sábado, 17 de outubro de 2009

Distrito 9


Depois do buchicho causado pelo longa no Festival do Rio, finalmente fui conferir Distrito 9 no circuitão. E foi muito gratificante constatar que não é muito barulho por nada, já que trata-se de um dos filmes de sci-fi mais originais e menos pretensiosos das últimas décadas. Uma verdadeira pérola para quem curte cinema inventivo, inteligente e bem estruturado. Depois de explorar a temática do contato entre humanos e alienígenas em dois curtas (Alive in Joburg, 2005, e Tempbot, 2006), o técnico em efeitos visuais sul-africano Neill Blomkamp debuta na direção de longas com esta trama também escrita por ele e produzida por ninguém menos que Peter Jackson.

Sob o formato de um documentário fake, Distrito 9 começa narrando como uma grande nave interplanetária quebrou sobre Joanesburgo vinte anos antes, acontecimento que acabou deixando sob a responsabilidade do governo da África do Sul uma indesejada população de alienígenas confusos, perdidos e malnutridos. As criaturas foram segregadas em um acampamento provisório, que logo se transformou numa imensa favela na qual os aliens, vítimas de forte preconceito da parte dos humanos, sobrevivem em meio à sujeira, pobreza e todo tipo de degradação social.

No ponto em que a trama realmente começa, a organização pseudo-humanitária MNU – Multi-National United – promove uma espécie de reassentamento dos alienígenas numa área afastada da cidade, numa clara tentativa de varrê-los para baixo do tapete. Um burocrata da MNU deve ir com uma força-tarefa entregar as ordens de despejo para formalizar a situação, e é durante essa missão que as coisas desandam e a favela explode num conflito gigantesco. Vale ressaltar a hipocrisia da tal entidade em notificar os aliens de seu despejo por escrito, mesmo não deixando alternativa a eles.

A partir de um princípio em tom de ironia e paródia, o filme caminha para um desenvolvimento mais pautado pela tensão dramática e pela ação, mas sem nunca abandonar sua postura crítica. A xenofobia sofrida pelos alienígenas remete a todo e qualquer crime de ódio racial já cometido na história da civilização. Desde o apartheid que lembra bastante não apenas o da própria África do Sul, mas também o perpetrado pelos Estados Unidos até a década de 60 (em diversos cenários, há placas e avisos de “somente para humanos”) até a negativa dos que detém o poder em enxergar os que lhe são subordinados como seres dignos de respeito (qualquer semelhança com o nazismo não é mera coincidência). São especialmente curiosas as declarações dos humanos, que dizem coisas como “se pelo menos eles fossem de outro país, tudo bem; mas eles nem são desse planeta”. Sem contar os apelidos pejorativos e a exploração econômica sofrida pelos segregados, que neste caso pagam preços exorbitantes por ração para gatos contrabandeada pelo simples fato de gostarem de tal alimento. Claro que as situações deste filme são levadas a extremos, mas o mecanismo de ódio é assustadoramente verossímil.

Em meio ao caos, o filme ainda encontra espaço para desenvolver a solidariedade entre dois personagens de mundos opostos e insere uma ponta de esperança em meio à desolação, à barbárie, ao primitivismo humano. E isso ganha especial estofo não apenas pela competência do roteiro e da direção, mas graças também à excelente interpretação do novato Sharlto Copley, que interpreta o executivo que se vê em meio a um conflito que julgava não ser seu. Este é o primeiro longa de Copley, que antes de Distrito 9 tinha feito apenas o curta de Blomkamp Alive in Joburg.


Para finalizar, meus caros, não se deixem enganar pela abordagem por vezes engraçadinha e com um quê de filme trash de Distrito 9: este é um filme que dá bastante o que pensar. É esperto, provocante e, em muitos trechos, assustador. Mas também é profundo em suas colocações. Um filmaço que diverte na hora e faz refletir depois.

2 comentários:

  1. Fiquei curioso pra assistir. Essa semana estava na dúvida entre esse e "Bastardos Inglórios", optei pelo segundo. Se tivesse visto essa resenha antes provavelmente teria mudado de opção.

    ResponderExcluir
  2. Eu gostei bastante também. É realmente um filme que traz uma interessante e duradoura reflexão.

    ResponderExcluir