quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Nova York, Eu Te Amo

Filme realizado nos mesmos moldes de Paris, Eu te Amo. Doze realizadores de todas as partes do mundo contam pequenas histórias de amor que acontecem tendo Nova York como cenário e/ou musa inspiradora. De Tribeca ao Brooklyn, passando pelo Central Park, as pequenas tramas percorrem os diferentes bairros ao mesmo tempo em que fazem um terno painel das diferentes etnias, religiões e modos de vida de uma cidade que recebe tantas influências distintas.

Um dos filmes mais fofos e divertidos do Festival, e que certamente alcança um resultado final bem mais homogêneo do que o de Paris, Eu Te Amo. O primeiro grande acerto foi conceber o filme sem separação entre os segmentos de cada diretor, contando as histórias de modo contínuo e criando pequenas interseções entre elas. Isso impede que Nova York, Eu Te Amo tenha saltos bruscos de qualidade ou estilo, mantendo uma linha condutora muito rara em filmes coletivos. A impressão que fica é a de que uma única grande equipe realizou o longa, espírito bem mais simpático do que quando cada um faz o seu curta e depois junta-se tudo sob o mesmo título.

Embora todos os pequenos contos sejam bons, cada um à sua maneira, sobressaem-se dois momentos realmente inspirados: o segmento em que Ethan Hawke tenta faturar uma bela garota com uma das cantadas mais descaradas já vistas no cinema e o trecho seguinte, sobre o menino abandonado pela namorada no dia da formatura e que consegue um par de última hora. Outros destaques são a interpretação cativante de Shia LaBeouf (a historinha dele em si nem é uma das melhores, mas sua atuação é de uma delicadeza comovente) e a energia de Natalie Portman, que atua em um segmento em homenagem às suas origens judaicas e dirige uma outra história completamente diferente.

O filme é dedicado ao diretor Antonhy Minghella, falecido no ano passado.



Avatar


A febre do 3D é uma moda que eu sempre vi com incredulidade e certa impaciência. Essa onda já veio nos anos 80 e não pegou. OK, péssima comparação. Reconheço que hoje em dia a coisa é muito mais sofisticada do que na minha adolescência, mas, ainda assim, minha reserva à novidade se deve ao fato de nunca ter visto antes um filme realmente bom em 3D. Como se o efeito por si só bastasse e pronto. Neste sentido, podemos dizer que Avatar é a redenção do 3D. Finalmente, a técnica do momento é usada a serviço de uma história consistente e não como muleta para incrementar um roteiro capenga. James Cameron realmente dá uma aula de como integrar o 3D ao filme ao invés de jogá-lo na cara do espectador como um adereço exibido. Ponto para ele. Mas a pergunta é: seria Avatar esse espanto todo, considerando que Cameron não dirige desde Titanic (1997) e tenta viabilizar este filme há nada menos que quinze anos? Sim. E não.

A trama se inicia quando Jake Sully, ex-fuzileiro naval confinado a uma cadeira de rodas, chega a uma base militar no planeta Pandora. Jake tem a oportunidade de voltar à ativa porque seu irmão gêmeo, também militar e morto há pouco, participava de um programa secreto chamado Avatar e Jake seria o único a poder dar continuidade ao projeto por ter o mesmo DNA que ele. Como a atmosfera de Pandora é tóxica para os humanos, os cientistas desenvolveram corpos biologicamente idênticos aos dos nativos – os Na’vi – que são controlados à distância por seus correspondentes humanos, podendo, assim, sobreviver na atmosfera letal. Jake, em sua forma avatar, volta a andar e recebe a missão de se infiltrar entre os Na’vi, que se interpõem aos instintos predatórios dos humanos. Convivendo com eles, Jake aprende a conhecê-los e respeitar sua comunhão com a natureza, além de se envolver profundamente com Neytiri, uma orgulhosa guerreira. Acolhido pelo clã, Jake passa a ocupar um lugar na comunidade Na’vi e se ve dividido entre sua propria raça e aqueles que aprendeu a amar.

Em termos técnicos, Avatar é um dos maiores deslumbres já vistos na sétima arte – se não o maior. O visual do planeta Pandora, com sua flora e fauna exótica, é simplesmente indescritível. As cores, a textura, a profundidade de campo... Nada do que vemos na tela é menos do que perfeito. A técnica de captura de expressões faciais dos atores para serem aplicadas nas animações também dá um salto de qualidade gigantesco aqui. Quem já achava o Gollum do Senhor dos Anéis muito bom não vai conseguir desgrudar os olhos de Neytiri. A variedade de expressões e estados de ânimo contidos naqueles grandes olhos amarelos deixa o espectador de queixo caído desde a primeira aparição da personagem – e o mais curioso é que Zoë Saldana, que só aparece em cena através de animação, tem, de longe, a melhor interpretação do elenco. Mérito dela ou do técnico? Dos dois, eu acho.


Por outro lado, Avatar tem lá seus pontos fracos. Cameron, também um dos montadores do filme, certamente poderia ter sido um pouco mais rigoroso em termos de edição. Embora seus efeitos sejam muito bem aplicados e não resvalem no exibicionismo puro, é visível que muitas cenas são esticadas muito além do necessário. Compreensível, claro. As imagens são belíssimas, mas um montador que não fosse também o diretor talvez fosse mais impiedoso e imprimisse um ritmo mais fluido ao filme como um todo. E vamos combinar que uns vinte minutos a menos não faria falta nenhuma em um filme de duas horas e quarenta.

Outro aspecto que deixa a desejar está na pegada excessivamente juvenil do filme, que nas diversas cenas de batalha lembra bastante o universo dos videogames. Sensação que é ainda mais reforçada por alguns personagens secundários que soam como clichês ambulantes, sendo o mais irritante deles o militar “scarface” interpretado por Stephen Lang. Cheio de frases feitas e macheza histriônica, o mariner parece ser menos humano do que as criaturas alienígenas em computação gráfica. Mesmo que Cameron tenha elegido os adolescentes como público preferencial, nada impediria um melhor desenvolvimento nessa área.


Mas é claro que esses pecadinhos não invalidam a grande quantidade de acertos do filme, que de fato tem um apelo estético irresistível e sabe conjugar a perfeição técnica com uma bela história de amor, nobreza e heroísmo. Sentimentos antigos e eternos em um admirável mundo novo. Resta a nós, adultos, nos colocar no lugar do público-alvo do filme e lamentar não ter mais 12 anos. Esses sim, devem se render ao mundo de Avatar sem restrições. Estreia sexta-feira.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Uma Vida Sem Regras


Eu confesso: minha única curiosidade a respeito de Uma Vida Sem Regras era ver como Robert Pattinson se sairia num papel de gente normal, sem nenhum tipo de poder ou conhecimentos de bruxaria. É certo que não esperava muita coisa de um filme que anuncia seu protagonista no cartaz como “o Edward de Crepúsculo”. Como levar a sério uma produção que foca sua publicidade no sucesso que o ator principal faz em outro filme? A boa notícia é que, a despeito de seus problemas de ritmo e coerência, Uma Vida Sem Regras até que é um filme simpático.

Robert Pattinson é Art, um sujeito meio freak – primeiro ponto positivo para o filme, que apostou num Pattinson não-galã. Aos 20 anos, o cara já se sente um tremendo perdedor: sua carreira de músico não está indo nada bem e sua namorada, que antes o achava misterioso e profundo, chegou à conclusão de que ele não passa de um depressivo chato. O resultado é que, além de tudo, ele ainda fica sem ter onde morar e tem que voltar para a casa dos pais, com quem tem um relacionamento no mínimo confuso. O melhor amigo de Art é Ronny, um cara com síndrome de pânico que não sai de casa para nada, mas quer formar uma banda com ele.

Nesse momento de virada, Art pensa ter encontrado a solução dos seus problemas quando descobre um guru da auto-ajuda, Dr Levi Ellington, autor de um livro com o sugestivo título Não É Sua Culpa. Empolgado, Art usa o dinheiro de uma herança (que ninguém explica direito de onde veio) para financiar um programa intensivo com o Dr Ellington, que chega de mala e cuia na casa de seus pais para ser uma espécie de personal terapeuta, acompanhando o paciente onde quer que ele vá. Está estabelecida a fauna de personagens bizarros.

Uma Vida Sem Regras segue a cartilha do “filme independente inglês”, um estilo de longa que já se tornou um sub-gênero da cinematografia britânica. Não é um exemplar muito original, mas tem lá seus momentos de graça. O destaque fica por conta do ótimo Powell Jones como o “sem-noção” Dr Ellington. Com sua cara de tiozinho que joga críquete, o ator é responsável pelas cenas mais inusitadas ao invadir a privacidade alheia como se fosse a coisa mais natural do mundo. Reparem na cena em que Art vai ao banheiro feminino atrás da ex-namorada e, do nada, o bom doutor surge num dos boxes dando seus pitacos na conversa. O ator, a quem é dedicado o filme, faleceu logo após o término das filmagens. Um detalhe curioso é que sua filmografia se resume a apenas este filme e três participações em TV.

Como um todo, Uma Vida Sem Regras é um filme irregular e não chega a se sustentar muito bem, mas cumpre a função básica de distrair sem maiores pretensões (principalmente para quem vai assisti-lo desprovido de qualquer expectativa). Na média, a balança pende para o lado positivo. Estreia nesta sexta.

Amor sem Escalas é o mais indicado ao Globo de Ouro


Foram anunciados hoje os filmes indicados ao 67º Globo de Ouro. A premiação, concedida pela Associação de Jornalistas Estrangeiros em Hollywood, é considerada um termômetro para o Oscar. Saem na frente Amor sem Escalas, com seis indicações, e o musical Nine – inspirado em Oito e Meio de Fellini –, com cinco. Considerando que muitos dos indicados ainda não estrearam por aqui, fica difícil palpitar, mas um prêmio que eu considero certo é o de melhor ator coadjuvante para Christoph Waltz (o “caçador de judeus” de Bastardos Inglórios). A curiosidade fica por conta de uma única indicação para Distrito 9, para melhor roteiro. Não deve ganhar, mas foi uma lembrança bem merecida. Assim como a indicação do simpático Joseph Gordon-Levitt a melhor ator pelo fofíssimo 500 Dias com Ela. Sandra Bullock e Meryl Streep concorrem em dose dupla, o que muitas vezes se revela mais uma desvantagem do que vantagem. No mais, me parece que a grande disputa não será entre os campeões em número de indicações e sim entre Tarantino, James Cameron e seus respectivos filmes.

O Globo de Ouro também contempla séries e filmes feitos para a TV, segmento no qual o seriado Glee destaca-se com suas quatro indicações. A boa surpresa neste departamento foi ver o ótimo Simon Baker, astro do também muito bom The Mentalist, indicado a melhor ator.

Os vencedores serão conhecidos no dia 17 de janeiro. Confiram abaixo a lista completa de indicados:

CINEMA

Filme - dramaAvatar
Guerra ao Terror
Bastardos Inglórios
Preciosa
Amor sem Escalas

Filme - comédia ou musical500 Dias com Ela
Se Beber, Não Case!
Simplesmente Complicado
Julie & Julia
Nine

Direção
Kathryn Bigelow (Guerra ao Terror)
James Cameron (Avatar)
Clint Eastwood (Invictus)
Jason Reitman (Amor sem Escalas)
Quentin Tarantino (Bastardos Inglórios)

Ator - dramaJeff Bridges (Crazy Heart)
George Clooney (Amor Sem Escalas)
Colin Firth (A Single Man)
Morgan Freeman (Invictus)
Tobey Maguire (Brothers)

Atriz - dramaEmily Blunt (The Young Victoria)
Sandra Bullock (The Blind Side)
Helen Mirren (The Last Station)
Carey Mulligan (Educação)
Gabourey 'Gabby' Sidibe (Preciosa)

Ator - comédia ou musical
Matt Damon (O Desinformante)
Daniel Day-Lewis (Nine)
Robert Downey Jr. (Sherlock Holmes)
Joseph Gordon-Levitt (500 Dias com Ela)
Michael Stuhlbarg (Um Homem Sério)

Atriz - comédia ou musical
Sandra Bullock (A Proposta)
Marion Cotillard (Nine)
Julia Roberts (Duplicidade)
Meryl Streep (Simplesmente Complicado)
Meryl Streep (Julie & Julia)

Ator coadjuvante
Christoph Waltz (Bastardos Inglórios)
Matt Damon (Invictus)
Woody Harrelson (The Messenger)
Christopher Plummer (Station)
Stanley Tucci (The Lovely Bones)

Atriz coadjuvante
Mo'Nique (Preciosa)
Penélope Cruz (Nine)
Vera Farmiga (Amor Sem Escalas)
Anna Kendrick (Amor Sem Escalas)
Julianne Moore (A Single Man)

Longa de Animação
Tá Chovendo Hamburguer
Coraline e o Mundo Secreto
O Fantástico Sr. Raposo
A Princesa e o Sapo
Up - Altas Aventuras

Filme estrangeiroAbraços Partidos (Espanha)
A Criada (Chile)
A Fita Branca (Alemanha)
Un Prophète (França)
Baarìa (Itália)

Roteiro
Distrito 9
Guerra ao Terror
Bastardos Inglórios
Simplesmente Complicado
Amor sem Escalas

Canção Original
The Weary Kind (Crazy Heart)
(I Want To) Come Home (Everybody's Fine)
Cinema Italiano (Nine)
Winter (Brothers)
I See You (Avatar)

Trilha SonoraO Desinformante!
Up - Altas Aventuras
Onde Vivem os Monstros
Avatar
A Single Man

TV

Série - dramaBig Love
Dexter
House
Mad Men
True Blood

Série - comédia ou musicalEntourage
Glee
The Office (EUA)
Modern Family
30 Rock

Ator - comédia ou musical
Alec Baldwin (30 Rock)
Steve Carell (The Office)
David Duchovny (Californication)
Thomas Jane (Hung)
Matthew Morrison (Glee)

Atriz - comédia ou musical
Toni Collette (United States of Tara)
Courteney Cox (Cougar Town)
Edie Falco (Nurse Jackie)
Tina Fey (30 Rock)
Lea Michele (Glee)

Ator - drama
Simon Baker (The Mentalist)
Michael C. Hall (Dexter)
Jon Hamm (Mad Men)
Hugh Laurie (House)
Bill Paxton (Big Love)

Atriz - drama
Glenn Close (Damages)
January Jones (Mad Men)
Julianna Margulies (The Good Wife)
Anna Paquin (True Blood)
Kyra Sedgwick (The Closer)

Ator coadjuvanteMichael Emerson (Lost)
Neil Patrick Harris (How I Met Your Mother)
William Hurt (Damages)
John Lithgow (Dexter)
Jeremy Piven (Entourage)

Atriz coadjuvante
Rose Byrne (Damages)
Jane Adams (Hung)
Jane Lynch (Glee)
Janet McTeer (Into the Storm)
Chloë Sevigny (Big Love)

Minissérie ou telefilme
Georgia O'Keeffe
Grey Gardens
Into the Storm
Little Dorrit
Taking Chance

Ator em minissérie ou telefime
Kevin Bacon (Taking Chance)
Kenneth Branagh (Wallander)
Brendan Gleeson (Into the Storm)
Jeremy Irons (Georgia O'Keeffe)
Chiwetel Ejiofor (Endgame)

Atriz em minissérie ou telefimeJoan Allen (Georgia O'Keeffe)
Drew Barrymore (Grey Gardens)
Jessica Lange (Grey Gardens)
Anna Paquin (The Courageous Heart of Irena Sendler)
Sigourney Weaver (Prayers for Bobby)

sábado, 12 de dezembro de 2009

Os Irmãos Grimm


Criador e criatura. Equação que vem fascinando a humanidade desde que a inglesa Mary Shelley escreveu há quase duzentos anos o romance Frankenstein, expoente máximo dessa ligação. E os escritores, mais do que ninguém, têm dentro de si uma centelha de Dr. Frankenstein, já que dão vida a criaturas que não existiam antes. Os Irmãos Grimm, que está longe de ser uma biografia dos autores de contos de fada, traz um original olhar sobre essa relação. Achincalhado pela crítica e esnobado pelo público, o filme merece uma segunda conferida. Desta vez, sem preconceitos.

O roteiro cria uma original trama de aventura tendo como protagonistas os lendários irmãos. A Alemanha se encontra sob o jugo de Napoleão e os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm são caracterizados como dois vigaristas que viajam pelo país fazendo dinheiro fácil ao enfrentar monstros e demônios criados por eles mesmos, com a ajuda de atores fantasiados e alguma pirotecnia. Mas as autoridades francesas descobrem a falcatrua e os trapaceiros, para salvar suas vidas, são obrigados a investigar o misterioso desaparecimento de donzelas numa pequena aldeia. Certos de que iriam desmascarar farsantes como eles, os manos logo descobrem que dessa vez a coisa é pra valer.

O mais curioso do filme são as inserções de situações que reconhecemos como trechos de contos de fada. As citações e referências estão por toda parte: Chapeuzinho Vermelho, João e Maria, Branca de Neve, o Lenhador, Rapunzel, o Lobo Mau, a Bela Adormecida e até mesmo um divertido momento dos irmãos dando uma de Gata Borralheira. E a boa sacada é que Jacob, o mano mais intelectual, está sempre anotando as bizarrices que encontra pelo caminho, dando a entender que a carreira literária começará numa época posterior. Os irmãos Grimm verdadeiros publicaram suas fábulas entre 1812 e 1857. Também foram célebres lingüistas e são até hoje considerados os maiores divulgadores da história cultural alemã, tendo seus contos traduzidos para cerca de 160 idiomas. Suas histórias costumam começar com "Era uma vez…" e terminar com "E viveram felizes para sempre", expressões que ficaram conhecidas a ponto de ninguém mais saber de onde se originaram.


A parte estética do filme também é muito boa, com cenários e figurino caprichados, num estilo que lembra A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça. Todos os efeitos visuais são interessantes e adequados, especialmente a concepção da floresta e da torre da rainha. O longa foi rodado em locações em Praga, numa co-produção entre Reino Unido e República Tcheca. Nos papéis-título, Heath Ledger e Matt Damon. Embora ambos estejam ótimos, numa atuação meio debochada e ao mesmo tempo charmosa, o saudoso Ledger se sobressai mais que seu companheiro de cena. Normal. Já os fãs da diva Monica Bellucci podem se decepcionar, já que sua participação é menor do que a publicidade a respeito do filme sempre dá a entender.

Os Irmãos Grimm é um bom filme-pipoca, mas não se deve esperar muito além disso. O currículo do diretor Terry Gilliam sugeria que o resultado fosse mais inventivo. Gilliam não assina uma produção desde o arrojado Medo e Delírio, de 1998, baseado em romance do polêmico Hunter Thompson. Também são dele o cultuado Os Doze Macacos (1995) e o surreal As Aventuras do Barão de Munchausen (1988), além do clássico do humor Monty Python e o Cálice Sagrado (1975). Deixando de lado a expectativa de algo inusitado, resta um filme bem-cuidado e eficiente no que se propõe. Os Irmãos Grimm, filme pouco visto e muito injustiçado, certamente merece um pouco mais do que o desdém com que foi tratado por público e crítica. Um bom aperitivo enquanto não chega o mítico O Imaginário do Doutor Parnassus, novo filme de Gilliam e último de Ledger.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Os Infiltrados


Enquanto não chega a vez de Ilha do Medo, é sempre boa pedida rever o brilhante e premiado Os Infiltrados. Quando o assisti pela primeira vez, há cerca de três anos, fui ao cinema com a mais baixa das expectativas. Parecia quase uma heresia confessar que estava de má-vontade com o grande Martin Scorsese, mas a verdade é que o cineasta genial de clássicos como Touro Indomável e Taxi Driver vinha deixando a desejar em sua filmografia recente e, na minha opinião, não fazia um filme realmente memorável desde Os Bons Companheiros (1990). Para complicar, sua simbiose com Leonardo DiCaprio não fora muito produtiva nas duas tentativas anteriores, Gangues de Nova Iorque (2002) e O Aviador (2004). Embora os filmes tenham obtido várias indicações ao Oscar, parecia evidente que isso acontecera mais como um reconhecimento à importância de Scorsese para a sétima arte do que por mérito destes dois filmes apenas medianos. Mas a grata surpresa foi descobrir que finalmente Scorsese havia se reencontrado não apenas com a máfia mas também com o melhor de seu cinema.

Os Infiltrados marcou o retorno do Martin Scorsese do qual os fãs andavam meio órfãos. No longo prólogo de quase vinte minutos, estabelece-se a base de toda a trama ao conhecermos os personagens espelhados Colin Sullivan e Billy Costigan. Colin, ainda garoto, foi apadrinhado por Frank Costello, chefão da máfia irlandesa de Boston. Sob sua orientação, o garoto inteligente estudou e tornou-se um policial de ficha impecável. Já Billy, um tira cheio de parentes criminosos e com um histórico nada recomendável, é praticamente obrigado pelos superiores a se infiltrar na gangue de Costello. Enquanto Colin deve antecipar para Costello os movimentos da polícia, Billy deve conseguir provas para que consigam prendê-lo. Desempenhando funções inversamente proporcionais, os dois são espertos e determinados. Mas a pressão aumenta a cada dia conforme as mentiras se acumulam e o cerco se estreita, e tanto a máfia quanto a polícia chegam à mesma conclusão: há um espião entre eles. Resta saber qual organização será mais rápida em desmascarar o infiltrado.

A trama cria tensão e suspense numa estrutura onde o espectador sabe tudo o que ocorre, ao contrário dos personagens. Abordagem estabelecida logo no começo do filme, quando Colin e Billy se cruzam sem que um note o outro. A partir daí, o jogo de gato e rato entre os dois só aumenta e o espectador pressente que as identidades duplas não se sustentarão por muito tempo. O roteiro arrojado de William Monahan é baseado em um filme realizado em Hong Kong em 2002, Conflitos Internos (Mou Gaan Dou), e transpõe a guerra entre policiais e criminosos de Hong Kong para as ruas de Boston com tanta propriedade que é difícil crer tratar-se de uma refilmagem. A primeira coisa que chama a atenção no filme é a fluência e malícia dos diálogos, que soam incrivelmente verdadeiros e diabolicamente inteligentes. Poucas vezes se ouviram conversas repletas de piadas sujas, frases cruéis e tiradas irônicas soarem tão fascinantes. Cada fala transforma os maiores xingamentos em pura poesia na boca dos atores.

A direção precisa e firme nivela por cima um elenco que mistura os veteranos Jack Nicholson, Martin Sheen, Ray Winstone e Alec Baldwin às estrelas mais jovens Leonardo DiCaprio, Matt Damon e Mark Wahlberg. De todos, quem chama mais atenção é Leonardo DiCaprio, irretocável na pele de Billy Costigan. Os Infiltrados venceu quatro dos cinco Oscars a que concorreu: melhor filme, direção, roteiro adaptado e montagem - apenas a indicação de Mark Wahlberg a melhor ator coadjuvante não foi convertida em prêmio. O curioso é que uma estranha falha de continuidade, a única num filme de resto perfeito, pareça ter sido ocasionada justamente por um tropeço da montagem. A psicóloga Madolyn muda-se para a casa de Colin de mala e cuia e, numa cena posterior, vemos a moça ainda preparando a mudança, falta de cronologia ressaltada ainda mais pelo fato dela encaixotar um quadro que já fora levado para a nova casa na outra cena.

Mas, detalhismos à parte, o certo é que Os Infiltrados é não apenas um retorno de Martin Scorsese aos bons tempos como também a celebração de uma bela carreira com seu primeiro Oscar de melhor direção. A Academia estava lhe devendo essa, e teve uma ótima oportunidade de saldar a dívida. Que seja o talismã de uma nova e melhor fase para o grande cineasta.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Crepúsculo dos Deuses


A sonorização do cinema, a partir de 1928, trouxe um indesejado efeito colateral: muitos astros do cinema mudo não se adaptaram à novidade que veio para ficar. Seja pela infelicidade de ter uma voz desagradável, seja pela dificuldade em lidar com o equipamento técnico (os microfones eram escondidos no cenário e o ator tinha que ficar atento para falar na direção certa). A transição para a sétima arte tal como a conhecemos hoje já foi tema de alguns filmes, sendo o mais bem-humorado deles o delicioso Cantando na Chuva. Mas nenhum longa foi tão fundo no drama das estrelas aposentadas contra a vontade quanto Crepúsculo dos Deuses, obra-prima de Billy Wilder. Mais famoso por suas comédias, o cineasta conta nesse filme de 1950 a sombria história de Norma Desmond, grande dama do cinema mudo que enlouquece em seu desespero e abandono.

O início da trama é inusitado: policiais chegam para verificar uma denúncia sobre tiros numa mansão da Sunset Boulevard (título original do filme e endereço chique em Hollywood). Chegando lá, encontram um cadáver boiando na piscina. A partir desse ponto, o próprio morto – Joe Gills, um jovem roteirista em dificuldades financeiras – começa a narrar sua história em off. O filme retrocede no tempo, até o dia de seu fatídico encontro com Norma Desmond. Ela foi uma grande estrela do cinema mudo, que vive presa aos dias de fama de outrora como uma forma de negar o ostracismo que vive na atualidade. Sua única companhia é o mordomo Max, que lhe escreve em segredo cartas de fãs imaginários que clamam por ela. Norma contrata Joe para ajeitar um roteiro que vem escrevendo e que seria sua volta triunfal às telas. O detalhe é que a cinquentona pretende fazer o papel de Salomé e ser dirigida por ninguém menos que Cecil B. de Mille. Gills sabe que o roteiro é uma bobagem, mas como Norma é riquíssima, entra no jogo pelo dinheiro. Logo percebe que também ele é objeto de desejo das ambições da diva.

De início confortável na situação, Joe começa a ficar preocupado ao perceber não apenas que está se tornando prisioneiro de Norma como também o quanto ela está desequilibrada. E as brigas violentas, cenas de ciúme e chantagens emocionais só pioram à medida que ele começa a se interessar por uma jovem aspirante a roteirista. Dividido entre a vida mansa e a necessidade de reconquistar a liberdade, Joe tem dificuldade em tomar uma decisão e sua inconstância ajuda a alimentar os delírios de Norma.


Gloria Swanson, ela própria uma estrela do cinema mudo, interpreta Norma Desmond. O que torna a história tão cruel é o fato da decadência de Norma parecer muito próxima do destino de muitas grandes estrelas do cinema mudo, que acabaram por enterrar suas carreiras com ele. Felizmente, não se tem notícia de nenhuma que tenha chegado a extremos de loucura e assassinato como a personagem. E o trabalho de Gloria é impressionante, ao encarnar uma mulher que vivia representando, com ares de grande dama, em sua vida diária. Com expressões faciais exageradas, olhos arregalados ou coquetice pouco condizente para uma mulher de meia-idade, Gloria Swanson reproduz em Norma Desmond todo um estilo dramático característico das fitas mudas. William Holden, em atuação bogartiana (sóbria e sarcástica), faz ótimo contraste com a delirante Swanson. Outro atrativo no elenco é a participação de Cecil B. De Mille como ele mesmo.

O clímax da história já é conhecido desde a cena inicial, uma outra ousadia do mestre Billy Wilder para a época. Desde o princípio, sabemos que Joe pagará com a vida por sua ambição. Dizem, inclusive, que a primeira idéia de Wilder era colocar o personagem contando suas agruras para os outros mortos no necrotério, mas os executivos do estúdio não permitiram que o cineasta fosse tão longe. Outro ponto alto são os diálogos simplesmente brilhantes, como o que ocorre quando Norma e Joe se conhecem. Ele a reconhece e diz “Você é Norma Desmond. Você trabalhava em filmes mudos. Você era grande!” e ela, orgulhosa, responde “Eu sou grande. Os filmes é que ficaram menores.” Ou a célebre frase final da personagem, quando, no auge da loucura, crê que os policiais que chegam à sua casa pra prendê-la são da produção de Cecil B. de Mille e que as câmeras dos paparazzi são câmeras de cinema: “Sr. de Mille, estou pronta para o meu close-up”.

Por esses e muitos outros motivos, Crepúsculo dos Deuses é mais que um excelente filme. É um clássico absoluto, uma obra de referência que qualquer um que se julgue cinéfilo precisa ver e rever muitas vezes. Curiosidade: O longa perdeu o Oscar de melhor filme para A Malvada, outro clássico que enfoca a trajetória de uma atriz, sendo que esta do teatro.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Atividade Paranormal


Dez anos depois, a bossa criada por Daniel Myrick e Eduardo Sánchez em A Bruxa de Blair continua fazendo escola. Atividade Paranormal é mais um filme de suspense no formato falso documentário, desta vez enfocando um casal que resolve registrar em vídeo as manifestações sobrenaturais das quais é vítima. O visitante noturno – que não é claramente definido como fantasma ou demônio – parece mais associado a Katie, uma jovem estudante que teve experiências similares no passado. Seu namorado Micah, um pragmático corretor da Bolsa, a princípio leva tudo na brincadeira e é ele quem decide adquirir uma câmera de alta potência para gravar tudo que acontece na casa enquanto eles dormem.

Os atores Katie Featherston e Micah Sloat emprestam seus próprios nomes aos personagens e o filme abre com legendas que agradecem às suas famílias a permissão para que suas imagens tenham sido exibidas. E tudo segue bem amarradinho para convencer como uma suposta fita caseira, embora hoje em dia não seja mais tão fácil fazer com que as pessoas comprem tal esparrela publicitária. O interessante é que, mesmo tendo contra si o fato do espectador não mais acreditar na veracidade das imagens, o formato funciona bem.

Atividade Paranormal tem a seu favor a sua própria simplicidade. Com ares de filme caseiro e efeitos especiais irrisórios, o filme apóia-se muito mais na expectativa criada do que no que de fato acontece. Imagens que não teriam nada demais se mostradas em isolado, adquirem contornos sinistros pelo simples fato de sabermos que um espírito maligno perturba o local. Um exemplo disso são as cenas em que Katie se levanta durante a noite e fica parada ao lado da cama, em transe, observando Micah dormir. Pequenas coisas, como portas se mexendo, lençóis enfunados ou barulhos súbitos tornam-se agourentos pelo contexto. Em suma, é muito mais um filme de suspense do que de terror.

O diretor estreante Oren Peli gastou módicos US$ 15 mil para realizar o filme, que só nos Estados Unidos já faturou mais de US$ 100 milhões. Agora é aguardar para ver se Peli é cineasta de um filme só. Verba para fazer coisas diferentes não será problema daqui em diante.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Do Começo ao Fim


Vivemos tempos estranhos, com uma ilusória sensação de liberdade e liberalidade extremas. Somos todos modernos, descolados, sem grilos. Mas alguns tabus ainda nos levam de volta ao obscurantismo da Idade Média. Outro dia passou um especial sobre Cazuza na TV. Foi a senha para que no dia seguinte proliferassem na rede mensagens atacando o artista, que morreu há quase 20 anos e ainda incomoda os arautos da moralidade. É espantoso o quanto a vida privada das pessoas interessa quem não tem nada a ver com isso.

Faço esse prólogo para melhor exaltar a dimensão da coragem do cineasta Aluizio Abranches, que em seu novo filme toca em não apenas um, mas dois temas polêmicos: homossexualismo e incesto. E mais: não apenas os expõe juntos, como o faz sem nenhum juízo de valor. Do Começo ao Fim simplesmente trata o relacionamento amoroso entre dois meio-irmãos como qualquer outro. Sem conflito moral, sem drama, nem culpa cristã. Ou melhor, apresenta o amor entre os personagens como algo ideal, tangível, puro. Daí acusarem o filme de “não ir fundo na ferida”, como se o tema só fosse justificável quando abordado pelo viés do preconceito social ou da violência.

Francisco tem seis anos quando nasce Tomás, filho de sua mãe Julieta com seu padrasto Alexandre. Desde cedo, Julieta percebe que os filhos são demasiadamente próximos, um relacionamento íntimo demais até para dois irmãos. Mas o que fazer? São duas crianças inocentes. Francisco e Tomás não fazem nada sem a companhia do outro, vivem trocando carinhos e cumplicidade e chegam ao ponto de dormir abraçados. O afeto intenso evolui para relacionamento íntimo somente depois que ambos são adultos e tem suas próprias vidas.

Com a deslumbrante fotografia do suíço Ueli Steiger e a trilha sonora belíssima de André Abujamra, Do Começo ao Fim fala de um universo particular onde tudo vale a pena. O único senão fica por conta de alguns diálogos exageradamente literários, que soam artificiais quando falados por duas crianças – mesmo considerando a atmosfera onírica do filme. Do elenco, destacam-se os ótimos trabalhos de Julia Lemmertz e Fábio Assunção como os pais que se preocupam, mas conseguem deixar que o respeito e afeto pelos filhos fale sempre mais alto.


Aluizio Abranches declarou que o filme “conta a história de um amor incondicional como uma possibilidade, como um contraponto para um mundo cheio de violência, medo e intolerância”. Portanto, utopia ou não, o fato é que a história não enfoca preconceitos, dificuldades nem barreiras a serem superadas. E com essa abordagem sem sobressaltos, Abranches nos faz pensar. Sim, o incesto é condenado de acordo com as regras da sociedade em que vivemos. Mas isso não necessariamente significa que estejamos certos enquanto os protagonistas da história estão errados. No mundo de Francisco e Tomás, o incesto é tão-somente um prolongamento do amor que eles sempre sentiram um pelo outro. Como se fosse um conto de fadas pelo avesso. O que, aliás, remete a uma das falas mais significativas do roteiro: “Para entender nosso amor, seria preciso virar o mundo de cabeça para baixo”.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Abraços Partidos


Filme novo de Almodóvar nas telonas é sempre um acontecimento muito aguardado, visto o grau de excelência a que nos acostumou o cineasta espanhol. A exemplo do que ocorre com Woody Allen, Almodóvar atingiu um grau de maturidade em sua carreira que torna quase impossível que ele faça um filme ruim. Geralmente, a comparação é entre o sublime e o muito bom. Colocando sob essa perspectiva, podemos considerar Abraços Partidos “apenas” muito bom. Só que um longa que está um degrau abaixo no padrão Almodóvar também está vários degraus acima da média geral.

A trama se desenvolve em três épocas distintas: em 1992, acompanhamos a vida dupla de Lena e seu sacrifício para ajudar financeiramente os pais. Dois anos depois, Lena está casada com o rico e ciumento Ernesto, seu antigo patrão, e tenta retomar a carreira de atriz interrompida tempos atrás. É quando conhece o cineasta e escritor Mateo Blanco. Em 2008, reencontramos Mateo. Ele está cego e continua escrevendo roteiros com ajuda de seus assistentes, mas obviamente não pode mais dirigir os filmes. Para estabelecer esse marco divisório, adotou definitivamente o pseudônimo Harry Caine. O fio condutor entre essas três histórias é revelado aos poucos ao espectador, num quebra-cabeça metalinguístico cheio de referências ao universo da sétima arte e, principalmente, à obra do próprio Almodóvar. O filme ainda compreende não apenas três momentos no tempo, mas também diversas camadas narrativas.


Lluís Homar, que interpreta Mateo/Harry, apresenta uma performance exemplar. Não apenas pelo papel de cego – o que, por si só, já representa um grande desafio a qualquer ator –, mas sobretudo por representar o mesmo homem em duas fases tão distintas de sua vida. Em 1994, Mateo é um profissional seguro, bem-sucedido, apaixonado, destemido; catorze anos depois, um homem debilitado, lutando para não sucumbir. Outro destaque é a discreta e muito eficiente caracterização de envelhecimento feita em Homar e Blanca Portillo. E ainda temos Penélope Cruz, bela e poderosa, no auge de sua carreira. A atriz felizmente deixou para trás sua fase de pagação de mico no cinemão americano e tem se mostrado uma grande atriz desde que voltou a trabalhar com Almodóvar.

Abraços Partidos não é um filme muito fácil. Não tem a fluidez e as emoções gritando à flor da pele de longas anteriores, como Volver e Tudo Sobre Minha Mãe. Sob diversos aspectos, podemos dizer que a estrutura de Abraços Partidos remete um pouco à de Má Educação. É uma trama mais cerebral, com ritmo mais lento, menos passional do que a maioria dos filmes do cineasta. Não que os personagens não estejam todos explodindo com as mais diversas e controversas emoções; a diferença está na abordagem mais seca por parte do diretor. Pode desagradar muita gente e eu não vou negar que, de imediato, o efeito geral foi um pouco menos envolvente. Mas passado o susto inicial – quando deixei a sala escura levemente decepcionada – o longa começa a intrigar, como se fosse um pouco complicado apreender todas as suas camadas de imediato. E reside justamente aí, na capacidade de se renovar e surpreender, a marca do artista ímpar que é Almodóvar.

Estreia nesta sexta. Confiram!

A Princesa e o Sapo


Eu sou do tempo em que as animações eram em 2D e, nem por isso, menos legais. Do tempo em que a Disney lançava clássicos como A Pequena Sereia, Aladdin e O Rei Leão. Do tempo em que não havia Oscar de animação e, ainda assim, A Bela e a Fera concorreu a melhor filme na categoria gente grande. Hoje em dia tudo é mais perfeito tecnicamente, mas os que conheceram a animação pré-computação gráfica sentem falta justamente de um toque mais personalizado. E vamos combinar que o 3D já deu. A técnica geralmente esconde por trás do visual grandioso filmes de roteiro fraco. Não tinha que ser assim, mas é o que tem acontecido – quem tiver dúvidas, que assista a Os Fantasmas de Scrooge.

Mas nem tudo está perdido. Sinal disso é que a Disney está lançando este A Princesa e o Sapo, uma retomada em direção ao estilo dos já citados clássicos de ouro. Não por acaso, o longa foi escrito e dirigido por Ron Clements e John Musker, os criadores de A Pequena Sereia e Aladdin. Sem contar a novidade de ser o primeiro desenho a apresentar uma princesa negra, e de forma naturalista – sua etnia não é preponderante para o desenvolvimento da trama.


O filme ainda conta com alguns atrativos adicionais, ao ambientar a história no bairro francês da Nova Orleans da década de 20, com direito à efervescência do jazz na trilha sonora e o misticismo do vodu para apimentar as maldades do vilão Mr Facilier. Na verdade, todo o argumento apresenta uma repaginação dos contos de fada tradicionais: a protagonista, Tiana, é uma garçonete que sonha abrir seu próprio restaurante; o príncipe é um playboy em crise financeira; a menina que deveria ser a antagonista rica é, na verdade, uma perua de bom coração; e a bruxa má virou um macumbeiro sinistro – destaque para como ele se refere aos espíritos das trevas, “meus amigos do outro lado”.

Está certo que, em sua estrutura, o filme não foge do padrão Disney para contos de fadas, mas põe na tela o que já é esperado com certo frescor e vivacidade. Apenas poderia ter se concentrado mais no segmento que se passa na cidade, que é muito mais rico e interessante do que o trecho que se passa no pântano. Mas tudo bem. Noves fora, A Princesa e o Sapo é filme para encantar crianças de todas as idades.

Só é uma pena que, seguindo a tendência das últimas estréias brasileiras no campo de animação, sejam lançadas apenas cópias dubladas por aqui. Mesmo não ouvindo o som original, pode-se imaginar o quanto a trilha sonora plena de ritmos jazzísticos deve ser sensacional. É bem decepcionante ter que ouvir apenas as versões tupiniquins dela. Também é estranho que o príncipe Naveen seja dublado em português por Rodrigo Lombardi, considerando que sua voz original pertence ao também brasileiro Bruno Campos – por que não chamar o próprio Bruno para se dublar? De todo modo, agora resta esperar o DVD para apreciar o filme como ele realmente merece.

Sexta-feira nos cinemas.