quinta-feira, 21 de abril de 2011

A Garota da Capa Vermelha


Eu confesso: tenho um pé atrás com Catherine Hardwicke. Depois de trabalhar por quase duas décadas como desenhista de produção, Catherine debutou na direção em 2003 com o deplorável Aos Treze, seguido pelo apenas razoável Os Reis de Dogtown e o primeiro longa da série Crepúsculo. Não é uma filmografia que inspira muita confiança, não é mesmo? Sem contar sua atitude de “cineasta entendida em jovens” quando, na verdade, é justamente a sua visão estereotipada do universo adolescente o ponto fraco de seus filmes.

Agora, em conjunto com uma duvidosa jogada de marketing, Hardwicke chega a seu projeto mais ambicioso: uma versão livre e (supostamente) adulta de Chapeuzinho Vermelho. A jogada de marketing em questão diz respeito ao lançamento de um livro, escrito a partir do roteiro do filme e (pasmem!) lançado sem conter o desfecho do mesmo. Ou seja: para saber como acaba a história, o leitor tem que ver o filme ou baixar o final do livro em separado através de um link que será disponibilizado somente depois da estreia do filme. Como é que é? O incauto que comprou a versão em papel simplesmente ficará com um livro incompleto na estante? Como alguém pode considerar isso uma boa ideia?

Mas vamos ao enredo: em um pequeno vilarejo em meio a uma floresta, os moradores vivem aterrorizados por um monstro terrível e tentam aplacar sua fúria sacrificando animais regularmente. Em meio ao clima de medo e proibições, a bela Valerie cresce apaixonada pelo lenhador Peter. Quando seus pais a prometem em casamento ao rico Henry, ela e Peter planejam fugir, mas tem seus planos arruinados quando o monstro rompe o pacto e assassina a irmã mais velha de Valerie. Revoltados, os moradores caçam um enorme lobo e acreditam ter solucionado o problema. É quando chega ao vilarejo o padre Solomon, célebre caçador de criaturas do mal, e lhes revela que não se trata de um lobo comum e sim de um lobisomem, que retorna à forma humana durante o dia, podendo ser qualquer um deles. O pânico toma conta do vilarejo, ao mesmo tempo em que Valerie começa a perceber que tem uma estranha ligação com a fera.

É muito difícil assistir a esse filme e não lembrar de A Vila, de M. Night Shyamalan. Para o bem e para o mal, os dois filmes tem grande semelhança visual e estilística. É bem verdade que a direção de arte de A Garota da Capa Vermelha é mais caprichada, mas toda a concepção de um vilarejo afastado da civilização e aterrorizado por uma criatura feroz e misteriosa é igualzinha. Por outro lado, o filme de Shyamalan tem um conceito mais adulto e coeso – mesmo não sendo nenhuma obra-prima – enquanto o de Hardwicke parece indeciso entre a fábula e o romance adolescente, não alcançando bons resultados em nenhum dos dois aspectos.


Amanda Seyfried já provou ser uma atriz competente e versátil, mas neste filme é bastante prejudicada pela falta de química com seus dois pretendentes e não consegue transparecer a sexualidade reprimida que deveria estar associada à sua personagem. Aliás, todas as tentativas do filme de explorar o erotismo implícito no mito de Chapeuzinho Vermelho são canhestras. Um exemplo é a cena em que Valerie dança com outra moça diante do olhar dos rapazes do vilarejo: embora seja óbvio que a intenção da diretora era fazer uma cena sensual, a tomada é feita de modo tão forçado e esquemático que não transmite nenhum apelo sexual.

Resta o mistério sobre a identidade do lobisomem. A explicação é até convincente, mas o espectador acaba frustrado porque certamente esperava mais deste filme do que um mero “quem é o culpado?”. Sem contar o desperdício de atores interessantes como Gary Oldman e Virginia Madsen em papéis bidimensionais. Vale lembrar que o cinema já fez ao menos duas releituras mais interessantes de Chapeuzinho Vermelho: nos anos 80, Neil Jordan nos brindou com o denso e perturbador A Companhia dos Lobos; e mais recentemente, a animação Deu a Louca na Chapeuzinho também subverteu os cânones da fábula de modo bastante divertido e original. Já este A Garota da Capa Vermelha, embora visualmente impressionante, não acrescenta nada em termos de conteúdo. Mas é claro que deve se converter em estrondoso sucesso dentre o público adolescente.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Pânico 4


Hello, Sidney. Ghostface está de volta. Com ele, uma das séries de terror mais bem-sucedidas e referenciais dos anos 90, Pânico. A franquia – cujo primeiro filme data de 1996 e o terceiro, de 2000 – revitalizou o estilo ao introduzir como nenhuma outra antes a metalinguagem em sua trama. Os assassinos e suas vítimas são sempre aficionados por filmes de terror e, portanto, aptos a discutirem o que pode e deve ser feito para sobreviver a uma produção do gênero. O fato do assassino por trás da máscara mudar a cada episódio também diz algo sobre o ponto de vista da série: adolescentes podem ser sádicos e até mesmo se transformarem em assassinos em série sem precisarem de um motivo tão forte assim para justificar tamanha violência.

Com o mote “nova década, novas regras”, a história traz a mocinha Sidney Prescott de volta a Woodsboro. Sidney agora é autora de um livro de auto-ajuda e retorna à cidade natal, dez anos depois, não apenas para promover o lançamento, mas também com o intuito de confrontar seus fantasmas do passado. O Xerife Dewey e a repórter Gale Weathers agora estão casados – curiosamente, seus intérpretes começaram a namorar durante o longa de 1996 e se separaram recentemente – e o livro escrito por Gale sobre os crimes mostrados no primeiro Pânico gerou nada menos que sete filmes infames, a franquia Stab.

Sucesso entre os adolescentes locais, os filmes dentro do filme tornaram Sidney alvo de uma indesejada fama: a de ser uma espécie de anjo da morte, ao redor de quem todos morrem. E não é só: o retorno de Sidney a Woodsboro também desencadeia o surgimento de um novo esfaqueador mascarado, o que a coloca, juntamente com sua prima Jill e sua tia Kate, na mira do assassino.


Pânico 4 aposta mais ainda que seus predecessores na mistura de sustos com comédia, dando o tom que seguirá ao longo de quase duas horas já na divertida sequência de abertura. O tempo todo, o roteiro pega no pé dos filmes dentro do filme, ou seja, a série Stab. Ou seria melhor dizer Pânico 3? E não é só: os remakes e as sequências também são devidamente achincalhados (seria uma alfinetada de Craven na refilmagem sem sal de seu sucesso A Hora do Pesadelo?). Mais do que nunca a linha divisória entre este filme em particular e suas referências internas e externas é difusa, tornando tudo sempre mais divertido para quem curte a franquia ou, no mínimo, é um apreciador dos filmes de terror de um modo geral.

Talvez o segredo do sucesso tenha sido reunir mais uma vez o diretor Wes Craven e o roteirista Kevin Williamson (mesmo tendo deixado o projeto, ele ainda é creditado como o principal roteirista), imbatíveis em tirar sarro de personagens, subverter cenas e até mesmo repetir detalhes dos filmes anteriores dentro de outros contextos. Outro ponto bastante interessante é a análise feita dos fenômenos da nova década, como a explosão das mídias sociais, a necessidade dos jovens de estarem conectados o tempo todo e o culto às celebridades instantâneas.


Se o primeiro longa tornou célebre a fala “filmes não criam psicopatas, apenas os tornam mais criativos”, este quarto capítulo tem pelo menos uma fala inesquecível: Don’t fuck with the original. Mas para descobrir quando, por quem e por que a frase é dita... Bom, aí vocês terão que assistir ao filme.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Rio


A animação Rio começou a ser comentada muitas semanas antes de seu lançamento por conta de ter sido a Cidade Maravilhosa escolhida para sediar a primeira coletiva de imprensa e pré-estreia do filme, com direito à presença de astros badalados do momento como Jesse Eisenberg e Anne Hathaway. As exigências de cadastramento foram muitas, as recusas idem, muita gente reclamou do tratamento dado aos jornalistas nacionais em favor dos internacionais, mas não se pode negar que o evento ganhou destaque em todos os veículos ligados à área cultural. Como badalação, Rio foi um sucesso. Mas e o filme, está à altura de tanto frisson?

Em primeiro lugar, causa espanto que um filme dirigido por um brasileiro (Carlos Saldanha, de A Era do Gelo) reforce com tamanha intensidade todos os mais batidos clichês sobre a cidade e seus habitantes. Ou será que Saldanha mora há tanto tempo nos States que já virou gringo? Não vou nem falar de absurdos geográficos como os personagens saírem da Marquês de Sapucaí e caírem no meio da selva, mas sim de uma visão demasiadamente exótica e falsa do Rio de Janeiro, resumindo toda uma metrópole a samba, carnaval e bandidagem. Chega a causar vergonha alheia a cena em que turistas incautos são roubados no Cristo Redentor por uma gangue de macaquinhos. Estaria tudo bem se a pegada do filme fosse irônica, mas o tom é de “homenagem”. E ainda teve gente que se ofendeu com o tal episódio dos Simpsons no Rio – essa sim uma animação de características cáusticas, que não livra a cara de ninguém.

No começo do filme, vemos um filhote de arara azul ser tirado da selva e contrabandeado para fora do país. Por acidente, a ararinha vai parar na porta de uma menina tímida do Minnesota, Estados Unidos, e os dois se tornam melhores amigos. Blu é tão domesticado que não apenas fica solto pela casa, como ajuda sua dona Linda em tarefas domésticas. Em compensação, nunca aprendeu a voar. Anos depois, um cientista brasileiro descobre o pássaro raro e convence Linda a levá-la para o Brasil para que possa acasalar com a única arara fêmea restante e, dessa forma, salvar a espécie. Chegando aqui, o casal de araras é sequestrado por traficantes de animais silvestres. Ou seja, nada mudou desde a infância de Blu.

Muitos irão desculpar o amontoado de bobagens que é o roteiro dizendo que Rio é um filme voltado para o público infantil, mas eu realmente não acho que isso seja uma justificativa válida. A sétima arte todos os anos nos brinda com animações maravilhosas que, mesmo focadas nos pequenos, sabem conquistar o coração de espectadores de todas as idades com tramas originais e bem estruturadas. Só para ficar em dois exemplos recentes, no ano passado tivemos Toy Story 3 e Como Treinar Seu Dragão. Animações fofas sim, mas amparadas por roteiros inteligentes e instigantes. Já em Rio, o espectador tem a nítida impressão de que a história foi escrita de modo a poder mostrar o máximo possível de imagens de festa, favela e floresta, utilizando-se das mais toscas justificativas. Um exemplo é quando os personagens atravessam o Sambódromo porque as ruas estão fechadas para o carnaval e o único modo de passar seria por dentro do desfile. Peraí, como assim?


Posto isso, é preciso reconhecer que Saldanha e sua equipe se saem bem na criação e animação dos seus personagens, em especial a ararinha nerd Blu. O filme é todo lindinho, colorido, bem concebido visualmente e repleto de bichinhos simpáticos (ainda que muitos lembrem personagens e situações já vistas anteriormente em filmes da Disney). O problema é que um filme – mesmo um para crianças – não se sustenta apenas no visual e, ao ver Rio, foi impossível não lembrar de um cupcake. Lindo, enfeitado, uma obra de arte. Mas, depois que você degusta, chega à conclusão de que o sabor não era lá grande coisa.

A partir desta sexta nos cinemas brasileiros (e do dia 15 nos do resto do mundo).