo César Pereio se tornar um mentor?

Eu conheci o Pereio quando fiz o curta Os Idiotas Mesmo, que era sobre publicitários. Quando eu escrevi o roteiro, eu pensei numa situação em que precisasse de um cara conhecido, para fazer uma locução classuda, de macho, para o produto. Logo pensei no Pereio, mas não sabia se ele ia topar, tinha vários boatos de que ele era louco...

Mais ou menos o que rola no filme.

Isso. Ele morava em Brasília, mas por acaso eu conhecia o sobrinho dele e aí entramos em contato com o Pereio, mandamos o roteiro e ele gravou lá num estúdio. Aí logo depois ele voltou a morar aqui no Rio e nós ficamos amigos. Tinha uma idéia até de fazer um documentário sobre ele, mas nunca entrou grana pra gente terminar, uma vergonha.

De vez em quando, alguns personagens das tirinhas têm a cara dele. É intencional?

É que eu desenho tanto ele que volta e meia eu me pego desenhando um personagem para alguma tira que sai, como um carimbo, aquele personagem que eu convencionei achar que é ele.

Não só teu trabalho é para adultos como você também costuma ironizar as animações tradicionais. Você acha que no Brasil ainda tem esse conceito antigo de que animação é para criança e tem que ser bonitinha?

Tem ainda, sem dúvida. É o mesmo problema dos quadrinhos, o pessoal acha que super-herói e Turma da Mônica é a mesma coisa. Complicado, porque não é assim há milhões de anos, acho que desde o filme dos Beatles (Yellow Submarine). Mas ainda tem esse conceito de que animação é para criança, por mais que tenha Os Simpsons, O Rei do Pedaço, enfim, uma infinidade de séries para adultos. Os canais de TV ainda são muito reticentes quanto a investir numa série de animação para adultos. Sem contar que tem gente que acha que Os Simpsons é para criança só porque eles são amarelos e o traço é bem cartoon, bem caricato. Às vezes esses desenhos passam de manhã, em programa da Xuxa. Eu vejo isso e fico imaginando quem faz essas grades de horários. Acho até bom que as crianças vejam... só que elas não vão entender.

Você fez as animações para o filme O Homem que Copiava, do Jorge Furtado. Você acha que esse tipo de parceria faz com que teu trabalho seja mais conhecido por essas pessoas que têm preconceito com animação?

O Jorge é uma pessoa super antenada, que gosta de quadrinhos e animação. E eu acho muito interessante isso, inserir animação em filmes de imagem real. O Tarantino também fez isso no Kill Bill.

O que você pensa sobre a Disney e a Pixar?

Na verdade, eu vejo muito pouco porque não tenho paciência. O Monstros S.A. eu até acho interessante esteticamente. O que acontece é que geralmente eu acho a animação em 3D uma coisa meio de mau gosto, tudo muito brilhoso... Não me agrada. Claro que os filmes da Pixar fogem um pouco disso porque, como tem muita grana envolvida, não fica muito tosco. Mas eu tenho um certo preconceito com 3D, não tenho muito saco.

Então você nem cogitaria trabalhar com animação em 3D?

Não. Eu acho muito mais interessante o trabalho feito à mão. Porque o que eu acho legal no desenho animado é justamente a falha, entendeu? A coisa humana mesmo, o que dá um pouquinho errado, uma tremida. Já o 3D é à prova disso, não dá margem ao erro humano, que é o que eu gosto no desenho. De estar desenhando com o pincel e salpicar muita tinta ou então estar meio seco e daí sai um traço meio esquisito que você não planejou, mas apareceu ali e faz sentido.

Tua animação é muito mais calcada no roteiro, nas idéias, do que no traço em si. Isso é uma opção estética, ideologia ou falta de verba mesmo?

Uma combinação de tudo isso, mas sem dúvida é uma opção estética. O princípio e o fim de tudo é um bom roteiro. Uma coisa que você vê constantemente em festivais, mesmo no Anima Mundi, são filmes muito bem executados mas que não são nada. Acaba sendo um filme sobre a arte da animação. Pode ser bonito, mas é quase um portfólio.

Você então é contra a animação pela animação, sem uma história a contar?


Sou. Eu acho muito chato. Eu quero contar uma história.

Quais são os teus próximos projetos?


Tenho alguns roteiros de longas, mas que dependem de captação de recursos. Tem um roteiro pronto de um filme de ficção chamado Manolo, que é sobre um ator de novela meio psicopata. Tem outro longa em captação, esse de animação, chamado De Mão em Mão, que é meio inspirado na história do Carlos Zéfiro. E tem um curta que eu fiz esse ano, chamado Animadores, que ainda está pelos festivais.

Para finalizar, tem uma declaração sobre você que eu li na Wikipédia e gostaria que você comentasse. A frase é a seguinte “normalmente, tem seu trabalho associado à heresia, crítica comportamental (sexual ou não) e escatologia”.

Não se pode confiar na Wikipédia (risos)... Mas tem a ver. Religião e sexo são dois assuntos aos quais eu dedico um certo tempo. Quando eu era moleque, eu era adventista fanático e perdi alguns anos da minha infância e pré-adolescência nessa religião. Aí volta e meia, isso aparece no meu trabalho.

Você batendo em Deus...

É, sempre aparece... Você tenta se livrar, mas não tem como isso ser apagado de você tão facilmente.

Pelos Meus Olhos


Filmes que retratam a violência doméstica são feitos aos montes. A grande maioria, telefilmes baratos que aqui no Brasil costumam passar nas noites de sábado no Telecine. A fórmula é invariável: a mulher submissa e/ou sem recursos para sobreviver por conta própria apanha até o limite das forças para, ao final, reagir e reencontrar sua dignidade. Pelos Meus Olhos começa um pouco diferente: a primeira cena já mostra Pilar arrumando uma mala às pressas e fugindo com o filho pequeno a tiracolo. Logo descobrimos que o motivo de seu pavor é o marido violento. A irmã é solidária e lhe dá abrigo, além de conseguir-lhe um emprego. O problema estaria resolvido e não teríamos um filme, não fosse o fato de Pilar ainda amar o homem que lhe bate. E reside justamente nessa contradição, de querer retornar mesmo sem necessidade, o diferencial que torna este filme melhor que seus similares.

A trama é ambientada em Toledo, cidade pequena e ainda bastante atada a uma moral tacanha. O que explica a relutância de Pilar em deixar sua vida antiga para trás e a pressão que ela sofre por parte da mãe – também ela outrora vítima do marido – para reconsiderar sua decisão. Aliás, a figura materna me parece em muitos aspectos mais castradora do que o próprio marido. Como se o fato de Pilar se libertar da tirania de Antonio ofendesse a mãe em seu orgulho, já que ela não fora capaz de fazer o mesmo. Então colocar a filha de volta no cárcere lhe daria um certo alívio, uma conformação de que a vida é igualmente sufocante para todas as mulheres.

A figura do marido agressor consegue o difícil feito de fugir dos clichês, ao retratar Antonio como um homem constantemente atormentado pela insegurança e cujo temperamento violento tem como principal motivo uma enorme falta de auto-estima. Isso fica bem claro na sequência em que o casal, tentando se reconciliar, vai passar o dia com a família dele e no modo como ele desconta em Pilar todas as frustrações causadas pelo irmão que o destrata. Antonio vai ao terapeuta e quer genuinamente ser um homem melhor, mas isso de nada adianta, já que suas neuroses o vencem e ele recai no erro de achar que só conseguirá manter a esposa ao seu lado através da coação e ameaça. Luis Tosar – de Inconscientes e Segunda-Feira ao Sol – tem um desempenho muito bom no papel, fazendo ótima transição entre os momentos de carinho e fúria de seu personagem. E vale destacar que tal mudança muitas vezes ocorre em questão de segundos. 

Outro ponto interessante é a trajetória de Pilar, que descobre prazer em seu trabalho e independência à mesma medida que sua recém-adquirida desenvoltura cria novos pontos de atrito com o marido. De repente, ela quer mais dele: apenas deixar de agredi-la fisicamente não é mais suficiente. Isso fica evidente na cena em que ele a humilha e vemos, pela sua reação, que aquela agressão foi mais dolorida do que as vezes em que ele a espancou.

Realizado há cinco anos, o filme foi o vencedor de nada menos que sete prêmios Goya em 2004, incluindo melhor filme e direção. Pelos Meus Olhos realmente é um longa acima da média, mas não acho que seja para tanto. O roteiro derrapa em algumas passagens, como, por exemplo, na maioria das cenas que mostram Antonio com o terapeuta: as conversas soam explicativas demais, quase como se fizessem parte de um material didático para conscientizar maridos agressivos. O desfecho também segue o caminho da previsibilidade, com um tom de fábula moral meio novelesco. Mas, em termos gerais, é um filme cujas qualidades ultrapassam as deficiências. Vale o ingresso, sem dúvida.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Mandela – Luta pela Liberdade


Acabado o Festival do Rio, é hora de voltar a prestar atenção no circuito. Esse longa foi selecionado para a competição oficial do Festival de Berlim do ano passado e também exibido aqui no Rio no Festival de 2007. Foi quando o assisti. Para meu azar, logo no primeiro dia do evento. Eis que agora, um ano depois, alguém resolve retirar o filme do limbo para lançá-lo nos cinemas. O tipo de coisa que sempre me espanta, considerando a grande quantidade de produções infinitamente melhores que têm sido despejadas direto nas locadoras.

A história se passa na África do Sul do final dos anos sessenta e inicia quando James Gregory, um guarda penitenciário branco, recebe a missão de espionar o prisioneiro Nelson Mandela. Criado numa fazenda na mesma região do líder sul-africano, Gregory fala bem o dialeto Xhosa e é a pessoa indicada para ouvir e repassar informações trocadas entre Mandela e seus visitantes. Mas a convivência entre os dois acaba por criar laços de respeito mútuo e amizade.

Mesmo dentro do seu estilo convencional, o filme é uma bomba e não tem nada a dizer. A trama se limita a mostrar a convivência do tal carcereiro com Mandela e a inexplicada tomada de consciência do primeiro quanto à questão do apartheid, sem que haja nenhuma conversa relevante entre os dois que tenha ocasionado tal mudança de postura. O diretor Bille August causou sensação com Pelle, o Conquistador, filme que venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro e deu uma indicação de melhor ator a Max Von Sydow. Mas isso foi há 20 anos e August nunca mais fez algo relevante.

Além de ser incrivelmente chato, o filme também é cheio de falhas técnicas. Os personagens envelhecem mais de vinte anos ao longo da história sem que haja nenhuma mudança significativa em termos de caracterização. Um bigode, um penteado diferente ou cabelos brancos que parecem algodão. Um horror. Também é mais um daqueles filmes com trilha sonora irritante, ou seja, repleto de sons pseudo-edificantes. O elenco apático também contribui para colocar o pobre espectador para roncar. Dennis Haysbert é bom, mas não tem muito o que fazer no filme. Joseph Fiennes está longe de ter o talento do mano Ralph. E Diane Kruger... Bom, essa daí é simplesmente uma das piores atrizes do momento. Ah, e a explicação para o título original (Goodbye Bafana) também é de doer.

A impressionante trajetória de Mandela, preso político por 27 anos e posteriormente presidente da república, certamente merece e deve ser mostrada no cinema. Mas ainda não foi dessa vez que isso aconteceu, mesmo porque o roteiro é focado na figura de James Gregory e não na do líder sul-africano. E, como não há nada de interessante na biografia de Gregory, a grande pergunta é: por quê? Imaginem se a moda pega e começam a fazer filmes sobre as vidinhas tediosas de qualquer um que tenha convivido com alguém importante.

Festival do Rio - Meus Preferidos

Leonardo Medeiros em cena de Feliz Natal

Três semanas (o evento começa antes para a imprensa) e oitenta filmes depois, é hora de fazer um balanço. Depois de muito refletir, cheguei a um consenso comigo mesma quanto aos dez filmes que mais mexeram comigo. O leitor que for mais detalhista poderá notar que a lista apresentada abaixo não é uma correspondência fiel daquela que seria de eu fosse respeitar rigorosamente as notas dadas anteriormente. Seria uma lista com os mesmos filmes, mas não exatamente nesta ordem. Isso acontece porque muitas vezes nossa percepção a respeito de um filme pode mudar um pouco após alguns dias de reflexão. Ou não. Por isso não costumo escrever meus textos no mesmo dia, no calor do momento. Prática impossível de aplicar na correria de um festival. Também queria ressaltar mais uma vez que essa não é uma lista de "melhores", não quero usar essa palavra justamente por ser um conceito pra lá de subjetivo. Essa é uma lista dos filmes que mais chamaram minha atenção, seja pela emoção, pelo divertimento ou até mesmo pelo mal-estar provocado (caso de Downloading Nancy). Confiram, concordem, discordem, comentem:

1 - Feliz Natal
2 - Queime Depois de Ler
3 - O Bom, o Mau, o Bizarro
4 - Choke
5 - Rebobine, Por Favor
6 - Última Parada 174
7 - Sereia
8 - Downloading Nancy
9 - Sujos e Sábios
10 - Sanguepazzo

Festival do Rio - Os Premiados

José Eduardo Belmonte recebe junto com elenco prêmio por Se Nada Mais Der Certo

Júri Oficial:
Melhor longa-metragem de ficção: Se Nada Mais Der Certo, de José Eduardo Belmonte
Melhor longa-metragem documentário: Estrada Real da Cachaça, de Pedro Urano
Melhor direção ficção: Matheus Nachtergaele (A Festa da Menina Morta)
Melhor direção documentário: Helena Solberg (Palavra (En)cantada)
Melhor ator: Daniel de Oliveira (A Festa da Menina Morta)
Melhor atriz: Caroline Abras (Se Nada Mais der Certo)
Melhor curta de ficção: Blackout, de Daniel Rezende
Melhor curta documentário: 69 – Praça da Luz, de Carolina Markowicz e Joana Galvão
Prêmio especial do júri: Jards Macalé – Um Morcego na Porta Principal, de Marco Abujamra, co-direção de João Pimentel
Menção honrosa: Apenas o Fim, de Matheus Souza
Prêmio FIPRESCI (Federação Internacional da Imprensa): A Mulher sem Cabeça, de Lucrecia Martel (Argentina)
Voto Popular:
Melhor longa ficção: Apenas o Fim, de Matheus Souza
Melhor longa documentário: Loki - Arnaldo Baptista, de Paulo Henrique Fontenelle
Melhor Curta – Urubus Têm Asas, de André Rangel e Marcos Negrão

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Um Homem Bom (encerramento do Festival)


Muitos filmes já foram feitos denunciando a Alemanha nazista e os horrores do holocausto. Mas só de um tempo para cá as lentes do cinema se distanciaram um pouco dos grandes vilões e focaram no cidadão comum, não raro acusado de conivente das atrocidades de seu governo. Mas, como já mostrado em Uma Mulher Contra Hitler, o Terceiro Reich não costumava conceder muito livre-arbítrio a seus cidadãos e punia os dissidentes mesmo que fossem de “raça pura”. Um Homem Bom, produção inglesa dirigida pelo brasileiro Vicente Amorim, mostra como um pacato professor universitário foi pouco a pouco levado a fazer parte de crimes dos quais nem tinha conhecimento.

John Halder – interpretado lindamente por Viggo Mortensen – é um homem caseiro, que dá aulas de literatura francesa e costuma cozinhar e tomar conta dos filhos para que a esposa compositora se dedique melhor ao piano. Também é amoroso e paciente com a mãe senil. Mas tudo muda quando os nazistas se interessam por seu trabalho e, em especial, por um romance seu que defende a eutanásia. John é contratado pelo partido para escrever um artigo sobre o tema, o que será o início de seu envolvimento com a política, ainda que ele demore um tempo para se dar conta de que está trilhando um caminho sem retorno. Ao mesmo tempo, a falta de entrosamento conjugal e o interesse por uma jovem aluna fazem com que seu casamento termine.

O filme, baseado na peça teatral Good, de C.P. Taylor, mostra como pequenas decisões podem cobrar um preço muito alto adiante. John é um intelectual, não tem interesse nenhum em política. Mas hesita em dizer não ao primeiro pedido deles, mesmo porque demonstra estar com medo de que as autoridades o tenham procurado por estarem descontentes com seu livro. Assim, servi-los traz até um certo alívio. Somadas essas inseguranças à cobrança do sogro para que se filie ao partido e consiga melhores oportunidades na carreira, o personagem pensa “por que não?”. Daí para vestir a farda da SS, é só questão de tempo. O personagem é muito bem composto, com delicadeza e até uma certa inocência. Geralmente as pessoas boas tendem a julgar as outras pelos seus próprios parâmetros, o que faz de John um inocente útil, usado até por pessoas próximas – isso fica evidente no episódio da prisão de seu amigo psiquiatra.

Um Homem Bom é um filme de curta duração e, como abarca um período de vários anos e transformações políticas, acaba sendo necessário que sejam feitas algumas elipses bastante bruscas. A trama dá saltos do período pré-guerra para o meio do conflito, o que dá ao espectador uma sensação de ter perdido um pedaço da mudança por que passa a Alemanha. Fora isso, também sente-se falta de um maior esclarecimento sobre quais eram, exatamente, as atividades desenvolvidas por John dentro do partido. Tem uma cena que mostra o personagem fazendo uma inspeção médica numa espécie de hospício (ele decidia quem poderia viver?), mas me pareceu tudo muito rápido.

Mas, questionamentos à parte, Um Homem Bom representa mais um belo trabalho de um cineasta brasileiro no exterior e também mais um degrau na carreira deste talentoso ator que surpreende a cada novo papel.

Um Homem Bom (Good), de Vicente Amorim. Com Viggo Mortensen, Jason Isaacs, Jodie Whittaker, Mark Strong. Reino Unido / Alemanha, 2008. 96min.

Mostra Foco UK

Nota: 7,0

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Viggo Mortensen


Isso é que é homem elegante! Participando do Festival do Rio na qualidade de protagonista do filme de encerramento, Um Homem Bom, Viggo Mortensen esteve na sessão de gala desta quarta no Cine Odeon. Chamado no palco pelo diretor Vicente Amorim, o astro americano não foi com tradutor a tiracolo: subiu lá, tirou um papelzinho amarrotado do bolso e disse suas palavras em um português totalmente inteligível. A seguir, nos brindou na tela com mais uma interpretação de primeira linha.

REC

Filme de zumbis que foge do lugar-comum ao optar pelo estilo falso documentário (algo parecido com A Bruxa de Blair, só que muito mais caprichado). Ángela tem um programa noturno chamado Enquanto Você Dorme e sai em campo com seu cameraman altas horas da noite. Ao gravar no Corpo de Bombeiros, eles têm a oportunidade de acompanhá-los em um chamado de emergência. Ao entrar no prédio, encontram os moradores apavorados com uma velha senhora que grita sem parar dentro de seu apartamento. E a câmera segue registrando os pavores que todos irão vivenciar.

Essa é a grande sacada do filme, mostrar tudo pelas lentes da câmera como se estivéssemos de fato vendo uma reportagem. A imagem por vezes trepidante, desfocada – ou até mesmo no nível do chão, dependendo do que está rolando no momento – também ajuda a reforçar essa sensação. Em outros momentos, a tela negra é usada para criar suspense. E isso faz de REC um filme bem mais interessante do que a maioria das fitas de zumbis. O filme também acerta ao contar a história em ritmo de tensão crescente: primeiro ambienta o espectador com a personagem da repórter e o tipo de programa que ela faz; depois segue para o prédio, mas cria um bom suspense antes de partir para a carnificina ao sabor George Romero.

É claro que a explicação para a origem dos zumbis não faz lá muito sentido, mas isso já é um defeito normal nesse tipo de filme. O que importa é que o longa prova que o gênero terror pode ir além da velha receita dos adolescentes perseguidos por um psicopata no acampamento de verão. Ou dos remakes orientais, com suas garotinhas de cabelos escorridos.

REC (idem), de Jaume Balagueró e Paco Plaza. Com Manuela Velasco, Ferrán Terraza, Jorge Serrano, Carlos Lasarte, Pablo Rosso, David Vert. Espanha, 2007. 85min.

Mostra Midnight Movies

Nota: 6,0

Gesto Obsceno


Michael Klienhouse é um pacato cidadão que tem sua rotina virada pelo avesso depois que uma desavença de trânsito o coloca em rota de colisão com Dreyfus, ex-agente secreto que se acostumou a não respeitar nada nem ninguém. Michael acredita que pode resolver o problema recorrendo à polícia, ignorando que Dreyfus tem altas conexões no poder público.

Um filme de ritmo e estilo irregular: no princípio parece um thriller, fica arrastado e dramático pelo meio, resvala na comédia e termina de maneira bem curiosa. Mas, apesar dessa indefinição na abordagem, Gesto Obsceno vale uma conferida. O mais interessante é notar o efeito dominó causado pelo tal gesto, feito pela esposa de Michael, ou seja, o quanto um acontecimento insignificante pode causar de pesadelo na vida de toda uma família. Por outro lado, também notamos que os problemas pelos quais o casal passa servem para ao menos tirá-los do marasmo em que viviam antes. Só é uma pena que a transformação de atitude do protagonista seja feita na tela com sutileza paquidérmica: num momento ele se esconde de bandidos atrás do filho pequeno, logo depois dá uma de Rambo israelense. Atenção também para a cena final, divertida justamente pelo absurdo.

Gesto Obsceno (Tnuah Meguna), de Itshak “Tzahi” Grad. Com Gal Zaid, Keren Mor, Asher Tsarfati, Ya'acov Ayaly, Ania Bukshtein. Israel, 2006. 95min.

Mostra Expectativa

Nota: 5,0

terça-feira, 7 de outubro de 2008

O Expresso Trans-Siberiano


Roy e Jessie, um casal americano em crise, viaja de Pequim para Moscou no tradicional Expresso Trans-Siberiano, hoje em dia muito utilizado na rota do tráfico de drogas. Durante o percurso, ficam amigos dos extrovertidos Carlos e Abby. Quando Roy é deixado por engano numa das paradas e Jessie tem que descer do trem para esperá-lo na estação seguinte, o casal decide fazer companhia a ela.

Para começo de conversa, a história só é possível graças à estupidez total dos personagens principais. Nem uma criança de cinco anos daria trela a dois desconhecidos numa viagem de trem pela Rússia, mesmo depois de ouvir uma conveniente advertência de que aquele trem era freqüentado por traficantes (aviso dado por outro estranho, mas tudo bem). Para piorar, Carlos e Abby inspiram encrenca só de olhar para eles. Mas isso nem chega a ser um grande problema. Afinal de contas, ótimos filmes já foram feitos baseados na burrice de alguém – um exemplo recente é Onde os Fracos Não Têm Vez. Enquanto está nesse jogo do espectador esperar o momento em que a barra vai pesar (porque é certo que vai), até que o filme se desenvolve bem. Principalmente na exploração do desejo da mocinha pelo pedaço de péssimo caminho Carlos (o guapo Eduardo Noriega), evidência que só o marido simpaticão parece não notar (Woody Harrelson bonzinho, há quanto tempo não vemos isso?).

O filme vai por água abaixo mesmo em sua segunda metade, conforme Roy e Jessie vão se dando conta do tamanho da encrenca em que estão metidos. E aí a história entra em um ritmo frenético e vai avançando graças a acontecimentos absurdos e inexplicados como, por exemplo, a questão do desmembramento do trem. Até mesmo o motivo que faz com que todo o resto aconteça (Roy ter ficado para trás na parada) não é posto na tela de forma muito convincente. De repente, ficamos tontos com tantos bandidos, perseguições e até uma desnecessária cena de tortura. E o desfecho, então, vem piorar o que já estava ruim e confirmar a curva descendente que o filme faz.

Mas o que realmente soa rançoso no longa é aquela visão ultrapassada do cidadão americano viajando para um país primitivo, pouco civilizado, e entrando numa roubada graças à sua ingenuidade. Parece filme da época da guerra fria. Desde o ótimo e surpreendente O Maquinista (2004), Brad Anderson só vinha realizando alguns trabalhos para a TV. Que decepção ver um novo filme seu na telona nessas condições.

O Expresso Trans-Siberiano (Transsiberian), de Brad Anderson. Com Woody Harrelson, Emily Mortimer, Eduardo Noriega, Kate Mara, Ben Kingsley. Espanha / Alemanha / Reino Unido / Lituânia, 2008. 111min.

Mostra Panorama

Nota: 3,0

Rebobine, Por Favor


Mike trabalha na locadora de vídeo do Sr Fletcher, um saudosista que se recusa a aderir aos DVD's. O melhor amigo de Mike é Jerry, um mecânico com tendências subversivas que sofre um acidente ao promover um atentado em uma usina e, com o corpo magnetizado, apaga acidentalmente as fitas de vídeo da locadora. Para que o patrão não descubra, os dois decidem refilmar as fitas pedidas pelos clientes e criam versões caseiras de filmes como A Hora do Rush, Conduzindo Miss Daisy e Os Caça-Fantasmas.

Considerando que seus dois últimos trabalhos foram filmes bastante singelos e poéticos (Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças e Sonhando Acordado, que passou no Festival do ano passado e nunca estreou em circuito), não deixa de ser surpreendente que o francês Michel Gondry agora parta para uma comédia tresloucada. A história faz rir não apenas pelas versões esculachadas de clássicos do cinema de todos os tempos, mas também pelo ótimo timing para comédia do elenco, liderado por essa metralhadora giratória de piadas chamada Jack Black. E as soluções esdrúxulas para realizar de forma tosca o que custa milhões ao grandes estúdios também são um show à parte. Exemplos? Colocar uma pizza cheia de molho de tomate debaixo da cabeça do ator que acabou de levar um tiro. Ou usar a frente de um caminhão de brinquedo como nariz do King Kong. As idéias são de fazer inveja a Ed Wood.

Mas, por outro lado, há mais do que meras risadas no filme. Está muito presente também na trama o amor sincero pelo cinema, a vontade de realizar uma obra (independente da qualidade da mesma, é claro) e também a relação entre astros e público. Uma belíssima cena é a que mostra a projeção do filme sobre o cantor de jazz, uma boa demonstração do quanto a arte ainda tem o poder de unir as pessoas e transpor barreiras. Há, ainda, uma homenagem à tradição oral, aos contadores de histórias, representados no personagem de Danny Glover. Afinal de contas, já disse John Ford que “quando a lenda é mais interessante do que o fato, deve-se imprimir a lenda”.

Rebobine, Por Favor é um filme muito bacana, que deve divertir cinéfilos de todas as idades.

Rebobine, Por Favor (Be Kind Rewind), de Michel Gondry. Com Jack Black, Mos Def, Danny Glover, Mia Farrow. EUA, 2008. 102min.

Mostra Panorama

Nota: 8,0

Waltz with Bashir


O diretor Ari Folman, em versão animada, conversa com um velho amigo do exército em um bar. Este lhe conta sobre um sonho recorrente, em que ambos são perseguidos por cães raivosos, e acredita que a imagem tem relação com a experiência deles no exército israelense durante a Guerra do Líbano (anos 80). Ari descobre, então, que não consegue se lembrar desse período e inicia uma jornada para resgatar sua memória, através de encontros com os amigos da época. Exibido em Competição no Festival de Cannes 2008.

O longa utiliza a mesma técnica de animação celebrizada por Richard Linklater em Waking Life e O Homem Duplo, a rotoscopia. Basicamente, as cenas filmadas com os atores são reproduzidas depois em animação computadorizada, com um grande nível de detalhamento da expressão facial e dos movimentos dos atores originais. É um filme muito interessante esteticamente, mas que não funciona tão bem em termos de ritmo e roteiro. Passado o encantamento inicial com o visual do filme, o que sobra é uma longa viagem do protagonista em busca de suas memórias perdidas. É cansativo, desinteressante e faz um longa que não chega a uma hora e meia de duração parecer ter o dobro disso.

Waltz with Bashir (Vals im Bashir), de Ari Folman. Israel / França / Alemanha, 2008. 87min.

Mostra Panorama

Nota: 4,0

A Boa Vida


A psicóloga Teresa trabalha conscientizando prostitutas sobre sexo seguro, mas é a última a saber que a filha de 15 anos engravidou; Edmundo é um cabeleireiro que ainda vive com a mãe e tem como sonho de consumo máximo comprar um Ford Fiesta; Mario é um músico talentoso, mas sempre perde a vaga na Filarmônica para apadrinhados. Os personagens não se conhecem, embora seus caminhos se entrecruzem pela cidade de Santiago, no Chile.

Um filme simpático, bem dirigido e com alguns bons momentos de humor. O roteiro faz o estilo mosaico, com várias tramas paralelas que têm como unidade temática o fato de todos serem habitantes de classe média da cidade chilena. Um olhar sobre o cidadão comum, com seus sonhos prosaicos, problemas cotidianos, pequenas neuroses. Cumpre bem sua função de distrair, embora não acrescente muita coisa ao espectador e nem à filmografia do diretor Andrés Wood, que tem como longa anterior o pungente Machuca (2004).

A Boa Vida (La Buena Vida), de Andrés Wood. Com Aline Kupenheim, Manuela Martelli, Eduardo Paxeco. Chile / Argentina / Espanha / França, 2008. 90min.

Mostra Première Latina

Nota: 6,0

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Downloading Nancy


Vítima de abusos sexuais quando criança, Nancy encontrou na auto-punição uma estranha forma de alívio. Agora ela é casada com Albert, um executivo que só pensa em golfe e não percebe que a esposa se corta com gilete e passa horas na internet à procura de pervertidos. Até o dia em que, ao voltar do trabalho, ele encontra um bilhete dela dizendo ter ido visitar amigos em outra cidade. Só que Nancy foi ao encontro de Louis Farley, um homem que conheceu na internet e com quem fez um pacto.

Sem dúvida, o filme mais perturbador que assisti desde Irreversível. Com a diferença de que, neste caso, a violência emocional consegue ser ainda mais cruel do que a física (que não é café pequeno). A protagonista teve sua vida destruída desde muito cedo, sem que ninguém depois disso tenha percebido exatamente o quão arrasada ela vive. Ou sobrevive. Alguém que precisa anestesiar as dores da alma mutilando a própria carne e que há muito deixou de lado qualquer instinto de auto-preservação. Uma mulher que já está no ponto de falar sem rancor do tio que esfacelou seu útero por estuprá-la seguidamente desde que ela tinha sete anos. O longa contempla um momento da vida de Nancy em que seu estado mental já está tão deteriorado que ela não busca mais nada além da destruição, da dor, do caos. Baseado em uma história real, impressiona que o filme seja tão visceral e chocante e, ao mesmo tempo, consiga estabelecer um inferno desses de um modo que a violência não soa gratuita nem apelativa.

Contribui muito para o resultado final a interpretação intensa e sofrida de Maria Bello, com uma construção de personagem delicada em que a apatia e falta de expressão em seu rosto ganham um significado dramatúrgico muito forte. Já seus partners Jason Patric e Rufus Sewell apenas saem do caminho da atriz, que carrega o filme nas costas. Destaque para a cena em que a terapeuta vivida por Amy Brenneman perde a estribeiras por causa da própria incapacidade de ajudar aquela mulher a reconquistar algum rumo na vida.

Recomendo, desde que o caro leitor não tenha estômago fraco. E uma coisa posso garantir: gostando ou não do filme, é impossível sair da sala escura indiferente a ele.

Downloading Nancy (idem), de Johan Renck. Com Maria Bello, Jason Patric, Rufus Sewell, Amy Brenneman. Estados Unidos, 2008. 96min.

Mostra Midnight Movies

Nota: 8,0

Il Divo


Radiografia do intrincado jogo político italiano realizada através da biografia de Giulio Andreotti, líder do Partido da Democracia Cristã e figura-chave do poder na Itália há quatro décadas. Beirando os 70 anos de idade, Andreotti não dá sinais de aposentadoria e se encaminha para o sétimo mandato consecutivo como Primeiro Ministro. Acusações contra ele se acumulam e nada nunca é provado. Até que ele se desentende com o grande poder paralelo do país: a máfia. Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2008.

Il Divo é um filme bastante difícil para quem não está familiarizado com detalhes sobre a cena política italiana (o que deve corresponder à maioria do público brasileiro, creio eu). São tantos nomes citados, tantas pessoas que entram e saem de cena, apresentados por legendas rápidas que se perdem em sua maioria pelo fato de aparecerem ao mesmo tempo que se fala. Então quem não entende italiano tem que ler a legenda em português do que está sendo dito e perde a legenda escrita (em italiano, o que já é uma dificuldade extra), já que não há tempo para conseguir acompanhar ambas. Resumindo, muita informação se perde.

Ainda assim, mesmo um pouco confusa em alguns trechos e sem poder absorver tudo que é dito/mostrado, continuei achando o filme bastante fascinante e me mantive presa a seu enredo até o desfecho. Isso só pode ser encarado como uma confirmação de que realmente trata-se de um bom filme. Grande parte do mérito por manter aceso o interesse vem do excepcional trabalho do ator Toni Servillo no papel principal. Sua expressão vocal e corporal é impressionante, fazendo daquele homenzinho de aparência insignificante um gigante assustador, com seus trejeitos e esquisitices. Me parece que Il Divo é um filme que deveria ser revisto para ser compreendido na íntegra. O que não é possível por agora, já que foi programada uma única exibição dele em todo o Festival.

Uma curiosidade: no documentário De Repente, o Inverno Passado (que trata da reação conservadora a uma tentativa de legalização da união entre pessoas do mesmo sexo na Itália) é possível ver uma aparição do verdadeiro Giulio Andreotti discursando no plenário.

Il Divo (idem), de de Paolo Sorrentino. Com Toni Servillo, Anna Bonaiuto, Giulio Bosetti, Flavio Bucci, Carlo Buccirosso. Itália / França, 2008. 100min.

Mostra Panorama

Nota: 8,0

domingo, 5 de outubro de 2008

Feliz Natal – O Debate

Selton Mello e Paulo Guarnieri em foto cedida pelo CinePlayers


Estão acontecendo debates muito legais no Pavilhão do Festival, que este ano ocupa o bacanérrimo e enorme armazém do Centro Cultural da Ação da Cidadania na Av. Barão de Tefé, 75. O único problema é que se deslocar para a Gamboa para um evento desses acaba prejudicando pelo menos dois filmes da sua programação diária. Mas fiz questão de conferir o debate do filme Feliz Natal. Afinal de contas, até agora o longa de Selton Mello é meu filme preferido de todos os sessenta e poucos vistos neste Festival. Estiveram presentes no debate Selton, os atores Paulo Guarnieri e Darlene Glória, a produtora Vania Catani, além da montadora, figurinista e diretora de arte.

O ambiente era descontraído e animado. Quando abriram para as perguntas, o microfone estava perto de mim e eu não perdi a chance: perguntei a Selton sobre a opção estética por um filme quase todo em planos fechados. Ficamos sabendo, dentre outras coisas, que Selton se inspirou no universo de John Cassavettes para esse seu primeiro longa e que privilegiou a introspecção, os closes e o diálogo entrecortado, usando o rosto dos atores como principal cenário e, desse modo, expondo a alma de seus personagens de forma claustrofóbica. Isso fica bem expresso na bela definição que ele fez sobre o tipo de cinema que admira e no qual pretende se espelhar: “Mais importante do que o que é dito é o que rola”.

Descobrimos também que o autor/diretor é um obsessivo (no bom sentido). Além de escrever e dirigir essa tocante história, ele participou da montagem, da cenografia, do aspecto visual e até mesmo saiu em campo junto com a produtora para captar recursos. Como bem pontuou Darlene Glória, impressiona que alguém tão jovem demostre tanta segurança e maturidade artística.

Mas o mais gratificante de tudo é ver Selton nervoso e com os olhos rasos d'água cada vez que começa a falar de seu filme e de suas inspirações, evidenciando a grande diferença entre um mero realizador e alguém que de fato é apaixonado por cinema e tem como objetivo principal criar algo que emocione, que faça a diferença. Isso é o bacana desse tipo de encontro e eu saí do Pavilhão muito contente de constatar que aquele carinha que eu considerava um ator brilhante também é uma pessoa linda.


Visão geral da platéia (lá estou eu, na primeira fila)

Choke


Victor Mancini é viciado em sexo e trabalha em um parque temático sobre a era colonial. Para complementar o orçamento e, assim, poder arcar com a clínica onde a mãe está internada, Victor costuma angariar a simpatia de estranhos indo em restaurantes e simulando engasgar. Assim, ele estabelece um laço afetivo com seu salvador que lhe rende presentes e até mesmo dinheiro. Sua compulsão sexual parece ter fim quando ele se interessa pela médica que cuida de sua mãe, ao mesmo tempo em que seu melhor amigo Denny, masturbador compulsivo, se apaixona por uma stripper.

O filme é baseado no livro No Sufoco, de Chuck Palahniuk, também autor de O Clube da Luta. Embora sejam histórias bem diferentes, percebe-se alguns pontos em comum entre elas: o tom irreverente, o humor negro, a provocação e, sobretudo, um protagonista desajustado e cheio de carências afetivas impotente perante uma sociedade que não compreende bem. Assim como o personagem de Edward Norton em O Clube da Luta buscava sentir-se vivo quebrando alguns narizes, Victor busca nos estranhos que “salvam” sua vida mais do que uma vantagem financeira: ele quer o carinho, a preocupação, o afeto que nunca recebeu voluntariamente. E ter que representar um pequeno drama para consegui-lo certamente é um preço pequeno para ele.

Choke pinta um quadro surrealista da espécie humana, endossando aquela velha máxima de que, olhando de perto, ninguém é normal. Mas faz essa radiografia moral de uma maneira muito engraçada e, ao mesmo tempo, bastante crítica e inteligente. Das figuraças apresentadas, o grande destaque é o amigo com compulsão pela masturbação interpretado por Brad William Henke. Hilário. Sam Rockwell está ótimo em mais um tipo esquisitão. Está certo que o ator, de uma maneira geral, costuma interpretar sempre esse tipo de personagem, mas não se pode negar que ele faz isso muito bem. A divina Anjelica Huston tem participação luxuosa e, completando o time, uma inspirada Kelly MacDonald. O ator Clark Gregg, mais conhecido aqui como o ex-marido de Julia Louis-Dreyfuss no seriado The New Adventures of Old Christine, estréia na direção com este filme, além de fazer um pequeno papel. Um belíssimo começo. Parabéns pra ele.

Choke (idem), de Clark Gregg. Com Sam Rockwell, Anjelica Huston, Brad William Henke, Kelly MacDonald, Clark Gregg. EUA, 2008. 89Min.

Mostra Panorama

Nota: 8,5

sábado, 4 de outubro de 2008

Vingança


Em uma pequena cidade gaúcha, uma garota é violentada e espancada. No Rio de Janeiro, o misterioso Miguel desembarca de um ônibus e parece ter um objetivo muito claro em mente ao espreitar a gatinha de praia Carol. Os dois iniciam um relacionamento tenso e apaixonado, embora Miguel faça de tudo para não revelar quem é nem o que está fazendo na cidade.

Vingança é um filme diferente, com uma tensão muito presente da primeira à última cena. A violência é muito mais latente do que presente, tanto que nos momentos em que ela ocorre causa menos impacto do que a forte sensação de algo pairando no ar. O filme retoma um tema bem clássico – a lavagem da honra com sangue – e o insere dentro de um contexto contemporâneo. E o legal é que algo tão arcaico fica bastante possível dentro daquele universo de “macheza gaúcha” representado principalmente através do personagem de José de Abreu. Fica claro que aquele homem controla os empregados e a família (conceitos que se misturam no caso de Miguel) com o mesmo pulso com que controla seu gado.

O elenco parece um pouco inseguro no início, mas depois vai ganhando força. O personagem de Erom Cordeiro, com seu jeito calado de matuto e o olhar inquieto que demonstra uma esperteza sub-aproveitada, é a mola propulsora do filme. Manipulado em seus brios e empurrado para a desgraça como “boi de piranha” para satisfazer a sede de sangue daqueles que não querem se sujar, o personagem tem um quê de herói trágico que contrasta com a leveza e inconseqüência de Carol, personagem da bonitinha Branca Messina (como essa menina se parece com a Giovanna Antonelli!).

O roteiro peca por algumas soluções que parecem forçadas, como o motivo que obriga Miguel a se aproximar de Carol primeiro ao invés de seguir direto para seu objetivo. Afinal de contas, não seria nada difícil abordar diretamente a questão que lhe interessava. Mas também se não fosse desse jeito não teríamos filme, não é mesmo? Algumas situações que não são bem explicadas (como a história da foto de Bruno em um jornal) ficam em segundo plano, ainda mais se considerarmos que, já em seu primeiro filme, o diretor e roteirista Paulo Pons conseguiu um feito por vezes raro na sétima arte brasileira: realizar um filme que não pareça uma colagem de tudo que anda fazendo sucesso por aí.

Um atrativo a mais nas sessões deste Festival é poder assistir também ao simpático e romântico Um, curta apresentado antes de Vingança.

Vingança, de Paulo Pons. Com Erom Cordeiro, Branca Messina, Barbara Borges, Marcio Kieling, Guta Stresser. BRA, 2008. 102min.

Première Brasil – Mostra Competitiva

Nota: 7,0

Adoração


Sabine, professora de francês, pede a seus alunos que traduzam uma reportagem sobre um terrorista que usou a namorada grávida como bomba humana. Simon, adolescente solitário que perdeu os pais em um acidente de carro, escreve um texto misturando a tragédia do jornal com seus próprios traumas familiares e o que era apenas um exercício literário ganha proporções enormes. Exibido em competição no Festival de Cannes 2008.

Adoração tem, a meu ver, dois principais pontos fracos: o fato de apoiar grande parte de sua carga emocional em um ator que não dá conta do recado (o inexpressivo Devon Bostick no papel de Simon) e também a pouca credibilidade das ações da personagem da professora (aqui, o que incomodou foi a personagem em si e não a atriz). Eu simplesmente não consigo acreditar em Sabine e em seus joguinhos neuróticos, mesmo porque ela é representada no contexto do filme como uma pessoa ciente de suas ações. Sua aparição disfarçada perante o tio de Simon com aquele discurso sobre o Natal é, no mínimo, desconexa. Ao final, ela simplesmente se justifica dizendo que tem “atitudes estranhas”. Não convence.

No mais, a história tem seus altos e baixos e se desenvolve em um ritmo lento que não consegue empolgar em nenhum momento. Apenas razoável.

Adoração (Adoration), de Atom Egoyan. Com Arsinée Khanjian, Scott Speedman, Rachel Blanchard, Noam Jenkins, Devon Bostick. Canadá, 2007. 100min.

Mostra Panorama

Nota: 5,0

Rainhas

Documentário abordando as particularidades e bastidores do concurso de Miss Brasil Gay. O foco principal é Fábio, um cabeleireiro de Rondônia que vem para o Rio sonhando vencer o concurso.

O principal fator de curiosidade do longa é mostrar um universo meio desconhecido para o grande público e o quanto o evento representa para a comunidade gay. Interessante também descobrir que a principal característica do concurso é não aceitar travestis, apenas rapazes que se vestem de mulher. Ou seja, não vale “trapacear” já tendo no corpo atributos físicos femininos como implantes ou hormônios, a proposta é justamente criar a imagem feminina através de recursos como enchimentos, perucas e maquiagem.

Outro destaque é o casal entrevistado, Fábio (Michelle Honda na passarela) e seu namorado Junior. Simpáticos, os dois contam um pouco da dificuldade de assumir um relacionamento estável com outro homem em Porto Velho. Chama atenção, ainda, o carinho e admiração de Junior por Fábio e o modo como ele apóia incondicionalmente seu sonho de vencer o concurso. Sempre com palavras positivas, acreditando e torcendo pelo namorado tanto quanto uma verdadeira “mãe de miss”. Muito bacana.

O que atrapalha bastante a boa percepção do longa é uma certa precariedade em termos de som, em várias seqüências excessivamente alto e distorcido. Considerando que isso não ocorre no filme inteiro, não se pode culpar a sala de exibição e sim a mixagem de som do filme em si.

Legal mesmo foi ver Michelle na sessão, vestida a caráter, com faixa e tudo. Segue abaixo a foto tirada com o simpaticíssimo casal. O filme, como produto, até tem seus problemas. Mas os entrevistados são nota 10!


Rainhas, de Fernanda Tornaghi e Ricardo Bruno. BRA, 2008. 75min.

Mostra Mundo Gay

Nota: 6,0

Todos os Meus Fracassos Sexuais


É incrível a que ponto as pessoas chegam para descolar verba para um filme. Usar o próprio umbigo como tema de um documentário não é idéia nova, já foi feito pelo cara que queria (e conseguiu) um encontro com Drew Barrymore. Já o inglês Chris Waitt resolveu colocar em película seu fracasso com o sexo oposto, desse modo piorando ainda mais suas chances de sucesso nesta área (ou não, algumas mulheres são realmente loucas). Bom, o título acima dispensa maiores explicações sobre o tema em questão.

O filme é mais um making of sobre as dificuldades de Chris em colher material para seu filme do que um documentário de verdade. O cara põe na cabeça que vai atrás de todas as garotas que já lhe deram um fora para tentar entender o que há de errado com ele (sim, você já viu esse argumento antes em Alta Fidelidade). O problema é que as garotas não querem falar, todas o detestam. Uma delas chega a dizer que tem ânsias de vômito só de pensar nele.

OK, a idéia tem seus momentos de graça. Mas o assunto se esgota muito rapidamente por falta de fontes. E aí é hora de partir para todo tipo de apelação: Chris marca encontros pelo MySpace, busca tratamentos e terapias para resolver seus problemas de ereção, tenta se excitar com uma dominatrix, etc. Quando percebemos, o filme vira muito mais uma série de consultas públicas com diferentes tipos de profissionais do que uma análise do porquê de seus relacionamentos terem fracassado. Mesmo porque o difícil não é entender porque as garotas o abandonaram e sim porque algum dia quiseram ficar com ele. Chris é imaturo, não trabalha, mora num pardieiro, tem aparência desleixada e pouco higiênica e, como se esses horrores não fossem o bastante, ainda sofre de impotência. Pior do que isso tudo ainda é sua absoluta falta de capacidade de manter uma conversa inteligente. Quem precisa fazer um filme para descobrir o motivo de sua vida sexual ser um fracasso?

Todos os Meus Fracassos Sexuais (A Complete History of My Sexual Failures), de Chris Waitt. Reino Unido, 2007. 80min.

Mostra Midnight Movies

Nota: 4,0

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Vicky Cristina Barcelona


Woody Allen é sempre Woody Allen. Assim como Almodóvar, Allen chegou a um ponto de maturidade artística em que dificilmente fará um filme que não seja pelo menos bom. Ótimo com diálogos e melhor ainda na direção de atores, o cineasta ganhou fôlego extra com suas recentes produções européias. Em Vicky Cristina Barcelona, ele reúne em um triângulo amoroso sua nova musa Scarlett Johansson e os atores espanhóis mais quentes da atualidade: Javier Bardem e Penélope Cruz.

As americanas Vicky e Cristina são duas amigas de personalidades opostas que viajam de férias para Barcelona. Enquanto a centrada Vicky está prestes a se casar, Cristina vive em busca de paixões fortes. Quando conhecem numa vernissage Juan Antonio, um pintor sexy e fogoso, as amigas reagem de maneira diferente: Cristina declara seu interesse abertamente e Vicky finge não achá-lo atraente. O caso fica mais confuso com o aparecimento de Maria Elena, a explosiva ex-mulher por quem Antonio ainda é apaixonado. Exibido no Festival de Cannes 2008.

Tudo indicava uma atmosfera intensa, explosiva, forte. A começar pela trilha sonora. Pela segunda vez em poucos anos – a primeira foi a ópera em Match Point –, Woody abandonou sua característica trilha sonora jazzística. Desta vez, em favor dos ritmos flamencos que aceleram o coração do espectador já nos créditos iniciais. Em contraste com esse clima caliente, o cineasta insere uma ironia curiosa na trama: um narrador formal, estranhíssimo, que narra as paixões arrebatadoras dos personagens como se estivesse falando em um vídeo da National Geographic. Conheço quem não gostou da esquisitice. Eu gostei.

Então por que será que, no geral, eu fiquei com a impressão de que assisti a um filme morno? Certamente é um belo filme, com locações privilegiadas e um elenco bacana (destaque especial para Penélope Cruz, que diferença vê-la atuando em sua terra natal!). Mas, sei lá, ainda assim o filme não me apaixonou. Achei bem-feito, redondinho, mas sem nenhuma grande surpresa. Faltou o toque de genialidade, que podemos pinçar até mesmo em filmes imperfeitos com Scoop (que, apesar de ser bastante irregular, tem pérolas como a barca do além e as aparições do personagem de Ian McShane). Já Vicky Cristina, embora não tenha nenhuma falha aparente, tampouco apresenta um grande diferencial. Não vou nem tecer comparações com o último exemplar do cineasta a aportar por aqui, o excelente O Sonho de Cassandra.

De todo modo... Woody Allen é sempre válido. Fica como ponto positivo o interessante espelhamento entre essas amigas: uma que faz exatamente o que quer, mas no fundo não sabe o que procura; e outra que encontra o que procura, mas não é senhora de seus desejos.

Ah! Um aviso aos marmanjos que estão babando por ver Penélope e Scarlett “se pegando”: não se animem demais, porque muita coisa é sugerida e pouca é mostrada.

Vicky Cristina Barcelona (idem), de Woody Allen. Com Javier Bardem, Scarlett Johansson, Penélope Cruz, Patricia Clarkson, Rebecca Hall. Espanha / Estados Unidos, 2008. 97min.

Mostra Panorama

Nota: 7,5

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Feliz Natal


Selton Mello é uma pessoa admirável. Não apenas por ser um ator genial, mas principalmente pelas escolhas que fez ao longo de sua carreira. Ator e dublador desde criança, em certo momento Selton se apaixonou pelo cinema e começou a voltar todos os esforços para essa área. Nem sei se foi uma decisão deliberada, mas é inegável que ele é um “homem de cinema”. Mais do que um rosto assíduo na telona, um incentivador e propagador da indústria. Daí para sentar na cadeira do diretor era só questão de tempo. Eis que, depois de rodar apenas um curta, Selton estréia na direção de longa-metragem com a mesma competência e paixão sempre demonstrada em seus projetos como ator.

Feliz Natal é um filme sentimentalmente intenso que parte de um argumento aparentemente simples: acompanhar as mazelas de uma família desestruturada durante as festas de Natal. A história começa na noite do dia 24 e termina na manhã do dia 26. Caio é um homem que cometeu muitos erros no passado, mas agora conseguiu se reerguer. É dono de um ferro-velho, tem uma namorada, abandonou as drogas. Na noite de Natal, ele resolve rever a família, de quem andava afastado, e aparece na casa do irmão Theo. A recepção não é das mais calorosas. Mas seria Caio o renegado, o pária? Ou ele incomoda por ser o único que teve uma segunda chance?

A primeira coisa a chamar atenção no filme é seu aspecto visual, totalmente integrado com a história que está sendo contada. A fotografia escura e granulada, os planos fechados, o rosto dos atores sempre em primeiríssimo plano. Usando de ousadia estética, Selton coloca o espectador junto dos personagens e transfere para nós toda a carga de dor e angústia que cada um guarda dentro de si. Mesmo quando sorriem e dizem estar bem, o desespero em que se afundam não pode ser disfarçado. Não com aquela proximidade quase indecente. E isso faz com que nos sintamos mal, como se fôssemos voyeurs da desgraça alheia, invasores de horrores que não temos o direto de espreitar.

A casa onde acontece a festa de Natal, apesar de espaçosa, transmite uma sensação de confinamento muito forte. E isso ocorre não somente pelo filme ser feito quase todo em closes, mas pela atmosfera de abandono e decadência expressa em pequenos detalhes como a piscina suja, a tapeçaria feia da escada, a apatia presente nos convidados. O mais curioso é fazer um contraponto desta casa da família com a casa dos amigos de Caio, onde o calor humano e aconchego torna a precariedade do local secundária.

Mas todo esse capricho em termos de concepção, embora demonstre o cuidado com cada aspecto do longa, está longe de ser o mais importante. Não tenham dúvidas: Feliz Natal é um filme de atores. Inspirado no universo de John Cassavettes, o roteiro expõe a fragilidade, a solidão, a incomunicabilidade. Feridas que numa suposta data festiva vêm à tona com uma violência muito maior do que no cotidiano justamente porque existe uma pressão para que as pessoas se sintam felizes. Mas como é que vai ter Natal feliz para um homem só sabe suprir a expectativa dos outros? Ou para uma esposa que não ama mais o homem com quem casou? Ou para um pai amargurado que não consegue perdoar o filho? Ou para uma mãe que tem como único refúgio incorporar a louca?

O elenco perfeito é liderado por Leonardo Medeiros, que faz as vezes de protagonista e também de observador do hospício que é sua família. Seus momentos mais belos em cena são justamente os que mostram sua emoção com poucas ou nenhuma palavra. Paulo Guarnieri, que andava há alguns anos sem atuar, interage muito bem com Leonardo como o irmão travado. Se eu tivesse que eleger a cena mais bela dentre tantas, seria justamente a conversa entrecortada de diálogo e plena de emoção dos dois numa cozinha decrépita tendo uma geladeira enferrujada como plano de fundo. Podemos observar que, mesmo sendo aparentemente tão diferentes, os dois irmãos têm a mesma dificuldade de verbalizar seus sentimentos. Dá um nó na garganta quando, ao final desta cena, Theo pergunta a Caio se ele queria lhe dizer alguma coisa e este responde “queria” sem ir além disso.


Uma caracterização que vale destacar é a da diva Darlene Glória como a mãe, personagem que não existia originalmente no roteiro e foi criado às vésperas das filmagens. Ela tem uma espécie de loucura com glamour que lembra personagens clássicas como a Norma Desmond de Crepúsculo dos Deuses ou a velha dama de Grandes Esperanças. Inesquecível sua imagem rodopiando no jardim imersa em seu delírio.

Também brilham no elenco uma sofrida e forte Graziella Moretto como a esposa que está no limite das forças, Lucio Mauro como o pai rancoroso e cabeça-dura, Thelmo Fernandes como o amigo de copo falastrão e desbocado (prestem atenção para seu hilário discurso sobre o cigarro, é uma pérola) e o fofíssimo Fabrício Reis. Mais do que um momento de leveza numa história angustiante, o menino representa o último resquício de inocência naquele ambiente viciado.

Feliz Natal ganhou três prêmios no recém-criado Festival de Cinema de Paulínia: melhor diretor, atriz coadjuvante (dividido entre Darlene Glória e Graziella Moretto) e menção especial para Fabrício Reis. Mesmo não tendo assistido a todos os filmes em competição, torço entusiasticamente para que saia vitorioso do Festival do Rio também. Um filme dessa qualidade e que gera um grau de emoção tão forte – ainda mais vindo de um cara como Selton Mello – tem mais é que ganhar todos os prêmios.

Feliz Natal, de Selton Mello. Com Leonardo Medeiros, Darlene Glória, Lucio Mauro, Paulo Guarnieri, Graziella Moretto, Thelmo Fernandes, Fabrício Reis. BRA, 2008. 104 min.

Première Brasil - Mostra Competitiva

Nota: 10,0

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Primeiras Lágrimas

Filmes bons eu já tinha visto no Festival, como vocês podem conferir por algumas notas altas que andei distribuindo ao longo dos dias. Mas hoje rolou o primeiro filme que me emocionou de verdade: Feliz Natal, delicado retrato de uma família desconstruída. A estréia de Selton Mello na direção de longas recebeu certamente a acolhida mais entusiasmada por parte da platéia que eu tive o prazer de testemunhar. Tá certo que o público do Festival do Rio faz o gênero amiguinho e aplaude os piores filmes se a equipe estiver presente, mas é muito perceptível a diferença entre aplausos educados e aplausos sinceros. Selton mostra com esse filme que não apenas é um ator genial como também entende tudo de cinema. O melhor, até agora. Aguardem a crítica. A nota vocês já podem imaginar.

Selton e a equipe apresentam o filme em foto cedida pelo CinePlayers.

La Leonera


Julia acorda suja de sangue e encontra seu namorado morto e o amigo dele gravemente ferido, ambos esfaqueados, mas ela não se lembra de nada. Presa em flagrante, é enviada para um pavilhão especial por estar grávida. Julia dá à luz a Tomás atrás das grades, e sabe que só poderá ter o filho junto de si até que ele complete quatro anos. Exibido na mostra competitiva do Festival de Cannes 2008.

O filme se apóia todo no (ótimo) trabalho de Martina Gusman, que, curiosamente, tem uma carreira mais voltada para a produção do que interpretação (antes desse filme, ela atuou apenas em Nascido e Criado). Produtora dos longas anteriores de Pablo Trapero, aqui ela acumula as duas funções. O filme gira em torno de sua personagem: primeiro, mostra a adaptação de uma universitária de classe média à vida carcerária; em um segundo estágio, o foco passa a ser a leoa defendendo o direto sobre a cria com todas as armas. Rodrigo Santoro também está muito bem nas poucas cenas em que aparece, só é uma pena que seu personagem, apesar de importante, tenha tão pouco tempo em cena.

O maior problema em La Leonera está no ritmo da história, que é demasiado lento e naturalista em dois terços do filme e, por causa disso, acaba concentrando acontecimentos demais em sua reta final. A mudança deixa a trama desigual e o espectador com uma sensação de que o diretor apressou as coisas no desfecho porque estava na hora de terminar o filme. Tampouco convence a seqüência em que as presas se rebelam violentamente a partir da reivindicação de Julia, trecho que dá a impressão de ter sido inserido ali somente para injetar mais dramaticidade.

No geral, um filme que vale a pena conferir pelo elenco e também pela abordagem desse aspecto singular do sistema carcerário: a presidiária grávida.

La Leonera (idem), de Pablo Trapero. Com Martina Gusman, Rodrigo Santoro, Elli Medeiros. Argentina / Coréia do Sul / Brasil, 2008. 113min.

Mostra Première Latina

Nota: 6,0