sábado, 31 de maio de 2008

Duas Boas Opções nas Locadoras


Um filme que está disponível em DVD e passou em brancas nuvens no circuito em 2007 é Nação Fast Food. Talvez por conta de sua estréia ter sido no começo de outubro, ou seja, coincidindo com os últimos dias do Festival do Rio. Nesses casos, é normal que o cinéfilo fique desatento com o que rola no circuito normal. E, com isso, alguns bons filmes passam despercebidos.

Assim como nosso polêmico Tropa de Elite, Nação Fast Food é uma ficção que cheira a realidade total. Greg Kinnear interpreta um (a princípio) bem-intencionado executivo de rede de fast-food encarregado de investigar o porquê da carne de seus hambúrgueres apresentar alto teor de coliformes fecais (isso mesmo, meus caros!) ou, como diz um dos personagens, “shit in the meat”. O filme acompanha não apenas suas descobertas a respeito dos métodos do matadouro que abastece sua empresa, mas também as histórias de algumas pessoas que ali trabalham.

O filme é dirigido por Richard Linklater, que tem em sua filmografia trabalhos diversificados como a dobradinha Antes do Amanhecer / Antes do Pôr-do-Sol e Escola de Rock. Com uma abordagem meio documental, mas sem a frieza imparcial destes, o longa faz uma radiografia nada bonita dos hábitos carnívoros do povo americano. E olha que não estamos falando apenas de comida.

Por falar em Festival do Rio, um filme que eu assisti no evento e achei um barato foi Amor e Outros Desastres. Nunca mais ouvi falar dele. Até que, recentemente, remexendo um bancão da Blockbuster, descubro que já saiu em DVD. Há muito tempo. A trama gira em torno de Jacks, uma americana alegre e sofisticada que mora em Londres e trabalha na produção dos ensaios fotográficos da Vogue. Seu passatempo favorito é tentar arrumar namorados para os amigos, embora sua própria vida sentimental seja um caos. Sua principal vítima é Peter, um roteirista com problemas de auto-estima que vive relacionamentos imaginários. Quando o charmoso Paolo começa a trabalhar no estúdio da revista como assistente do fotógrafo, Jacks acredita ter encontrado o par perfeito para Peter.


Pela sinopse, Amor e Outros Desastres parece uma comédia romântica dessas bem bobinhas. E a presença de Brittany Murphy, que ficou conhecida por coisas como Recém-Casados, não ajuda nem um pouco a aliviar essa impressão. Mas não é preciso muito tempo para perceber que estamos diante de um filme bem mais espirituoso e original.

Jacks, personagem de Brittany, é caracterizada como uma versão moderna de Audrey Hepburn. Ou melhor, Holly Golightly, a própria Bonequinha de Luxo. E existem milhões de referências não apenas a esse filme, mas a vários outros clássicos (como A Malvada) e também às regras que vigoram em determinados gêneros de filme. Um exemplo do humor sofisticado que pontua o roteiro: quando Jacks comenta com Peter que uma amiga em comum, que escreve poemas terríveis, tem Sylvia Plath como ídolo, este comenta sarcasticamente que ela deveria procurar um forno. Ou quando eles discutem se a vida não poderia ser como num filme e Peter olha para a moreníssima Jacks e dispara: “num filme você seria loura”.

O estilo do filme lembra um pouco Sintonia de Amor (pela homenagem a um clássico) e Abaixo o Amor (no sentido de fazer um filme dentro das estruturas da comédia da década de 50), mas de um modo bem mais anárquico. Amor e Outros Desastres tem vários filmes dentro de um único filme, todos unidos por um roteiro redondinho e simpático. Uma dica: prestem atenção nos créditos de abertura.

A Ressurreição de Ben Affleck

Ben Affleck é um sujeito curioso. Logo no início do que parecia ser uma promissora carreira, ganhou, em parceria com Matt Damon, o Oscar de melhor roteiro original. O ano era 1998 e o filme era Gênio Indomável, lembram? Até então, Affleck tinha feito alguns trabalhos para a TV e participado de dois longas do também iniciante Kevin Smith. Muita gente não engole até hoje o fato do roteiro daqueles dois garotões ter derrotado Woody Allen e seu Desconstruindo Harry... mas isso já é outra história. O fato é que os dois amigos pisaram no tapete vermelho de Hollywood com o pé direito.

E aí algo saiu errado com a carreira de Affleck. Enquanto seu amigo Damon ficava a cada filme mais conceituado, ele ficava proporcionalmente mais desacreditado. Para mim, isso se deve basicamente a três fatores: a) Matt Damon é melhor ator que Ben Affleck; b) Damon fez escolhas melhores que Affleck; c) Damon nunca se meteu com Jennifer Lopez.

É claro que os fatores "a" e "c" são coisas que fogem ao controle de um indivíduo, mas para o item "b" não há muita desculpa. Vejamos algumas das pérolas nas quais o cara atuou nos últimos dez anos: só Armageddon e Pearl Harbor são filmes que, em conjunto, podem levar uma pessoa ao descrédito. Mas ainda teve Demolidor, um filme tão sem sal que só serviu de trampolim para o filme-solo de sua parceira de cena, Elektra. E tem mais: Sobrevivendo ao Natal, Forças da Natureza, O Pagamento e, principalmente, Contato de Risco (olha a JLo aí de novo!) são filmes que, se não chegam a ser um mico total, tampouco melhoram a filmografia de um ator.

Mais eis que no ano passado Affleck resolve dirigir um filme, a partir de um roteiro escrito por ele. Não dá para levar a sério, principalmente porque ele escala seu irmão mais novo como protagonista. Por sorte, Casey Affleck tem à mesma época uma atuação memorável em O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford, na pele do tal covarde. Isso chama um pouco de atenção para Medo da Verdade. Quando saem as indicações ao Globo de Ouro e, posteriormente, ao Oscar, lá estão Casey Affleck (por Jesse James) e Amy Ryan por Medo da Verdade. Outra coisa que atiça a curiosidade sobre o longa é o fato de ser uma adaptação de Gone Baby Gone, de Dennis Lehane - o mesmo de Sobre Meninos e Lobos e um dos melhores autores do gênero policial.

E não é que Medo da Verdade é um filme danado de bom? A trama é a seguinte: dois detetives particulares são contratados pelos tios de uma menina desaparecida para ajudar nas investigações junto à polícia. Patrick e Angie estão mais acostumados a encontrar pessoas que desapareceram por vontade própria, mas aceitam o trabalho. A pequena Amanda, de apenas quatro anos, foi retirada de sua casa enquanto a mãe se drogava num bar. Quanto mais investigam, mais convicta a dupla fica de que neste caso nada é o que aparenta ser à primeira vista. Pessoas mentem sem razão aparente, fatos que eles mesmos testemunham não fazem sentido, ninguém parece confiável. Quando percebem que até mesmo seu estável relacionamento está ameaçado, é tarde demais para voltar atrás.


É claro que a qualidade dos romances de Lehane e seu habitual crescendo de acontecimentos contribuem bastante, mas não podemos deixar de reconhecer os méritos de Ben Affleck. Como diretor, ele soube escalar um bom elenco - também formado por Michelle Monaghan, Ed Harris e Morgan Freeman, dentre outros - e conduzir todas as seqüências com perfeição, além de imprimir uma estética noir muito interessante a Medo da Verdade.

Depois dessa inspirada estréia, só podemos esperar que o ator decadente se transforme num diretor competente. Não seria a primeira vez que isso acontece. Boa sorte pra você, Ben. Medo da Verdade está nas locadoras. Vejam e tirem suas próprias conclusões.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto


Está em pré-estréia em vários cinemas do Rio, a partir de hoje, esse novo filme de Sidney Lumet - assisti no último Festival do Rio. Depois do sofrível Find me Guilty, é bem verdade que eu estava com um pé atrás com o cineasta. Qualquer diretor que se disponha a trabalhar com Vin Diesel inspira minha eterna desconfiança. A boa notícia é que Lumet aprendeu a lição e, para compensar sua última mancada, escalou desta vez um time invejável: Philip Seymour Hoffman, Albert Finney, Ethan Hawke. Os dois primeiros dispensam introduções, o terceiro tem se desenvolvido espantosamente nos últimos anos. De quebra, a geralmente subaproveitada Marisa Tomei mostra que sabe atuar quando deixam.

Andy, um executivo afundado em problemas financeiros, convence Hank, seu problemático irmão caçula, a participar de um assalto à pequena joalheria da família. O argumento de Andy é que ninguém sairá prejudicado, já que os pais têm seguro. Além do mais, eles conhecem como ninguém a rotina do local. Mas nada sai como planejado e os irmãos têm que lidar com os trágicos desdobramentos de seu infeliz plano.

A história também remete ao Lumet de outros tempos: num ritmo claustrofóbico, o roteiro caminha para uma inevitável colisão de vontades. Os personagens ficam a cada instante mais acuados e, portanto, mais propensos a meter os pés pelas mãos. Nesses casos, o desastre é certo. A trama é um ótimo exemplo da verdade contida em frases como “cada ação gera uma reação”. A maioria dos planos perfeitos são perfeitos apenas em teoria, porque em tese não se lida com o imprevisto. E é geralmente o fator-surpresa que bagunça tudo. Lição que os personagens aprendem da maneira mais dolorosa.

Vale a pena conferir!

Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal



Era um dia como outro qualquer. Eu tinha onze anos e ia ao cinema ver um filme novo de aventura chamado Caçadores da Arca Perdida. Vale lembrar que naquela época não existia DVD, nem mesmo videocassete, o que já revestia a experiência da sala escura de uma importância bem maior. É claro que eu já tinha ido – ou melhor, já tinha sido levada – ao cinema outras vezes, mas naquele dia tudo mudou. Pela primeira vez, um filme me deixou de queixo caído. Não era só uma história divertida nem um herói legal. Tinha mais coisa ali. Era a minha visão, a minha relação com o cinema, que mudava. Eu vi aquelas pedras enormes perseguindo Indiana Jones e me perguntei, assombrada, como aquilo era possível. Eu ouvi o hoje célebre tema musical e senti os pêlos em meu braço se eriçarem. Era empolgante, surpreendente... e mágico. Caçadores da Arca Perdida marcou o início do meu casamento indissolúvel com a sétima arte.

As duas seqüências não demoraram: Indiana Jones e o Templo da Perdição foi feito em 1984 e Indiana Jones e a Última Cruzada, em 1989. Mas foi preciso que longos dezenove anos se passassem para que finalmente chegasse esse tão aguardado quarto filme. Foi com um novo arrepio de antecipação que ontem me reencontrei com esse queridíssimo personagem que durante muito tempo me fez sonhar em ser arqueóloga.

Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal é ambientado em 1957, quando os Estados Unidos vivem o auge da Guerra Fria contra a União Soviética e a histeria anticomunista faz com que qualquer atitude pareça suspeita. A despeito de sempre ter sido leal à sua pátria, o professor Henry Jones Jr. – nome verdadeiro de Indiana – está sendo investigado. O reitor da Universidade onde leciona é pressionado a demiti-lo. Prestes a deixar o país, ele é procurado pelo jovem e rebelde Mutt, que lhe pede ajuda para encontrar o professor Oxley, velho colega de Indy que estaria sendo perseguido por ter encontrado um lendário tesouro arqueológico: a caveira de cristal de Akator, artefato capaz de dar poderes inimagináveis a quem o restituir a seu local de origem. É claro que os soviéticos também estão em busca da caveira, liderados pela bela Irina Spalko, agente com poderes paranormais que fará de tudo para ajudar seus camaradas a dominar o mundo. Além de resgatar Oxley, Indy e Mutt precisam, sobretudo, impedir que a poderosa caveira caia nas mãos erradas.

O filme entrega ao público tudo que os fãs esperam e querem ver mostrado na tela: perseguições emocionantes, enigmas quase indecifráveis, escapadas geniais e absurdas do protagonista – tem uma envolvendo uma explosão nuclear que é, desde já, antológica –, uma vilã exótica e terrivelmente ambiciosa, bichos asquerosos, armadilhas mortais, tudo isso associado ao ingrediente que faz com o público se divirta e aceite sem ressalvas toda aquela insanidade: o toque de humor e a despretensão de se levar a sério. Também não pode faltar uma cena do protagonista sendo confrontado com sua única fobia: cobras. E só o bom humor dessa cena em particular já valeria o ingresso. 

Outra fonte para o tom irreverente tão característico da série está justamente no que poderia ser seu maior problema, caso fosse mal administrado: o fato de Harrison Ford estar bem mais velho. Mas o esperto roteiro transforma até essa desvantagem em ganho, ao assumir a idade madura do ator e usá-la numa série de situações jocosas. Um exemplo é a ótima cena mostrada no trailer em que Indy pula sobre um carro em movimento e, ao errar o alvo, se justifica: “achei que fosse mais perto”. Harrison Ford sempre esteve perfeito nesse papel e continua muito à vontade manejando seu tradicional chicote com a mesma velocidade com que escapa de vilões impiedosos e joga charme para belas mulheres. O elenco ainda conta com o luxo de ter como vilã principal a talentosa Cate Blanchett, numa caracterização incrível com direito a sotaque ucraniano e tudo. Também estão ótimos Shia LaBeouf e Karen Allen – a mocinha do primeiro filme, Marion Ravenwood, retorna cheia de surpresas. Sem contar a participação de John Hurt como o professor Oxley, o intelectual que pirou com as vibrações da caveira de cristal.

O filme é bastante referencial aos anteriores, mas não de uma forma que deixe perdido quem nunca assistiu a eles. Mas é claro que quem se lembra bem da trilogia vai encontrar muitos pontos de contato na história. Até mesmo a “arca perdida” do longa original pode ser vislumbrada numa cena logo no início. E nem adianta dar uma de mal-humorado e implicar com a mistureba geográfica que pôs enormes cataratas e uma cidade maia perdida no meio da Amazônia, porque no reino de Indiana Jones pode tudo. De formigas gigantes a extraterrestres com corpo feito de cristal. Não é todo dia que um filme te deixa elétrico na cadeira durante toda a projeção e com vontade de aplaudir no final, enquanto escuta aqueles tão famosos acordes. E que faz com que duas horas pareçam dois minutos. E que deixa um sorriso infantil no teu rosto muito tempo depois de deixar a sala escura.

Perfeito, da primeira à última cena. Valeu, Spielberg! 

quinta-feira, 29 de maio de 2008

As Crônicas de Nárnia – Príncipe Caspian


Peter Jackson deu conta, com sucesso, de uma empreitada que muitos julgavam impossível: adaptar o mundo mágico Tolkien para as telas. O Senhor dos Anéis é um daqueles raros casos em que a popularidade e o reconhecimento da crítica andam de braços dados – só o terceiro filme abiscoitou onze Oscars e é campeão em número de estatuetas ao lado de Ben-Hur e Titanic. Mas esse feito admirável gerou alguns efeitos colaterais, sendo o mais evidente deles a enxurrada de adaptações de livros de aventura que se passam em mundos mágicos. Se o livro que as originou tiver mais de um volume, melhor ainda. Afinal de contas, que estúdio não gostaria de ter um filão desses?

O primeiro volume de As Crônicas de Nárnia – O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa –, de C.S. Lewis, foi realizado há três anos. Achei um filme meia-boca. Bonitinho em algumas partes, com bons efeitos em outras, mas, no geral, uma produção que não empolga. Para piorar, o longa jogava praticamente toda sua carga dramática em quatro crianças inexpressivas e tinha um desfecho frouxo e cheio de metáforas bíblicas.

Pois bem. Estréia amanhã a segunda aventura da série. Os irmãos Peter, Lucy, Susan e Edmund Pevensie, que no longa anterior foram coroados reis de Nárnia, são transportados mais uma vez ao reino encantado. Embora apenas um ano tenha se passado na Inglaterra, eles descobrem que 1300 anos se passaram em Nárnia. A Era de Ouro que eles conheceram está extinta, o reino foi conquistado por inimigos e os narnianos que sobreviveram vivem escondidos na floresta. Quando o ambicioso Miraz tenta matar o Príncipe Caspian, seu sobrinho e legítimo herdeiro do trono, para que seu filho seja rei, Caspian foge e se une aos narnianos. Com a ajuda de duendes, ratos falantes e todo tipo de criaturas, aos poucos surge um exército que pretende enfrentar Miraz e conduzir Caspian ao trono para que enfim haja paz entre todas as criaturas de Nárnia.

A história não é muito diferente em termos de contexto da anterior, com a diferença de que o grande vilão agora é Miraz e não a enigmática feiticeira branca – que, aliás, tem uma pequena participação nesse filme também. Os quatro atores que interpretam os irmãos Pevensie continuam inexpressivos de dar dó, mas, felizmente, Ben Barnes – o tal príncipe Caspian – é um pouquinho mais carismático. Dá até pena de ver o esforço do rapaz nas cenas em que ele tem que tentar criar um clima com a apática Anna Popplewell. Já Sergio Castellitto dá vazão a toda sua canastrice no papel do malvado Miraz. Com um elenco desses, é melhor mesmo se divertir com as criaturas de animação, que continuam ótimas. O leão Aslam, por exemplo, atua melhor do que qualquer um no elenco. Uma pena que ele mais uma vez entre em cena para “arrumar” as coisas de modo apressado, como se estivesse na hora de terminar o filme. Mas o defeito mais esquisito da trama é tentar criar um novo vilão a partir de um personagem que, até então, não tinha importância nenhuma.

Apesar disso tudo, Príncipe Caspian é ligeiramente melhor que O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa. Um dos motivos é a acertada decisão de investir mais nas cenas de ação e aventura e menos no lado sentimental, onde ficaria mais evidente a fragilidade do elenco. Também é um acerto do roteiro não ficar explicando demais quem são os personagens, porque isso já foi feito no longa anterior – se você, caro leitor, não viu o primeiro filme, corre o risco de ficar meio perdido nessa seqüência. Resumindo: é um filme aceitável, porém facilmente esquecível.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

O Melhor Amigo da Noiva


Tem dias que a gente quer ir ao cinema para se divertir. Ver um filme legal, com atores simpáticos e boas piadas. E quem sabe até acreditar que o amor muda as pessoas e que todo mundo tem direito a seu happy end. Simples assim, nada demais. Mas não é muito fácil ver uma comédia romântica que cumpra essa premissa básica sem partir para o humor grosseiro ou – o que é pior – idiotizar o espectador. Daí o preconceito de alguns com os chamados “filmes de mulherzinha”, que realmente já viveram épocas melhores. Basta comparar a sinceridade contida em longas como Uma Linda Mulher ou Harry & Sally com... Bom, com as coisas que andam fazendo por aí.

Não é por acaso que o título em português de O Melhor Amigo da Noiva lembra O Casamento do Meu Melhor Amigo: podemos dizer que o protagonista vive uma versão invertida da situação de Julia Roberts. Patrick Dempsey é Tom, um sujeito bem-sucedido e charmoso que troca mais de mulheres do que de cueca. A única presença feminina constante em sua vida é Hannah, sua grande amiga há dez anos. Tom se orgulha de ter o melhor de dois mundos: sexo com todas, companheirismo e amizade com Hannah. Até o dia em que ela viaja a trabalho para a Escócia e Tom, ao se sentir deprimido sem sua companhia, descobre que está apaixonado. Resolve abrir o jogo assim que ela voltar, mas a amiga chega com um escocês a tiracolo. Colin é rico, bonito, educado e a pediu em casamento. Hannah pede a Tom que, sendo seu melhor amigo, faça o papel de “dama de honra” no seu casamento.

Em primeiro lugar, é preciso esclarecer o papel mítico da dama de honra na cultura americana. Num casamento, geralmente o noivo tem seu padrinho (o chamado best man) e a noiva, sua dama de honra. Papéis desempenhados pelo melhor amigo de cada um. Como o melhor amigo de Hannah é Tom – e não uma outra garota – ela pede a ele que seja sua “dama de honra”. Vale dizer a dama de honra é uma figura que praticamente toma todas as decisões nos preparativos de um casamento, além de comandar as outras damas, daí ser uma função tão disputada pelas amigas próximas. Bola fora da legendagem, optou por traduzir maid of honor como “madrinha”.

Interferências culturais à parte, a história acompanha com muita graça as tentativas desajeitadas de Tom para recuperar o tempo perdido. Ele não é exatamente um canalha, apenas um cara que nunca quis compromisso com ninguém. O que é compreensível diante do exemplo de seu pai, que assinou o quinto divórcio e o sexto casamento simultaneamente. Pautado por regras que ele mesmo impôs à sua vida – como nunca sair com a mesma mulher dois dias seguidos –, a atração que Tom sente pela melhor amiga sempre foi sufocada. Foi preciso que sua situação confortável fosse destruída para que ele entendesse que amava Hannah e que desperdiçou anos mantendo-a num nicho separado de afeição.

E agora? Como se declarar a alguém que esteve ao seu lado durante dez anos e agora está encantada por outro homem? Para piorar, Tom não consegue achar em Colin nada que o desabone. Pelo contrário: quanto mais ele remexe, mais perfeito o escocês se apresenta. Tá, tá certo. Ele tem uma família esquisita e um lance bizarro de caçador highlander, mas, ainda assim, como um cara que nunca escondeu o pior de si e sempre se mostrou um imaturo pode concorrer com o senhor perfeição? Esse argumento é a fonte das mais engraçadas situações e o roteiro habilidosamente vai fazendo com que o espectador se solidarize tanto com Tom que até as virtudes de Colin nos irritam, porque dão a impressão de que a luta será inglória.

É uma situação bastante compreensível. Assim como a de Hannah, que sempre gostou de Tom mas prefere não se envolver com ele justamente por conhecê-lo bem e saber que ele não tem condições de dar a ela a relação que ela quer. Com que coragem destruir um casamento de sonhos para apostar em alguém que até então não acreditava no amor?

Amparado por esse bom desenvolvimento psicológico dos personagens, o filme cria inúmeras situações divertidas. Porque O Melhor Amigo da Noiva é um filme muito engraçado sim. A diferença é que seus personagens transmitem verdade, mesmo quando estão vivendo situações pouco verossímeis. O roteiro apenas exagera além do necessário no trecho final, que se passa no castelo dos pais de Colin (sim, o cara, além de tudo, pertence à nobreza). Mas tudo bem. A essa altura, o espectador já foi conquistado e apóia incondicionalmente o ex-galinha.

Para completar, o elenco é todo muito carismático e a mocinha Michelle Monaghan demonstra ótima química com o galã Patrick Dempsey. E um bônus a mais: o longa é o último trabalho do recém-falecido cineasta Sydney Pollack na frente das câmeras. Pollack dá vida ao pai de Tom, o casamenteiro compulsivo. O diretor Paul Weiland, que até então apresenta uma filmografia que tem como maior destaque episódios televisivos de Mr. Bean, pode ter encontrado seu rumo no cinema. Ou não. Isso só seu próximo filme dirá.

domingo, 25 de maio de 2008

Os Vencedores de Cannes

Daniela Thomas e Walter Salles recebem o prêmio por Sandra

Foram anunciados hoje os vencedores do 61º Festival de Cannes. A cobiçada Palma de Ouro ficou em casa, para o filme francês Entre les Murs, de Laurent Cantet. Mas os latinos não têm do que reclamar: o porto-riquenho Benicio Del Toro foi eleito melhor ator por unanimidade, enquanto o prêmio de melhor atriz ficou com a brasileira Sandra Corveloni. A atriz de Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela Thomas, não estava presente e demonstrou surpresa ao saber de sua premiação:

- “Achava que o filme ia ganhar algo, mas não eu.”

Confiram a lista de premiados:

Palma de Ouro – Entre les Murs
Grand Prix – Gomorra
Prêmio do Júri – Il Divo
Melhor Atriz – Sandra Corveloni (Linha de Passe)
Melhor Ator – Benicio del Toro (Che)
Melhor Diretor – Nuri Bilge Ceylan (Three Monkeys)
Melhor Roteiro – Jean-Pierre e Luc Dardenne (O Silêncio de Lorna)
Palma de Ouro para Curta-metragem: Megatron
Câmera de Ouro – Hunger
Prêmio Especial do 61º Festival de Cannes: Catherine Deneuve (Un Conte de Noël) e Clint Eastwood (The Exchange)

sábado, 24 de maio de 2008

Zona de Guerra


Como bem disse Sartre em sua peça Entre Quatro Paredes, “o inferno são os outros”. Confine algumas pessoas, submeta-as a uma situação de tensão psicológica e... voilà! Não é preciso diabo nem tridente para que elas cometam as mais condenáveis ações. Tese que podemos comprovar em Zona de Guerra, premiada montagem do texto de Eugene O’Neill que levou o Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes) de melhor espetáculo em cartaz em São Paulo durante o ano de 2006 e fez grande sucesso no Festival de Curitiba do ano passado. Demorou, mas a peça finalmente chegou ao Rio para curtíssima temporada.

Zona de Guerra se passa no alojamento da tripulação de um navio inglês durante a Primeira Guerra Mundial. Numa madrugada, o marinheiro Smitty esconde uma misteriosa caixa preta sob seu colchão sem perceber que estava sendo observado pelo desconfiado Davis. Ao serem informados de que entraram em zona de guerra enquanto dormiam, o medo se instala no coração de todos, agravado pelo fato do navio transportar armas clandestinamente. A tensão ganha nova dimensões quando Davis conta aos outros marinheiros o segredo de Smitty e convence-os de que ele seria, na verdade, um espião alemão.

A peça integra o projeto Homens ao Mar, da Companhia Triptal, que contempla a montagem dos quatro textos escritos por O’Neill entre 1914 e 1917 e que compõem o chamado “ciclo do mar” do autor, por terem sido baseadas em sua experiência na marinha mercante. São elas: Rumo a Cardiff, Zona de Guerra, Longa Viagem de Volta pra Casa e Luar Sobre o Caribe.

Ao entrar no espaço, o espectador já pode sentir a atmosfera tensa que irá permear todo o espetáculo. Um pouco de fumaça, barulho de mar revolto, uma música que lembra tambores de guerra. Tudo já causa forte impressão. Ao se apagar a luz de platéia e iluminar o palco, nos deparamos com os atores formando uma espécie de escultura humana que passa uma imagem ainda mais tensa e violenta. Desde já, impressionam as marcas perfeitas e o excelente trabalho de corpo do elenco.

Com que rapidez somos colocados dentro da rotina daqueles homens do mar que, a despeito da dureza do seu dia-a-dia, encontram-se tão fragilizados e solitários que uma simples suspeita assume contornos trágicos. Esse estado de alerta constante é reforçado pelos ótimos efeitos de luz e som, associados a uma precisão coreográfica que faz com que o funcionamento do navio lembre uma engrenagem. Não por acaso, os personagens têm modos muito parecidos. A exceção é Smitty: ele é o diferente. Enquanto seus companheiros representam arquétipos do marinheiro, ele parece ter outro modo de se vestir e de falar. Como sempre dizem por suas costas, “ele nem parece inglês”.

E, desde que o mundo é mundo, ser diferente faz de uma pessoa o alvo perfeito para bode expiatório de uma situação. Com que direito aquele homem mais limpo e mais educado do que eles se dá ao luxo de esconder um objeto dos demais? Narrando assim, parece absurdo. Mas pessoas dominadas pelo medo não costumam primar pela coerência e nada melhor para aliviar a histeria generalizada do que transformá-la em ódio pelo elemento dissonante. Zona de Guerra é um belíssimo espetáculo, que mostra com verdade e pungência como é frágil o verniz de civilização que cobre o ser humano.

Zona de Guerra (In the Zone, de Eugene O’Neill). Direção e adaptação: André Garolli. Elenco: Roberto Leite, Guilherme Lopes, Bruno Feldman, Kalil Jabbour, Daniel Ribeiro, Wagner Menegare, Pepe Ramirez, Alexsandro Santos e Reinaldo Taunay. 60 minutos. Teatro de Arena da Caixa Cultural (Av. Almirante Barroso, 25 – Centro). Quarta a Domingo, às 19h30. R$ 10,00. Até 01 de junho.

terça-feira, 20 de maio de 2008

30 Dias de Noite


Nesse feriadão regado a Indiana Jones, chega às locadoras o terror gore 30 Dias de Noite. Baseado na graphic novel homônima, a trama se desenrola numa pequena e remota cidade do Alasca que todo inverno passa por um período de trinta dias sem ver a luz do sol. Nessa época, muitos residentes viajam para o sul e a já reduzida população local costuma cair pela metade. Isolada pela neve e por uma súbita pane em todos os meios de comunicação, Barrow é sitiada por sanguinários vampiros, que se aproveitam dessa noite ininterrupta para caçar e devorar os habitantes. O xerife Eben e sua ex-esposa, Stella, lideram um grupo de sobreviventes e buscam uma maneira de resistir até o retorno da luz do dia.

Confesso que tenho uma certa implicância com esse tipo de vampiro animalesco que arranca dentadas de suas vítimas. Como fã dos bebedores de sangue clássicos, acho esses híbridos de vampiro com zumbi no mínimo esquisitos. Mas vá lá. O começo é bom. A ambientação da cidade, com suas casas sobre palafitas, é muito interessante, assim como a idéia do isolamento total de uma localidade por um período pré-determinado. O filme cria uma boa expectativa em cima disso e sabiamente deixa para mostrar as criaturas depois de estabelecido o máximo de suspense possível.

A partir do primeiro encontro dos vilões com os moradores, a história inevitavelmente ganha um tom de filme B. E nem poderia ser muito diferente, considerando a abordagem escolhida para os vampiros. Daí minhas ressalvas a esse estilo de terror, que obrigatoriamente empurra um filme que vinha se desenvolvendo com certa classe para o segundo escalão. Mas o que realmente põe 30 Dias de Noite num patamar inferior não é nem sua opção estética e sim a baixa qualidade dos diálogos. Os vampiros, em especial, dizem pérolas do tipo “a gente já devia ter aparecido aqui há séculos”. Também incomoda um pouco o modo como os dias passam voando: quando nos damos conta, já aparece uma legenda anunciando o 17º dia. E a impressão era a de que se haviam passado dois ou três. E depois disso tudo é que um personagem procura saber onde é o banheiro do esconderijo. Continuidade estranha, muito estranha.

À frente de elenco, Josh Hartnett confirma que vem se tornando um ator interessante nos últimos anos. Já sua partner Melissa George é mais uma loura inexpressiva de boca grande (de onde elas saem?). A moça tem uma ficha extensa e curiosa no IMDb: fez pequenas pontas em filmes de categoria como Cidade dos Sonhos e Los Angeles - Cidade Proibida e foi uma das, digamos, “estrelas” do infame Turistas. Sam Raimi, produtor do filme, cogitou dirigi-lo a princípio. Mas essa função acabou ficando para David Slade, que tem como único destaque de sua curta filmografia Menina Má.com. Talvez 30 Dias de Noite rendesse um filme vigoroso nas mãos experientes de Raimi. Com Slade morreu na praia, ou melhor, na neve.

domingo, 18 de maio de 2008

Filmes que Machucam


Ontem conversei com uma amiga sobre Dogville. Ele me dizia que, apesar de ter achado o filme fantástico, não pretende nunca mais revê-lo. Algumas coisas no filme de Lars Von Trier a machucaram. Eu não fiquei tão afetada por esse filme em particular – talvez por sua abordagem ser assumidamente teatral –, mas tal reação me fez refletir sobre como determinadas obras nos afetam para além da sala escura. Ao me perguntar qual seria o filme que mais me feriu emocionalmente, a resposta surgiu em poucos segundos. Sem dúvida, esse filme é Irreversível.

Lembro que em 2002, acabado o Festival do Rio, uma das coisas que mais se falava era no tal filme violentíssimo que mostrava a linda Monica Bellucci sendo estuprada durante dez minutos. Pessoas passavam mal, saíam correndo da sala, diziam que tal filme nunca deveria existido, e por aí vai. Eu não tinha assistido e tive que segurar a curiosidade porque levou mais de um ano para que o filme maldito chegasse aos cinemas.

A exemplo do cultuado Amnésia, Irreversível é narrado em ordem inversa. Os créditos finais são exibidos todos no começo e as letras se apresentam invertidas, como se lidas através de um espelho. As letras reversas impossibilitam o espectador de reconhecer alguma coisa além dos sobrenomes de Monica Bellucci e Vincent Cassel. Mas isso é apenas o primeiro estratagema do franco-argentino Gaspar Noé para nos desorientar.

À primeira vista, trata-se de uma história de vingança: Marcus e Pierre se embrenham no submundo de Paris à caça do homem que violentou e espancou Alex, esposa de Marcus e ex-namorada de Pierre. A história retrocede no tempo, mostrando como os dois chegaram ao agressor, o que realmente aconteceu com Alex e, finalmente, o que antecedeu o fatídico momento.

Os primeiros blocos de Irreversível acompanham o estado de espírito de Marcus e Pierre: a câmera gira sem parar, em todas as direções, num ambiente sufocante e excessivamente vermelho que alguns críticos já correlacionaram ao inferno dantesco. É difícil controlar a vertigem e a sensação de desconforto. E, com isso, Noé joga a platéia dentro da tela. Não como espectador de um filme, mas sim como testemunha da barbárie.

Ao contrário do que se pode imaginar, a busca pelo culpado é o ponto de menor importância no filme. Logo no início da projeção, ouvimos uma frase que é repetida no final e resume o enfoque do longa: “o tempo destrói tudo”. E o filme, afinal de contas, é sobre isso: sobre como uma pequena passagem do tempo pode alterar todo um planejamento de vida. No caso, foram os tais dez minutos que colocaram a roda do destino em movimento. E não só Alex foi afetada: Marcus, Pierre e até mesmo o detestável agressor foram tragados pelos acontecimentos posteriores.

Quando começa a tão falada cena de estupro - ou melhor, sodomia -, o espectador já está tão abalado pelas conseqüências do que aconteceu que se sente aterrorizado antes mesmo de ver qualquer coisa. Tão incômoda quanto a violência do ato é a agressão verbal que a personagem sofre. Trata-se de ir muito além de um homem que quer possuir à força uma mulher bonita (o que já seria ruim o suficiente): o ser que temos diante de nós não cobiça a beleza. Pelo contrário, quer humilhá-la e aniquilá-la. E, nessa hora, a ágil câmera fica parada pela primeira vez. Como uma sádica janela indiscreta. Depois deste filme, a célebre seqüência de Laranja Mecânica em que o protagonista espanca um homem e violenta sua esposa cantando Singing in the Rain parece quase pueril.

Aliás, o que mais machuca em Irreversível é o fato dele retratar uma barbaridade não apenas possível como também aleatória. Jogar na nossa cara a que grau de involução chegamos. Não existem monstros do espaço sideral, nem do além. É um ser humano que comete uma monstruosidade. Um homem misógino e cruel mas, ainda assim, humano. O motivo? Nenhum. Simples casualidade, conforme já nos acostumamos a ler no noticiário todos os dias. E isso é algo que não vai embora das nossas mentes ao fim da projeção.

Quando o filme retrocede à calmaria, ou seja, à vida normal dos personagens antes que a desgraça se abatesse sobre eles, o que é mostrado não traz nenhum alívio. Pelo contrário, é mais uma fonte de angústia porque, ao contrário deles, sabemos que a paz tem horas contadas. Ao mesmo tempo, o filme mantém um certo distanciamento e não se aprofunda muito nos personagens. O que só reforça a desagradável certeza de que os personagens simbolizam qualquer um de nós.

Por estes e tantos outros motivos, Irreversível é o filme que mais me chocou em toda a minha vida. Depois de assisti-lo, lembro que sentei num banco da praça General Osório e chorei. Claro que não culpo o filme em si, já que ele nada mais é do que um reflexo do mundo em que (sobre)vivemos. A violência mostrada, por mais chocante que seja, está longe de ser gratuita e/ou estereotipada. Nenhuma cena surtiria um efeito tão violento se não fosse assustadoramente real. Em Botafogo, próximo ao shopping Rio Sul e ao Canecão, existe uma passagem subterrânea muito parecida com o cenário onde Alex é atacada. Embora seja bem iluminada e guardada por seguranças, eu não consigo evitar um arrepio sempre que passo por ali. Não que eu ache que exista algum perigo real. É apenas um efeito colateral de tudo de ruim que a lembrança do filme provoca em mim.

Irreversível assim.

sábado, 17 de maio de 2008

5 Frações de uma Quase História


5 Frações de uma Quase História é um filme composto de cinco tramas independentes que em algum momento se entrecruzam – um estilo ainda pouco utilizado em filmes brasileiros –, com cada segmento sendo dirigido por um cineasta diferente. Para compor o longa, foram selecionados textos de três autores brasileiros (Qualquer Vôo, conto de Yury Hermuche; ZYR-145, peça curta de Gero Camilo; e A Liberdade de Akim, conto de Paulo Leônidas). As outras duas histórias, O Magarefe e Título Provisório, foram escritas especialmente para o filme pelo roteirista Cristiano Abud.

Na primeira história – a melhor de todas –, Leonardo Medeiros interpreta um fotógrafo podólatra que pretende levar sua obsessão particular para o trabalho ao montar uma exposição apenas com fotos de pés. Antes de mais nada, é muito interessante ver o sempre ótimo Leonardo Medeiros num papel totalmente diferente de tudo que ele já interpretou. Normalmente visto em personagens densos e dramáticos, é incrivelmente engraçado vê-lo num tipo que chega a ser farsesco em sua obsessão sem limites. Ao mesmo tempo, o ator consegue dar uma dimensão tão humana à tara incontrolável do personagem que faz com que o espectador se solidarize com seu drama. Destaque para a cena no consultório da terapeuta, que parece não ter a mínima idéia do estado em que seu paciente se encontra. Bem sacado também é o uso da fotografia em P&B, que remete ao universo da fotografia.

Depois dessa viagem fetichista, acompanhamos outra estranha viagem: a de um homem que se imagina vivendo personagens e situações que vê na televisão. Sem dúvida esta é a mais fraca das cinco histórias, por ser excessivamente lisérgica e destoar do resto do filme. Vale pelo caráter experimental e estético, mas, neste trecho, o espectador tem que se concentrar para não perder o contato com o longa. Ficam como destaques a montagem esperta e o passeio surrealista por diferentes recantos de Belo Horizonte.

No terceiro segmento, Akim é um funcionário de um tribunal que leva uma vida monótona até o momento em que recebe um telefonema do juiz da vara onde trabalha. Naquela noite, ele recebe a oferta que pode mudar sua vida: três milhões de dólares em troca de alguns anos de cadeia. Muito interessante como o juiz interpretado por Jece Valadão – embora não seja sua última imagem nas telas, foi o último personagem que ele completou – vai aos poucos seduzindo o tímido Akim e subvertendo a consciência do rapaz até que ele esteja 100% comprometido com essa troca faustiana. A surpresa final da história é a cereja que coroa esse sundae deliciosamente amoral.

A quarta história nos apresenta Antonio, funcionário de confiança que é sempre o último a sair do frigorífico onde trabalha. Mas o pacato cidadão entra em crise quando sua esposa começa a tratá-lo com indiferença. Essa história, embora bem realizada, peca pela falta de originalidade. O espectador consegue adivinhar quase tudo que vai acontecer alguns minutos antes que o fato seja mostrado na tela. Sem contar que tem um detalhe que lembra demais o recente Estômago, com uma diferença: no longa de Marcos Jorge o que acontece é surpresa total. Aqui não.

Para fechar, temos a segunda melhor história. Lúcia é uma secretária que acaba de sofrer uma desilusão amorosa. Solitária e desesperada, marca um encontro às escuras com um homem que conheceu através de um programa de rádio. Ao encontrar Beto, um aproveitador que só pensa em levá-la para um “lugar mais reservado”, a decepção de Lúcia é tão grande que ela resolve deixar claro que não está para brincadeiras. É muito legal quando uma história começa com um tom e muda para outro sem que isso soe gratuito ou forçado. E esse segmento final transita do dramático para o cômico com uma fluidez impressionante, graças à interpretação inspirada de Cynthia Falabella (irmã da Débora) e Murilo Grossi. Só é uma pena que o cartaz do filme entregue logo de cara o momento de virada da história, pois seria bem mais engraçado se o espectador não soubesse disso. E já que está no cartaz... eu acabo "entregando" aqui na foto também.

5 Frações de uma Quase História, no geral, é um filme muito, muito legal. É claro que não se pode exigir de um filme dirigido por seis pessoas (um dos episódios tem dois diretores) uma linearidade dramatúrgica. E talvez essa seja justamente a graça desse tipo de filme: um somatório de diferentes olhares. Sem contar que esse grupo de realizadores mineiros chega para reforçar uma mentalidade que a cada dia ganha mais adeptos: a de que é possível sim fazer cinema de qualidade sem contar com as grandes corporações.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Longe Dela



Grant e Fiona são casados há 44 anos, mas seu relacionamento harmonioso e feliz é interrompido quando ela começa a apresentar sintomas do Mal de Alzheimer. Tentando preservar a dignidade aos olhos do marido, Fiona decide que o melhor para ambos é que ela se interne numa clínica. Grant não está confortável com a idéia, mas acaba por respeitar a decisão da esposa. Somente após trinta dias de adaptação os pacientes podem receber visitas e Grant sofre um grande baque quando finalmente pode visitar Fiona: ela não só o trata com distanciamento e frieza como demonstra afeição por outro paciente da clínica. Relegado à condição de um mero conhecido, Grant entende que tem que ter paciência e perseverança para reconquistar seu lugar no coração e na memória dela.

Longe Dela é um filme que vem sendo comentado há bastante tempo por conta da elogiadíssima interpretação da diva Julie Christie. A atriz ganhou o Globo de Ouro e o SAG (prêmio do sindicato dos atores) de melhor atriz e ainda foi indicada ao Oscar. Sem dúvida nenhuma, é uma interpretação de primeira linha. Mas trata-se de uma eficiência até meio evidente, porque de uma atriz com a experiência e o talento de Julie já se espera uma ótima atuação. Sem querer desmerecê-la, a verdade é que sua interpretação, por melhor que seja, não se compara à da vencedora do Oscar Marion Cotillard com sua arrebatadora recriação de Edith Piaf - a vitória de Marion foi justíssima. Por outro lado, a grande característica de Longe Dela é a homogeneidade de seu elenco. Gordon Pinsent e Olympia Dukakis compõem seus personagens com especial sutileza e emoção, fazendo um belo contraponto com Julie Christie.

Longe Dela é um filme realizado com competência. A atriz Sarah Polley, que já havia dividido o set com Julie Christie em A Vida Secreta das Palavras, estréia na direção com esse drama bem escrito e bem interpretado. Mas, ao mesmo tempo, o longa apresenta um argumento que deveria ser emocionante de uma forma tradicional, fria e até mesmo burocrática. Claro que a produção reúne uma série de qualidades notáveis, como a belíssima fotografia e um roteiro que mescla com bastante habilidade informações sobre a doença com seus efeitos emocionais sobre os entes mais próximos – neste caso, o desamparado marido. Toda a produção é revestida de uma certa elegância e distinção. Enfim, uma grande realização para uma jovem diretora estreante de apenas 29 anos.

Mas, ainda assim, fica uma sensação de expectativa frustrada. Talvez porque o foco se detenha um pouco demais na rotina de Fiona na clínica. Talvez por lembrar em demasia outras produções sobre o tema, como Iris e Diário de uma Paixão. Sinceramente? Longe Dela foi tão falado, aclamado e aguardado que eu esperava mais. Ao final da projeção, a história não tinha conseguido me arrancar uma lágrima. Nem um sorriso. Ou seja: apesar de sua dramaticidade óbvia, a trama me deixou indiferente. Fica a pergunta: por que um filme realizado com tanta competência não consegue emocionar?

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Presença Brasileira em Cannes

Fernando Meirelles posa com elenco

Por falar em Cannes, a edição 2008 do Festival mais chique do mundo foi aberta hoje por Ensaio Sobre a Cegueira. O filme de Fernando "Cidade de Deus" Meirelles concorre à Palma de Ouro. Baseado no livro de José Saramago, a trama de ares apocalípticos gira em torno de uma estranha epidemia de cegueira branca. A protagonista, única pessoa não atingida pela doença, é interpretada por Julianne Moore. O filme também tem no elenco a estrela em ascensão Alice Braga.

A imprensa internacional se dividiu sobre o filme. A revista Variety o considerou aquém da força do original. O jornal inglês Telegraph foi mais longe:

"Julianne Moore e Alice Braga fazem um bom trabalho para salvar um filme que, ao tentar ser fiel demais ao texto original, cai na monotonia".


Já o também britânico Guardian aprovou o longa:

"O cineasta pegou o romance apocalíptico de Saramago e transformou em um suspense cheio de ritmo, que desafia e arrepia".

Outro nome brasileiro no Festival é Matheus Nachtergaele, que apresenta do dia 21 A Festa da Menina Morta, sua estréia na direção. Uma curiosidade: o ator, apesar de sua pródiga carreira cinematográfica, está indo a Cannes pela primeira vez. E na qualidade de diretor.

Cada Um Com Seu Cinema


Outra novidade que chega nas locadoras esta semana é Cada Um Com Seu Cinema, filme conjunto que nasceu em comemoração ao 60º aniversário do Festival de Cannes. Gilles Jacob, presidente do evento, convidou 34 cineastas do mundo inteiro para contribuir com um curta de três minutos. Dentre os realizadores, destacam-se ícones como David Cronemberg, Roman Polanski, Ken Loach, Walter Salles, Lars Von Trier, Zhang Yimou, David Lynch e Alejandro González-Iñárritu. Diferentes estilos e abordagens, tendo como tema em comum o amor ao cinema. Ou a visão particularíssima de cada um sobre o assunto.

Numa obra conjunta, ainda mais uma tão fragmentada como essa, é até injustiça exigir perfeição de todos os segmentos que a compõem. Estão aí de exemplo realizações parecidas, como Paris, Te Amo e Crianças Invisíveis. E Cada Um Com Seu Cinema ainda tem como complicação extra a curtíssima duração de cada curta.

Apesar dessas adversidades, o filme consegue se nivelar por cima, ou seja, o número de bons curtas excede em muito o número de curtas insatisfatórios. O que se pode apontar é uma tendência pouco inovadora na maioria dos curtas orientais (alguns chegam a ser prosaicos). O de Wong Kar-Wai, por exemplo, parece um clipe publicitário de algum de seus longas. Já daqui da banda ocidental, merece um bom puxão de orelhas Gus Van Sant. Seu filme é, no mínimo, preguiçoso. Mas essas pequenas decepções são, de fato, minoria.

O grande destaque fica com o delicioso Ocupação, de Lars Von Trier, onde o próprio cineasta aparece no escurinho do cinema sendo torturado por um vizinho de poltrona inconveniente. Também merece aplausos a inteligente alegoria de David Cronemberg em O Suicídio do Último Judeu do Mundo no Último Cinema do Mundo. O título dispensa outros comentários. Provocação também é a marca registrada de Final Feliz, de Ken Loach, que apresenta novas e hilárias sinopses de estilos de filmes que vemos todos os dias em cartaz. Também chamam a atenção as surreais contribuições de Jane Campion e David Lynch – cujo nome, estranhamente, não aparece creditado no cartaz do longa.

Noves fora, o espectador de Cada Um Com Seu Cinema fica com um saldo positivo de olhares ternos, engraçados, críticos e muito originais sobre o amor pela sétima arte.

terça-feira, 13 de maio de 2008

P.S. Eu Te Amo


Alguns filmes caem no gosto das pessoas e isso faz com que elas ignorem todos os seus defeitos. Não tem jeito. P.S. Eu Te Amo, que está chegando ao mercado de DVD, teve péssima recepção por parte da crítica e ótima perante o público.

Holly Kennedy é casada com o amor de sua vida: Gerry, um irlandês engraçado, intenso e impetuoso. Quando ele morre aos 35 anos, devido a um tumor cerebral, Holly mergulha numa forte depressão. Até que, no dia de seu aniversário de 30 anos, ela recebe um bolo acompanhado de uma fita que Gerry gravou antes de morrer. Nela, ele exige que ela saia para se divertir e adverte que enviará periodicamente cartas com instruções que ela deve seguir sem hesitar. A partir daí, Holly passa a receber cartas onde Gerry a incentiva a tomar novos rumos na vida, viver aventuras e se redescobrir. Em comum, o fato de todas as mensagens terminarem com “P.S. Eu Te Amo”.

Um filme com um título ridículo desses já é motivo para me deixar ressabiada - e nem adianta culpar os distribuidores, porque a tradução do original é literal. Mas tudo bem, às vezes as aparências enganam. Não foi o caso. P.S. Eu Te Amo é bastante problemático e confuso em suas intenções: tenta fazer graça e ser profundo emocionalmente e fracassa em ambos os caminhos. O roteiro parece um daqueles exercícios de curso de inglês, de “preencha as lacunas”, como se seguisse uma lista pré-determinada de situações que costumam acontecer em filmes românticos. Não há um desenvolvimento psicológico dos personagens. Num momento, Holly está arrasada, sem querer tomar banho nem falar com ninguém. Aí o marido morto diz numa fita que ela precisa se divertir no seu aniversário e dali a pouco ela já está bebendo todas e requebrando numa boate gay. Quem faria uma coisa dessas, considerando que seu desespero fosse genuíno?

Mas a pouca plausibilidade não é o único defeito do filme, que se alonga nas tais cartas que parecem nunca terminar de chegar. De novo, a sensação incômoda de que o roteiro está cumprindo etapas e seguindo fórmulas manjadíssimas. Enquanto isso, a protagonista vai fazendo tudo que o defunto manda: pagar mico no karaokê, viajar, comprar roupa nova. Peraí, é um filme ou uma gincana? Ao redor da viúva sonâmbula, completam o time os tipos mais estereotipados: a sogra que implica com o genro até depois de morto; a amiga que diz que gosta de usar os homens, mas está doida para casar; o cara atrapalhado e rude que, no fundo, é gente boa... e por aí vai.

Hilary Swank, grande atriz e dona de dois Oscars, tem que administrar melhor sua carreira. Não bastasse ter trabalhado em Colheita do Mal - um dos piores filmes do ano passado -, a atriz ainda completa a dose com este aqui que, se não chega a ser um desastre tão grande, obviamente está muito aquém do calibre de uma atriz talentosa como ela. Detalhe: o diretor Richard LaGravanese e Hilary haviam acabado de trabalhar juntos em Escritores da Liberdade – outro fiasco que saiu direto em DVD aqui no Brasil. Por que ela insiste nessa parceria? Gerard Butler, ainda colhendo os louros do rei Leônidas de 300, é outro que podia ter dispensado esse cachê, apesar do papel de irlandês falastrão e incrivelmente charmoso ter lhe caído como uma luva – Butler é, na verdade, escocês. Resumindo: atores bem escalados e belas paisagens irlandesas é o que podemos apontar de positivo em P.S. Eu Te Amo. E isso é muito pouco para que um filme funcione.

sábado, 10 de maio de 2008

Homem de Ferro



Confesso que demorei um pouco para assistir a Homem de Ferro porque antipatizei com o trailer. Me pareceu um filme barulhento e excessivamente pirotécnico, desses que mandam alguma coisa pelos ares a cada cinco minutos. Sem contar que essa massificação cinematográfica em torno dos personagens da Marvel me cansa um pouco. A má notícia é que o filme confirma essa minha primeira impressão. A boa é que, apesar disso, consegue ser um entretenimento bem agradável.

O milionário Tony Stark é o maior fornecedor de armas do governo americano e um gênio em termos de mecânica, robótica e invenções bélicas. Quando não está em seu laboratório, vive uma rotina de drinques, festas e belas mulheres das quais ele não lembra o nome no dia seguinte. Mas sua vida muda quando, durante uma viagem ao Afeganistão, ele é capturado por um grupo de extremistas. Com o corpo cheio de estilhaços de granada que se alojam perto de seu coração, Tony é salvo por um outro cativo que cria um engenhoso sistema que liga seu coração a uma bateria. Os terroristas querem obrigar Tony a construir uma poderosa arma, mas ele consegue enganá-los e usa seu conhecimento e o arsenal deles para criar uma armadura que permite que ele empreenda uma fuga espetacular. De volta aos Estados Unidos, ele aperfeiçoa a invenção e decide dar um novo rumo às indústrias Stark. Mas sua crise de consciência vai de encontro a poderosos interesses.

Uma decisão que sempre me pareceu no mínimo temerária foi ter no comando do longa o ator de segundo escalão Jon Favreau, cuja experiência como diretor até então se resumia à aventura teen Zathura (2005) e alguns trabalhos esparsos para a TV. E vamos ser sinceros: nem analisando seu currículo como ator, alguém poderia prever algo. Afinal, o cara é sempre o amigo engraçadinho de alguém nos filmes. Mas Favreau conseguiu realizar um filme competente, bem acima da média – vide tosquices como Quarteto Fantástico.

Mas o grande diferencial de Homem de Ferro para seus similares não está na direção nem nos efeitos especiais e sim em seu protagonista, Robert Downey Jr. O ator finalmente deixou para trás aquela fase obscura em que aparecia mais no noticiário policial do que no cinematográfico e vem retomando uma carreira que era considerada brilhante até ele se afundar em drogas. Como Tony Stark, ele consegue equilibrar com charme e carisma as facetas de um herói imperfeito e egocêntrico.

Bem coadjuvado por Terrence Howard e um irreconhecível Jeff Bridges e tendo como interesse romântico uma Gwyneth Paltrow especialmente bonita, Downey faz barba, cabelo e bigode na tela. O filme é dele, do primeiro ao último fotograma. Que bom. A sétima arte agradece. Ainda mais considerando que nesse gênero de produção ter bons atores à frente do elenco costuma ser considerado supérfluo. Tudo bem que o nível de absurdo é imenso e, em certas passagens, Tony Stark faz o McGyver parecer um amador, mas a pirotecnia não chega a ultrapassar o apelo humano do personagem.

Homem de Ferro assumiu a liderança das bilheterias brasileiras em seu primeiro fim de semana em cartaz, ultrapassando um milhão de espectadores em dez dias. Além disso, o filme detém, até o momento, o posto de maior bilheteria em seu fim de semana estréia de 2008 (611 mil espectadores), desbancando Eu Sou a Lenda (525 mil).

Uma dica para os apressadinhos: aguardem o final dos créditos. A cena adicional é um petisco para os que esperam notícias sobre o aguardado filme dos Vingadores.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Across the Universe


Certas idéias são tão boas que a gente se pergunta porque ninguém as havia concretizado antes. As canções dos Beatles retratam de maneira muito direta - e, por isso mesmo, genial - o que era ser jovem nos anos 60. São perfeitas para pontuar uma história de amor passada nessa época de tantas revoluções. Mas, até então, os únicos filmes feitos com trilha exclusiva dos Beatles foram os que o próprio quarteto realizou. Um dos entraves certamente se deve à questão dos direitos das músicas (aquela velha disputa entre Michael Jackson e Paul McCartney). Enfim, é complicado. Mas Julie Taymor, responsável pela versão para a Broadway de O Rei Leão, conseguiu realizar essa façanha de criar um musical original utilizando somente músicas dos Beatles. Após uma passagem-relâmpago por nossos cinemas em dezembro do ano passado, chega às locadoras Across the Universe.

A trama é ambientada nos turbulentos anos 60. Jude, um jovem estivador de Liverpool, embarca para a América em busca de um pai que ele nunca conheceu. Chegando lá, faz amizade com o rico e rebelde Max, que o convence a acompanhá-lo a Nova Iorque, onde eles se deparam com o início dos protestos contra a guerra do Vietnã, ao mesmo tempo em que a contracultura e o rock fazem a cabeça da juventude engajada. Em meio ao caos, Jude se apaixona por Lucy, irmã de Max. Mas são tempos radicais e o envolvimento de Lucy com um grupo de ativistas começa a distanciá-la do pacato Jude.

Bom, só pelo nome dos protagonistas já dá para sacar duas das canções que serão usadas. Mas não é só na trilha sonora que o universo dos Beatles está presente. Sobram menções nos diálogos e nas imagens. Exemplos? O logotipo que Jude desenha para uma gravadora é um morango, numa dupla referência: à Apple (maçã, morango, é tudo fruta), gravadora do grupo, e também à canção Strawberry Fields Forever. Existe uma ótima cena em que os personagens cantam Don’t Let me Down no alto de um prédio que é uma referência explícita ao show-surpresa no telhado do prédio da Apple, que rolou até a polícia chegar e acabar com a festa – o U2 também já havia reverenciado o evento no clipe de Where the Streets Have no Name. E os Beatles não são os únicos homenageados: a cantora Sadie e o guitarrista Jo-Jo são praticamente clones de Janis Joplin e Jimmi Hendrix. E, diga-se de passagem, que presença e voz tem a atriz Dana Fuchs. Também é divertida a pequena participação de Bono Vox como um guru meio picareta que acaba de lançar um livro intitulado I am the Walrus.


O roteiro vai além de usar canções dos Beatles para contar a história: a trama é que parece ter sido construída para se encaixar nas 33 canções que permeiam o filme. Pouco importa se a história de amor de Jude e Lucy é lugar-comum, mesmo porque é difícil olhar um musical por essa ótica racional. Os números são incríveis, dá vontade de cantar junto. O contexto em que algumas músicas são usadas também é criativo. Certamente Lennon e McCartney nunca imaginaram que a inocente I Wanna Hold Your Hand seria cantada por uma cheerleader lançando olhares de desejo para outra garota. O único senão da parte musical é que Evan Rachel Wood deixa um pouco a desejar como cantora. Em compensação, Jim Sturgess é muito bom. O ator tem um timbre parecido com o de Paul McCartney – talvez ele até tenha forçado a barra para isso, mas o resultado ficou ótimo – e um ar de garotão inglês que lembra Ewan McGregor em início de carreira. Outro aspecto interessante é o modo como o filme apresenta a diferença de culturas e classes sociais no início. Vemos Jude num típico bairro operário inglês e Lucy no universo do high school americano. Basta um olhar para reconhecer onde está cada um.

Across the Universe - assim como Hairspray - é daquele tipo de filme que conquista já na abertura. Numa praia deserta, Jude canta com melancolia os primeiros versos de Girl. Ele pensa em Lucy e a imagem da garota, misturada a cenas de protesto, ganha a telona ao mesmo tempo em que os acordes da sensacional Helter Skelter começam a tocar. É de arrepiar. Um dos melhores filmes do ano. Desafio o espectador a chegar em casa e resistir a ouvir um CD dos rapazes de Liverpool.

Speed Racer



Quem está em torno dos quarenta certamente se lembra de Speed Racer, a famosa animação criada pelo japonês Tatsuo Yoshida que narra as aventuras do garoto prodígio que arrasa ao volante do carrinho vermelho e branco batizado de Mach 5. Estréia nesta sexta a versão em carne e osso do desenho, que também marca o retorno à direção dos irmãos Wachowski. Apesar de terem produzido o excelente V de Vingança em 2005, Andy e Larry Wachowski estavam sem dirigir um filme desde o terceiro Matrix (2003). Então a chegada de Speed Racer vem de encontro às expectativas tanto dos fãs do desenho como da dupla de cineastas.

Filho de um projetista de carros de corrida e irmão de um corajoso piloto, Speed Racer é fascinado pelas corridas desde criança. Na escola, devaneia pensando em carros, adrenalina e velocidade. Logo em suas primeiras corridas, se destaca pelo talento e coragem. Mas tanto Speed como seus pais têm que lidar com as dolorosas memórias de Rex Racer, o irmão mais velho que morreu num trágico acidente na pista. Quando dispensa uma oferta substancial para se unir à poderosa escuderia Royalton, Speed enfurece um desonesto magnata que jura destruir sua carreira. Mas ele acredita que pode vencer as manipulações do esporte com puro talento e, com apoio da família e da namorada Trixie, Speed se lança no rally The Crucible – a perigosa competição através do deserto que tirou a vida de seu irmão.

Os efeitos especiais chamam a atenção, especialmente por seu uso psicodélico. A direção de arte, inspirada nos animes japoneses, é escandalosamente colorida e mescla a estética dos anos 50 com toques futuristas. As impressionantes seqüências de corridas foram criadas através de uma sobreposição de animação computadorizada às cenas gravadas. Aliás, as pistas de corrida mais parecem trilhos de uma montanha-russa. Outro destaque é o visual da fábrica do vilão, que lembra bastante alguns dos delírios criativos de Willy Wonka em A Fantástica Fábrica de Chocolate.

O elenco é bacana. Emile Hirsch, que personifica o arrojado protagonista, já mostrou em Na Natureza Selvagem que vem se desenvolvendo como ator e não apenas como astro. A ótima Christina Ricci comparece como Trixie, a esperta namoradinha, e ainda temos o auxílio luxuoso de Susan Sarandon e John Goodman como os pais. O garoto Paulie Litt diverte como Gorducho, o irmão inconveniente que se mete em todo tipo de confusão com o chimpanzé de estimação Zequinha. Também os fãs do seriado Lost devem gostar de ver o bonitinho Matthew Fox na pele do misterioso Corredor X. Enfim, fica difícil imaginar um elenco melhor e mais diversificado.

Os realizadores do longa fizeram uma escolha: direcioná-lo ao público infanto-juvenil. Embora tal opção possa decepcionar um pouco os fãs graúdos, é preciso respeitar a abordagem escolhida. Afinal de contas, fica bem claro para o espectador que o modo como o filme foi concebido foi uma opção deliberada e não ineficácia acidental. A pergunta que me fiz, terminada a projeção, foi: “o que eu acharia deste filme se tivesse 12 ou 13 anos?”. Provavelmente, adoraria. Go Speed Racer, go!

Coringa em Casa

Dentro do melhor estilo “negócios à parte”, a Mattel não perdeu tempo e lançou o boneco do Coringa. Baseado na caracterização de Heath Ledger no ainda inédito O Cavaleiro das Trevas, o brinquedo mal chegou nas lojas dos Estados Unidos e já se encontra esgotado. O boneco vem em duas versões – que custam U$ 7,99 e U$ 10,99 – e ambas incluem uma faca de brinquedo.

A família do ator se apressou em divulgar uma nota, declarando que “Heath estava muito orgulhoso de seu trabalho neste filme, e sua família incentiva toda e qualquer divulgação a respeito dele”.

Obviamente, essa estratégia de marketing em torno de um novo Batman – ainda mais depois do êxito de Batman Begins – já seria de se esperar. Mas não se pode negar que o fato do sinistro personagem ter sido o último trabalho do jovem e talentoso ator reveste o filme de uma atmosfera dark que será extremamente benéfica em termos comerciais.

Acredita-se que algumas pessoas estejam comprando o boneco do Coringa para revender depois, já prevendo uma dificuldade de encontrá-lo nas lojas num futuro próximo. O brinquedo ainda não está à venda aqui no Brasil, mas pode ser adquirido em sites americanos, como o E-bay ou o Amazon. Os preços, é claro, sofrem alterações por conta das taxas de importação e frete.

O Cavaleiro das Trevas tem lançamento mundial no dia 18 de julho. Pelo que eu vi no trailer, a performance de Heath promete ser inesquecível. Jack Nicholson que me perdoe, mas tudo indica que este será o Coringa definitivo.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Maria Antonieta


“Se o povo não tem pão, que coma brioches”. A frase, atribuída a Maria Antonieta, entrou para a história como um dos mais notórios símbolos de despotismo e indiferença de um governante para com seu povo. No entanto, pesquisas históricas mostram que muito do que ouvimos falar sobre a princesa austríaca que se tornou rainha da França aos 18 anos e foi decapitada pela Revolução Francesa aos 37 não passa de lenda urbana. Incluindo aí a tão famosa frase, que já havia sido atribuída a outros membros da nobreza pelo menos cem anos antes do reinado de Luís XVI e Maria Antonieta.

Acabei de ler há pouco Maria Antonieta, biografia escrita pela inglesa Antonia Fraser que serviu de base para o filme de Sofia Coppola. A autora realizou uma meticulosa pesquisa, que culminou numa visão completamente diferente e humanizada da personagem. No lugar da vilã absolutista, uma adolescente que, aos catorze anos, é empurrada para um casamento arranjado com um príncipe estrangeiro. Uma mera engrenagem num acordo de boa convivência entre a França e a Áustria. Antonieta sempre foi vista com desconfiança na corte de Versalhes pelo simples fato de ser estrangeira e era chamada desdenhosamente de “a austríaca” pelas costas. Acredita-se, inclusive, que o principal fator para que o tímido Luís XVI tenha levado anos até consumar o casamento tenho sido o pavor que sempre lhe fora incutido a respeito dos “ardilosos” e “malignos” austríacos. Um belo dia, seu avô resolve fazer aliança com os antigos desafetos e, de quebra, lhe arruma uma noiva da dinastia até então odiada. Dá para entender a demora para rolar “um clima” entre o casal.

Inadaptada ao ambiente de intrigas e fofocas e entediada com as rígidas normas cerimoniais, Maria Antonieta realmente tinha como principal passatempo gastar dinheiro e fez do desbunde sua marca registrada. Roupas, festas, caprichos, enfim, o sonho da maioria das adolescentes tornado realidade numa escala descomunal. Mas suas extravagâncias apenas seguiam o ritmo de uma corte exuberante, que não só incentivava como exigia uma rainha resplandecente. Mesmo porque como rainha consorte – e não de direito – sua autonomia era muito reduzida.

Com os ventos da Revolução Francesa soprando cada vez mais fortes, Antonieta passa a simbolizar tudo que o povo odiava na nobreza como um todo. Mais uma vez, sua origem torna mais fácil vilanizá-la. Como a adoração pela monarquia ainda estava muito enraizada nos corações franceses, os cidadãos menos radicais ainda tinham resquícios de afeto e respeito pelo rei. Era mais confortável, então, transformar “a austríaca” numa manipuladora que desvirtuava um rei bem-intencionado. A figura altiva e elegante de Maria Antonieta, em contraste com o gorducho e desajeitado Luís XVI, também ajudava a cristalizar essa imagem. Não que isso tenha ajudado muito o infeliz monarca, que, no final das contas, acabou decapitado antes de sua odiada rainha.

O que as pesquisas de Fraser mostram simplesmente é que ambos eram dois jovens despreparados que tiveram o azar de reinar numa época em que a revolta do povo estava num nível onde a explosão seria inevitável. Bodes expiatórios de um sistema prestes a ruir, apenas as pessoas erradas no momento errado. No livro, um contemporâneo da Revolução ilustra bem o clima da época ao declarar seu espanto com o fato de justamente o rei mais pacífico e bonachão que a França já teve acabar na guilhotina. Vale lembrar que seus antecessores, o absolutista Luís XIV (aquele do “O Estado sou eu”) e o devasso Luís XV, tiveram reinados longos e inquestionados.

Um livro revelador e impactante, com uma linguagem bastante simplificada, que certamente mudará a visão sobre o tema dos que o lerem. E o mais curioso é perceber que a maior parte das intrigas, traições e hipocrisias descritas em Maria Antonieta não são exclusividade da Corte de Versalhes e nem do século dezoito.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Buda e o Budismo


A história do budismo se confunde com a saga de Siddharta Gautama - o Buda. Nascido por volta de 621 a.C. numa região onde hoje encontra-se o Nepal, era filho único do rei da nação Sakya, Suddodana, e da rainha Maya. Logo que o príncipe nasceu, o rei recebeu a visita de um velho sábio que profetizou que seu filho libertaria a humanidade do sofrimento. Mas o rei desejava que seu herdeiro o sucedesse no trono e, assustado com a profecia, fez com que qualquer vestígio de decadência ou dor fossem sempre mantidos longe de Siddharta. Assim, ele cresceu saudável e feliz, ignorando os males da vida. Passava os dias nos palácios de seu pai e desconhecia tudo o que não estivesse ali inserido. Casou-se aos 16 anos com a bela Yasoddhara, e tinha uma vida perfeita. Apesar disso, algo lhe inquietava, e Siddharta desconhecia o porquê de sua insatisfação. Aos 29 anos, um pequeno incidente desencadeou a descoberta de sua vida: ouviu uma canção linda e triste num idioma que desconhecia. Perguntou à Yasoddhara de que se tratava e esta respondeu que falava de terras distantes. Intrigado, indagou se existiam lugares tão belos como ali. Preocupada com a curiosidade do marido, a princesa disse que fora daqueles muros só havia sofrimento. Mas o príncipe não sabia o que era sofrimento e Yasoddhara logo percebeu seu erro, mas já era tarde. Siddharta decidiu que precisava ver o mundo.

O rei havia previsto esse dia e estava preparado: mandou recolher todos os velhos, doentes e pobres para que o filho saísse num luxuoso cortejo. Assim, Siddharta vislumbrava o mundo maquiado por seu pai e estava quase convencido de que sua angústia não tinha razão de ser, quando avistou na multidão dois monstros - pareciam humanos, mas eram tortos e suas peles, enrugadas. O príncipe interrogou seu criado quanto às causas daquela aberração. Channa sabia que não devia responder, mas não se conteve: “São homens, meu senhor. A idade destrói a memória, a beleza e a força.” Ao saber que aquele era o destino de todos, Siddharta abandona o cortejo e sai pelas ruas vendo tudo que lhe fora vedado por toda sua vida. Miséria, doença e, para culminar, um cortejo fúnebre. Tomado por uma dor até então inédita, o príncipe percebe que não poderá ser feliz enquanto não descobrir uma maneira de quebrar aquele ciclo - nascimento, velhice, morte. Ali mesmo, tira suas jóias e pede a Channa que troque de manto com ele. O príncipe dos Sakyas abandona o palácio e sua família e parte em busca de respostas.

O primeiro passo de Siddharta foi se juntar aos ascetas - sábios que acreditavam que a iluminação era resultado de uma severa mortificação do corpo. Ficavam imóveis, não tomavam banho, comiam insetos e bebiam a água da chuva. Siddharta experimentou tais provações, mas compreendeu que aquele não poderia ser o caminho. Um dia, escutou um professor de violino, que dizia a seu aluno: “Se esticar demais ela arrebenta. Se ficar frouxa, você não consegue tocar.” A referência era à corda do instrumento, mas Siddharta compreendeu que era válido para a vida humana também e daí surgiu uma das bases da filosofia budista, o “Caminho do Meio”, ou seja, do mesmo modo que uma vida de excessos é destrutiva, também a mortificação não leva a nada. “Aprender é mudar”, concluiu.

Após seis anos de busca incansável, Siddharta já havia experimentado de todas as religiões e não se satisfazia com nenhuma. Conta a lenda que foi então que sentou-se sob uma figueira, determinado a só se levantar dali quando obtivesse suas respostas. Mara, o deus dos infernos, sabendo que o príncipe estava vivendo sua última encarnação, fez uma última tentativa de afastá-lo do Nirvana e enviou suas cinco filhas para tentá-lo: eram os demônios do orgulho, avareza, medo, ignorância e desejo. Mas nenhuma das inúmeras formas de sedução que usaram fez sequer com que ele abrisse os olhos. Mara então enviou as forças dos elementos - relâmpagos, tempestades, trovões. O príncipe mantinha-se sereno e refugiado na armadura da meditação. Finalmente, o ardiloso Mara tentou confundi-lo com seu reflexo, representando seu ego. Em vão, pois Siddharta acabara de descobrir as Quatro Nobres Verdades. Foi então que, aos 35 anos, tornou-se Buda (o Desperto).

Buda viveu até os 80 anos, dedicado a disseminar sua doutrina por toda a Ásia. Era uma alma errante e seus únicos bens eram seu manto e uma tigela para receber comida. Hoje, passados 2.500 anos, o budismo está presente em todo o Oriente e a cada dia conquista novos adeptos no Ocidente. Em cada país, desenvolveu-se uma nova vertente: Zen (Japão), Tibetano, Ortodoxo (Tailândia), etc.

As Quatro Nobres Verdades

1- A existência do sofrimento. Perder o que amamos, não alcançar o que desejamos, velhice, doença, morte. Não se sofre como punição por algo e sim, porque é condição natural do ser humano;

2- O homem sofre porque deseja e se apega a esses desejos. Seja por não alcançar o objeto de sua cobiça, seja por possuí-lo e ter medo de perder. Não aceita que as coisas vêm e vão e quer retê-las eternamente;

3- O único modo de libertar-se dessa incessante roda de desejos e frustrações é praticar o desapego. Não há nada de errado em desfrutar das coisas boas da vida, desde que se compreenda que elas são impermanentes;

4- A quarta verdade é a própria filosofia budista, o caminho para transcender as correntes do eterno renascimento, cuja conduta se divide em oito de ações que devem ser feitas de modo correto: percepção, pensamento, fala, comportamento, meio de vida, esforço, atenção e concentração.

A Impermanência

O homem está em constante mutação e, ainda assim, tem a ilusão de um “eu”. Constrói uma imagem de si próprio e se agarra a ela. Não existe um “eu” permanente, pois hoje não somos os mesmos que éramos ontem. Vivemos novas experiências, evoluímos, mudamos de opinião. Mas fazemos um esforço enorme para continuar correspondendo ao modelo que escolhemos para nossa vida. Planejamos obsessivamente o amanhã ou nos agarramos ao passado, quando é o presente que mais importa.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

A Maldição da Flor Dourada


Outro filme que está chegando às locadoras neste dia 15 é A Maldição da Flor Dourada, nova incursão de Zhang Yimou às artes marciais espetaculares. O cineasta chinês ficou famoso no começo dos anos 90 por seus filmes engajados, sempre a lançar um olhar crítico sobre a condição subserviente da mulher na tradição cultural de seu país. Yimou dirigiu o tocante Lanternas Vermelhas – que narra as desventuras de uma jovem vendida a um homem rico como sua quarta concubina – e também o singelo Nenhum a Menos, mordaz retrato do sistema educacional chinês. Portanto, ainda é com certa estranheza que se vê o fato de Yimou ter realizado não apenas um, mas três filmes seguidos de artes marciais. Os dois primeiros, Herói e O Clã das Adagas Voadoras, estrearam aqui quase simultaneamente em 2005, embora tenham sido rodados com uma diferença de dois anos (2002 e 2004, respectivamente).

Mesmo os que admiram o cinema oriental costumam fazer a ressalva de que, muitas vezes, o brilhantismo estético mascara roteiros pouco eficazes. Por outro lado, um cinema que tem como base a fluidez costuma causar estranheza nas mentes ocidentais. Não é o caso de Herói, cujo incrível visual está entrelaçado com um roteiro inteligente que tem como questão central a subjetividade da verdade. Já O Clã das Adagas Voadoras parte de uma premissa mais simples, o triângulo amoroso, para contar uma história de paixão, traição e juramentos quebrados. Embora inferior a Herói, ainda assim é um belo filme. Mas aí Yimou fez um terceiro e demonstrou que focar sua carreira em longas épicos e grandiosos foi uma decisão com prazo de validade. A Maldição da Flor Dourada é certamente o mais fraco da produção recente do cineasta.

A história se passa na China imperial. Estamos às vésperas do Festival do Crisântemo, ocasião especial em que o Imperador celebra a união familiar. Mas a família real está longe de ser um modelo. A imperatriz mantém há três anos um romance com seu enteado, o príncipe herdeiro, que, por sua vez, corteja em segredo a filha do médico da Corte. Mas o imperador traído não é nenhum inocente e também ele articula planos de vingança malignos. Toda essa batalha de vontades explodirá em tragédia no dia do festival.

A trama confusa e de ares hamletianos deixa muito a desejar e o visual não chega a ser fascinante a ponto de entorpecer o espectador e fazer com que este ignore a fragilidade dramatúrgica do filme. O visual barroco ainda é belo sim, mas em muitos momentos ultrapassa a linha que separa o luxo da breguice. O filme é um similar inferior do eficiente Inimigos do Império - esse sim uma versão de Hamlet assumida. O que A Maldição da Flor Dourada deixa bem claro é que já está na hora de Zhang Yimou abandonar esse estilo, já que podemos notar uma escala descendente em suas três últimas realizações.

Em tempo: acho que vale explicar que o que eu denominei aqui popularmente como "artes marciais" na verdade é uma tradição oriental chamada Wu-Xia, ou seja, histórias épicas onde os lutadores voam, rodopiam no ar, etc.

sábado, 3 de maio de 2008

Eu Sou a Lenda



Já se encontra em pré-venda, com previsão de entrega para o dia 15, o DVD de Eu Sou a Lenda. Esta é a terceira adaptação para o cinema do livro de mesmo título de Richard Matheson, considerado um clássico do horror. A história original se passa em 1976 (tendo sido escrita em 1954) e, nela, pessoas infectadas por uma epidemia viram vampiros. O mesmo ocorre no primeiro filme feito a partir dela, Mortos que Matam (1964). Na segunda versão, A Última Esperança da Terra (1971), em vez de uma epidemia as mudanças genéticas são causadas por uma guerra nuclear e os afetados viram "mutantes albinos". A Warner comprou os direitos do livro de Matheson ainda na década de 70, mas o projeto demorou a sair do papel. Nos anos 90, esteve nas mãos de Ridley Scott e seria protagonizado por Arnold Schwarzenegger, mas acabou engavetado por conta de seu orçamento faraônico.

Esta nova versão se passa em 2012, tendo acontecido a contaminação em 2009. Uma vacina desenvolvida como uma revolucionária cura para o câncer revela-se um vírus mutante que infesta Nova Iorque e, de lá, dissemina-se por todo o planeta. Logo os infectados tornam-se predadores das poucas pessoas que não adoecem e, em três anos, a vida está praticamente extinta na Terra. Robert Neville, virologista militar, é imune à moléstia. Um sobrevivente que vaga solitário numa metrópole abandonada e tem como única companhia a cadela Samantha. Robert envia diariamente mensagens de rádio, na esperança de encontrar outras pessoas, e usa o próprio sangue para tentar descobrir um meio de reverter os efeitos do vírus. Embora tenha a Nova Iorque inteira e seus inesgotáveis suprimentos só para si, Robert tem que tomar a precaução de sempre se recolher à sua fortaleza antes do anoitecer, já que a única coisa que mantém os infectados longe dele é a luz do sol.

A proximidade com os dias de hoje e o fato de associar tal desgraça ao que parecia um avanço da medicina foi uma boa sacada do roteirista Akiva Goldsman. Também é uma opção interessante caracterizar as criaturas de um modo meio indefinido. Os vampiros do original viraram pessoas transformadas e violentas, mas não exatamente bebedores de sangue. A aparência delas é uma deformação da aparência dos humanos, mas não chegam a ser monstros.

Eu Sou a Lenda é bom filme, mesmo lembrando em demasia outras produções do gênero. Chama a atenção principalmente pelo fato de não ser mais um filme apoiado na ação desenfreada. O roteiro enfoca bem a solidão do protagonista e as reações e mecanismos de sobrevivência de um homem que se acostumou a não ter ninguém com quem contar. Daí o comportamento metódico e, ao mesmo tempo, livre de quaisquer convenções. Robert é uma espécie de Robinson Crusoé em plena Manhattan. Outro acerto é o cenário, já que a caracterização de Nova Iorque devastada foge do lugar comum dos filmes-catástrofe. O que vemos na tela é uma cidade abandonada e decaída, porém ainda conservando um certo charme. E também acrescida de animais selvagens, como se a Natureza estivesse pegando de volta o espaço que lhe foi tomado.

A interpretação de Will Smith é muito competente. Sua emoção contida, seu olhar de guerreiro cansado e, sobretudo, o modo como se apega à cadela, fazendo dela sua "Wilson" (lembram da bola de Náufrago?) dão credibilidade à trama. Um erro comum em filmes de terror ou ficção científica é considerar que uma boa interpretação é algo secundário, quando, na verdade, é isso que dá dimensão humana à catástrofe mostrada na tela. E eu só posso ficar imensamente grata à Warner pelo filme não ter sido feito nos tempos do Schwarzenegger.

Curiosamente, o filme decai um pouco quando Robert encontra companhia. Em sua parte final, o longa torna-se aquilo que vinha conseguindo evitar até então: um filme de ação como os outros. Com direito a um desfecho previsível e tudo. Que, aliás, não é igual ao do livro. Mas, ainda assim, é uma produção caprichada e que vai por uma abordagem diferente de outras similares. E que bota uma pulga atrás da orelha do espectador: num futuro não muito distante, seremos predadores de nós mesmos? Ou já somos e falta apenas chegar naquele grau de selvageria?