sábado, 27 de dezembro de 2008

10+ e 10-


Fim de ano é época de um balanço de tudo que foi visto ao longo de doze meses. 2008 foi um bom ano para o cinema, tanto brasileiro como internacional. Foi o ano de seqüências arrasa-quarteirões, mas também houve espaço para a singeleza e sensibilidade. Foi o ano em que os Coen chegaram ao Oscar, Indiana Jones interrompeu um descanso de duas décadas e o Coringa conquistou as telas após a partida de seu intérprete.

Em um ano movimentado como esse, fica ainda mais difícil elaborar a famosa lista dos 10+ e 10-. Sempre lembrando que trata-se de uma visão particular minha, nenhum julgamento definitivo sobre os filmes aqui relacionados. A lista de 10-, em especial, costuma ser mais uma relação de decepções do que propriamente uma lista de "piores", já que alguns filmes declaradamente pavorosos eu nem chego a assistir.

Sem mais delongas, esses são os vinte longas que chamaram mais minha atenção - no bom e no mau sentido - em 2008:

10+

1 – Batman – O Cavaleiro das Trevas
2 – Sweeney Todd – O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet
3 – Estômago
4 – Feliz Natal
5 – O Menino do Pijama Listrado
6 – Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal
7 – O Sonho de Cassandra
8 – Onde os Fracos Não Têm Vez
9 – Senhores do Crime
10 – Romance

10-

1 – Awake – A Vida por um Fio
2 – Maldita Sorte
3 – A Mulher do Meu Amigo
4 – A Força da Amizade
5 – Atos que Desafiam a Morte
6 – Pecados Inocentes
7 – A Lista – Você Está Livre Hoje?
8 – Corrida Mortal
9 – O Procurado
10 – Mandela – Luta pela Liberdade

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Os melhores cartazes de 2008

Tem coisa mais irritante e sem criatividade do que esses cartazes de filmes que se limitam a mostrar uma foto (geralmente, posada) dos atores principais? Um cartaz é uma tradução visual do filme e, como tal, deve conter seu espírito. Não necessariamente precisa trazer o rosto dos atores estampado nele. Infelizmente, a grande maioria dos cartazes de cinema atuais apresenta uma concepção preguiçosa. Como o que é bom deve sempre ser destacado, selecionei dez cartazes que enfeitaram os cinemas neste ano de 2008 e que eu considero perfeitos (alguns, inclusive, são melhores que o filme que anunciam). Confiram e opinem:











(Batman - O Cavaleiro das Trevas, Um Beijo Roubado, Ensaio Sobre a Cegueira, Era Uma Vez, O Orfanato, O Menino do Pijama Listrado, SOS Saúde, REC, Sweeney Todd, Speed Racer)

Coração de Tinta


Como acontece todos os anos, dezembro é época dos filmes infanto-juvenis invadirem os cinemas. Coração de Tinta, mais um daqueles longas que passaram o ano tendo a data de lançamento adiada, chega às telonas para tentar se beneficiar do espírito natalino. Não que o filme seja esse desastre todo que andam falando, mas tampouco tem cacife para se destacar dentre seus similares.

Adaptado do livro homônimo da alemã Cornelia Funke, Inkheart (no original) parte do argumento de que existiriam pessoas com o dom de trazer para o mundo real os personagens dos livros caso a história fosse lida em voz alta. Mo Folchart possui essa habilidade e só descobre o poder que tem quando Capricórnio, um vilão de um livro de aventuras, se materializa diante de sua família. Sua esposa desaparece para dentro da mesma história e Mo se torna obcecado em encontrar outra cópia do livro, que é raro. Anos depois, ele e a filha Maggie reencontram o maligno Capricórnio, que se adaptou ao nosso mundo e quer usar o talento de Mo para criar seu próprio império aqui.

Em primeiro lugar, não dá para entender porque a história “de dentro” também se chama Coração de Tinta, já que antes de ser lido por Mo o livro era uma história medieval de aventuras como qualquer outra. Mas OK, deixa pra lá. Embora a idéia de universos paralelos não seja nova, ainda mais em histórias infanto-juvenis, a trama central até que é interessante. Geralmente os personagens são levados do mundo real para o mágico, mas neste filme é o mundo mágico (nem sempre amigável) que invade o cotidiano que conhecemos e, levando em conta a extensão incontável de todas as obras já escritas, seria uma bagunça geral se existissem muitos dos chamados “línguas encantadas” por aí.

Os efeitos especiais são corretos – apenas isso – e não comprometem. Já a direção de arte parece ter se inspirado em outros filmes, especialmente na trilogia O Senhor dos Anéis, para criar algumas concepções visuais. O monstruoso Sombra, por exemplo, é igualzinho àquele demônio que Gandalf enfrenta dentro da caverna no primeiro filme. Só que, por incrível que pareça, o maior problema do longa não está na fantasia e sim no fator pessoal. O desenvolvimento psicológico dos personagens é raso e estereotipado, assim como alguns laços de amizade parecem brotar do nada. Tem-se a impressão de que os personagens não têm conflitos. Outra coisa estranha é a naturalidade com que a menina Maggie aceita a revelação de que seu pai tem o poder de trazer personagens dos livros para a vida real – como se isso fosse a coisa mais banal do mundo. E é essa falta de base humana (o que, num sentido amplo, inclui todos os personagens) que quebra a credibilidade da história e vai deixando o espectador meio indiferente às aventuras e perigos pelos quais passam os mocinhos. 

E olha que o elenco se esforça. Brendan Fraser encara mais um herói de ação com o carisma e simpatia habituais, ainda que seja ofuscado pela excelente composição de Paul Bettany como Dedo Empoeirado, personagem que sai do livro junto com os vilões e, ao contrário destes, quer a todo custo voltar para a ficção e para a esposa (Jennifer Connelly, esposa de Bettany na vida real, faz pontinha de luxo). O elenco ainda conta com a toda-poderosa Helen Mirren como a divertida e anti-social tia de Mo e Jim Broadbent como o escritor deslumbrado em encontrar suas criações. Andy Serkis, que ficou famoso como o homem por trás do Gollum, mostra que sabe atuar sozinho e cria um vilão exótico ao estilo dos que costumamos ver nos filmes de James Bond.

O diretor Iain Softley estreou atrás das câmeras há catorze anos com o promissor Backbeat (aquele filme sobre o quinto Beatle, que deixou o grupo antes do estrelato). Depois disso, sua escassa filmografia vem oscilando entre o razoável (A Chave Mestra) e o deplorável (K-Pax). Podemos dizer que Coração de Tinta, apesar de suas falhas, consegue ficar na coluna dos acertos. Por um triz, mas consegue.  

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Marley & Eu


Eu tenho um Marley em casa. Ele é preto, peludo e atende pelo nome de Boris. Não late; mia. E, felizmente, tem cinco quilos e não cinqüenta como o protagonista canino de Marley & Eu. Tirando essas diferenças básicas, meu gato é bastante parecido com o cão do filme. Inconveniente, chato e – talvez por isso mesmo – irresistível. Os animais mais travessos geralmente têm essa qualidade de apaixonar as pessoas. Mesmo porque qual seria a graça de ter um cachorro ou gato que fizesse tudo que dele é esperado? E é apostando nessa empatia com todo mundo que tem ou já teve um animal de estimação bagunceiro que o longa consegue arrancar alguns sorrisos do espectador.

O filme é baseado no livro homônimo escrito pelo jornalista John Grogan a respeito da sua convivência, a princípio acidentada, com o labrador Marley. Comprado por ele e pela esposa como um substituto-teste para um futuro filho (o casal acabou tendo três posteriormente), o cãozinho apontava das suas desde pequeno. Vendido mais barato pela criadora que estava doida para se livrar dele, Marley era bruto, mal-educado e incontrolável. Mas incondicionalmente amoroso. Ele destruiu móveis, foi expulso do curso de adestramento e apavorou babás. Mas John e Jenny se apaixonaram por ele e tiveram que se adaptar. Uma das cenas mais bonitas do filme mostra John chegando em casa e observando através da janela a esposa dançando com o cão.

Paralelamente ao crescimento de Marley e também da família, acompanhamos as várias fases por que passa o casal, desde a lua-de-mel até uma crise que quase os leva ao divórcio. Também acompanhamos os dilemas profissionais de John, que sempre quis ser repórter mas acaba por se descobrir um excelente cronista (e as diabruras de Marley são assunto recorrente em sua coluna).

Owen Wilson e Jennifer Aniston estão OK como o casal John e Jenny, assim como o amigo conquistador vivido por Eric Dane (um dos Mc alguma coisa da série Grey's Anatomy). Já Alan Arkin, no papel do chefe de John, rouba todas as cenas em que aparece. Reparem o modo como o personagem sempre diz que determinadas coisas são engraçadas com a cara mais mal-humorada do mundo. Mas nada disso tem muita importância, já que os humanos são meros coadjuvantes na trama. É Marley, ao longo de sua longa e feliz vida, que serve de norte para o roteiro. É a simpatia do canino – aliás, dos 22 cachorros usados ao longo de todo o filme – que faz o espectador manter o sorriso no rosto.

(se você não sabe o final do livro e pretende continuar sem saber, pule o parágrafo seguinte)


David Frankel, que dirigiu anteriormente O Diabo Veste Prada, dirige o longa com mão leve, embora seja quase impossível evitar que a história descambe para o dramalhão perto do final. Não é novidade para ninguém que uma trama que acompanha a trajetória de um cão junto a uma família por anos e anos chegará ao ponto em que a família tem que se despedir dele. Aliás, a própria concepção do livro de Grogan é uma homenagem ao cachorro que ele uma vez classificou como “o pior cão do mundo”. É então que, mais uma vez, o filme toca as pessoas pela transferência emocional e cada um se pegará pensando ou no momento em que teve ou – pior – terá que se separar de seu próprio bichinho. Os animais de estimação, ao contrário dos filhos, costumam partir antes daqueles que os criaram. É cruel, mas é a ordem natural das coisas.

Resumindo, Marley & Eu é um bom programa para quem gosta de animais. Aqueles que nunca viram a mínima graça neles provavelmente também não a verão neste simpático filme. Simples assim.

O filme estréia na quinta, dia 25.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Inveja dos Anjos


Existe uma certa mística de que o público carioca, quando se dá ao trabalho de ir ao teatro, só quer saber de diversão descompromissada. O teatro dito sério, mais poético e dramático, deve se abrigar em outros portos porque no Rio só vingam as comédias. Preconceito, puro preconceito. Aqui na Cidade Maravilhosa algumas companhias de teatro desmentem essa máxima através da solidez de sua trajetória.

O Armazém Cia. de Teatro, criado em Londrina, existe como grupo há 21 anos e há dez mudou sua sede para a Fundição Progresso, no Rio. A companhia ficou realmente conhecida perante o grande público a partir de 1999, graças ao inesquecível Alice Através do Espelho. Algumas características sempre presentes nos trabalhos da trupe dirigida por Paulo de Moraes são a cenografia arrojada, um olhar poético que não teme ser “teatral” e o altíssimo rendimento de todo o elenco, sem distinções. E assistir a uma peça do Armazém é um convite para se surpreender, seja encenando Beckett (Esperando Godot), Nelson Rodrigues (Toda Nudez Será Castigada) ou dramaturgia própria, como é o caso deste Inveja dos Anjos.

Os trilhos de um trem que cruzam o palco simbolizam tanto dolorosas partidas como inesperadas chegadas. Tomás é dono de um sebo e escritor frustrado: não gosta das coisas que escreve. Ainda assim, acha importante escrever; nem que seja para queimar as lembranças um dia. A menina Natália aparece do nada com um bilhete que a declara sua filha. Na casa ao lado, Luísa gastou a juventude cuidando da mãe louca e vive essa rotina há tanto tempo que não consegue mais se lembrar de seus gostos pessoais. Já Cecília cansou de esperar pela volta do homem que um dia embarcou num trem sem nem ao menos se despedir. Rocco foi viver aventuras, mas agora sente falta de suas raízes. Como fio condutor da trama, um carteiro que lê escondido a correspondência e só então decide se deve entregar a carta ou não.

Inveja dos Anjos seduz o espectador aos poucos: começa de modo leve e cômico, embora em nenhum momento abandone uma certa poesia. Aos poucos, a teia de relações se aprofunda e entrevemos as dores ocultas e sonhos frustrados de cada um. E os personagens parecem muito vivos, porque, assim como nós, soterram os traumas sob uma máscara de normalidade. Mas os trilhos do trem não são apenas despedidas, podem ser reencontros, novidades, esperança. Ou não. É difícil analisar aqui, por escrito, um espetáculo que foi totalmente concebido para ser visualizado e sentido. Inveja dos Anjos é particular e universal ao mesmo tempo, falando de modo onírico e simbólico sobre gente que poderia ser a gente.

O elenco é de um preparo corporal, vocal e dramatúrgico perfeito. Tão bem nivelado que talvez seja um pouco injusto destacar alguém, mas, por outro lado, não posso deixar de mencionar Patricia Selonk, uma das mais incríveis atrizes que eu já tive o prazer de ver num palco. Patricia tem a habilidade de sempre se reinventar de modo sutil para seus papéis, alterando inflexões e gestual, mas nunca deixando de olhar o espectador no olho e transmitir toda sua verdade com uma força que chega a intimidar.

Quem quiser assistir a este belo espetáculo ainda em 2008 deve se apressar. A peça fica na Fundição Progresso de quinta (18) até domingo (21), às 20h. Depois, é interrompida para o festejos de fim de ano e retorna somente no dia 8 de janeiro. Ingressos a 30 reais e reservas pelo telefone 2210-2190. Aconselho reservar. Não acreditem na tal preferência do carioca pelas comédias, porque peça nova do Armazém é sinônimo de casa cheia.

sábado, 13 de dezembro de 2008

O Menino do Pijama Listrado



Um filme cujo mote central apóia-se na impensável amizade entre dois meninos em situações bem distintas – o filho de um oficial nazista e um cativo de campo de concentração – parece fadado a se transformar em um melodrama dos mais apelativos. Certo? Não necessariamente. Driblando todas as armadilhas dramatúrgicas, O Menino do Pijama Listrado impõe-se pelo naturalismo com que trata uma história que já é dramática por natureza. E é justamente essa abordagem sem manipulações que faz com que o filme seja um dos mais belos relatos sobre a perda da inocência já mostrados no cinema. 

A trama, ambientada durante a Segunda Guerra Mundial, é focada em Bruno, um menino de oito anos. Embora seja filho de um alto funcionário do partido nazista, Bruno desconhece tudo sobre a guerra, o Holocausto e a chamada “solução final” contra os judeus. Até que seu pai recebe uma promoção: comandar um campo de concentração, o que faz com que a família deixe a residência em Berlim e mude-se para uma região desabitada onde o menino não tem o que fazer nem com quem brincar. Solitário, entediado e muito curioso, Bruno não demora a perceber que há uma estranha fazenda nos arredores de sua casa. Intrigado com o fato de todos os fazendeiros usarem pijamas listrados, o menino ignora as advertências da mãe e vai até o local. Lá, através de uma cerca de arame farpado, conhece Shmuel, um menino da sua idade. A amizade dos dois se desenvolve ao mesmo tempo em que Bruno começa a se questionar sobre o trabalho do pai e a lavagem cerebral que um professor tenta lhe impor a respeito do povo judeu.

Visto inteiramente pela ótica de Bruno, o filme faz algumas analogias interessantes e bastante profundas. Um exemplo disso é a passagem em que ele vê, escondido, um documentário de propaganda nazista em que os campos de concentração são mostrados como belas colônias de férias, justamente quando começava a questionar a figura paterna. Aliviado, o menino se abraça ao pai. Mas o filme em questão não era produzido para crianças de oito anos. Pelo menos, não exclusivamente. Seria a sociedade alemã, como um todo, uma criança desesperada para acreditar que o pai (a pátria) era uma boa pessoa? Também há uma cena em que Bruno finge não conhecer Shmuel por causa do medo irracional que sentia de um dos soldados do pai. Podemos dizer que todas as ações do menino parecem ilustrar um comportamento adotado pelos adultos da época, o que torna o longa ainda mais contundente.

Asa Butterfield, intérprete de Bruno, é um dos grandes responsáveis pelo grau de sinceridade do filme. Muito expressivo, com um rostinho cheio de reflexão e perplexidade, o garoto consegue ser um talentoso ator e, ao mesmo tempo, parecer uma criança. Mérito também dos excelentes diálogos, especialmente os travados entre Bruno e Shmuel, que em nenhum momento soam inadequados a meninos da idade deles. O elenco adulto, que tem papel pra lá de coadjuvante na trama, tem participação discreta e eficiente, ancorado pelos ótimos Vera Farmiga e David Thewlis como os pais de Bruno.

A certa altura, mais precisamente no terço final do filme, já é possível pressentir o rumo que a história tomará. E isso não traz nenhum alívio. A sensação de mal-estar vem como uma onda, é inevitável. Conforme fica cada vez claro que Bruno não sairá ileso de seu mergulho naquele universo proibido, o nó na garganta do espectador vai ficando mais apertado até que o desfecho cruel o deixa grudado na cadeira, incapaz de se mexer até que as luzes se acendam e revelem os rostos ainda molhados. Mas não se trata de emoção barata e momentânea, já que as sensações causadas pelo filme persistem na memória dias depois de assisti-lo.

O cartaz do longa, que mostra os meninos sentados com uma cerca que parece infinita entre eles, faz refletir sobre a insanidade de duas crianças tão pequenas e de origem semelhante terem sido empurradas para realidades tão esmagadoramente distintas. Mas seriam elas realmente diferentes? A cena final responde à questão. E não se espante, leitor, do sentimento de impotência decorrente de tais reflexões. Alguns pecados são tão grandes que pesam na consciência de toda a humanidade. 

V for Vendetta


Remember, remember, the Fifth of November,
The Gunpowder Treason and Plot
I know of no reason
Why the Gunpowder Treason should ever be forgot

Com esses versos provocadores, que evocam a chamada “traição da pólvora”, encabeçada pelo rebelde Guy Fawkes há mais de 400 anos, começa V de Vingança. Situada em 2020, a trama é ambientada numa Inglaterra dirigida com mão de ferro por um chanceler absolutista. Os cidadãos vivem apavorados, já que qualquer deslize é motivo para uma prisão seguida de conveniente desaparecimento. A jovem Evey Hammond é apenas uma dessas pessoas que passa seus dias em silencioso terror. Numa noite em que se atrasa para o toque de recolher, Evey fica à mercê da truculência de dois agentes do governo. Ela é salva de um destino de estupro e morte por um homem mascarado, que se apresenta apenas como “V” e luta contra os malfeitores com incrível destreza e elegância. Logo Evey descobre que está em apuros, pois o desconhecido que tanto lhe interessou pretende derrubar o governo e incitar o povo à rebelião.

O que é certo e errado? Um conceito é verdadeiro por ser aceito pela maioria? Qual o limite entre ideologia e fanatismo? O que diferencia um herói de um terrorista? Os fins justificam os meios? Em alguns filmes, perguntas assim são facilmente respondidas. Mas de vez em quando surgem produções que causam polêmica justamente por colocar tais questões num cinza nebuloso mais difícil de digerir do que os tradicionais tons de preto e branco.

O fascinante nos personagens é o modo como eles contrariam os estereótipos clássicos. V não é o herói galante. Embora norteado por nobres princípios, o personagem serve à sua vendetta pessoal em primeiro lugar e adota métodos que beiram o terrorismo. E Evey não é a doce namoradinha do protagonista, uma peça decorativa a ser manipulada por V ou seus detratores, e sim uma cidadã que passa por um processo de tomada de consciência. Enquanto tenta descobrir quem é aquele homem mascarado, Evey acaba por descobrir a si mesma. A seqüência que culmina com a personagem tendo os cabelos raspados é de um simbolismo muito claro: nasce ali uma nova pessoa, despojada do medo e renovada pela esperança de ter encontrado papel ativo num mundo onde estava acostumada a ser mera espectadora.


Tão logo V de Vingança estreou nos EUA, há dois anos, as revistas Time e Newsweek e o jornal New York Times cerraram fileiras para fazer patrulha ideológica contra o filme, por considerarem seu enredo simpático ao terrorismo. A imprensa americana ficou especialmente chocada com a cena em que V diz que “explodir um prédio pode mudar o mundo”, esquecendo-se de que a trama não é situada numa sociedade democrática e sim num regime totalitário em que o povo é privado de toda e qualquer liberdade individual e o livre pensamento é punido com a morte. Criticar as intenções do filme sem considerar a ambientação é, no mínimo, tendencioso. Tal método de julgamento levaria a classificar os líderes da Revolução Francesa como meros terroristas também.

V de Vingança é baseado na graphic novel homônima de Alan Moore e David Lloyd, lançada nos anos 80 como uma crítica ferina ao governo conservador de Margareth Tatcher. A história também guarda forte semelhança com 1984, célebre romance do também inglês George Orwell escrito no final dos anos 40 que profetizava um futuro onde os cidadãos eram vigiados sem descanso e uma mera fisionomia de contrariedade equivalia a uma condenação – o romance cunhou a hoje deturpada expressão Big Brother.

Os irmãos Wachowski, diretores da trilogia Matrix e autores do eficiente roteiro, convidaram seu antigo assistente James McTeigue para assumir a direção desta produção que custou US$ 50 milhões. Uma soma bem razoável para as dimensões do longa, ainda mais se considerarmos o talentoso elenco. A escolha do australiano Hugo Weaving foi fundamental para a credibilidade de um personagem como V, que um ator menos habilidoso poderia tornar risível. Como aparece o tempo inteiro coberto pela máscara e roupas pesadas, era preciso alguém que conseguisse se expressar apenas com a voz e a linguagem corporal. E, a despeito dessas limitações, a presença de Weaving em cena é simplesmente magnética. Natalie Portman, que cada vez mais se distancia do perfil de menina-prodígio para se firmar como uma atriz talentosa e ousada, também tem atuação marcante como Evey. O filme ainda se dá ao luxo de ter caras como John Hurt, Stephen Rea e Stephen Fry como coadjuvantes.

V de Vingança é um bem-sucedido casamento de ficção científica, aventura e filosofia. Aliás, o filme não tem tantas cenas de ação como se poderia supor. Pode-se dizer que há mais tensão do que ação, já que a discussão ideológica nunca deixa de estar em primeiro plano - qualidade presente no Matrix original e que se diluiu nas seqüências.

O espectador mais atento vai estranhar a ausência do nome de Alan Moore nos créditos (apenas David Lloyd é citado). A explicação é simples: o cartunista se desentendeu com a Warner e exigiu que seu nome fosse eliminado de tudo, se recusando até mesmo a receber os royalties que lhe eram devidos. Moore costuma detestar as adaptações de suas histórias. No caso do sofrível A Liga Extraordinária, com toda razão. No caso do mediano Do Inferno, também se pode compreender. Mas, em se tratando de V de Vingança, me parece que o genial autor foi arrogante ou, no mínimo, precipitado. Uma adaptação pressupõe transpor a história original para outro veículo com as devidas mudanças, apenas cuidando para que seja preservada a essência da trama. Qualidades que foram devidamente respeitadas na versão cinematográfica de V for Vendetta, um dos grandes filmes da última década.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Globo de Ouro 2009

O Globo de Ouro, prêmio concedido pela imprensa estrangeira em Los Angeles, é considerado por muitos como uma prévia do Oscar. Claro que para a estatueta careca as chances se afunilam um pouco, já que no Globo de Ouro os prêmios para melhor filme, ator e atriz são divididos em duas categorias: drama e musical/comédia.

Os indicados para 2009 foram anunciados hoje nos Estados Unidos. O grande destaque, sem dúvida, foi a aguardada indicação de melhor ator coadjuvante para Heath Ledger. Espera-se que o Globo de Ouro seja o primeiro de muitos prêmios que o australiano vencerá postumamente pela sua inesquecível performance como o Coringa de O Cavaleiro das Trevas.


Já o Brasil, que ansiava cavar uma indicação para Última Parada 174 como pedigree para o Oscar, ficou a ver navios. A categoria filme estrangeiro parece confirmar o favoritismo do italiano Gomorra – o que eu considero um exagero, muito barulho por um filme apenas mediano.

Em termos de número de indicações, os mais cotados são O Curioso Caso de Benjamin Button, Doubt e Frost/Nixon, com cinco nomeações cada. Os vencedores serão conhecidos na festa de premiação que acontecerá no dia 11 de janeiro, em Los Angeles.

Confiram os indicados em cinema (a premiação também contempla séries de TV e telefilmes):

Melhor Filme (drama)
O Curioso Caso de Benjamin Button
Frost/Nixon
The Reader
Revolutionary Road
Slumdog Millionaire

Melhor Atriz (drama)
Anne Hathaway (O Casamento de Rachel)
Angelina Jolie (A Troca)
Meryl Streep (Doubt)
Kristin Scott Thomas (I've Loved You So Long)
Kate Winslet (Revolutionary Road)

Melhor Ator (drama)
Leonardo DiCaprio (Revolutionary Road)
Frank Langella (Frost/Nixon)
Sean Penn (Milk)
Brad Pitt (O Curioso Caso de Benjamin Button)
Mickey Rourke (The Wrestler)

Melhor Filme (musical/comédia)
Queime Depois de Ler
Simplesmente Feliz
Na Mira do Chefe
Mamma Mia!
Vicky Cristina Barcelona

Melhor Atriz (musical/comédia)
Rebecca Hall (Vicky Cristina Barcelona)
Sally Hawkins (Simplesmente Feliz)
Frances McDormand (Queime Depois de Ler)
Meryl Streep (Mamma Mia!)
Emma Thompson (Last Chance Harvey)

Melhor Ator (musical/comédia)
Javier Bardem (Vicky Cristina Barcelona)
Colin Farrell (Na Mira do Chefe)
James Franco (Segurando as Pontas)
Brendan Gleeson (Na Mira do Chefe)
Dustin Hoffman (Last Chance Harvey)

Melhor Filme de Animação
Bolt – Supercão
Kung Fu Panda
Wall-E

Melhor Filme em Língua Estrangeira
The Baader Meinhof Complex (Alemanha)
Everlasting Moments (Suécia/Dinamarca)
Gomorra (Itália)
I've Loved You So Long (França)
Waltz With Bashir (Israel)

Melhor Atriz Coadjuvante
Amy Adams (Doubt)
Penelope Cruz (Vicky Cristina Barcelona)
Viola Davis (Doubt)
Marisa Tomei (The Wrestler)
Kate Winslet (The Reader)

Melhor Ator Coadjuvante
Tom Cruise (Trovão Tropical)
Robert Downey Jr. (Trovão Tropical)
Ralph Fiennes (The Duchess)
Philip Seymour Hoffman (Doubt)
Heath Ledger (Batman - O Cavaleiro das Trevas)

Melhor Diretor
Danny Boyle (Slumdog Millionaire)
Stephen Daldry (The Reader)
David Fincher (O Curioso Caso de Benjamin Button)
Ron Howard (Frost/Nixon)
Sam Mendes (Revolutionary Road)

Melhor Roteiro
Simon Beaufoy (Slumdog Millionaire)
David Hare (The Reader)
Peter Morgan (Frost/Nixon)
Eric Roth (O Curioso Caso de Benjamin Button)
John Patrick Shanley (Doubt)

Melhor Trilha Sonora
Alexandre Desplat (O Curioso Caso de Benjamin Button)
Clint Eastwood (A Troca)
James Newton Howard (Defiance)
A. R. Rahman (Slumdog Millionaire)
Hans Zimmer (Frost/Nixon)

Melhor Canção Original
Down to Earth (Wall-E)
Gran Torino (Gran Torino)
I Thought I Lost You (Bolt)
Once In A Lifetime (Cadillac Records)
The Wrestler (The Wrestler)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

O Traidor


Podemos dizer que O Traidor é uma espécie de primo pobre de Rede de Mentiras, comentado alguns posts abaixo. E assistir ao primeiro tem como principal efeito colateral fazer com que valorizemos o segundo, já que o filme de Ridley Scott, mesmo tendo uma ou outra deficiência, conta com um roteiro cheio de diálogos inteligentes e um elenco de primeiríssima linha. Já O Traidor é uma trama pouco interessante protagonizada por Don Cheadle, ator irregular cuja única interpretação realmente digna de nota foi em Hotel Ruanda – e, mesmo assim, fica a dúvida se o que realmente nos comovia era seu trabalho ou a história em si.

O Traidor conta a história de Samir Horn, ex-oficial de um grupo de operações especiais do governo americano que é suspeito de estar envolvido com extremistas islâmicos. Sudanês de nascimento e convertido ao islamismo tempos depois, Samir chama a atenção dos investigadores por suas habilidades com explosivos. Mas seria aquele militar de ficha limpa, casado e cidadão exemplar um terrorista?

O roteiro tenta ser politicamente imparcial ao mostrar as razões que os radicais têm em odiar o imperialismo ianque e o modo como seu discurso inflama os jovens que sonham se explodir e acordar num paraíso cheio de belas virgens. O problema é que nada daquilo é novidade. A trama, que parece uma colagem de vários filmes pós-onze de setembro, não empolga e o protagonista não causa empatia, combinação que apenas leva ao tédio ao longo das quase duas horas de filme. O versátil Guy Pearce até se esforça para segurar as pontas, mas sua luta é inglória. Perda de tempo, pura perda de tempo.