sexta-feira, 4 de março de 2011

Lope


(texto já postado na época do Festival do Rio, mas acrescido de algumas observações)

Há quem estranhe o fato desta coprodução entre Brasil e Espanha – e falada em espanhol – sobre o célebre dramaturgo Félix Lope de Vega ter sido entregue nas mãos de um brasileiro. Andrucha Waddington chegou ao filme através de um de seus roteiristas, que assistiu ao fabuloso Casa de Areia e, impressionado, pediu ao cineasta que lesse o roteiro de Lope. Andrucha se empolgou com o projeto e correu atrás de parceiros para realizá-lo. O resultado é um longa com surpreendente “sotaque” espanhol, não transparecendo nenhum cacoete de olhar estrangeiro sobre o tema.

A trama acompanha o início da carreira de Lope de Vega, sua dificuldade em conseguir que encenassem suas primeiras peças e também os primeiros dos muitos escândalos amorosos associados a seu nome. Na Madri no século XVI e recém-chegado da guerra, Lope entra no teatro pela porta dos fundos, como copista de uma das mais prestigiadas companhias teatrais. O todo-poderoso Velásquez reconhece que o subordinado é talentoso, mas reluta em dar-lhe uma chance porque o trabalho de Lope mistura tragédia com comédia e, portanto, vai contra os cânones teatrais da época.

Ao mesmo tempo em que realiza um filme bastante clássico, puro cinemão de época, Andrucha Waddington também conta a história de um espírito indomável e subversivo. Lope de Vega era, antes de tudo, um rebelde que se insurgiu não apenas contra a caretice teatral de seu tempo, mas também contra as hipocrisias sociais vigentes. E pagou um preço por isso. Justamente quando começava a ser reconhecido, o dramaturgo caiu em desgraça por conta de seus ímpetos passionais e foi acusado de diversos crimes de ordem moral.

Tecnicamente, Lope é perfeito. A fotografia de tons escuros é deslumbrante, chegando a lembrar o estilo das pinturas de Velásquez (o mestre da pintura, não o personagem do filme), e ajuda muito o espectador a entrar no clima da época retratada. Assim como a direção de arte e as locações bacanérrimas. OK, o longa não inova muito em termos de estrutura narrativa e é bastante convencional como cinema, mas todo esse tradicionalismo não chega a ser um defeito quando é realizado com competência. E isso é inquestionável no trabalho de Andrucha Waddington que, com esse filme, prova que está pronto para encarar a direção de qualquer produção em qualquer parte do mundo.


O argentino Alberto Amman está ótimo no papel de Lope de Vega. E dois brasileiros bem conhecidos integram o elenco coadjuvante: Sonia Braga e Selton Mello. Lope chegou a ser considerado para representar a Espanha no Oscar deste ano, mas acabou preterido por También la Lluvia. Aqui no Brasil, não dá para entender porque sua estreia foi adiada tantas vezes e agora o filme foi desperdiçado entrando em circuito às vésperas do carnaval. É o tipo de lançamento destinado aos tapa-buracos da programação, ou seja, aos filmes ruins, coisa que Lope definitivamente não é.

2 comentários:

  1. Um filme espetacular! Assisti duas vezes no festival do Rio e fiz questão de elogiar o Andrucha quando o entrevistei. E faço questão de vir te elogiar, Erika, por este texto maravilhoso!
    Bjão!!

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  2. Erika, tenho vontade de assistir "Lope" porque gostei muito do trabalho de Andrucha Waddington em "Casa de Areia" - fico até contente que este filme tenha chamado a atenção ao ponto de ser o ingresso para ele trabalhar na Espanha. O problema é, como você aponta, o seu lançamento quase vergonhoso no circuito nacional. Por aqui, ele só está em cartaz nas salas paulistas.

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