quinta-feira, 6 de maio de 2010

O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus


Não se pode comentar o filme O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus sem mencionar as conhecidas e tristes adversidades surgidas no caminho de sua realização. Quando morreu, há dois anos, o ator Heath Ledger estava justamente em meio às filmagens deste novo longa de Terry Gilliam. Como podemos perceber pelo resultado final, Heath já tinha rodado boa parte das cenas, mas faltava um trecho considerável para que o filme pudesse ser finalizado. Gilliam, deprimido, chegou a pensar em interromper o projeto. A solução veio com a ajuda de Johnny Depp, Colin Farrell e Jude Law, que se ofereceram para completar as cenas que cabiam a Ledger. E não é que funcionou?

Por uma imensa sorte, a abordagem do filme tem uma pegada não-realista que possibilitou que soasse natural que o personagem Tony assumisse outras faces. O Doutor Parnassus do título é um sujeito que acredita no poder de influenciar as ações alheias com seu rico e exuberante imaginário, que ele exibe dentro de uma carroça de show itinerante, ao estilo dos atores mambembes de outrora. É simples assim: as pessoas pagam e entram no imaginário, mais ou menos como acontecia em Quero Ser John Malkovich. Só que o bom Doutor tem seus vícios e, além de uns bons tragos, também tem compulsão por perigosas apostas com Mr. Nick, o diabo em pessoa. Numa dessas, ganhou a imortalidade e, noutra, a bela jovem por quem se apaixonara à primeira vista. Só que, por outro lado, também perdeu a filha Valentina (não fica claro exatamente quando), que passará a ser de Mr. Nick ao completar 16 anos. A trama começa justamente três dias antes da fatídica data, com Mr. Nick já rondando seu prêmio e se oferecendo para uma nova aposta.

É nesse estado de coisas que o misterioso Tony se junta à trupe depois que Valentina o encontra enforcado sob a Ponte de Londres e salva sua vida. Parnassus havia acabado de tirar a carta do enforcado no tarô e acredita que há algo de profético naquele estranho desmemoriado que cruza seu caminho. Heath Ledger está presente na maior parte das cenas em que os personagens se encontram no mundo real, ainda que algumas tomadas mais distantes possam ter sido feitas com ajuda de um dublê. Os outros atores surgem justamente como a imagem de Tony, quando visto por outra pessoa dentro do imaginário. Claro que fica difícil saber o quanto do roteiro original foi reescrito para que o longa se adaptasse ao funesto imprevisto, mas o resultado final é bom. Muito bom mesmo.


O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus lida com a própria essência teatral, ao escancarar nas telonas os mesmos mecanismos de sedução utilizados pelo teatro desde seus primórdios para transportar seus espectadores a um mundo de sonhos. É bem verdade que, nestes tempos de 3D e perfeição realista, o visual delirante e barroco do filme pode incomodar alguns menos afeitos ao onírico. Um exemplo disso é a surreal cena do primeiro encontro entre Parnassus e Mr. Nick, rodeados por monges meditantes em tapetes voadores. Louco demais. Mas uma vez ultrapassado esse susto inicial, é penetrar no universo do filme assim como alguns personagens penetram no imaginário de Parnassus. É recompensador, podem crer.

OK, o roteiro por vezes deixa algumas coisas no ar. Confuso? Um pouquinho, como tudo que é feito da mesma matéria dos sonhos e com um pé no subconsciente. Mas absolutamente fascinante. Com referências que bebem em fontes tão distintas como as pirações de Charlie Kaufman (em especial Quero ser John Malkovich e Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças) ou um mergulho na Commedia dell’Arte (o que lembra também A Viagem do Capitão Tornado, de Ettore Scola), O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus não é filme para ficar analisando muito racionalmente. É para viajar junto e, de quebra, curtir esse último encontro com um ator que se foi há pouco e já deixa muita saudade. Ver Heath Ledger em cena é lindo e dolorido ao mesmo tempo. Prestem atenção à fala de Johnny Depp sobre os ídolos que morreram jovens e foram eternizados. Soa como uma homenagem.

Sexta-feira nos cinemas.

Um comentário:

  1. Visualmente perfeito, mas o roteiro ás vezes se perde. A melhor coisa realmente é viajara junto com o filme!

    http://cinema-em-dvd.blogspot.com/

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