sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Natimorto


Bastante complicado definir e mais ainda criticar esse filme contraditório que é Natimorto. Com muitas qualidades e mais uma penca de incongruências, a impressão que se tem é que o filme equilibra-se numa linha de tensão do mesmo modo que o personagem principal equilibra-se nos beirais da insanidade. Com um quê de Último Tango em Paris – impressão reforçada pela estética retrô – acompanhamos um desesperador mergulho na loucura, na desesperança, na consciência de si mesmo e do outro.

O quadrinista Lourenço Mutarelli, também autor do romance que serviu de base para este filme, interpreta um caça-talentos que intermedia o encontro de uma jovem cantora com um renomado maestro em São Paulo. Depois que a presença da moça é mal-recebida por sua esposa, ele a leva para um hotel e os dois iniciam longas conversas. Ele não quer voltar para a esposa castradora, e ela não se importa que ele fique. Entre maços e mais maços de cigarros, ele lhe propõe que continuem ali, dividindo aquele quarto e confidências. A conversa bizarra do caça-talentos, que a princípio a fascina, logo torna-se um grilhão. Um hábito dele que começa a perturbá-la é sua mania de ler a sorte nas imagens horrendas que acompanham os maços de cigarros, como se estas fossem cartas de tarô. Conforme o clima entre os personagens vai ficando mais pesado e tenso, o filme também abandona o humor e ironia iniciais e torna-se cada vez mais lisérgico e claustrofóbico.

Nada contra filmes com uma pegada mais abstrata, mas certos artificialismos em Natimorto incomodam um pouco. Os diálogos são excessivamente literários, o que até funciona bem por vezes... mas não sempre. Em nenhum momento é mencionado como os personagens se contactaram, informação que faz falta para que o espectador entenda o grau de conhecimento prévio que um tem do outro. E causa ainda mais estranheza quando, ao final, ficamos sabendo a verdade sobre ele. A opção de não mostrar a personagem cantando é interessante porque abre duas possíveis interpretações a respeito dela. Já a narração em off feita por Nasi não funciona muito bem, principalmente porque o som parece alto demais em relação ao restante do filme.

Um outro fator a complicar a boa fluência do longa é o fato de Lourenço Mutarelli interpretar o personagem principal. O escritor já havia realizado uma participação divertida nas telonas como o segurança de O Cheiro do Ralo, mas para um papel complexo e cheio de camadas como esse sente-se claramente a falta de um ator mais experiente e tarimbado. Só não chega a comprometer porque no outro canto do ringue há uma atriz fantástica como Simone Spoladore para lhe apoiar.

E, por fim, há o ritmo muito irregular de Natimorto. Depois de um começo excelente, lá pela metade comecei a temer que o longa ficasse dando voltas em torno de si mesmo sem chegar a lugar algum. Mas, depois, em seu terço final, o filme volta a tomar rumo e o desfecho completa a trama com mais sentido do que parecia ser possível a princípio. Resumindo: um filme difícil, porém interessante de modo geral.

Nota: 6,5

(Natimorto, de Paulo Machline. BRA, 2009. 92min. Première Brasil)

Nenhum comentário:

Postar um comentário