quinta-feira, 13 de maio de 2010

Os Homens Que Não Amavam as Mulheres


O ser humano, de um modo geral, tem uma tendência a acreditar na violência como consequência de uma mazela social. O criminoso vindo de um lar desfeito ou com um histórico difícil teria uma explicação – até mesmo um atenuante – para suas ações. O que realmente tira o sono das pessoas é quando a perversidade vem do cidadão privilegiado, bem-educado, confiável, já que isso abre um leque de possibilidades apavorantes e transforma em suspeito qualquer pessoa.

Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, adaptação do primeiro livro da bem-sucedida trilogia Millenium, do autor sueco Stieg Larsson, mostra a podridão oculta por trás de uma nação exemplar e culta. Logo no começo da trama, assistimos à crucificação pública do altruísta Mikael Blomkvist. Editor da revista Millenium, Blomkvist é condenado a três meses de prisão por calúnia depois que denuncia um proeminente empresário por negócios escusos e suas fontes o deixam na mão. Pior, seus próprios colegas de trabalho parecem ansiosos por se livrarem dele. É dura a vida de um homem honesto, até mesmo na Suécia.

Nessa fase nada favorável de sua vida, Mikael recebe uma curiosa proposta: trinta e seis anos antes, a aristocrata Harriet Vanger, na época com 16 anos, desapareceu sem deixar vestígios da propriedade da família, situada numa ilha de acesso restrito. Apesar do empenho da polícia local, a investigação teve que ser encerrada por falta absoluta de pistas. Mas o tio de Harriet, o poderoso Henrik Vanger, nunca se conformou e quer contratar Mikael, numa última tentativa de elucidar o mistério que o atormenta há décadas. O jornalista contará ainda com a ajuda de Lisbeth Salander, uma hacker exótica e cheia de problemas de socialização.


A partir do momento em que aceita a missão, Mikael, profissional acostumado a lidar com corrupção e injustiça, percebe que o mundo pode ser ainda pior do que ele pensava. Conforme avança em suas buscas, mergulha num lamaçal de perversão que faz com que os escândalos desencavados por ele antes soem pueris. E o filme não se furta a expor na tela violência sem maquiagem ou meio-termo, tanto em níveis físicos como psicológicos. A incômoda perspectiva que o filme abraça, de um modo geral, é a de uma sociedade prestes a implodir, com todo seu verniz de civilidade roído pelos dentes da insanidade. E esse pano de fundo assustador pouco tem a ver com o desaparecimento que norteia a trama ou com o histórico pessoal dos personagens. Um exemplo disso é a cena em que Lisbeth é hostilizada por um grupo de delinquentes no metrô.

Uma outra abordagem interessante é quanto à evidente inversão dos níveis de agressividade entre os personagens Mikael e Lisbeth. Ele, longe de ser o macho-alfa da história, é um homem de temperamento suave; ela é uma verdadeira explosão de hormônios e atitudes defensivas. E suas personalidades se complementam, sem que haja um grande choque ou uma polaridade maniqueísta para “explicar” o relacionamento entre eles.

Como bola-fora de Os Homens Que Não Amavam as Mulheres (que bobagem esse título brazuca, pegando carona no Truffaut), destaco a sua desnecessariamente longa duração (152 minutos). Ainda não li os livros de Larsson e tenho visto alguns fãs reclamando que o filme deixa muita coisa de fora. Só que, estranhamente, o miolo do longa apresenta uma certa “barriga” e deixa o ritmo cair, dando a sensação de que uma enxugadinha por ali deixaria o filme mais redondo – o que poderia elevar o bom para o patamar do excelente.

Por fim, uma qualidade extrafilme que não se pode deixar de ressaltar é o fato da adaptação para a telona deste best-seller mundial oriundo da Suécia ter sido feita lá mesmo, em seu país de origem, provando que projetos ambiciosos não precisam necessariamente das benesses do tio Sam. Mas, como nada que faz sucesso passa impune pelo apetite hollywoodiano, vários sites de cinema tem noticiado que já existe um remake americano em vias de produção. O filme teria David Fincher na direção e Brad Pitt no papel de Mikael. Dizem, ainda, que atrizes como Natalie Portman, Carey Mulligan e Ellen Page andam se estapeando pelo papel de Lisbeth. Enquanto isso a segunda e terceira parte da trilogia sueca vem aí, provavelmente seguida de perto pelos longas made in USA. Tudo isso apenas porque os americanos tem preguiça de ler umas legendas. Inacreditável, não?

Amanhã nos cinemas.

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