quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O Desinformante!


Steven Soderbergh é um diretor flutuante, que me deixa sempre sem saber o que esperar de um longa assinado por ele. O cara realiza desde viagens ambiciosas como uma odisséia de Che em duas partes até fitas baratas (e absolutamente dispensáveis) como Confissões de uma Garota de Programa. Entre a pretensão de ser grande e o cacoete de querer ser moderno, Soderbergh volta e meia evita esses dois extremos e acerta em cheio. É o caso deste divertido e original filme.

O Desinformante! apresenta uma trama tão absurda que custamos a crer em sua inspiração na realidade. O argumento com toques de humor nonsense é pautado por temas seríssimos como espionagem corporativa, formação de cartéis, escutas telefônicas e apropriação indébita. Tudo começa quando Mark Whitacre, alto executivo de uma multinacional de derivados de milho, compartilha com seus chefes a denúncia de que uma concorrente japonesa vem sabotando-os. O FBI entra na jogada e logo Whitacre passa de funcionário-modelo a informante do Bureau contra seus próprios superiores, depois de dar com a língua nos dentes sobre um suposto cartel envolvendo sua empresa e as demais concorrentes.

Durante quatro anos (de 1992 a 1996), Mark gravou conversas, forneceu informações, repassou documentos confidenciais e destrinchou altas conspirações. O grande problema é que quase tudo era inventado, deixando o FBI numa tremenda saia-justa por ter lhe dado tanto crédito por tanto tempo. Por que alguém faria isso? Mark é um mitômano, ou seja, sofre de uma compulsão patológica por mentir. E a comédia de erros que daí advém acontece justamente graças à falta de limites do personagem e suas mentiras cada vez mais escalafobéticas. Um detalhe muito divertido é o modo como a narração em off nos faz acompanhar seu fluxo de pensamento, dando ao espectador acesso a um monólogo interior muito louco.

O Desinformante! é uma comédia um pouco fora do estilo que costumamos ver no mercado. Tudo é interpretado na tela com o maior tom de seriedade, e a graça vem justamente do nível de absurdo do ocorrido. Então digamos que não é um filme para grandes gargalhadas e sim para muitos sorrisinhos irônicos. Um Matt Damon gorducho e com um bigodão esquisito dá a Mark Whitacre um ar de impagável canastrice (no bom sentido), ao mesmo tempo em que continua tendo aquele seu característico jeito de bom moço. Damon também é muito bem coadjuvado por Melanie Lynskey com a esposa Ginger e Scott Bakula como Brian Shepard, o pobre agente federal de boa-fé que caiu na lábia do mentiroso. Numa trama com tantas meias-verdades e fatos falseados, o espectador só tem que ficar muito atento para não perder o fio da meada da história. Se piscar, já era.


A inacreditável biografia de Mark Whitacre parece-se bastante com a de outro notório vigarista americano, Frank Abagnale Jr. – retratado nas telas em Prenda-me Se For Capaz. Ambos enganaram as autoridades por anos com sua astúcia e poder de convencimento antes de serem desmascarados e, depois de cumprirem suas penas, reabilitaram-se e construíram carreiras bem-sucedidas: Abagnale como consultor de fraudes bancárias e Whitacre como executivo de sistemas. Para eles, o crime até que compensou.

Estreia sexta.

Um comentário:

  1. Eu vi o trailer somente ontem e achei a história muito interessante e divertida. Fiquei até com vontade de assistir, embora Steven Soderbergh seja um dos diretores que mais detesto no cinema atual ("Confissões de Uma Garota de Programa" é mesmo dispensável). O engraçado é que o diretor mostrou serviço, já que "O Desinformante!" é o seu quarto filme exibido somente este ano no Brasil, algo que acredito que nunca tenha acontecido antes. E não sabia que o personagem do Matt Damon na vida real se deu bem. Acho que vou começar a entrar no mundo do crime. Quem sabe...

    Beijos!

    ResponderExcluir