segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

10+ e 10-


Em um ano tão diversificado, foi difícil fazer uma lista de 10+ e 10-...

Alguns eleitos podem não ser ponto pacífico dentre os cinéfilos, mas os filmes que me encantaram e me decepcionaram nesse ano que passou foram definitivamente os seguintes:

10+

1 – O Segredo dos Seus Olhos (El Secreto de Sus Ojos)
2 – A Origem (Inception)
3 – Ilha do Medo (Shutter Island)
4 – Educação (An Education)
5 – Harry Potter e as Relíquias da Morte (Harry Potter and the Deathly Hallows)
6 – Machete (idem)
7 – Amor sem Escalas (Up in the Air)
8 – Sede de Sangue (Bakjwi)
9 – Tudo Pode Dar Certo (Whatever Works)
10 – Antes Que o Mundo Acabe (idem)

10-

1 – A Caixa (The Box)
2 – O Último Mestre do Ar (The Last Airbender)
3 – Um Olhar do Paraíso (The Lovely Bones)
4 – 400 Contra 1 (idem)
5 – Lembranças (Remember Me)
6 – A Hora do Pesadelo (A Nightmare on Elm Street)
7 – Criação (Creation)
8 – Almas à Venda (Cold Souls)
9 – O Pecado de Hadewijch (Hadewijch)
10 – Sex and the City 2 (idem)

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Globo de Ouro 2011


E saiu hoje a lista de indicados ao Globo de Ouro 2011, sempre considerado uma boa prévia para o Oscar – embora nem sempre a fama se justifique. No segmento cinematográfico, alguns candidatos esperados como A Rede Social, A Origem e O Discurso do Rei dividem as apostas com outros que até então não estavam sendo tão cotados, como Cisne Negro e O Turista. Sobre esse último, causa ainda mais estranheza vê-lo classificado na categoria comédia ou musical, já que tudo indica tratar-se de um thriller de aventura. Mais uma daquelas saias-justas causadas pela classificação reducionista do prêmio em apenas duas categorias.

Dentre os atores, Johnny Depp disputa um Globo consigo mesmo, o que quase nunca é bom, já que a indicação dupla acaba gerando uma divisão de votos e prejudicando o candidato. Vale lembrar que no ano passado Kate Winslet levou os dois prêmios a que concorria, mas em categorias distintas (atriz e atriz coadjuvante).

Embora não se possa ainda comentar a performance em si pelos seus filmes não terem estreado, é sempre bom ver atores da competência de Jake Gyllenhaal, Natalie Portman, Paul Giamatti e Helena Bonham Carter sendo reconhecidos. Das atuações já vistas, são justíssimas indicações para os meninos de A Rede Social, Jesse Eisenberg e Andrew Garfield, e para as fabulosas Annette Bening e Julianne Moore de Minhas Mães e Meu Pai. O que parece fora do tom? Halle Berry, que nunca convenceu (nem mesmo quando de fato ganhou um Oscar), e o sempre superestimado Jeremy Renner (o que o povo de Hollywood vê nesse cara?).

Duas categorias que parecem ter um favorito são filme de animação (Toy Story 3) e filme estrangeiro (Biutiful é o único que vem causando bafafá). No mais, é fazer as apostas e esperar pelos vencedores, que serão divulgados no dia 16 de janeiro de 2011. Confiram abaixo todos os indicados em cinema:

Helena Bonham Carter e Colin Firth em O Discurso do Rei
Filme - Drama
Cisne Negro
O Vencedor
A Origem
O Discurso do Rei
A Rede Social

Filme – Comédia ou Musical
Alice no País das Maravilhas
Burlesque
Minhas Mães e Meu Pai
Red – Aposentados e Perigosos
O Turista

Ator - Drama
Jesse Eisenberg (A Rede Social)
Colin Firth (O Discurso do Rei)
James Franco (127 Horas)
Ryan Gosling (Blue Valentine)
Mark Wahlberg (O Vencedor)

Natalie Portman como a bailarina de Cisne Negro
Atriz - Drama
Halle Berry (Frankie e Alice)
Nicole Kidman (Rabbit Hole)
Jennifer Lawrence (Inverno da Alma)
Natalie Portman (Cisne Negro)
Michelle Wiliams (Blue Valentine)

Ator – Comédia ou Musical
Johnny Depp (O Turista)
Johnny Depp (Alice no País das Maravilhas)
Paul Giamatti (Barney's Version)
Jake Gyllenhaal (O Amor e Outras Drogas)
Kevin Spacey (Casino Jack)


Johnny Depp e Angelina Jolie em O Turista

Atriz – Comédia ou Musical
Annette Bening (Minhas Mães e Meu Pai)
Anne Hathaway (O Amor e Outras Drogas)
Angelina Jolie (O Turista)
Julianne Moore (Minhas Mães e Meu Pai)
Emma Stone (A Mentira)

Ator Coadjuvante
Christian Bale (O Vencedor)
Michael Douglas (Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme)
Andrew Garfield (A Rede Social)
Jeremy Renner (Atração Perigosa)
Geoffrey Rush (O Discurso do Rei)

Atriz Coadjuvante
Amy Adams (O Vencedor)
Helena Bonham Carter (O Discurso do Rei)
Mila Kunis (Cisne Negro)
Melissa Leo (O Vencedor)
Jacki Weaver (Animal Kingdom)

Diretor
Darren Aronofsky (Cisne Negro)
David Fincher (A Rede Social)
Tom Hooper (O Discurso do Rei)
Christopher Nolan (A Origem)
David O. Russell (O Vencedor)

A Rede Social, considerado um dos favoritos
Roteiro
127 Horas
A Origem
Minhas Mães e Meu Pai
O Discurso do Rei
A Rede Social

Longa de Animação
Meu Malvado Favorito
Como Treinar seu Dragão
O Mágico
Enrolados
Toy Story 3
Canção Original
Burlesque (Bound to You)
Burlesque (You Haven't Seen The Last of Me)
Country Strong (Coming Home)
As Crônicas de Nárnia: A Viagem do Peregrino da Alvorada (There's A Place For Us)
Enrolados (I See the Light)

Trilha Sonora
127 Horas
Alice no País das Maravilhas
A Origem
O Discurso do Rei
A Rede Social

Filme em Língua Estrangeira
Biutiful (México)
Io sono L’Amore (Itália)
O Concerto (França)
Kray (Rússia)
Hævnen (Dinamarca)

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Machete


Machete é quase uma lenda dentre os cinéfilos desde que seu falso trailer (o filme ainda não existia na época) foi veiculado há três anos junto com Planeta Terror, a metade de Robert Rodriguez no projeto Grindhouse. O personagem-título é um policial mexicano que é traído pelos companheiros corruptos e tem a esposa assassinada diante dos seus olhos. A partir desse prólogo, o filme avança um pouco no tempo e vemos que, depois de cair em desgraça na sua terra natal, Machete agora é um imigrante ilegal nos Estados Unidos e vive de pequenos bicos. A opinião pública está cada vez mais contra a imigração, graças à militância ferrenha de políticos extremistas como o senador John McLaughlin, interpretado por Robert DeNiro. O que Machete não sabe – mas está prestes a descobrir – é que os mesmos marginais que assassinaram sua esposa mantêm estreitas relações com iminentes cidadãos americanos.

Certamente muitas pessoas acusarão Robert Rodriguez de fazer uma colagem de seu próprio cinema, com referências bem claras a seus longas anteriores e ainda ao trabalho de outros diretores, em especial ao do seu chapa Tarantino. Sim, é verdade, mas isso não desmerece em nada a eficácia com que o cineasta orquestra essa colcha de retalhos exagerada, absurda e incrivelmente genial. Com uma incrível cara-de-pau, Rodriguez enche seu protagonista de frases muito clichês, sem o mínimo constrangimento em reverenciar o cinema de sangue e porrada dos anos 80 (a participação do cara de totem Steven Seagal é o exemplo máximo disso). Pérolas como “Machete não manda mensagem de texto” ou “por que ser um homem, quando se pode ser uma lenda?” saem com a maior naturalidade da boca de Danny Trejo, sujeito brutamontes e feio que seduz todas as gatas do filme com sua macheza sem precedentes. Momento mais bizarro? Inúmeros, mas destaco a cena em que Machete descobre uma utilidade prática para o fato de o intestino humano ter vinte metros de comprimento.

Se tudo se resumisse a risos, sangue e metalinguagem, já teríamos um bom filme. Mas Machete vai além, usando a fita de pancadaria para criar uma crônica subversiva do fascismo que repousa sob a fachada da terra da liberdade propagandeada pelos americanos. Rodriguez ridiculariza a extrema-direita e sua incoerência em odiar os “cucarachos”, mas não conseguir viver sem a força de trabalho deles. Também mostra os conservadores todos como pervertidos, sendo todos os mocinhos do filme interpretados por atores de origem hispânica. E o legal é que o filme trabalha bem nesses dois níveis de compreensão, porque o espectador que não estiver nem aí para esse tipo de problema e quiser ir ao cinema apenas para se divertir, tampouco sairá decepcionado, porque o filme é bastante dinâmico e engraçado.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Megamente


Com a aposentadoria do ogro Shrek, eis que a Dreamworks dá ao público um novo anti-herói esquisito para amar: um alienígena azul, cabeçudo e com sérios problemas de ortografia. Com a iminente destruição de seu planeta, o bebê Megamente é posto numa cápsula espacial, tendo como únicas companhias sua chupeta e um servo – um peixe dentuço chamado simplesmente de Criado. Desde pequeno, Megamente é azarado. Sua nave aterrissa numa penitenciária e ele é adotado pelos detentos, que o educam pelos parâmetros do Mal. Destino oposto ao de outro bebê vindo do espaço que, ao cair numa mansão e receber tudo do bom e do melhor, torna-se o super-herói Metroman. A simbiose entre os dois alienígenas e sua crescente rivalidade é subitamente interrompida quando Megamente, quase sem querer, consegue aniquilar o desafeto e descobre o tédio de não ter mais um opositor. De que adianta ser o manda-chuva sem um inimigo para desafiar?

A partir dessa premissa simples, o filme desenvolve uma trama bastante interessante e divertida. O protagonista é especialmente bem delineado: sob sua capa espalhafatosa de gênio do mal, risadas estridentes e planos mirabolantes, podemos notar os traumas e inseguranças de um personagem que não tem, de fato, uma verdadeira inclinação para a vilania. O que leva à velha discussão sobre o homem ser ou não um produto do seu meio. Não que Megamente seja um cartoon-cabeça; pelo contrário, o ritmo ágil, o roteiro bem azeitado e as ótimas gags visuais não deixam muito espaço para o psicologismo.

O visual colorido e os bons efeitos em 3D certamente farão a festa dos pequenos, enquanto os diálogos debochados e a trilha sonora pop – com direito a Michael Jackson e Guns’n’Roses – entreterão os mais velhos. Assim como ocorria na série Shrek, o filme ainda traz uma série de referências divertidas para o público adulto, desde citações cinematográficas (a de Kill Bill é hilária) até uma tremenda zoação com o presidente americano (o slogan de Megamente ao tomar a cidade é “no, you can’t”). Outra coisa na qual vale a pena ficar de olho é o personagem que imita a voz e os trejeitos de Marlon Brando – ou melhor, de Don Corleone. Impagável.


Fora isso, o carisma enorme do sujeitinho cabeçudo, o charme moderno da mocinha de cabelos curtos e a fidelidade comovente do servo criam uma trinca de personagens apaixonantes, que fazem com que o espectador torça desesperadamente para que aquela princesa consiga descobrir um príncipe escondido dentro daquele sapo azul.

Um programa bacana para toda a família. Sexta nos cinemas.

O Garoto de Liverpool


Como o título já sugere, O Garoto de Liverpool é um filme que biografa um John Lennon anterior aos Beatles. A história acompanha um trecho da adolescência do fundador da banda de rock mais famosa do mundo e é muito mais focada nos conflitos pessoais e familiares de John do que em sua faceta artística. Embora o filme mostre em pinceladas esparsas a influência que o rock teve na formação de sua personalidade e seus primeiros contatos com Paul McCartney e George Harrison, ambos integrantes de sua primeira banda (The Quarrymen), o roteiro está obviamente mais interessado em trazer à baila os fatos mais significativos sobre a infância e adolescência de Lennon, essenciais para que se compreenda melhor a figura multifacetada, transgressora e polêmica que ele viria a ser no futuro.

Um dos focos principais da trama é a relação conflituosa de John com suas duas mães, Julia e Mimi: a primeira é a mãe biológica, que o abandonou aos cinco anos; a segunda, a tia austera que o criou como filho desde então. O relacionamento entre os três é bastante tenso, com o protagonista sempre oscilando entre o afeto explosivo e instável da mãe e a fortaleza fria da tia, e ciente de que cada uma o ama a seu modo – e, no caso de Julia, percebe-se até mesmo uma atmosfera meio incestuosa. Somando-se o drama familiar à pouca paciência de John com a vida acadêmica e com as regras sociais de um modo geral, o personagem é um misto de fúria, carência e rebeldia muito bem interpretado pelo jovem Aaron Johnson. Johnson divide a cena em pé de igualdade com a diva Kristin Scott Thomas e arrasa ao contracenar com os demais colegas de cena, impressionando não apenas pelas nuances dramáticas que dá ao personagem, mas também pelo modo como incorpora o espírito inquieto e debochado do ex-Beatle.

Pena que nem só de acertos seja feito o filme. Debutando na direção de longas, Sam Taylor-Wood exagera um pouco na manipulação de sentimentos e na dicotomia dos opostos. Julia é exageradamente desnorteada, enquanto Mimi exibe uma frieza glacial de grande dama inglesa que chega a ser engraçada, tornando a relação entre as duas personagens um tanto maniqueísta, a despeito das belas interpretações de Kristin Scott Thomas e Anne-Marie Duff. Outra caracterização discutível é a de Paul McCartney, interpretado com pouco empenho por Thomas Brodie-Sangster (o garotinho de Simplesmente Amor). Quando o primeiro encontro entre Paul e John ganha a tela, o espectador já entendeu há muito tempo que aquele é um filme sobre Lennon; portanto, não havia a mínima necessidade de mostrar seu principal parceiro musical de modo tão apático e desinteressante.


Mas, a despeito de sua evidente inexperiência em alguns aspectos, o saldo para Taylor-Wood é positivo. Seu grande acerto foi fazer de O Garoto de Liverpool um filme leve, simpático e despretensioso. Não um filme solene sobre um futuro mito, mas apenas a história de mais um garoto rebelde e com grandes sonhos na cabeça. Mesmo porque a resposta à emblemática pergunta “qual é mesmo o nome da nova banda?”, feita nos minutos finais do longa, já faz parte da História.

Sexta nos cinemas.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1


Pela primeira vez, os personagens centrais da saga Harry Potter não se encontram no Expresso de Hogwarts rumo à escola e à aura protetora emanada por Alvo Dumbledore. Voldemort finalmente consegue instaurar seu reinado de terror no mundo bruxo e, como diz a frase publicitária do longa, nenhum lugar é seguro. De seguro mesmo, só a alta qualidade que o cineasta David Yates vem imprimindo à série desde que assumiu sua direção há três anos, em Harry Potter e a Ordem da Fênix. A versão para a telona do universo mágico criado por J.K. Rowling se iniciou em 2001, com o simpático e ainda bastante infantil Harry Potter e a Pedra Filosofal e foi acompanhada por espectadores de todas as idades por nada menos do que uma década, sendo que grande parte deles cresceram junto com os protagonistas (e atores) e amadureceram junto com a história.

Neste princípio do fim, Voldemort e seus Comensais da Morte tomam o Ministério da Magia e alastram o pânico não apenas pelo mundo bruxo, mas pelo dos trouxas também. Logo no início do filme, vemos Hermione usar um feitiço para se “apagar” da mente e da vida de seus pais, desta forma protegendo-os do que está por vir. Harry, Rony e Hermione sabem que a jornada será solitária de agora em diante e que a única esperança de salvação seria encontrar as horcruxes (artefatos malignos que contém fragmentos da alma de Voldemort). Duas já foram destruídas, mas ainda restam outras quatro. Enquanto elas existirem, o lorde das trevas continuará invencível. Mas quais seriam esses artefatos e onde estariam? E, encontrando-os, como destruí-los? E como três adolescentes poderiam dar conta de tamanha responsabilidade sozinhos, já que não podem mais se arriscar a procurar a ajuda de ninguém? São questões como essas que porão à prova a amizade entre o trio, criando sequências de profundo desalento e transformando-os irreversivelmente em adultos.


A decisão de dividir esta última aventura em dois filmes, motivada ou não por razões financeiras, traz como saldo positivo a possibilidade de uma história mais encorpada e coesa, sem os cortes radicais que marcaram as adaptações anteriores. Como Rowling é pródiga em adicionar à trama central uma enorme quantidade de subtramas e personagens secundários, a cada filme ficava mais azeda a discussão sobre o que foi deixado de fora. Discussão essa que certamente será bem menos acirrada em relação a este longa. Claro que o filme é intensamente referencial aos anteriores, mas a essa altura da história não dá mais para ficar pensando em um espectador ocasional e muito menos julgar o longa por seus méritos puramente cinematográficos. Não que tais méritos não existam: eles estão na tela, e em abundância, mas o que mais impressiona neste sétimo filme é sua extrema adequação em termos de adaptação.

A parceria entre o diretor Yates, que comanda a franquia pela terceira vez, e Steve Kloves, roteirista de todos os filmes da série – com exceção de Harry Potter e a Ordem da Fênix – resulta em um filme maduro e bem estruturado, e que se equilibra com louvor entre injetar tensão ou criar uma atmosfera melancólica, conforme a necessidade do momento. O português Eduardo Serra, fotógrafo do belo Moça com Brinco de Pérola, assina a arrojada e sombria fotografia, enquanto o cultuado Alexandre Desplat se encarrega da trilha sonora. Somando-se esses talentos ao sempre eficientíssimo time de efeitos visuais, o produto final é perfeito em todos os aspectos técnicos. Sem contar que pela primeira vez um dos filmes da série traz uma sequência em animação – muito bem encaixada, por sinal. Outra característica marcante da série é a constante aquisição de grandes atores britânicos a cada longa. Neste capítulo, somam-se ao já consagrado elenco que conta com feras como Alan Rickman, Ralph Fiennes e Helena Bonham Carter os nomes de Rhys Ifans, John Hurt e Bill Nighy. Já o trio central formado por Daniel Radcliffe, Emma Watson e Rupert Grint demonstra amadurecimento artístico e entrega boas interpretações em cenas dramáticas, com destaque especial para Grint.


Desde que a obra de Rowling começou a ser adaptada para o cinema, os filmes vem seguindo uma evolução constante, o que faz com que o mais recente seja sempre mais emocionante e bem-resolvido que o anterior. E Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1 não decepciona; pelo contrário, apenas eleva ainda mais o nível das expectativas para sua segunda parte, quando finalmente se encerrará a saga do menino bruxo. Afinal de contas, quando um filme deixa o espectador tão grudado na tela que duas horas e meia parecem quinze minutos, podemos considerar que os objetivos foram atingidos. Sem contar que a cena que encerra esta primeira parte não poderia ser melhor. Esperemos agora que a metade final, que tem estreia prevista para 15 de julho de 2011, esteja à altura deste seu bravo predecessor.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

United States of Tara


Como não tenho TV a cabo, muitas vezes tardo um pouco para me inteirar das novidades em termos de séries. Por isso a demora em conhecer a ótima United States of Tara. Criada por Diablo Cody – a oscarizada roteirista de Juno –, a trama é centrada em Tara Gregson, uma mulher casada e mãe de dois adolescentes que sofre de TDI (transtorno dissociativo de identidade), ou seja, tem múltipla personalidade. A série inicia quando Tara e o marido Max resolvem que ela precisa dar um tempo na medicação e se autoconhecer, o que tem como efeito colateral deixar afluir seus outros “alters”: Alice, dona de casa eficiente e ultraconservadora; T., adolescente rebelde de 16 anos; e Buck, um veterano do Vietnã machão.

O assunto da família disfuncional certamente se esgotaria logo na primeira temporada (e a série acaba de encerrar sua segunda) não fossem as boas subtramas secundárias e o excelente elenco. Toni Collette está sensacional no papel-título, conseguindo alcançar estados bastante diferenciados para cada personalidade e, ao mesmo tempo, mantendo uma certa unidade, como se a verdadeira Tara sempre estivesse subjacente. Não foi à toa que a atriz ganhou um Emmy em 2009 e o Globo de Ouro e o SAG deste ano. O sempre simpático John Corbertt interpreta Max, o maridão que ama a esposa acima de todas as suas loucuras e a boa química entre os atores e a sinceridade com que seus personagens são mostrados fazem com que o público se apaixone pelo casal. No elenco coadjuvante, destaca-se Rosemarie DeWitt como Charmaine, a irmã que sempre viveu à sombra de Tara e suas complicações.

Para quem ainda não conhece, fica a dica.

Toni Collette como suas múltiplas personagens. Da esquerda para a direita, Tara, T., Buck e Alice.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Sentimento de Culpa


A diretora e roteirista Nicole Holofcener tem uma visão bastante sarcástica dos relacionamentos pessoais e das contradições básicas do ser humano. Egressa da televisão, tendo dirigido alguns capítulos do seriado Sex and the City, o primeiro longa de Nicole a dar as caras por aqui, há três anos, foi Amigas com Dinheiro, uma peculiar história sobre três mulheres casadas e aparentemente bem-sucedidas que mal disfarçavam a inveja da amiga solteira afundada em dívidas.

Em Sentimento de Culpa, como o título em português já escancara, a cineasta volta suas lentes para a culpa. Kate e Alex tem uma loja de móveis antigos e abastecem seu estoque graças a pessoas que perderam seus familiares e querem se desfazer de seus pertences, na maioria das vezes sem terem a mínima noção de que aquelas “velharias” são artigos raros. Para aplacar seu incômodo em estar lucrando com a desgraça alheia, Kate não consegue negar esmola a nenhum desabrigado e inscreve-se em trabalhos voluntários, mas não quer comprar um jeans caro para a filha adolescente e cheia de problemas de auto-estima. Kate e Alex também se sentem mal por terem comprado o apartamento vizinho, onde mora a nonagenária Andra, e agora estarem ansiosos para que ela morra e eles possam finalmente dar início à tão sonhada reforma.

Lidando com personagens essencialmente bons, mas cheios de ambiguidades morais, o roteiro constrói um mosaico bem sincero e divertido da culpa burguesa de uma classe média que anseia desesperadamente dar vazão aos seus instintos consumistas e, ao mesmo tempo, tentar conviver com a própria consciência. E o impulso de contribuição social é gerado pelo já citado sentimento de culpa e não por um desejo genuíno de ajudar ao próximo – Kate, aliás, lembra a personagem de Goldie Hawn em Todos Dizem Eu Te Amo. Mas não é apenas a culpa que está na berlinda, também tem vez no longa outras atitudes dúbias e essencialmente humanas, como, por exemplo, a garota bonita e descolada que não consegue aceitar o fato de ter sido trocada por alguém que ela considera de aparência pior do que a sua e passa a perseguir a rival.


Catherine Keener, que já havia trabalhado com Nicole Holofcener com Amigas com Dinheiro, está cada vez mais madura como atriz e dá muitas nuances a Kate, personagem que poderia facilmente cair na caricatura, se interpretado de modo menos habilidoso. Também chamam a atenção Amanda Peet e Rebecca Hall como as netas de Andra, irmãs de personalidades totalmente opostas. Enquanto a Mary de Amanda não suporta a avó, mas é incrivelmente parecida com ela em suas rabugices e obsessões recorrentes, a doce Rebecca vive para ser legal com os outros. E não podemos deixar de destacar as igualmente ótimas Sarah Steele, que interpreta a adolescente Abby, e Ann Guilbert, a nonagenária rabugenta.

O único problema de Sentimento de Culpa é que o filme é demasiado linear em sua abordagem. Ainda que tenha méritos indiscutíveis, como o de colocar em pauta questões importantes com leveza e bom humor, e seja muito bem amparado pelo ótimo elenco, ainda assim, ao final da projeção, o espectador pode ficar com a sensação de que ficou faltando no conjunto aquele “quê” a mais. E ficou mesmo. O filme promete muito, mas o resultado final acaba sendo apenas simpático. De todo modo, vale uma conferida.

Estreou hoje.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Atração Perigosa


Ben Affleck, quem diria, é uma caixinha de surpresas. Lá nos idos de 1998, entrou em Hollywood pela porta da frente, vencendo um Oscar em parceria com o amigo Matt Damon (melhor roteiro original, por Gênio Indomável). Só que, depois disso, as coisas foram saindo dos trilhos em sua carreira. Fez péssimas escolhas como ator (Armageddon e Pearl Harbor são apenas dois exemplos dentre tantos), não escrevia mais roteiros e ainda se meteu num romance escandaloso com Jennifer Lopez. E eis que, quando todo mundo achava que o sujeito estava acabado, ele se reinventa como diretor. E dos bons. Seu dèbut em longas foi há três anos, com o filmaço Medo da Verdade, um noir instigante baseado em Dennis Lehane e adaptado para a telona pelo próprio Affleck. Com este Atração Perigosa (lamentável título em português para The Town), Ben Affleck prova que o resultado obtido com seu longa anterior não foi mera sorte de principiante.

Baseado no livro Prince of Thieves, de Chuck Hogan, o filme abre com dados estatísticos sobre o fato de Charlestown, Boston, ser a capital de roubos a carros-fortes, profissão que, muitas vezes, passa de pai para filho na região. Affleck é Doug McRay, o “cérebro” de um pequeno bando de assaltantes, todos eles de descendência irlandesa e amigos de infância. Após um bem-sucedido assalto a um banco, o grupo começa a ficar apreensivo ao descobrir que Claire, a jovem gerente que havia sido feita de refém, mora na vizinhança. Doug toma para si a tarefa de sondar a moça. Oficialmente, por ser o mais sensato da gangue; na real, por estar atraído por ela desde o dia do assalto. Como o espectador já pode prever desde o primeiro olhar, Doug e Claire se envolverão, o que só reforçará a vontade dele de dar um basta na sucessão de golpes que é sua vida.

Antes de qualquer coisa, é preciso esclarecer que, como trama, o filme não apresenta absolutamente nada de novo. Segue quase uma cartilha do gênero, com elementos batidos como a figura do marginal que tenta mudar de vida, mas tem suas escolhas dificultadas pelo meio e pelas companhias; a pressão do melhor amigo criminoso a quem ele deve grandes favores; a mocinha que se apaixona sem conhecer sua vida pregressa; e, claro, o famoso apelo de realizar um “último trabalho” antes de parar. Mas, estranhamente, todos esses clichês são trabalhados com frescor graças à excelente direção de Ben Affleck, tanto no que diz respeito a obter o melhor de seu elenco como nas empolgantes cenas de ação. Adicionando-se a esta direção segura uma edição precisa e um roteiro bem azeitado, o resultado final é um filme que se destaca pela competência, usando a seu favor até mesmo as limitações de um ator como Jeremy Renner, que parece estar se especializando em tipos brutamontes e de pavio curto. E o próprio Affleck se sai bem no papel principal, embora quem roube a cena seja sempre Rebecca Hall.


Atração Perigosa não chega a estar no mesmo nível de Medo da Verdade, mas é um ótimo thriller de ação e um mais um degrau no caminho de Ben Affleck rumo a um novo e mais elevado patamar. Bom para ele. E para todos nós, que temos mais um talento promissor para ficar de olho.

Sexta-feira nos cinemas.

sábado, 9 de outubro de 2010

62 na disputa por um Oscar


Um total de 62 países inscreveram seus representantes na corrida por uma indicação ao Oscar 2011 na categoria Melhor Filme em Língua Estrangeira, ou seja, não falado em inglês. Muitos bons filmes vistos recentemente no Festival do Rio brigam por uma vaga, como é o caso do argentino Carancho, do chileno A Vida dos Peixes e do italiano A Primeira Coisa Bela.

Confiram a lista completa:

Afeganistão: Black Tulip, de Sonia Nassery Cole
África do Sul: Life Above All, de Oliver Schmitz
Albânia: East, West, East: The Final Sprint, de Gjergj Xhuvani
Alemanha: When We Leave, de Feo Aladag
Argélia: Outside the Law, de Rachid Bouchareb
Áustria: La Pivellina, de Tizza Covi e Rainer Frimmel
Argentina: Carancho, de Pablo Trapero
Azerbaijão: The Precinct, de Ilgar Safat
Bangladesh: Third Person Singular Number, de Mostofa Sarwar Farooki
Bélgica: Illegal, de Olivier Masset-Depasse
Bosnia e Herzegovina: Cirkus Columbia, de Danis Tanovic
Brasil: Lula, o Filho do Brasil, de Fábio Barreto
Bulgária: Eastern Plays, de Kamen Kalev
Canadá: Incendies, de Denis Villeneuve
Cazaquistão: Strayed, de Akan Satayev
Chile: A Vida dos Peixes, de Matías Bize
China: Aftershock, de Feng Xiaogang
Colômbia: Crab Trap, de Oscar Ruíz Navia
Coreia do Sul: A Barefoot Dream, de Kim Tae-gyun
Costa Rica: Of Love and Other Demons, de Hilda Hidalgo
Croácia: The Blacks, de Goran Devic e Zvonimir Juric
Dinamarca: In a Better World, de Susanne Bier
Egito: Messages from the Sea, de Daoud Abdel Sayed
Eslováquia: The Border, de Jaroslav Vojtek
Eslovênia: 9:06, de Igor Sterk
Espanha: También la Lluvia, de Icíar Bollaín
Estônia: The Temptation of St. Tony, de Veiko Õunpuu
Filipinas: Noy, de Dondon Santos
Finlândia: Steam of Life, de Joonas Berghäll e Mika Hotakainen
França: Of Gods and Men, de Xavier Beauvois
Grécia: Dogtooth, de Yorgos Lanthimos
Holanda: Tirza, de Rudolf van den Berg
Hong Kong: Echoes of the Rainbow, de Alex Law
Hungria: Bibliothèque Pascal, de Szabolcs Hajdu
Islândia: Mamma Gógó, de Friðrik Þór Friðriksson
Índia: Peepli Live, de Anusha Rizvi
Indonésia: How Funny (This Country Is), de Deddy Mizwar
Irã: Farewell Baghdad, de Mehdi Naderi
Iraque: Son of Babylon, de Mohamed Al Daradji
Israel: The Human Resources Manager, de Eran Riklis
Itália: La Prima Cosa Bella, de Paolo Virzì
Japão: Confessions, de Tetsuya Nakashima
Letônia: Hong Kong Confidential, de Maris Martinsons
Macedônia: Mothers, de Milcho Manchevski
México: Biutiful, de Alejandro González Iñárritu
Nicarágua: La Yuma, de Florence Jaugey
Noruega: Angel, de Margreth Olin
Peru: Contracorriente, de Javier Fuentes-León
Polônia: All That I Love, de Jacek Borcuch
Porto Rico: Miente, de Rafi Mercado
Portugal: Morrer Como um Homem, de João Pedro Rodrigues
República Checa: Kawasaki‘s Rose, de Jan Hrebejk
Romêmia: If I Want to Whistle, I Whistle, de Florin Serban
Rússia: The Edge, de Alexei Uchitel
Sérvia: Solemn Promise, de Srdjan Karanovic
Suécia: Simple Simon, de Andreas Öhman
Suíça: La Petite Chambre, de Stéphanie Chuat e Véronique Reymond
Taiwan: Monga, de Doze Niu
Tailândia: Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives, de Apichatpong Weerasethakul
Turquia: Honey, de Semih Kaplanoglu
Uruguai: La Vida Útil, de Federico Veiroj
Venezuela: Hermano, de Marcel Rasquin

10+ e 10-


Terminado o Festival, é hora de listar os filmes que mais impressionaram e irritaram na sala escura. Lembrando mais uma vez que a lista abaixo é totalmente subjetiva, o que pode acarretar que filmes que as pessoas consideram bons estejam na lista dos 10-, assim como na dos 10+ podem figurar produções que só eu gostei. 

Posto isso, seguem abaixo minhas pérolas e abacaxis: 

10+

1. Machete
2. A Woman, a Gun and a Noodle Shop
3. Minhas Mães e Meu Pai
4. Dois Irmãos
5. Micmacs
6. A Primeira Coisa Bela
7. Somewhere
8. Carancho
9. Kaboom
10. The Killer Inside Me

10-

1. Rio Sex Comedy
2. O Jardim das Folhas Sagradas
3. O Errante
4. À Oeste de Plutão
5. Água Fria do Mar
6. A Invenção da Carne
7. Complexo: Universo Paralelo
8. O Pecado de Hadewijch
9. Trampolim do Forte
10. A Mulher Sem Piano

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Lope (filme de encerramento do Festival do Rio)


Há quem estranhe o fato desta coprodução entre Brasil e Espanha – e falada em espanhol – sobre o célebre dramaturgo Félix Lope de Vega ter sido entregue nas mãos de um brasileiro. Andrucha Waddington chegou ao filme através de um de seus roteiristas, que assistiu ao fabuloso Casa de Areia e, impressionado, pediu ao cineasta que lesse o roteiro de Lope. Andrucha se empolgou com o projeto e correu atrás de parceiros para realizá-lo. O resultado é um longa com surpreendente “sotaque” espanhol, não transparecendo nenhum cacoete de olhar estrangeiro sobre o tema.

A trama acompanha o início da carreira de Lope de Vega, sua dificuldade em conseguir que encenassem suas primeiras peças e também os primeiros dos muitos escândalos amorosos associados a seu nome. Na Madri no século XVI e recém-chegado da guerra, Lope entra no teatro pela porta dos fundos, como copista de uma das mais prestigiadas companhias teatrais. O todo-poderoso Velásquez reconhece que o subordinado é talentoso, mas reluta em dar-lhe uma chance porque o trabalho de Lope mistura tragédia com comédia e, portanto, vai contra os cânones teatrais da época.

Ao mesmo tempo em que realiza um filme bastante clássico, puro cinemão de época, Andrucha Waddington também conta a história de um espírito indomável e subversivo. Lope de Vega era, antes de tudo, um rebelde que se insurgiu não apenas contra a caretice teatral de seu tempo, mas também contra as hipocrisias sociais vigentes. E pagou um preço por isso. Justamente quando começava a ser reconhecido, o dramaturgo caiu em desgraça por conta de seus ímpetos passionais e foi acusado de diversos crimes de ordem moral.

Tecnicamente, Lope é perfeito. A fotografia de tons escuros é deslumbrante, chegando a lembrar o estilo das pinturas de Velásquez (o mestre da pintura, não o personagem do filme), e ajuda muito o espectador a entrar no clima da época retratada. Assim como a direção de arte e as locações bacanérrimas. OK, o longa não inova muito em termos de estrutura narrativa e é bastante convencional como cinema, mas todo esse tradicionalismo não chega a ser um defeito quando é realizado com competência. E isso é inquestionável no trabalho de Andrucha Waddington que, com esse filme, prova que está pronto para encarar a direção de qualquer produção em qualquer parte do mundo.

Uma curiosidade: Lope chegou a ser considerado para representar a Espanha no Oscar, mas acabou preterido por También la Lluvia, de Iciar Bollaín.

Lope (idem), de Andrucha Waddington. ESP / BRA, 2010. 106 minutos. Mostra Panorama do Cinema Mundial

Nota: 8,0

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

The Killer Inside Me


Interessantíssimo thriller salpicado de humor negro dirigido por Michael Winterbottom, cineasta mais conhecido por filmes de cunho político, como O Caminho para Guantanamo e O Preço da Coragem. Casey Affleck (estupendo no papel) é Lou Ford, xerife assistente em uma cidadezinha do Texas. Visto por todos como um rapaz educado e certinho, Lou esconde por trás dessa fachada respeitável um temperamento doentio e violento. Mas até quando ele conseguirá esconder da população esse seu lado pervertido?

Baseado no romance homônimo de Jim Thompson, The Killer Inside Me é uma metralhadora giratória de surpresas. Desde a primeira e inesperada manifestação do lado criminoso de Lou, o espectador é surpreendido cada vez mais pelo crescendo de loucura e insanidade do personagem. Claro que ficaria muito difícil embarcar nessa viagem tão pouco verossímil se não fosse a interpretação explosiva de Casey Affleck, convincente tanto na fachada de bom-moço como nas manifestações homicidas, e melhor ainda nos momentos de deboche e sarcasmo diante das autoridades. Apenas o desfecho deixa um pouco a desejar e parece “pobre” em comparação ao restante do filme, mas nada que chegue a apagar da memória o prazer mórbido de se divertir com esse original e bizarro filme. Vale a pena.

The Killer Inside Me (idem), de Michael Winterbottom. UK / EUA, 2010. 120 minutos. Mostra Panorama do Cinema Mundial

Nota: 8,5

O Pecado de Hadewijch


Céline é uma estudante de teologia tão obcecada em sua busca espiritual que as freiras do convento onde estuda acham por bem mandá-la de volta ao mundo, já que seu radicalismo as assusta. Logo no início do filme, a madre superiora lhe adverte: “para nós, você é uma caricatura de religiosa”. A personagem não poderia estar mais certa, já que a menina se mostrará cada vez mais surtada em algo que ela considera amor cristão. Descobrimos que Céline é uma garota rica, cujo pai é ministro e lhe causa desprezo, e que não tem outro interesse que não seja religião, mas de uma maneira radical e autodestrutiva. Nem mesmo o afeto de Yassine, jovem mulçumano da periferia, lhe desviará dessa rota perigosa, já que ela deixa claro para o rapaz que não quer namorar e pretende ter Cristo como seu único amor.

Não bastasse a personagem central ser extremamente irritante em seu fanatismo, o filme ainda é desinteressante e de um ritmo muito arrastado. Depois de uns quinze minutos, eu tinha vontade de sair correndo cada vez que via a personagem com seus ombros caídos e cara de mártir. Algumas cenas parecem totalmente isoladas de outras, faltando uma melhor conexão entre as passagens da história. Um exemplo disso é o personagem que aparece chegando ao presídio logo no início da trama e depois desaparece o filme inteiro para só retornar quase no desfecho e de uma maneira muito súbita, como se jogado de pára-quedas no meio do conflito. Também as ações de Céline com o irmão de Yassine são vagas, o desenvolvimento de todos os personagens deixa a desejar, enfim, o que poderia render de realmente interessante, que é a discussão dos limites entre fé e fanatismo, acaba se perdendo em uma trama que carece de foco e clareza. Provavelmente vai ter um monte de gente encontrando metáforas geniais no filme. Eu achei aborrecido, confuso e pretensioso.

O Pecado de Hadewijch (Hadewijch), de Bruno Dumont. França, 2009. 105 minutos. Mostras Panorama / A Humanidade de Acordo com Bruno Dumont

Nota: 3,0

Festival do Rio 2010 - Os Premiados


Embora só termine de fato amanhã, o Festival do Rio já anunciou seus premiados na noite de ontem. O júri oficial da mostra competitiva - presidido por Gustavo Dahl, Bruna Lombardi, Jorge Sanchez e Leonardo Monteiro de Barros – elegeu os seguintes vencedores:

Melhor Longa de Ficção- VIPs, de Toniko Melo (SP)
Melhor Longa Documentário - Diário de uma busca, de Flávia Castro (RS)
Melhor Curta - Vento, de Marcio Salem (SP)
Melhor Direção - Charly Braun, por Além da Estrada
Melhor Ator - Wagner Moura, por VIPs
Melhor Atriz - Karine Teles, por Riscado
Melhor Atriz Coadjuvante - Gisele Fróes, por VIPs
Melhor Ator Coadjuvante - Jorge D'Elia, por VIPs
Melhor Roteiro – Marcelo Laffitte - Elvis e Madona
Melhor Montagem - Vania Debs, por Boca do Lixo
Melhor Fotografia - Adrian Tejido, por Boca do Lixo
Prêmio Especial do júri - Curta metragem Geral, de Anna Azevedo

Pelo Voto Popular:

Melhor longa de ficção - Senhor do Labirinto, de Geraldo Motta e Gisella de Mello
Melhor longa documentário - Positivas, de Susanna Lira
Melhor curta-metragem – Um outro ensaio, de Natara Ney

E ainda:

Melhor Filme da Mostra Novos Rumos – Paranã-puca, onde o mar se arrebenta, de Jura Capela
Melhor filme latinoamericano pelo júri Fipresci - Diário de uma busca, de Flávia Castro

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Rubber


Segundo o IMDb, Quentin Dupiex dirigiu dois outros filmes antes de Rubber, ambos com títulos igualmente sugestivos: Nonfilm, em 2001, e Steak, em 2007. O argumento deste seu terceiro longa é bastante criativo, e teria tudo para ser um dos filmes mais interessantes da década... Desde que fosse um curta-metragem. Mais Dupiex resolveu fazer um longa com uma história que não tinha fôlego para tanto e o resultado foi que, da metade para o fim, Rubber tem que apelar cada vez mais para a embromation. A brincadeira metalinguística sobre um grupo de espectadores que se reúne no meio do deserto para assistir de binóculos a um filme dentro do filme sobre um pneu com poderes telepáticos e instintos assassinos se esgota rapidamente, até mesmo por conta do absurdo extremo da situação. O que realmente é uma pena, porque as piadas sobre a sétima arte são bem legais, em especial o prólogo onde um personagem explica o fato de todos os filmes terem uma boa dose do elemento “sem motivo”, justificando na maior cara-dura toda e qualquer coisa sem explicação que venha a acontecer depois.

Rubber (idem) de Quentin Dupieux. França, 2010. 84 minutos. Mostra Midnight Movies

Nota: 6,0

Carancho


Ei-lo, o filme escolhido pela Argentina para concorrer ao Oscar 2011. Desta vez, Ricardo Darín deixa seu habitual parceiro Campanella para reunir-se a outro grande nome do cinema portenho atual, Pablo Trapero. O assunto que o filme aborda é explosivo: a poderosa máfia que se aproveita de pessoas fragilizadas por acidentes para explorá-las em seu momento de maior vulnerabilidade. Darín é Sosa, um “carancho”, advogado decadente que percorre setores de emergência de hospitais, delegacias e até velórios em busca de vítimas em potencial. Uma vez obtida a procuração, a agência para a qual Sosa trabalha fica com a maior parte da indenização e dá apenas uma pequena parcela ao real beneficiário.

Dois eventos quase simultâneos fazem com que Sosa comece a questionar o modo como ganha a vida: uma tramóia que dá errado e sua inesperada paixão pela paramédica Luján. Mas, como costuma acontecer em todo filme de mafiosos, deixar o passado para trás não é algo tão simples assim. O filme se inicia bebendo nas fontes do noir, com um ritmo mais pausado e cenas de muita intensidade emocional contida entre Darín e a igualmente ótima Martina Gusman. A relação entre os personagens é tensa, ambos tem suas feridas particulares e suas dificuldades para se entregar a uma relação. Conforme o longa avança e as coisas se complicam para o casal, o ritmo do filme vai acelerando e a violência vai ficando cada vez mais explícita. O único problema é que Trapero exagera um pouco nessa aceleração, o que faz com que vários detalhes da trama não possam ser bem entendidos pelo espectador, tamanha a velocidade com que os momentos finais são mostrados.

A despeito disso, Carancho é daqueles filmes que ficam na cabeça. Talvez pela inédita reunião de dois talentos como Ricardo Darín e Martina Gusman, que estão fantásticos em seus papéis. Talvez pelo argumento interessantíssimo. Talvez por um pouco de cada coisa. Não está no mesmo nível que O Segredo dos Seus Olhos, mas com certeza tem mais chances no Oscar do que o candidato daqui do Brasil.

Carancho (idem), de Pablo Trapero. ARG/FRA/CHI, 2010. 107 minutos. Mostra Foco Argentina

Nota: 8,5

domingo, 3 de outubro de 2010

Que Mais Posso Querer


Filme apenas regular de Silvio Soldini, que dirigiu há exatos dez anos o encantador Pão e Tulipas. A protagonista da trama é Anna, contadora que tem um casamento estável e tranquilo com Alessio. Depois do nascimento do sobrinho, ela começa a sentir-se pressionada pela família e pelo marido a engravidar também. Sua válvula de escape acaba sendo envolver-se com Domenico, também casado e pai de dois filhos. A atração entre os dois aumenta na mesma medida do sentimento de culpa, e não tarda até que eles se vejam na obrigação de tomar uma decisão.

Embora levante algumas questões afetivas interessantes, o filme não chega a empolgar. Provavelmente pelo fato de não apresentar nada de novo ao mostrar o velho dilema humano entre o afeto garantido do parceiro fixo e a emoção de voltar a sentir-se desejado de uma maneira mais intensa. O relacionamento entre Anna e Domenico os atinge como uma droga, que faz com que eles tomem decisões egoístas ou intempestivas para, logo depois, sofrerem com o inevitável remorso. A abordagem do longa não faz juízo de valores e evita condenar ou absolver os personagens. Trata-se de um trabalho correto e bem-dirigido, mas esquecível. Esperava mais.

Que Mais Posso Querer (Cosa Voglio di Più), de Silvio Soldini. Itália, 2010. 126 minutos. Mostra Panorama do Cinema Mundial

Nota: 5,0

Bom Apetite


Daniel, jovem chef espanhol, acaba de conseguir o emprego que tanto almejava em um famoso restaurante suíço. Logo se torna amigo de Hugo, jovem italiano que é o braço direito do patrão, e Hanna, uma sommelière alemã. Os três se tornam inseparáveis e Daniel percebe que está se apaixonando por Hanna, mas descobre que ela é amante de Thomas, o dono do restaurante, e fica indeciso entre investir na paixão ou evitar confusões que o prejudiquem profissionalmente.

Existe uma fórmula para filmes ambientados no mundo da alta gastronomia, sempre envolvendo cozinheiros temperamentais, estresse em doses cavalares e, sobretudo, muitas puxadas de tapete entre os competitivos talentos culinários. O primeiro mérito de Bom Apetite é flertar com esses clichês, mas não se deixar contaminar por eles. O maior antagonista de Daniel não é o patrão nem seus colegas, mas sim ele próprio e sua ambição. Isso fica claro ao contrastar a postura de Hugo (que não faz o que lhe pesa na consciência, independente das ordens que recebe) com a de Daniel, que teme a toda hora colocar em risco o emprego que tanto sonhou. O problema é que muitas vezes o que tanto desejamos não é o que realmente importa e isso é uma descoberta que só se faz na prática. E o filme é desenvolvido com bastante sinceridade em torno desse personagem imperfeito e humano.

David Pinillos, em seu primeiro longa-metragem, dá sinais de que é um nome para o qual devemos estar atentos futuramente. Vale destacar, ainda, o ótimo título em inglês do filme: Recipes for Friends Who Kiss (receitas para amigos que se beijam).

Bom Apetite (Bon Appétit), de David Pinillos. ESP / ALE / SUI, 2010. 90 minutos. Mostra Expectativa 2010

Nota: 7,0

Beijos


Eu não costumo assistir aos filmes da Mostra Geração, por geralmente serem alvo de grandes hordas de menores ruidosos, mas tive a sorte de entrar numa sessão extra (e, portanto, vazia) deste bonitinho filme irlandês sobre a perda da inocência. Os pré-adolescentes Dylan e Kylie são vizinhos em um conjunto habitacional na periferia de Dublin, e ambos enfrentam uma dura realidade dentro de casa. O pai de Dylan é alcoólatra e vive agredindo ele e a mãe. Já Kylie sofre abusos de um tio e ninguém parece notar (ou se importar). O misto de amizade e primeiro amor que une os dois faz com que fujam de casa juntos depois que Kylie ajuda Dylan a escapar de mais uma surra do pai. A idéia é chegar ao centro da cidade para procurar o irmão mais velho de Dylan, que saiu de casa há dois anos e nunca mais deu notícias.

O filme lembra bastante a estrutura do clássico Conta Comigo, ao embarcar junto com os protagonistas numa viagem que simboliza muito mais do que as aventuras e perigos vividos, mas uma mudança interna também. Nessa noite especial, os dois deixam de ser crianças e se tornam mais unidos do que nunca. Também é muito bacana como os diálogos são escritos com o tom cheio de curiosidade e com a lógica própria de personagens daquela idade. As discussões sobre Deus e o Diabo, os questionamentos sobre namoro e casamento, o espanto diante de uma realidade nova, a curiosidade em saber quem é Bob Dylan, enfim, todo um leque de novas possibilidades se desenrola diante daqueles jovens pela primeira vez e o filme capta esse espírito com muita naturalidade. E os protagonistas são uma graça, especialmente a menina Kelly O’Neill. Resumindo? Beijos pode até não conter muita novidade, mas demonstra competência dentro do que se propõe a fazer.

Beijos (Kisses), de Lance Daly. Irlanda / Suécia, 2008. 72 minutos. Mostra Geração

Nota: 7,0

Quebra-Cabeça


Mais um filme que prova a capacidade dos cineastas argentinos de dar vida a uma trama a partir de qualquer argumento. Neste caso, a partir da descoberta de uma dona de casa do gosto por montar quebra-cabeças. Maria del Carmen é uma mulher de meia-idade que dedicou a vida a cuidar do marido e dos filhos, sem nunca ter encontrado uma identidade própria. Quando ganha um quebra-cabeça de presente de aniversário, descobre, ao mesmo tempo, uma habilidade e uma paixão. Torna-se obcecada pelo passatempo e conhece Roberto, um rico solteirão que procura uma parceira para participar de um torneio.

A diretora estreante Natalia Smirnoff cria uma interessante analogia da descoberta da sexualidade com esse filme. Afinal de contas, o inocente passatempo passa a simbolizar para Maria um prazer proibido, quase uma traição à família. Ela esconde as provas de sua traição debaixo do sofá, mente sem necessidade e dedica cada segundo livre a sua recém-descoberta paixão. E a família, por outro lado, vai se adaptando a essa nova mulher, provando que as pessoas sempre são mais pesadas quando encontram quem lhes carregue.

Justamente por conta dessa abordagem inteligente, é um pouco decepcionante quando o filme cai na armadilha de adicionar outro ponto de interesse à nova Maria. Aí o que era original vira lugar-comum. O desfecho também é frustrante, deixando uma impressão de que o roteiro foi escrito até determinado ponto e, a partir dali, a diretora teve que improvisar um final qualquer. É uma pena que um longa tão interessante entre nessa curva descendente em sua meia hora final.

Quebra-Cabeça (Rompecabezas), de Natalia Smirnoff. ARG/FRA, 2009. 88 minutos. Mostra Foco Argentina

Nota: 6,0

Micmacs


A filmografia de Jean-Pierre Jeunet não é tão extensa como se pode pressupor por sua fama. Na verdade, Jeunet mantém o prestígio com um grande filme a cada dez anos. Façamos as contas: em 1991 o cineasta causa sensação em seu longa de estreia, o surreal Delicatessen. Depois, realiza apenas Ladrão de Sonhos e o tropeço Alien: A Ressurreição antes de voltar a conquistar o mundo em 2001 com um dos filmes franceses mais queridos de todos os tempos, O Fabuloso Destino de Amélie Poulain. Desde então, realizou apenas Eterno Amor, em 2004, para somente agora voltar a fazer outro filme de primeira.

Com uma pegada de contos de fadas muito parecida com a de Amélie Poulain, Micmacs promove um encontro de personagens marginalizados por suas estranhezas. Basil é o típico azarado: ficou órfão ainda criança, quando sua casa foi explodida por uma mina; depois de adulto, é atingido por uma bala perdida e quase morre. Mais uma vez, as armas são responsáveis por seus dissabores. Após mais esse traumático acidente, Basil conhece um grupo que vive dentro de uma caverna e forma uma inusitada família, Cada um possui uma habilidade extraordinária, com talentos que vão desde a matemática até o contorcionismo. Com o apoio de seus novos amigos, Basil traça uma estratégia para infernizar os magnatas da indústria bélica que arruinaram sua vida.

Micmacs é uma espécie de desenho animado com gente de carne e osso, fazendo graça através de situações cartunescas e flertando com o teatro do absurdo. Mas o filme também possui uma incontestável porção de doçura e encontra espaço até para a crítica social. Falar mais sobre o filme seria um desserviço, já que o gostoso é ir se surpreendendo com as soluções bizarras e divertidas de Basil e sua trupe para tirar o sono dos vilões. Realmente valeu a pena esperar pelo “filme Jeunet” da década, já que Micmacs é desses longas que conseguem deixar um sorriso estampado no rosto do espectador mais mal-humorado. Mas bem que o cineasta poderia realizar seu próximo trabalho bacana antes de 2020.

Micmacs (idem), de Jean-Pierre Jeunet. França, 2009. 105 minutos. Mostra Panorama do Cinema Mundial

Nota: 9,0

O Bolo


Um curta que agradou muito a plateia do Odeon na última quinta-feira foi O Bolo, de Robert Guimarães. Nele, a sempre ótima Fabiula Nascimento é uma empregada doméstica 100% evangélica que solta a franga depois de comer um bolo de chocolate "batizado" da geladeira do patrão. O argumento é simplérrimo, mas Fabiula dá um verdadeiro show de graça e boa interpretação com as alucinações de sua personagem. O filme ainda tem participações divertidas de Flavio Bauraqui e Eriberto Leão.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Mais dois...


Dois filmes que eu vi, mas acabei não comentando foram Minhas Mães e Meu Pai e Essential Killing. O primeiro é tudo isso que tão falando, sim. O filme alternativo do ano, que deve agradar a gregos e troianos e ultrapassar as fronteiras do circuitinho e talvez, quem sabe, ganhar o tapete vermelho do Oscar. Com toda certeza fará o mesmo sucesso que outras pérolas do mesmo naipe, como Juno e Pequena Miss Sunshine. Julianne Moore e Annette Bening dispensam comentários, maravilhosas e absolutas como o casal de lésbicas que sente a estrutura familiar abalada quando os filhos começam a querer conviver com o pai biológico. Também estão ótimos Mark Ruffalo e os adolescentes Josh Hutcherson e Mia Wasikowska (a Alice do Tim Burton). É daqueles filmes que te deixam feliz quando as luzes se acendem. Só faltou um título menos pavoroso em português para The Kids Are All Right. A nota seria 9,0.

Já o igualmente badalado Essential Killing não me convenceu. Embora seja um fantástico exercício de estilo, com imagens fabulosas e uma utilização visceral da trilha sonora, sei lá, talvez tenha sido justamente por essa estética expressionista que eu não consegui me envolver com o filme. Está certo que a degradação física e moral do personagem de Vincent Gallo (sim, aquele do The Brown Bunny, lembram?) é assombrosa, mas, ainda assim, eu oscilava o tempo todo entre achar o filme genial ou enfadonho. A nota seria 6,0.

Como Esquecer


Algumas pessoas estão comparando este filme com As Horas. A correlação até existe pelo modo de enfocar a desesperança e também pelas referências literárias, mas são dois longas com estruturas dramáticas bem distintas. Enquanto o filme de Stephen Daldry cria alguns mistérios envolvendo suas três protagonistas, a narrativa deste Como Esquecer é mais linear e previsível. Ana Paula Arósio é Júlia, professora universitária de literatura que não consegue suportar o fim de sua relação de dez anos com Antonia. A trama acompanha sua devastação emocional e suas dificuldades de readaptação, no que lembra um pouco o recente Direito de Amar.

Embora seja um filme muito bonito e que dialogue com a literatura, o excesso de narrações em off feitos pela protagonista e os diálogos estilizados incomodam um pouco. Essa falta de naturalismo tem uma razão de ser, é claro, já que Julia é retratada não apenas como professora de literatura, mas como a própria heroína romântica que tenta descrever em suas aulas. Ainda assim, em termos de sétima arte, as frases feitas e rebuscadas não soam muito naturais e isso às vezes acaba comprometendo o nosso envolvimento com a história. Em compensação, a ótima atuação do elenco como um todo traz o espectador de volta para o olho do furacão. Destaque para a cuidadosa aproximação entre as personagens de Ana Paula Arósio e Arieta Corrêa e também para Murilo Rosa, que se sai muito bem com um personagem que costuma ser uma armadilha: o “amigo gay”. Murilo evita o caminho do riso fácil e cria um tipo divertido, porém cheio de nuances.

De todo modo, é sempre muito saudável ver um filme brasileiro que ousa não rezar pela cartilha dos temas recorrentes da nossa sétima arte: miséria, nordeste, tráfico, violência urbana, enfim, o estilo de cinema pelo qual somos conhecidos no exterior. Só pela coragem de buscar uma história singela e de apelo universal, o filme já vale uma conferida.

Como Esquecer (idem), de Malu de Martino. BRA, 2010. 99 minutos. Première Brasil

Nota: 7,0

Dois Irmãos


Filme novo de Daniel Burman é sempre boa notícia. Depois da trilogia da perda – Esperando o Messias, O Abraço Partido e As Leis de Família – o cineasta argentino parece ter voltado seu olhar para a terceira idade, com o belo Ninho Vazio (2008) e agora com esse delicioso quitute agridoce que é Dois Irmãos. Rodado no Uruguai, o filme é inspirado no romance Villa Laura, de Sergio Dubcovsky, e enfoca uma relação cheia de implicância e interdependência entre dois irmãos na faixa dos sessenta anos: a egoísta Susana, que sempre fez tudo que bem quis, e Marcos, que sempre evitou bater de frente com ela e assumiu sozinho todos os ônus, como, por exemplo, os cuidados com a mãe idosa. Com a morte da mãe, Marcos é obrigado por Susana a se mudar para uma pequena vila no Uruguai, já que a irmã vende o apartamento onde ele vivia até então. Só que, mesmo privado de sua vida antiga, Marcos é um otimista e logo se integra à comunidade local e ingressa em um grupo de teatro, deixando a irmã furiosa.

Um olhar malicioso e cheio de ironia sobre as relações familiares, valorizado pelo ótimo roteiro e pelo sensacional desempenho dos atores Graciela Borges e Antonio Gasalla, intérpretes de Susana e Marcos. Susana, em especial, é tão humanamente mesquinha que chega a incomodar. As pequenas implicâncias, o sentimento de desprezo por tudo que o irmão faz e, sobretudo, as tentativas desesperadas de frear qualquer conquista individual que o liberte do domínio dela, enquanto, por contraste, o doce e passivo Marcos não só permite como também releva os destemperos da irmã, deixando claro que num relacionamento abusivo sempre há dois culpados. Tudo isso embalado por um humor muito sutil e personagens muito verdadeiros, tornando todo o filme extremamente prazeroso de ser assistido. Direção precisa, roteiro bem-acabado, enfim, mais um produto com a marca da qualidade e competência de Daniel Burman. Destaque para o momento em que Marcos, pela primeira vez, tem que improvisar e dizer suas próprias palavras. Libertador.

Dois Irmãos (Dos Hermanos), de Daniel Burman. ARG / URU / FRA, 2010. 105 minutos. Mostra Foco Argentina

Nota: 9,0

A Invenção da Carne


Mais um daqueles filmes que fazem você se perguntar onde, exatamente, o cineasta pretendia chegar. Uma viagem exploratória, onde o principal do enredo consiste em passear com a câmera lentamente pelos corpos dos personagens. Talvez o diretor Santiago Loza pense ser ele mesmo o responsável pela tal invenção da carne do título ou, ao menos, pela descoberta publicitária dela. O arremedo de roteiro gira em torno dos poucos comunicativos María e Mateo. Ela ganha a vida deixando-se examinar em aulas práticas de uma Escola de Medicina, e também parece gostar de atacar homens em banheiros públicos. Ele é um pálido estudante de medicina, aparentemente cheio de traumas que desconhecemos e problemas em definir sua sexualidade. Um dia, Mateo propõe a Maria que ela o acompanhe em uma viagem em troca de dinheiro. Sem maiores questionamentos, ela aceita e segue-o numa espécie de missão humanitária por lugares desolados. Apenas a senha para tomadas longas e contemplativas das paisagens e explorações pseudo-eróticas de cada pedaço de carne à mostra, fazendo tomadas de apelo sensual até mesmo das dobrinhas de um bebê (!). Pouco se fala no filme e menos ainda se conhece sobre os personagens e suas motivações. Saímos do cinema sabendo tanto deles quanto sabíamos ao entrar. Ou seja, nada. Quem viu Amargo, no Festival de 2009, sabe do tipo de filme que eu estou falando. Chato, muito chato.

A Invenção da Carne (La Invención de la Carne), de Santiago Loza. Argentina, 2009. 80 minutos. Mostra Foco Argentina

Nota: 2,0

Route Irish


Já tem um tempinho que Ken Loach não faz filmes tão contundentes como Meu Nome é Joe ou Pães e Rosas. Seus últimos longas, À Procura de Eric e Mundo Livre, eram o que se pode chamar de “engraçadinhos”. Portanto, era grande a expectativa por este Route Irish, que parecia prenunciar a volta do cineasta a um cinema mais substancial. O que é e não é verdade, porque, embora o longa realmente tenha esse peso maior devido ao seu tema, Loach acaba se atrapalhando todo e entrega um filme de ritmo confuso e pegada muito diferente da sua.

O protagonista é Fergus, ex-soldado que após dar baixa do exército se emprega no ramo da segurança privada no Iraque, atividade altamente lucrativa. De volta à sua cidade, Liverpool, Fergus recebe a notícia de que seu melhor amigo Frankie morreu na Route Irish, estrada iraquiana que é alvo de constantes atentados. Mas as explicações oficiais não convencem Fergus, que resolve tirar a limpo a história, ao mesmo tempo em que Rachel, esposa de Frankie, o culpa pela morte do marido, já que Frankie teria aceitado esse emprego por influência de Fergus.

A trama até que é interessante, o problema é que Loach a desenvolve de forma um tanto irregular. O filme começa meio arrastado e, de repente, em seu terço final, vira uma explosão de pancadaria que lembra muito mais os blockbusters americanos do que um filme de Ken Loach. Também não ajuda o fato dos personagens não inspirarem nenhuma empatia, deixando o espectador meio indiferente ao destino deles. A certa altura, quem fez o que já não importa muito e você fica com a clara impressão de que a única pessoa legal era o Frankie, que já estava morto antes que a trama começasse.

Route Irish (idem), de Ken Loach. UK / FRA / BEL / ITA / ESP, 2010. 109 minutos. Mostra Panorama do Cinema Mundial

Nota: 6,0

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Noite Estrelada no Odeon


No que talvez tenha sido a noite mais repleta de estrelas até agora, o Odeon abrigou nesta quinta-feira duas sessões concorridíssimas em sequência: a première de gala da Mostra Foco Argentina – cinematografia homenageada deste ano – apresentou o longa Dois Irmãos, de Daniel Burman. Foi seguida da exibição de Como Esquecer, filme brasileiro de Malu de Martino da Mostra Competitiva que tem Ana Paula Arósio, Murilo Rosa e Natália Lage no elenco.

A primeira sessão, às 19h15, contava com as presenças do diretor Daniel Burman e da grande dama do cinema argentino Graciela Borges, além de autoridades brasileiras e argentinas. A première brasileira, às 21h45, contava com grande parte do elenco e equipe técnica e foi precedida pelo divertido curta O Bolo, dirigido por Robert Guimarães e estrelado por Fabiula Nascimento e Flavio Bauraqui, que também passaram pelo tapete vermelho.

Confiram abaixo algumas fotos da noite:

Ilda Santiago, Graciela Borges e Daniel Burman antes da exibição de Dois Irmãos

Simpáticos, Graciela Borges e Daniel Burman posam para uma foto exclusiva

Malu de Martino com o elenco no tapete vermelho: Ana Paula Arósio (linda de cabelos curtos), Bianca Comparato, Natália Lage (atrás), Arieta Corrêa e Murilo Rosa

Dentro da sala de exibição, Malu, Fernanda Tavares com o marido Murilo, Arieta e Ana Paula

Robert Guimarães apresenta seu curta O Bolo ladeado por Fabiula Nascimento e Flavio Bauraqui

Elenco e equipe de Como Esquecer no palco pouco antes da exibição do filme

Malu, Arieta e Ana Paula após a sessão, felizes com a boa acolhida do filme pelo público