quarta-feira, 29 de abril de 2009

Recém-Chegada


Imaginem o seguinte argumento: uma executiva ambiciosa, que vive em Miami cercada de conforto e sofisticação, é enviada para um trabalho numa cidadezinha minúscula. A moça chega lá cheia de superioridade e afetação e logo entra em choque com a população local, em especial um certo morador rústico e charmoso (opinião dela, não minha). De posse desses dados, qualquer criança de cinco anos poderia terminar de escrever o roteiro de Recém-Chegada.

A personagem em questão é Lucy Hill. Ela está tão obcecada por uma promoção que quando seu chefe sugere enviar alguém para inspecionar uma fábrica no gélido estado de Minnesota, ela é a única a se oferecer. Logo no aeroporto, Lucy descobre que precisará trocar os saltos agulha por sapatos de neve. E que as pessoas ali não entenderão suas piadas nem seu estilo de vida. Para piorar, uma série de gafes faz com ela passe uma péssima primeira impressão para Ted, líder sindical com quem ela terá que negociar. Sim, o filme tentará fazer graça a partir das diferenças culturais. Sim, tentará passar uma lição pseudo-edificante sobre sentimentos como amizade e lealdade. E sim, com toda certeza, em determinado momento a executiva e o sindicalista cairão nos braços um do outro.

Curiosamente, a falta de criatividade é o menor dos problemas do longa. Um filme não necessariamente precisa ter um roteiro originalíssimo para ser bom. Grandes filmes partem de argumentos totalmente prosaicos. Mas é preciso compensar a falta de um enredo interessante com charme, frescor, ritmo, simpatia. Ou, pelo menos, uma boa química entre os protagonistas. E o longa não apresenta nada disso, o que transforma uma hora e meia de projeção em um grande tédio. O roteiro enfileira de modo burocrático e apático uma série de situações que você já viu melhor exploradas em uma infinidade de outros filmes. Exemplos? Lucy toma um porre, a arrogância vai por água abaixo e ela flerta com Ted. Outro exemplo? Ted tem uma filha adolescente desajeitada que está prestes a ir a seu primeiro baile. Quem poderá ajudá-la na hora do aperto?


Pior do que isso é o modo como o longa põe Lucy e Ted apaixonados sem nenhuma sutileza ou gradação. Em um momento, eles são inimigos; mas basta se olharem de longe no meio de uma procissão natalina (ou seja lá o que for aquilo) para já estarem caidinhos. É como se os próprios roteiristas capitulassem diante da previsibilidade do roteiro. “Como todo mundo já sabe que eles vão se envolver, não é preciso perder tempo aproximando-os”. Aliás, o fato deste filme ter dois roteiristas é outra coisa que me espanta. Por outro lado, situações que já nem eram engraçadas a princípio são interminavelmente esticadas, como o incidente com a blusa de Lucy ou as caipirices extremas da secretária Blanche.

Dá pena ver no que se tornou a carreira de Renée Zellweger. Apesar de ainda jovem, Renée parece estar em fim de linha e nem de longe lembra a atriz promissora que foi revelada em Jerry Maguire e a seguir conquistou o mundo como a confusa Bridget Jones e a corista espevitada de Chicago. Claro que não ajuda nada ter como par romântico Harry Connick Jr., o senhor sem-gracice em pessoa. Nem mesmo a presença de bons atores coadjuvantes como J.K Simmons, Frances Conroy e Siobhan Fallon ajuda a tirar o filme do buraco. A pá de cal é a trilha sonora óbvia, cafona e desagradável a sublinhar toda hora ao espectador que ele está perdendo seu precioso tempo. Estreante em Hollywood, o diretor dinamarquês Jonas Elmer começou muito mal sua carreira americana. Melhor sorte a ele da próxima vez.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Lust, Caution (será que agora estreia?)


Foi-se o tempo em que um Leão de Ouro era garantia de exibição rápida de um filme nos cinemas. Em 2007, Ang Lee venceu o prestigiado prêmio do Festival de Veneza com uma pequena jóia cinematográfica chamada Se, Jie. No mesmo ano, o filme foi exibido aqui no Festival do Rio com seu título em inglês Lust, Caution. Foi quando tive a oportunidade (rara, agora sei) de conferir a bela e triste história da jovem estudante chinesa que, durante a ocupação japonesa em seu país, se alia a um grupo revolucionário e se apaixona pelo homem cujo assassinato deve ajudar a concretizar. Um projeto premiado, capitaneado por Ang Lee, com uma trama envolvente, direção de arte impecável e cenas de sexo que deram o que falar até aqui no Ocidente... Considerando todos os fatores, é inexplicável uma defasagem tão grande.

Dois anos depois, a data de estréia de Lust, Caution (que virou Desejo e Perigo, no lugar da luxúria e cautela) ainda é incerta. A distribuidora do filme no Brasil diz que ele estreará no mês de maio, em data a ser definida. A boa notícia é que o longa abre a Maratona Odeon desta sexta, dia 1º. Uma excelente oportunidade, vai que o filme some de novo...

Depois de Lust, Caution, que é exibido às 23h20, a noitada cinematográfica segue com Um Ato de Liberdade, novo longa de Daniel "James Bond" Craig, que começa às 2h30. Às 5h da matina é a vez do documentário brazuca Simonal, Ninguém Sabe o Duro que Dei. Ao final, café com bolo por conta da casa. Ingressos a R$ 20,00 (é bom comprar antecipado).

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Encontros e Desencontros


Sofia Coppola começou no mundo do cinema com o pé esquerdo. Em 1990, atuou no fecho da trilogia O Poderoso Chefão a pedido do pai e foi execrada pela crítica. Chegou-se ao exagero de dizer que Sofia estragou o filme. Resta saber se os comentários seriam tão duros com a caloura se não fosse o sobrenome famoso. Mas ela não se abateu. Em 1999, se lançou como diretora com As Virgens Suicidas. Embora tenha demonstrado segurança atrás das câmeras e obtido alguns elogios, o filme estava longe de ser uma unanimidade. Serviu mais para apagar a péssima imagem que o mundo artístico tinha da filha de Francis Ford.

Treze anos após seu desastrado début, Sofia Coppola riu por último e realizou o filmaço Encontros e Desencontros - escrito, dirigido e produzido por ela. A primeira coisa que chama a atenção é que a história fala de solidão e desencanto sem resvalar para o tom depressivo. Pelo contrário. O clima é de sarcasmo e auto-gozação, evitando o sentimentalismo barato. Sofia declarou que teve a idéia para o argumento a partir de uma experiência pessoal: numa de suas entressafras artísticas, criou uma confecção de roupas que eram exportadas, basicamente, para o Japão. Em tantas idas e vindas para a terra do sol nascente, crescia a sensação de atordoamento diante daquele país colorido e barulhento e a noção do quanto é fácil se perder no anonimato de suas ruas.


Assim nasceu a história de dois turistas involuntários que se encontram em Tóquio. Bob Harris é um astro de cinema decadente, que está na cidade para fazer uma campanha publicitária de uísque. Ele não entende o idioma nem o modo de ser do povo japonês. Charlotte está acompanhando o marido, um fotógrafo de celebridades que a deixa largada em um quarto de hotel o tempo todo. Sofrendo com o fuso, a solidão e as crises pessoais, Bob e Charlotte não conseguem dormir. Eles se esbarram repetidamente no bar do hotel, tentando afogar as mágoas em drinks, e logo iniciam uma amizade que brota da cumplicidade. Mais do que amigos, se tornam cúmplices em suportar as esquisitices daquele admirável mundo novo.

Bill Murray está surpreendentemente perfeito no papel de Bob. Chega a ser espantoso ver o comediante numa atuação tão contida, transmitindo a desesperança de seu personagem através de olhares entediados e comentários ácidos. Destaque para a seqüência das fotos, quando o tresloucado fotógrafo exige que ele imite o olhar de personalidades como Frank Sinatra e Roger Moore. É preciso ressaltar, ainda, a imensa empatia entre Murray e a então iniciante Scarlett Johansson, criando um sensível contraponto entre o cinismo do homem maduro que já viu de tudo e a fragilidade da garota que quer tomar um rumo, mas não sabe exatamente qual. Aliás, o sentimento de estar perdido é algo que pontua toda a história. Como diz o tagline do longa, everyone wants to be found.


Vale ressaltar, ainda, que Sofia Coppola encontrou um título brilhante para seu filme: Lost in Translation (Perdidos na Tradução) é um conceito óbvio e profundo ao mesmo tempo. Embora estejam literalmente perdidos na tradução por conta da estranheza ao idioma, Bob e Charlotte também se perderam na falta de equivalência entre os ideais que tentam preservar e o modo autômato como age a maioria das pessoas que os rodeia. Aqui no Brasil, o filme ganhou a denominação banal de Encontros e Desencontros. A beleza (e adequação) do título original foi mais uma coisa que se perdeu na tradução.

O filme recebeu três Globos de Ouro (melhor filme comédia/musical, roteiro e ator) e obteve quatro indicações ao Oscar 2004: melhor filme, direção, ator e roteiro original, vencendo este último.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Eu Te Amo, Cara


Nos casamentos americanos, existem duas figuras quase tão míticas quanto os nubentes: a dama de honra, responsável por ajudar a noiva com cada mínimo detalhe da cerimônia, e o padrinho do noivo (o chamado best man). O padrinho, embora não tenha uma função tão executiva quanto a dama, tem uma posição igualmente invejada. É aquele sujeito que faz um discurso engraçado à mesa, não raro revelando indiscrições sobre o noivo, e que invariavelmente termina com um efusivo “eu te amo, cara” - daí o título do filme.

Entender a importância desses papéis dá a medida exata do quanto eles são disputados pelos que se acham “melhores amigos” de alguém que vai se casar. Muitas amizades já foram destruídas ou solidificadas pela simples decisão de convidar ou não alguém para ser dama de honra ou padrinho. Mas e quando o grande problema não é saber quem escolher e sim não ter ninguém íntimo o suficiente para convidar? É com esse dilema que se depara Peter Klaven, protagonista desta divertida comédia.

Peter sempre gostou de namorar sério, desde adolescente. Cada vez que terminou um namoro, iniciou outro logo em seguida. Não que ele seja um galinha; pelo contrário, é apenas um rapaz afetuoso e sincero que gosta de estar em um relacionamento. Somente depois de se apaixonar por Zooey e pedi-la em casamento, ele se dá conta de que seu jeito pacato de ser o manteve totalmente à parte do mundo masculino e que nunca cultivou nenhuma grande amizade. Não querendo passar vergonha no próprio casamento, Peter resolve sair à caça de um amigo. Mas como encontrar de uma hora para outra o que ele não procurou a vida inteira?

A situação rende uma série de momentos engraçados, com Peter enfrentando alguns bizarros “encontros às escuras” com possíveis candidatos ao posto de melhor amigo. Desde programas insuportáveis na companhia de caras que não tem absolutamente nada a ver com ele até um jantar que termina com o sujeito beijando-o na boca, o coitado sofre tanto quanto o tipo solitário para quem todos tentam conseguir uma garota. O irônico é que o personagem não tem problemas em arrumar garotas e sim amigos. Outra inversão curiosa é o fato de Peter se aconselhar nesse assunto com seu irmão gay e o fato deste, sob muitos aspectos, ter atitudes muito mais masculinas e agressivas do que ele.

Quando tudo parece perdido, Peter conhece Sydney Fife. O cara tem muito em comum com ele, o papo rola às mil maravilhas e Sydney não tenta beijá-lo no fim da noite. Peter fica eufórico, pois parece que não apenas vai conseguir um padrinho como também o seu primeiro amigo de verdade. O efeito colateral disso tudo é que ele passa a questionar seu relacionamento com Zooey. Estaria ele se casando para afugentar a solidão? E seria Sydney alguém tão bacana quanto parece a princípio?


Mais do que um mero buddy movie, Eu Te Amo, Cara levanta questões interessantes sobre as relações humanas e também sobre identidade: até que ponto você se define pelo outro? Outro que, nesse caso, pode ser tanto a pessoa com quem você se relaciona romanticamente quanto seu círculo de amizades. Isso fica claro no perfil de Peter que, por sempre ter andado mais na companhia de garotas, não tem o seu lado “testosterona” muito desenvolvido. E o mais legal no filme é que mesmo quando ele desenha algumas discussões um pouco mais sérias, faz isso sem perder de vista o tom bem-humorado.

Paul Rudd e Jason Segel têm ótima química nos papéis de Peter e Sydney, fazendo com que o espectador torça para que a amizade dos dois realmente tenha um final feliz. Rashida Jones tem presença ao mesmo tempo discreta e carismática como Zooey. O filme ainda se dá ao luxo de ter ótimos comediantes como Jon Favreau e J.K. Simmons em papéis coadjuvantes. A direção é de John Hamburg, também responsável pelo simpático Quero Ficar com Polly.

Em tempos de comédias preguiçosas que se limitam a satirizar outros filmes ou intermináveis sequências que recriam situações já esgotadas, é um prazer assistir a um filme com o frescor de Eu Te Amo, Cara. Um roteiro engraçado, que aborda um assunto plausível e relevante, interpretado por um elenco afinado e dirigido com mão leve, como convém a uma boa comédia. Diversão garantida.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Mataram a Irmã Dorothy


Documentário focado no julgamento dos envolvidos no assassinato da missionária Dorothy Stang, ocorrido no Pará em 2005. Realizado pelo americano Daniel Junge, o filme acompanha os bastidores do julgamento dos pistoleiros - e, posteriormente, de um dos mandantes – e entrevista testemunhas, advogados, trabalhadores, fazendeiros e autoridades, além de exibir imagens em vídeo da vítima.

O filme começa por situar o espectador nos detalhes do caso, o que certamente é um pouco redundante para o público brasileiro, que já está a par do que aconteceu, porém necessário para outras platéias. Estabelecidos os fatos, o longa começa a acompanhar bem de perto o circo do julgamento. Do lado do Estado, um promotor bem-intencionado; do lado dos fazendeiros acusados, toda uma equipe de advogados diabólicos. Não precisa ser nenhum profundo conhecedor da natureza humana para olhar nos olhos daqueles homens e ver que são escroques da pior qualidade. Debochando das autoridades, exibindo seu status privilegiado, intimidando testemunhas, exalando corrupção e impunidade. É um espetáculo. No mau sentido.

Com um roteiro esperto, que mescla imagens da própria Dorothy Stang prevendo seu assassinato com depoimentos de todos os envolvidos – dando voz aos dois lados da questão –, Daniel Junge conseguiu realizar um documentário tão vibrante e cheio de emoções que por vezes passa a sensação de ser uma obra ficção. Parece até um daqueles filmes de tribunal baseado em obras do John Grisham. Prestem atenção no modo como os advogados de defesa dos assassinos usam o fato de dois agentes do FBI terem acompanhado o caso em seu proveito, tentando desviar o foco de um assassinato para delirantes questões relativas à soberania nacional. Caramba! Acho que nem a imaginação de John Grisham iria tão longe.

Anjos da Noite - A Rebelião


Está chegando aos cinemas o terceiro filme da bem-sucedida franquia Underworld, mais conhecida por aqui como Anjos da Noite. Anjos da Noite - A Rebelião aborda as origens do milenar ódio entre vampiros e lobisomens. A trama, que se passa no período medieval, conta uma história que foi apenas mencionada no primeiro filme: a do amor proibido entre a vampira Sonya e Lucian, primeiro dos lobisomens com aparência humana e temperamento controlado.

Segundo a mitologia da série, tanto vampiros como lobisomens descendem dos filhos do primeiro imortal, Alexander Corvinus. Com a diferença de que os aristocráticos vampiros são filhos de Markus enquanto os selvagens lobisomens vêm da linhagem de William. A princípio, os lobisomens eram meras feras sem qualquer traço humano caçadas pelos elegantes vampiros, possuidores de inteligência e habilidades políticas. Até que uma anomalia genética faz com que um lobisomem fêmea gere um filho de aparência humana. O menino, Lucian, é criado por Viktor, que faz dele uma espécie de capataz. Escravo, mas com regalias. Até que sua paixão por Sonya, filha única de Viktor, desencadeia o conflito que levará à revolta não apenas dele mas de todos os outros cativos.


Como esta prequel se passa numa época muito anterior, o longa não conta com os astros Kate Beckinsale e Scott Speedman – a não ser por uma pequena aparição de Kate. O foco principal desta vez fica por conta do personagem Lucian, interpretado novamente por Michael Sheen. Aliás, não canso de me impressionar como nesta série o ator inglês de aspecto tradicional e comportado consegue se transmutar num lobisomem fortão e sexy. Mistérios da caracterização, benditos sejam. Seu antagonista é o poderoso Viktor que, como sabemos pelo primeiro filme, chegará a decisões extremas e dolorosas para impedir a união entre as duas raças.

O longa mantém o interesse do espectador através do exuberante visual, amplificado pela ambientação de época. Afinal de contas, armaduras, castelos e tomadas em florestas sombrias têm tudo a ver com o tema. Outro ponto alto é o sempre bom jogo cênico entre Michael Sheen e Bill Nighy, perfeitos em seus papéis. Já Rhona Mitra, o pivô da discórdia, se limita a clonar o estilo e até mesmo algumas expressões faciais de Kate Beckinsale. Está certo que no futuro a ligação entre a Selene de Kate e seu mestre Viktor se daria por conta da semelhança desta com sua filha, mas daí a personagem parecer uma cópia de Selene vai uma grande diferença.


O roteiro por vezes cria situações tão forçadas que parecem não ter outro propósito que não o de favorecer os mocinhos e atrapalhar os vilões, mas não chega a cometer nenhuma incoerência irreversível em relação aos demais filmes. No mais, é um filme ágil, bem fotografado, com coreografias e efeitos especiais bacanas. É para quem gosta de vampiros sim, mas sobretudo é programa ideal para os fãs de ação e aventura. Diversão estilosa e escapista, boa para assistir sem compromisso. De preferência, munido de um bom saco de pipoca.

Estréia nesta sexta.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Sinédoque, Nova Iorque


O diretor teatral Caden Cotard perdeu completamente o rumo de sua vida. Sente-se deprimido, com problemas de saúde e ainda foi abandonado pela esposa, que viajou com a filha deles para fazer uma exposição em Berlim e nunca mais voltou. Ele se envolve com outras mulheres, como a bilheteira Hazel e a atriz Claire, mas todas as suas relações parecem confusas. É quando ele recebe uma subvenção para seu próximo trabalho e, pensando cada vez mais na morte, leva sua equipe para um velho armazém onde pretende realizar uma obra verdadeira e profunda sobre o sentido da vida e a mazelas do cotidiano. Exibido no Festival de Cannes 2008.

Eu adoro os roteiros de Charlie Kaufman. Quero ser John Malkovich, Adaptação e Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças são incríveis, sendo que o último alcança momentos sublimes e faz do filme um dos meus preferidos. Então claro que a expectativa para ver o que ele faria atrás das câmeras era imensa. O início do filme dá a impressão de que Kaufman, assim como a já comentada Madonna, resolvera pegar leve em seu primeiro filme. A história parecia – como dizer? – normal. Nada contra, achei até bem sensato.

Mas, passado algum tempo, o estilo Kaufman surge. Para ser mais exato, numa cena em que a personagem de Samantha Morton compra um casa que vem com um incêndio de brinde. Sim, um fogo que fica lá o tempo todo. Logo o dramaturgo vivido por Philip Seymour Hoffman faz as vezes de alter-ego do diretor, transformando sua nova peça no retrato de sua vida bagunçada e se colocando em sua própria história, num exercício metalinguístico já realizado com muita competência no roteiro de Adaptação. E parecia que o filme seguiria um rumo parecido, mostrando a ficção como tábua de salvação para a solidão e desespero da vida real do protagonista. O problema é que na segunda metade de Sinédoque, Nova Iorque Kaufman pesa demais a mão e acaba errando feio. Como já diziam os teóricos da comunicação, excesso de novidade é tão entediante quanto excesso de redundância.

Não há dúvida de que Charlie Kaufman tem uma imaginação privilegiada, mas talvez seu gênio delirante necessite de alguém que o puxe de volta à realidade e dê um mínimo de foco ao filme. Um diretor, no caso. Ou pode ser que ele apenas esteja deslumbrado com seu primeiro filme. De qualquer modo, é uma pena. A trama estava se desenvolvendo muito bem antes do diretor/roteirista soterrar as ótimas idéias iniciais debaixo de camadas e mais camadas de viagens loucas entre realidade e delírio numa segunda metade histérica e tão cheia de histórias dentro de histórias que tudo ficou parecendo uma imensa boneca russa.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Sete Homens e um Destino


Considerando o mercado cinematográfico atual em que remakes são feitos com o único objetivo de poupar o público americano de sua já conhecida preguiça de ler legendas, é sempre interessante relembrar refilmagens tão cheias de personalidade que se tornaram não menos reverenciadas do que a obra que lhes deu origem. Este certamente é o caso de Sete Homens e um Destino, versão americana do clássico japonês Os Sete Samurais, de Akira Kurosawa.

Realizado em 1960, apenas seis anos depois do original, o longa transpõe a trama do Japão feudal para o velho oeste. Numa pequena vila mexicana preto da fronteira com o Texas, os moradores são constantemente infernizados por um grupo de malfeitores liderados pelo implacável Calvera. O bando vive a saquear as provisões da cidade, deixando à população de pacatos e indefesos agricultores apenas o mínimo para a sobrevivência. Mesmo não tendo nenhuma disposição para a luta e contando com poucos recursos financeiros, um pequeno grupo resolve comprar armas para que possam se defender. Chegando à fronteira americana, conseguem mais do que imaginavam: ao conquistarem a simpatia de um misterioso pistoleiro, este reúne um grupo de sete homens dispostos a arriscarem suas vidas para defender o vilarejo.

Não que os “sete magníficos” sejam totalmente altruístas. Com exceção do personagem de Yul Brynner, cujas intenções permanecem sempre incógnitas, a maioria está ali por um motivo bem concreto. As razões variam entre precisar se esconder das autoridades, imaginar que o vilarejo tem alguma riqueza oculta, querer impressionar um ídolo ou até mesmo a mais simples das razões: se encontrar na maior das pindaíbas e achar que míseros vinte dólares naquele momento são muito.

Sete Homens e um Destino é um western singular. Em primeiro lugar, por não trazer nem o mais remoto vestígio da velha rivalidade entre brancos e índios. Ambientado no lado mexicano do velho oeste, o longa tem uma abordagem que toca mais em questões sociais do que de valentia ou bravura. A trama enfoca uma comunidade pacata sendo extorquida regularmente por um bandoleiro que chega ao desplante de se fingir de amiguinho – pelo menos enquanto não é contrariado. O mais interessante na situação é a covardia de uma parcela da cidade, que acha mais garantido continuar pagando pelo simples fato do malfeitor lhes deixar o suficiente para sobreviver, ainda que ele faça isso com a única intenção de que eles sobrevivam para continuar alimentando seu bando. Se enxergarmos longe, pode-se até ver uma metáfora do capitalismo selvagem na figura de Calvera e os tributos por ele exigidos.

Ainda que a disputa entre brancos e índios não esteja em voga, também o preconceito racial é criticado na excelente e clássica cena em que Chris e Vin, personagens de Yul Brynner e Steve McQueen, se conhecem. Um velho índio cai morto no meio da rua e um homem caridoso resolve pagar por seu enterro, mas o agente funerário tem medo de levar adiante seu serviço porque algumas pessoas acham que um indígena não pode ser enterrado ao lado dos brancos. Brynner (de preto, numa imagem associada a ele pelo resto de sua vida) surge e se oferece para levar a carruagem com o morto até o cemitério, a apenas poucos metros dali. McQueen senta-se a seu lado com uma espingarda, e todos ao redor prendem a respiração. A cena hipnótica, carregada de suspense e tensão, dá o tom do restante do filme, ou seja, um western que tem sua força mais na expectativa e na pressão psicológica do que nas poucas cenas de ação, já que grande parte da história é destinada primeiro à missão de recrutar o grupo e depois à preparação dos pistoleiros e dos habitantes para se defenderem do iminente ataque.

Podemos dizer que o longa é uma mescla de drama e suspense, ainda que concebido dentro da estrutura do faroeste clássico e pontuado por sequências de tiroteios e duelos. Mas, ao mesmo tempo em que tem essa visão menos “rápida no gatilho”, paradoxalmente o filme apresenta um estilo de direção seca e direta. John Sturges, mesmo diretor de Fugindo do Inferno, não busca a poesia visual de um Sergio Leone e tende a se concentrar mais em contar a história sem maiores requintes estéticos. Tal decisão faz com que o longa perca em estilo, mas ganhe em ritmo.

O elenco estelar é outro fator que vale destacar. Além dos já citados Yul Brynner e Steve McQueen, Eli Wallach arrasa como o terrível e sarcástico Calvera; Charles Bronson, antes de ter desejo de matar, tem nesse filme seu primeiro papel de destaque; ainda estão no elenco James Coburn e Robert Vaughn. Tampouco se pode deixar de mencionar a magnífica trilha sonora de Elmer Bernstein, indicada ao Oscar. A música-tema já foi tão largamente usada na propaganda e afins que hoje em dia seus acordes se transformaram em sinônimo do gênero western.

Ainda que tenham caído na besteira de realizar uma penca de sequências totalmente dispensáveis, nada pode apagar o fato de que Sete Homens e um Destino sempre permanecerá como um dos mais importantes westerns já realizados.

sábado, 11 de abril de 2009

W.


Ao assistir a W. o espectador pode, à primeira vista, ter a impressão de que Oliver Stone esteja pegando leve com George W. Bush, já que o Bush retratado no longa parece mais um moleque inconsequente do que o presidente com estratosféricos níveis de rejeição do qual ninguém sentirá falta. Mas por que logo Stone, cineasta conhecido por sua verve política impiedosa, passaria a mão na cabeça do grande desafeto mundial? Não se deixem enganar pelo tom de sátira do filme, meus caros. Pura opção dramatúrgica, que prefere ridicularizar o personagem ao invés de atribuir-lhe esse poder de destruição todo. E se o Bush da telona chega a inspirar pena em algumas passagens, não se pode dizer o mesmo dos republicanos que o cercam. No final das contas, a tese de Stone parece ser a de que um vagabundo alcoólatra nunca causaria tamanho dano a um país se não estivesse ali como resposta aos anseios de uma sociedade retrógrada que não apenas o colocou no poder como teve coragem de reelegê-lo. É essa verdade inconveniente que faz de W. um filme extremamente feroz a despeito da leveza de sua abordagem.

O roteiro trabalha em duas linhas narrativas: uma, que abrange vários anos, mostra a trajetória de Bush a partir da faculdade; e outra que se concentra nos dias que antecederam sua decisão de invadir o Iraque – a decisão teria sido sua mesmo?. Na porção biográfica, vemos uma representação daquilo tudo que Michael Moore já dizia em seus documentários: Bush era um universitário fanfarrão, alcoólatra e pouco inteligente. Engravidou uma menina, mas nunca assumiu o filho. Depois de formado, não queria nada com o trabalho e se demitia de todos os empregos arranjados pela influência do pai. Aos quarenta anos, já casado com Laura, ainda era o “júnior” e não produzia o próprio sustento. É nessa época que ele pára de beber, se rebatiza como novo cristão e passa a ajudar na campanha do pai – não sem uma certa mágoa de só estar ali porque Jeb, o irmão de ouro, não podia. Aparentemente, foi a partir daí que ele tomou gosto pela política. Nas eleições seguintes, consagrou-se como governador do Texas e o resto todo mundo já sabe.

Josh Brolin, em excelente fase na carreira, pode até não ter muita semelhança física com o ex-presidente (com toda caracterização, Brolin continua bonito), mas incorpora de tal forma o jeito aparvalhado, o modo de falar e as bravatas de Bush que ao longo do filme passamos a achá-lo muito parecido com ele. Seu Bush é multifacetado, misturando o estilo grosseiro e arrogante com uma motivação nascida do desejo desesperado de mostrar-se à altura de seus antecessores. O ator consegue criar uma versão mais complexa para um personagem do qual já pensávamos conhecer tudo. A única mancada da produção foi não ter escalado um ator mais jovem para retratá-lo nos tempos de faculdade. Brolin, que tem quarenta anos, ficou um pouco forçado como calouro. Também estão ótimos Elizabeth Banks como Laura Bush (quase um clone mais jovem da própria), James Cromwell como Bush pai e Ellen Burstyn Barbara Bush. Já Thandie Newton não convence nada como Condoleezza Rice e Jeffrey Wright, apesar de atuar bem, faz um Colin Powell excessivamente ponderado.

W. é um ótimo filme, que retrata com tom de deboche um período de trevas da história americana. Se Bush foi o agente principal desse Mal ou apenas alguém idiota o bastante para deixar o seu na reta para a posteridade, cabe ao espectador decidir.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Território Restrito


O que leva pessoas de diferentes culturas a tentarem o mesmo sonho desesperado de migrar para os Estados Unidos, mesmo considerando a crescente xenofobia pós-onze de setembro? Pior: mesmo para os que conseguem entrar ilegalmente e se manter a salvo da “migra”, tanto esforço acaba se convertendo em mais uma garçonete ou lavador de pratos. É claro que muitos dos que se arriscam em tal aventura fogem de países em guerra civil ou sob regimes ditatoriais, mas o que dizer, por exemplo, dos brasileiros de classe média que jogam seu dinheiro e suas vidas nas mãos de um “coiote”?

Com uma temática que lembra dois filmes recentes, Crash e Babel, Território Restrito discute não apenas a ilusão do eldorado americano, mas também o mosaico de culturas presentes nos Estados Unidos. O estrangeiro absorve hábitos americanos ao viver lá; mas não estaria também a cultura americana se tornando uma nova mistura, fruto de todas as outras culturas que ela tenta assimilar? Sendo a cidade de Los Angeles uma expressão máxima dessa diversidade por ainda agregar os sonhos de estrelato vendidos por Hollywood, o filme faz um painel das diferentes raças que formam uma nova geração de americanos que, dependendo da origem, usam véu, têm olhos puxados ou falam espanhol.

Num dos núcleos termos o americano Max Brogan, personagem de Harrison Ford, um agente especializado na captura de imigrantes ilegais. Seu parceiro é Hamid, filho de um imigrante islâmico (não lembro de qual nacionalidade) que está prestes a se naturalizar e cuja família tem dificuldades em lidar com o espírito liberal da caçula Zahra – a única da família genuinamente americana. A parceria entre os dois exemplifica uma outra questão interessante, que é o fato da polícia americana estar repleta de estrangeiros. E, no caso da imigração, cria-se a estranha possibilidade do policial ter que perseguir um conterrâneo que quer nada mais do que o direito de ficar ali também. A brasileira Alice Braga interpreta uma mexicana que é presa por Max, deportada e se desespera por ter deixado o filho com uma vizinha.
O longa acerta ao se não deter no batido trânsito EUA-México e realmente amplia o espectro ao abordar a imigração ilegal vinda de países desenvolvidos. Um bom exemplo é o caso da atriz australiana Claire Shepard, que tenta a sorte no cinema. Claire já conseguiu um papel, mas para trabalhar precisa do visto permanente. Seu caminho cruza com o de Cole Frankell, um analista de pedidos de visto que lhe promete o green card em troca de favores sexuais. Frankel é casado com Denise, advogada idealista que defende pessoas ameaçadas de deportação.


Denise tem dois casos difíceis em mãos: o de uma menininha africana que perdeu a mãe e pode ser mandada de volta caso não se encontre alguém para adotá-la e o de Taslima, uma adolescente de 15 anos que vive no país desde os três, mas está em vias de ser deportada. Seu crime? Fazer observações humanitárias sobre os terroristas de onze de setembro na sala de aula, ou seja, exercer o tão decantado direito de liberdade de expressão. Talvez seja essa a situação mais complexa, a de uma família ilegal que já criou raízes profundas no país. Acrescente-se a isso o fato da menina ter dois irmãos mais novos nascidos nos Estados Unidos e está armado o problema.

Escrito e dirigido por Wayne Kramer, o mesmo de The Cooler - Quebrando A Banca, o filme tem o mérito de evitar o maniqueísmo e humanizar todos os personagens – até mesmo personagens difíceis de serem vistos com condescendência, como é o caso de Cole Frankel. Por outro lado, o filme também apresenta o lado desonesto de personagens que são, de um modo geral, gente boa. Caso de Gavin Kossef, que finge ser judeu praticante para conseguir um emprego e depois mente descaradamente para obter seu visto, mas condena Claire por tentar conseguir o seu indo para a cama com Cole.


Nada do que é mostrado em Território Restrito chega a ser novidade, mas o filme certamente merece uma conferida graças a seu olhar humanitário e abrangente. Questões batidas sim, mas expostas de modo bastante interessante na tela. Estréia amanhã.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Presságio


Peguem os filmes mais fracos de M. Night Shyamalan (ou seja, Fim dos Tempos e Sinais), misturem com Guerra dos Mundos e batam por noventa minutos. Depois adicionem pitadas de O Dia em Que a Terra Parou e Impacto Profundo e sirvam acompanhados de Nicolas Cage – o Nicolas Cage de hoje e não o de Despedida em Las Vegas, que fique bem claro. Deve ser mais ou menos assim que se prepara uma mistureba como Presságio.

O roteiro já parte de um argumento pouco convincente: em 1959, como parte de uma comemoração numa escola infantil, uma professora pede aos alunos que façam um desenho de como imaginam o futuro. Os desenhos ficarão guardados numa “cápsula do tempo” (sim, isso mesmo!) que será aberta por outros estudantes somente 50 anos depois. Uma das crianças, ao invés de desenhar, cobre a folha com sequências numéricas que aparentemente não têm sentido algum.

Meio século depois, Caleb, filho do astrofísico John Koestler, vivido por Nicolas Cage, está entre os alunos que abrirão a tal cápsula. Claro que a folha com os números vem parar justamente nas mãos dele. Mediunicamente, John enxerga no meio daquela bagunça a data onze de setembro de 2001, seguida pelo número exato da vítimas do WTC. Para resumir, os números prediziam com exatidão as datas e o número de mortos de todas as grandes tragédias dos últimos 50 anos. Faltam ocorrer ainda três, das quais John sabe a data mas não a localização. Ele também começa a temer que aquilo tudo tenha alguma relação direta com ele e seu filho, e resolve procurar pistas sobre a aluna que escreveu a mensagem no passado.

Estão achando meio esquizofrênico? Bom, a má notícia é que essa é a melhor parte do filme. Até então, a coisa é meio batida e não convence muito... mas ainda faz sentido. Descontando o fato de John e Caleb terem a profundidade emocional de uma folha (alguém ainda aguenta ver o viúvo desconsolado que se afunda no trabalho e o filho metido a espertinho?), até esse ponto o filme ainda consegue despertar interesse a respeito das profecias e do porquê delas serem reveladas justamente quando falta tão pouco para fechar o ciclo.

Mas a coisa não fica por aí. De repente, John e Caleb começam a ser perseguidos por uma galera muito pálida e esquista e a a trama começa a se afundar cada vez mais no terreno do risível. Conforme mais elementos vão sendo acrescentados, não há suspensão da descrença que resista. Tudo se avoluma e nada faz sentido, mesmo considerando a lógica interna de uma história que já havia começado meio absurda. E quando a suposta grande revelação é feita, o espectador não pode deixar de se perguntar o que havia de especial com “os escolhidos”. Com base em que critério aquela decisão foi tomada? E por que, afinal de contas, os seres precisavam da permissão de John? Para não dizer que nada se salva no longa, as cenas dos desastres são extremamente bem-feitas. É a única qualidade a ser destacada no filme.


Alex Proyas, diretor de Eu, Robô e O Corvo, realiza um filme apático e nada original, que mais parece uma colagem de vários outros longas. Presságio atira para todas as direções e não consegue tomar nenhum rumo, culminando num desfecho preguiçoso e pseudo-emocionante. Mas também, o que poderíamos esperar de mais um filme-cachê com o decadente Cage bancando o herói? O cara não faz um filme decente desde Adaptação, e isso foi em 2002. Exagero? Vejamos um retrospecto da carreira do ator nos últimos anos: A Lenda do Tesouro Perdido (1 e 2), World Trade Center, O Vidente, Motoqueiro Fantasma, Perigo em Bangkok... e por aí vai. Então, caro espectador, no fundo a culpa é nossa. Por ainda acreditar em Nicolas Cage. E cuidado: 2009 mal começou e ele já tem quatro outros filmes em pós-produção.

Estréia sexta-feira.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Delírios de Consumo de Becky Bloom


Depois de Bridget Jones e seus diários, mais uma adaptação cinematográfica da chamada “literatura mulherzinha” ganha os cinemas. Trata-se de Delírios de Consumo de Becky Bloom, primeiro dos cinco livros escritos pela inglesa Sophie Kinsella sobre a personagem que perde a linha diante de uma vitrine de loja.

Rebecca Bloomwood é uma jornalista que vive para fazer compras e não consegue resistir a uma liquidação. Endividada até a raiz dos cabelos e perseguida por cobradores, Becky tem que arrumar um emprego bem depressa quando a empresa onde trabalha fecha as portas. Embora seu sonho sempre tenha sido trabalhar em uma revista de moda, a necessidade e um providencial mal-entendido fazem com que ela vire colunista de uma revista de finanças. Sua total falta de intimidade com o assunto acaba transformando-a em sucesso, já que seus textos se destacam pelas observações divertidas e comparações inusitadas em um assunto que a grande maioria das pessoas acha chato ou incompreensível. Mas o que pensaria seu charmoso editor se descobrisse que Becky aconselha as finanças alheias, mas não consegue manter as suas sob controle?

Não tendo lido nenhum dos livros da série, não sei dizer até que ponto o longa foi fiel ao livro que lhe deu origem. Portanto, as observações a seguir dizem respeito estritamente ao que é mostrado na tela. E a Becky Bloom do filme me parece uma personagem excessivamente delirante, mesmo considerando o título em português da obra. Talvez por conta disso, a personagem não conquista pela identificação como, por exemplo, Bridget Jones e seus dilemas cotidianos de uma garota normal. Tampouco a trama se caracteriza por algum tipo de crítica ao consumismo descontrolado ou às esquisitices que gravitam em torno do mundo da moda, como faz O Diabo Veste Prada. Pelo contrário, o roteiro encara o desequilíbrio da protagonista (não tenham dúvidas, Becky é caso psiquiátrico) como algo engraçadinho ou até mesmo normal. Coisa de mulherzinha, enfim, aquele tipo de estereótipo que só reforça preconceitos sobre o chamado “mundo feminino”. E convenhamos: a moça compra tanto e nem consegue se vestir bem. Seria algum tipo de ironia ou escorregão da figurinista? Felizmente, Becky é interpretada pela simpática Isla Fisher, de Três Vezes Amor. A moça tem carisma, mesmo quando as atitudes de sua personagem são irritantes ou fazem pouco sentido.

O diretor australiano P. J. Hogan, que aportou em Hollywood graças ao estrondoso sucesso de O Casamento de Muriel e realizou nos States filmes bem legais como O Casamento do Meu Melhor Amigo e Peter Pan, escorrega justamente na capacidade de surpreender, qualidade presente nos trabalhos citados acima. Delírios de Consumo de Becky Bloom é extremamente previsível, deixando entrever todas as supostas viradas da trama bem antes que elas ocorram na tela. E não deixa de ser irônico que uma personagem que comete tantos desatinos seja tão previsível. E o desfecho... Bom, o desfecho nada mais é do que uma consequência do tom do filme até então. A brincadeirinha com os manequins, original na primeira vez que acontece, parece meio fora de tom no final, principalmente por conta da “mudança de postura” dos mesmos.

Não que o filme seja desagradável. Serve para matar o tempo, embora seja totalmente esquecível tão logo as luzes se acendem. Uma boa medida da época em que vivemos. Estréia sexta-feira.

domingo, 5 de abril de 2009

Hellboy 2: O Exército Dourado


Guillermo Del Toro é um cara que sabe o que faz. O cineasta mexicano, cujo prestígio em Hollywood só cresce a cada ano, espertamente alterna projetos comerciais com filmes de ambições artísticas mais elevadas. No primeiro time, estão Hellboy e Blade 2; no segundo, A Espinha do Diabo e O Labirinto do Fauno. De um filme dirigido por Del Toro espera-se, no mínimo, um visual deslumbrante e muita criatividade. E certamente tudo isso foi levado em conta na hora de escolhê-lo para capitanear o aguardado projeto O Hobbit (história que antecede O Senhor dos Aneís e mostra como Bilbo Bolseiro se apoderou do famoso anel). O Hobbit ainda está em pré-produção e vai demorar um pouquinho para ficar pronto (a previsão é somente para 2012), mas enquanto isso pode-se ir à locadora conferir o talento de Del Toro à frente de Hellboy 2. Cabe frisar que, num ano tão concorrido no quesito adaptação de HQ's como foi 2008, fazer um filme com tamanho frescor não é pouca coisa.

Hellboy, personagem criado por Mike Mignola em 1994, é um ser de aparência demoníaca, conjurado pelo mago Rasputin. Mas ele é uma criatura de bom coração que, uma vez descoberta por uma ultra-secreta agência do governo americano, dedica-se a combater as forças do Mal. Tendo como principal arma uma força descomunal, condensada no seu gigantesco punho de pedra, Hellboy é apaixonado por Liz Sherman, uma garota com poderes pirocinéticos. Neste segundo filme, Hellboy, Liz e seus companheiros têm que lidar com um príncipe do mundo subterrâneo que decide quebrar uma antiga trégua firmada com a humanidade. E para ajudá-lo a espalhar as trevas pelo mundo, o príncipe Nuada pretende despertar de seu descanso milenar o tal exército dourado do subtítulo.

OK. Essa parte do exército maligno adormecido que lutará sob o comando de quem o despertar é idêntica àquela trama do exército do escorpião-rei de O Retorno da Múmia. E também existe o problema de algumas criaturas e cenários terem uma estética meio parecida com o mundo mágico visto em O Labirinto do Fauno. Mas, a despeito desses detalhes, Hellboy 2 é um longa realizado com competência e ainda possui o grande mérito de não se levar muito a sério, o que o torna um filme extremamente simpático. Hellboy não é um herói no sentido mais tradicional: em contraste com sua aparência ameaçadora, ele não passa de um garoto ansioso por agradar e com um desejo bastante humano de ter o reconhecimento das pessoas pelo trabalho que faz.

Nos papéis principais, o filme conta novamente com Ron Perlman e Selma Blair como Hellboy e Liz Sherman, além de Doug Jones como o amigo anfíbio Abe Sapien. O trio tem ótimo entrosamento e funciona muito bem em cena. Aliás, Hellboy e Abe são responsáveis pela cena mais divertida da trama, quando resolvem afogar suas mágoas de amor com umas cervejinhas a mais. Impagável.


E claro que, em se tratando de um filme de Del Toro, o espectador pode ter certeza de que suas retinas serão invadidas por cenários surreais, criaturas exóticas e caracterizações incríveis. O destaque desta sequência (já que o sempre impressionante protagonista não é novidade) fica por conta dos monstrinhos apelidados de “fadas dos dentes”, que conseguem a façanha de ser assustadores e engraçadinhos ao mesmo tempo.

Hellboy 2, por ser uma adaptação, ainda cumpre uma função colateral: nos deixar curiosos para ver o que Guillermo Del Toro aprontará na versão cinematográfica de O Hobbit. Mas isso só daqui a três anos.