sábado, 29 de agosto de 2009

Os Normais 2 – A Noite Mais Maluca de Todas


É simples assim: quem morria de rir com Rui e Vani na telinha tem bons motivos para ir correndo assistir a Os Normais 2. Quem não era fã do seriado, talvez não ache lá muita graça. Os Normais 2 é puro revival, um filme feito para que o público mate a saudade dos inesquecíveis personagens de Fernanda Torres e Luiz Fernando Guimarães.

Enquanto Os Normais – O Filme voltou no tempo para contar como se conheceu o casal mais doido da televisão, esta sequência mostra Rui e Vani numa crise no relacionamento. Noivos há 13 anos, os dois vivem um período morno na relação. Depois de uma enquete promovida no banheiro feminino, Vani percebe que em pouco tempo sua vida sexual acabará de vez se ela não tomar uma providência para apimentar as coisas. Munida de coragem, decide conceder a Rui a satisfação de sua grande fantasia: sexo a três.

Se o seriado e o primeiro filme ainda tentavam manter um pé no cotidiano (mesmo sendo um cotidiano surreal, de duas pessoas alopradas), este segundo longa não faz nenhuma questão de ser realista. E talvez por isso mesmo seja tão engraçado, pelo humor desbocado, sem freios e livre de pudores. Com uma estrutura narrativa que parece uma versão esculhambada de Depois de Horas, a trama acompanha as desventuras de Rui e Vani ao longo de uma única noite – não à toa nomeada a mais maluca de todas. Até que o dia nasça outra vez, os dois terão passado pelas maiores roubadas e cometido as piores maluquices tentando viabilizar a tão sonhada sacanagem. Os créditos de abertura, com a dupla entoando Living La Vida Loca num karaokê decadente, já dão o tom do que está por vir. A letra do sucesso de Ricky Martin aparece alterada e cheio de trocadilhos sexuais. Assim como a conversa dos personagens com uma francesa e a tradução alternativa que eles fazem de certas palavras.

Uma das sequências mais engraçadas certamente é quando eles penetram numa festa porque acham que só uma mulher bissexual toparia ir para a cama com dois estranhos e um motorista de taxi dá a dica de que naquele local estava acontecendo uma comemoração para “uma menina que virou bi”. Verdadeira festa estranha com gente esquisita, como dizia aquela letra do Renato Russo. E, como eles descobrem da maneira mais dolorosa, a informação estava um pouquinho truncada. Mas tudo bem. Afinal de contas, eles saem de lá acompanhados de uma Claudia Raia que diz em alto e bom som que “toda mulher é bissexual, mas só algumas aproveitam”.

As participações especiais, aliás, dão um charme a mais ao filme. Tem desde Claudia Raia entalada numa banheira até Daniele Suzuki lutando kickboxer, passando por Zéu Brito dando dicas espirituais a uma Vani totalmente emaconhada. No comando da maluquice geral, Fernanda Torres e Luiz Fernando Guimarães dão show de talento e mostram que continuam afinadíssimos juntos. Claro que existe um ou outro momento over (até mesmo para o nível de loucura deles), mas nada que comprometa o bom ritmo e graça incontestável do longa. O filme é feito para divertir. E consegue, com louvor.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Tarantino no Brasil

A Paramount Pictures acaba de dar duas boas notícias para quem curte o trabalho de Quentin Tarantino: a primeira é que seu novo longa, Bastardos Inglórios, que tinha previsão de estreia para 23 de outubro, teve seu lançamento antecipado para o dia 9, com direito a première no encerramento do Festival do Rio, dois dias antes. A segunda - e mais surpreendente - é que o diretor virá em carne e osso para o evento. Tarantino chega ao Brasil no dia 5 de outubro para participar de entrevistas e comparecer à sessão do dia 7. Isso que eu chamo de fechar com chave de ouro o Festival do Rio.

Bastardos Inglórios teve pré-estreia mundial no Festival de Cannes, em maio, e foi lançado nos Estados Unidos e na Europa na última sexta-feira. Só em casa, o inusitado filme de guerra de Tarantino arrecadou US$ 37,6 milhões no primeiro fim de semana e se tornou a maior abertura do diretor até hoje. O longa, que tem no elenco Brad Pitt, Eli Roth, Daniel Bruhl e Diane Kruger, conta a história de um grupo de destemidos soldados judeus americanos que cometem os mais audaciosos atentados contra o Terceiro Reich e são nomeados pelos alemães de "Os Bastardos".

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Ilha do Medo só em 2010


Uma das melhores promessas do cinemão para 2009 teve seu lançamento adiado para o próximo ano: Ilha do Medo (Shutter Island). Por que o filme promete? Em primeiro lugar, porque é uma adaptação do sensacional livro Paciente 67, de Dennis Lehane. Para quem não está ligando o nome à pessoa, Lehane é simplesmente o melhor escritor de romances policiais da atualidade e sua obra já rendeu duas excelentes adaptações anteriores: Sobre Meninos e Lobos, de Clint Eastwood, dispensa maiores apresentações. Mas também há o ótimo e pouco visto Medo da Verdade, filmaço que ainda teve o mérito de transformar Ben Affleck em (bom) diretor. E se até Ben Affleck faz maravilhas com as tramas de Lehane, agora imaginem o que elas não podem render nas mãos calejadas de Martin Scorsese. Está aí o segundo fator para ficar de olhos bem abertos para o lançamento desse filme. Só é realmente uma pena que agora tenhamos que esperar até março de 2010. Enquanto isso, confiram o primeiro trailer legendado:

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Veronika Decide Morrer


Sabe quando você tem pouca expectativa e se surpreende? É bom começar a assistir a um filme sem esperar nada e de repente descobrir qualidades inesperadas nele. Bem, um longa cuja estratégia de marketing é apoiada na frase “baseado no best-seller de Paulo Coelho” já baixa em mim toda e qualquer expectativa. Mas, como uma otimista que sou, fui assisti-lo torcendo para que a diretora inglesa Emily Young tirasse leite de pedra. Infelizmente, o milagre não acontece.

Por onde começar? Pela trama que se apóia num argumento que é falho para todos, menos para a protagonista? Pela inacreditável pieguice com que o filme é recheado? Pelo excesso de moralismo e lições pseudo-edificantes? Pela interpretação anêmica de Sarah Michelle Gellar? Ou pelo somatório de tudo isso, que faz com o resultado final seja um dos filmes mais monótonos do ano?

Veronika é uma jovem executiva, com um bom emprego e um belo apartamento em Nova Iorque. Mas, apesar da aparente perfeição de sua vida, Veronika acha que nada tem sentido e que todos levam uma existência vazia e previsível. Numa noite, Veronika toma uma overdose de tranquilizantes. Acorda numa clínica psiquiátrica, onde descobre que, apesar de ter sobrevivido, tem poucas semanas de vida porque seu coração foi danificado.

E então é claro que conforme o relógio tiquetaqueia seus últimos dias, Veronika começa a dar valor à sua vida e a cada momento de felicidade, chegando a se apaixonar por um dos internos. Puro manual de auto-ajuda, cheio de frases feitas sobre como é importante viver cada momento como se fosse único, etc. Ao lado da apática Sarah Michelle, Jonathan Tucker interpreta o rapaz em estado de quase autismo por quem Veronika se apaixona. Como esperar alguma empatia de tal casal? Difícil. Os bons David Thewlis e Melissa Leo aparecem em papéis coadjuvantes de pouca expressão.

Um filme plano, sem nuances, com ritmo arrastado e que guarda como reviravolta para o final a revelação de algo que o espectador já adivinhou desde o começo. Ao final do longa, o pobre espectador é quem está morto. De tédio.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Se Beber, Não Case


A cidade de Las Vegas parece representar para os americanos o que o carnaval representa para a maioria dos brasileiros. O descontrole dos sentidos, a possibilidade de ser outra pessoa, o fascínio de fugir da vida cotidiana, a chance de se reinventar. Claro que, atrelado a tudo isso, vem a dor de cabeça do “dia seguinte”. Muita gente já acordou de uma ressaca casado com um desconhecido. Ou completamente arruinado financeiramente. Por conta das situações absurdas que só a cidade do pecado inspira, está sempre aparecendo uma comédia enfocando as desventuras de algum incauto em Las Vegas.

Se Beber, Não Case, de Todd Phillips (diretor de Dias Incríveis e um dos roteiristas de Borat), mistura dois assuntos que costumam dar margem aos maiores desvios comportamentais: a piração de estar em Vegas e a comemoração de uma despedida de solteiro. Dois dias antes de se casar, Doug vai para Las Vegas com seus três melhores amigos: o descolado Phil, o reprimido Stu e o “sem noção” Alan. A idéia é passar uma noite em grande estilo e voltar no dia seguinte. Mas quando Stu, Alan e Phil acordam, Doug desapareceu. A luxuosa suíte na qual estão hospedados se encontra de pernas para o ar, eles estão com uma ressaca inacreditável e simplesmente não se lembram de nada. Para piorar, tem um tigre no banheiro e um bebê que eles nunca viram antes no quarto. A partir daí, o trio terá que reconstituir a noite anterior para tentar encontrar Doug e levá-lo de volta a Los Angeles a tempo de se casar.

Em primeiro lugar, é preciso ressaltar a inadequação do título em português, que passa uma impressão completamente diferente sobre o conflito principal do filme, que é o fato dos personagens não se lembrarem do que aconteceu com o amigo desaparecido. Uma tradução literal do original The Hangover (A Ressaca) seria bem mais adequada.


A trama não apresenta grandes novidades, mas é conduzida com eficiência e tem como mérito a falta de pudores em levar algumas situações esdrúxulas às últimas conseqüências. Bradley Cooper, Ed Helms e Zach Galifianakis tem bom tempo de comédia – especialmente este último, impagável como o cara que se veste de modo bizarro e acha que está abafando. Mas a principal qualidade de Se Beber, Não Case é ser engraçado. Simples assim. É uma história batida e até mesmo previsível na maior parte das cenas, mas, no geral, trata-se de um filme bastante divertido. Destaque para a participação especial de Mike Tyson como ele mesmo e também para a solução encontrada para o sumiço do noivo. Isso faz com que o desfecho seja inesperado e, ao mesmo tempo, convincente.

O filme vale uma conferida, embora não dê para entender a razão de seu sucesso estrondoso nas bilheterias americanas. Estréia amanhã.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A Onda


Volta e meia uma pergunta volta à baila: seria possível que uma atrocidade como o Terceiro Reich fosse tão longe nos dias de hoje? Os alunos do seminário sobre autocracia do professor Rainer Wenger afirmam enfaticamente que não. Nazismo é coisa do passado e algo assim nunca mais vai ocorrer na Alemanha. A classe acredita tão piamente nisso que Rainer, professor moderno e chegado numa provocação, decide fazer uma experiência: para demonstrar sua hipótese de que sempre é possível criar uma legião de admiradores ávidos por seguir um líder e suas ordens sem questionar, o professor progressivamente insere características nazistas em suas aulas.

O primeiro passo é se fortalecer como líder através da disciplina: Rainer passa a exigir que seus alunos o chamem de Sr. Wenger, sentem-se com a coluna ereta e fiquem de pé sempre que queiram falar. Longe de causar estranheza, as novas diretrizes deixam todos empolgados. Os poucos descontentes abandonam o grupo e logo diferenças antigas são superadas e toda a classe passa a se mostrar unida de uma forma que nunca fora até então. Alguém sugere que o grupo deve ter um nome e, por votação, é escolhido Die Welle (a onda). Logo, a euforia de pertencer a algo tão singular faz com que se crie uma logomarca, um site e até mesmo um cumprimento específico. A irmandade fica sacramentada quando todos decidem adotar um uniforme, calça jeans e camisa branca.

A princípio parece uma bela utopia: alunos medíocres melhoram o desempenho, valentões passam a confraternizar com nerds e todos se ajudam, esquecendo diferenças. Mas é preciso lembrar que uma ditadura nunca nasce como tal (a não ser em casos de golpe militar) e os movimentos mais perigosos são justamente os que florescem de modo positivo, seduzindo e encantando seus seguidores até que estes não possam mais pensar com isenção e seus valores pessoais desapareçam em prol do que é estabelecido para o grupo. É o que começa a ocorrer com a classe e com o próprio professor Wenger, cujo comportamento também passa por alterações a partir do momento em que se vê na posição de ídolo da garotada. E fica cada vez menos claro o limite entre os objetivos pedagógicos de Wenger e sua própria vaidade, principalmente quando percebe-se seu complexo de inferioridade em relação à esposa e aos demais colegas.


Os mais empolgados com A Onda são aqueles que mais necessitam do apoio comunitário. São garotos e garotas que não tem um bom ambiente em casa, que nunca tiveram muitos amigos ou que sofriam de timidez excessiva. Todos, sem exceção, levam a experiência para fora da escola e começam a dar uma importância desproporcional ao fato de alguém pertencer ou não ao grupo. Aqueles que ostentam o uniforme e fazem o cumprimento são ajudados e os “de fora” são excluídos. A Onda promove festas, separa casais, arrebanha torcidas esportivas e não demora para que comece a promover atos de desordem urbana.

O mais legal no filme é a gradação com que as coisas acontecem. Nenhum dos alunos passa por uma mudança radical, e a proporção com que são afetados é sempre de acordo com certos traços de suas personalidades. O comportamento de Wenger é o mais complexo e causa no espectador dúvidas do princípio ao final. A toda hora nos perguntamos “afinal, esse cara sabe o que está fazendo?” ou “até onde ele vai”?

O filme é uma adaptação do livro The Wave, de Todd Strasser, que, por sua vez, é inspirado no ensaio The Third Wave, que relata a experiência do professor americano Ron Jones em uma escola da Califórnia em 1967. Como ressalva a mais este ótimo exemplar do admirável cinema alemão novo, apenas o desfecho excessivamente melodramático destoa do tom que o filme apresentara até então. Mas tem que tem lá seu impacto, isso tem. E serve, sobretudo, como um pungente lembrete de que é preciso estar sempre alerta para que o passado não se repita.

Sexta-feira nos cinemas.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Arraste-me Para o Inferno


Foi em 1981 que o americano Sam Raimi apresentou ao mundo um modo diferente de encarar o horror com The Evil Dead. Como o filme nunca foi lançado nos cinemas brasileiros, sua sequência, The Evil Dead II, apareceu aqui batizada como Uma Noite Alucinante. A câmera nervosa, o humor negro e, sobretudo, os exageros de escatologia fizeram o longa virar uma febre instantânea, um ícone dos anos 80. Diante disso, o primeiro filme surgiu nas locadoras com o nome original e até hoje muita gente pensa que A Morte do Demônio é a sequência de Uma Noite Alucinante. Raimi fez um terceiro filme da série, e depois foi emprestar seu talento a outros tipos de produção, como o western Rápida e Mortal, o suspense O Dom da Premonição e, claro, a trilogia Homem-Aranha.

Nada menos do que vinte e oito anos depois, o cineasta volta ao estilo de terror escatológico que fez sua fama. Eu confesso que desde a primeira vez que vi o cartaz deste filme, com Alison Lohman toda escabelada e o título Drag Me to Hell logo abaixo, fiquei louca para assisti-lo. Arraste-me Para o Inferno é daqueles títulos que, de tão apelativos, são simplesmente geniais.

Alison é Christine Brown, garota do interior que trabalha na seção de empréstimos de um banco. Meio complexada por suas origens, Christine deseja ardentemente subir na vida e, assim, impressionar a esnobe família do namorado. Seu objetivo é tornar-se assistente de gerência e, tentando impressionar o chefe, ela nega uma extensão de empréstimo a uma velha cigana que está prestes a ser despejada. Já viram tudo, né? Christine é amaldiçoada pela cigana, que coloca no seu encalço um demônio conhecido como Lâmia. O modus operandi do bicho é atormentar sua vítima durante três dias com pesadelos e alucinações. Ao fim desse prazo, a pessoa é arrastada para o inferno. Simples assim.

A maior qualidade de Arraste-me Para o Inferno é não se levar muito a sério, pois só assim os exageros e bizarrices deixam de ser defeitos e tornam-se qualidades. E algo que anda em falta nos filmes de terror, especialmente nos incontáveis remakes de produções orientais, é justamente essa capacidade de provocar no espectador sustos e risadas na mesma medida. Está certo que em muitos casos os risos vem de forma involuntária, por conta de longas toscos que se levam a sério. Não é o que acontece com esta produção propositalmente over, que flerta com o trash a cada segundo e conquista a cumplicidade do espectador graças à sua despretensão.

Outro ponto interessante é o modo como a protagonista, apesar de ser uma boa garota, perde a linha algumas vezes. Uma coisa que sempre soa extremamente falsa e repetitiva nas produções do gênero é como mocinhas e mocinhos sempre conseguem se manter relativamente controlados a despeito dos terrores que vivem – sem contar o inesgotável arsenal de camisetinhas justas. Christine realmente perde as estribeiras várias vezes ao longo do filme. A cena envolvendo o gatinho e a do cemitério merecem aplausos, assim como todas as cenas de disputa entre ela e seu desonesto colega de trabalho. Outro destaque inesquecível é a figura da cigana, com suas unhas duras e sujas e seu bisonho olho de vidro. E tome perseguição demoníaca, gosmas esverdeadas, esguichos de sangue, vermes nojentos, sombras com garras, portas batendo. Talvez apenas a estridência da trilha sonora seja um pouco excessiva, mas tudo bem.


Com Arraste-me Para o Inferno, Sam Raimi não pretende ser cult e elegante, muito menos ganhar prêmios. Ele quer apenas divertir, e alcança tal objetivo com maestria. Pode parecer um paradoxo, mas há muito tempo que eu não ria tanto assistindo a um filme de horror. E digo isso como um elogio. Amanhã nos cinemas.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Ou Hamuretsu



Depois de investigar as expectativas que rondam o ser humano em Expectantes, a Companhia de Atores Invisíveis volta aos palcos enfocando a questão da escolha em Ou Hamuretsu. O espetáculo é resultante de cerca de dois anos de pesquisa teatral, num trabalho que envolveu treinamento em artes marciais, acrobacias áreas, modalidades de teatro japonês, filosofia oriental e, sobretudo, uma criação dramatúrgica bastante original a partir de Hamlet. A trama se desenvolve nos bastidores de uma companhia teatral que ensaia uma versão japonesa do clássico de Shakespeare. Telmah é a atriz principal do grupo e fica desnorteada quando o diretor Hamuretsu, seu mentor, desaparece sem explicações e William, ator canastrão em quem ela não confia, assume a direção e traz consigo novos atores para a trupe. Conforme crescem suas suspeitas, Telmah percebe que suas escolhas a deixam cada vez mais próxima de Hamlet.

Ao entrar no teatro, o espectador passa pelos atores e senta-se praticamente dentro de cena. Assim como ocorria em Expectantes, espectadores e atores são encerrados dentro do mesmo ambiente. Somos avisados de que podemos escolher desligar ou não nossos celulares. Torçamos para que nenhum engraçadinho “escolha” deixá-lo ligado. Mas é claro que os atores invisíveis sabem que toda e qualquer escolha é um risco. A certa altura, a plateia receberá sinistras máscaras douradas para ajudar a representar os fantasmas que atormentam a protagonista. Poderá usá-las. Ou não. Mais uma escolha.

Existe um motivo para que Shakespeare seja tão popular quase 400 anos depois de sua morte. O autor olhou para dentro da alma humana como poucos e trouxe à tona um manancial de sentimentos que preferiríamos ignorar: ciúme, inveja, cobiça, dúvida, covardia. E o mundo pode ter mudado muito, mas a obscuridade de tais sentimentos nem tanto. Por isso, é totalmente viável que Hamlet seja uma atriz angustiada, Claudius um diretor canastrão, Laertes uma moça orgulhosa, os coveiros um jovem casal gay e a doce Ofélia um rapazinho com ares e gestual de gueixa.



Katia Jórgensen interpreta Telmah/Hamlet, numa performance repleta de som e fúria (tá bom, eu sei que isso é de outra peça, mas tudo bem). Sua fé cênica é impressionante, desde o momento em que entra em cena de modo inusitado e com uma maquiagem que lembra pintura de guerra. Para quem está acostumado a ver o famoso monólogo do “ser ou não ser” dito cheio pose, é uma delícia ver como a atriz o faz de modo tão contemporâneo e nem por isso menos intenso. Pode-se notar também o quanto todo o elenco se preparou em termos físicos, já que a encenação usa elementos de artes marciais e circo, dentre outras influências.

Alguns personagens são usados de forma icônica, como Guildenstern e Rosencrantz, que são feitos por duas atrizes – Rose e Gilda – que se vestem e agem sempre de forma idêntica, nunca deixando claro quem é quem. Mas alguém consegue diferenciar um do outro no Hamlet original? Eles sempre foram um bloco único, característica que a concepção de Ou Hamuretsu apenas realça. Já o fantasma é difuso, mais uma ausência do que uma presença. Está no vídeo, na participação especial do ator/diretor japonês Yoshi Oida (mentor do grupo), está em atores com máscaras demoníacas e até mesmo na plateia, caso os espect-atores resolvam usar as já mencionadas máscaras. Está em toda parte, mas sobretudo na mente de Telmah.

É recomendável que o espectador conheça o texto de Hamlet para melhor apreciar as referências e citações, já que Ou Hamuretsu não é uma montagem da peça à moda japonesa. Embora sejam usadas diversas partes do texto original, muitas vezes assistimos a curiosas inversões, como ocorre no trecho em que Laura/Laertes luta com Telmah enquanto recita os conselhos que na verdade seu personagem ouve do pai na peça original (aquela fala sobre como deve um homem se portar em terra estrangeira). Outra interessante reinterpretação das palavras do bardo ocorre com a cena em que Hamlet ensina a uma trupe de atores como representar com naturalidade e o texto serve de mote para um enfrentamento entre Telmah e William. Ou deveríamos dizer Hamlet e Claudius? Sem contar que o fato do diretor se chamar William já remete ao próprio Shakespeare, e William é interpretado por Marcio Moreira, o próprio diretor do espetáculo. E por aí vai, numa série de desdobramentos sem fim, que envolvem citações à obra, a diretores teatrais, aos jogos de improvisação e até mesmo à própria companhia.



E como tudo é uma questão de escolha, os caros leitores podem escolher ir ao teatro ver mais este belo trabalho da Cia de Atores Invisíveis. Vale a pena tomar essa decisão.

Ou Hamuretsu. Dramaturgia: Cia. de Atores Invisíveis. Direção: Marcio Moreira. Com Katia Jórgensen, Marcio Moreira, Paula Larica, Cristiano Morais, Rangel Andrade, Nathália Lemos, Rubens Moreira, Ana Cecília Reis, Amanda Olivier, Pedro Naine, Carlos Veranai, Marcela Rodrigues. 90 minutos. Espaço da Cia. Armazém de Teatro (Fundição Progresso), sábados e domingos, às 18h30. Ingressos a R$20 ou R$80 (o público escolhe). Até 27 de setembro.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Brüno


O inglês Sacha Baron Cohen conquistou o mundo em 2006 com Borat, um pseudo-documentário sobre um repórter do Cazaquistão que viaja aos Estados Unidos – ou “US of A”, como ele diz – para aprender tudo sobre o país. A grande sacada do filme era flagrar as reações que Borat e seu comportamento politicamente incorreto causavam no interlocutor, que não sabia estar participando de um filme e muitas vezes respondia às questões estapafúrdias do personagem com uma seriedade absurda. O confronto entre a anarquia e desprezo pelas convenções de Borat e o conservadorismo e ignorância de pessoas das mais diversas faixas sociais deixou como saldo um retrato assustador do povo americano e seus preconceitos, muitas vezes mais arraigados do que os do caricato personagem.

Seguindo a mesma linha documentário-mentira de seu filme anterior, Cohen agora é Brüno, jovem fashionista austríaco que tem sua reputação destruída e seu programa de TV cancelado depois que causa uma tremenda confusão na semana da moda de Milão: o cara simplesmente acaba com um desfile ao se enroscar em tudo com um macacão todo de velcro. Magoado com o repúdio de seus compatriotas e disposto a se tornar a maior celebridade austríaca desde Hitler, Brüno resolve ir de mala e cuia para os Estados Unidos.

Mais uma vez, Cohen faz graça a partir dos preconceitos alheios ao provocar as pessoas com sua postura escandalosamente homossexual, mas, por outro lado, também desperta a ira dos politicamente corretos ao falsear atitudes abusivas, como no caso em que participa de um talk show cuja plateia é essencialmente negra e repete inúmeras vezes a expressão “afro-americanos” de maneira equivocada. Não contente, o ator apresenta uma sessão de fotos de péssimo gosto no qual expõe a situações delicadas um bebê negro que diz ter adotado depois que o trocou por um iPod. Acredita-se que a produção do talk show estivesse a par da encenação, mas não a plateia, que parece genuinamente revoltada com o comportamento do personagem.

E o que dizer da passagem em que Brüno mostra para um grupo de teste numa emissora um piloto de programa que contém absurdos como uma coreografia de seus órgãos genitais na abertura? Mais uma vez, é evidente que os executivos da emissora estavam por dentro da proposta, mas não as pessoas que assistiram ao programa.

Também é divertida a saia-justa na qual ele mete celebridades como Paula Abdul, que vai a uma reunião com Brüno e se depara com mexicanos sendo usados como mesas e cadeiras. Ou os momentos em que ele faz figuração no seriado Medium e atrapalha a gravação tentando aparecer (mais uma vez a dúvida: quem sabia e quem não sabia?). São tantas gags, referências e sátiras que ficaria difícil mencionar ou até mesmo lembrar de todos que entram na mira da saraivada de piadas de Cohen. Outro mimo para o espectador são as participações especiais da última cena.

Brüno é uma repetição do mesmíssimo esquema criado por Sacha Baron Cohen para Borat, com a diferença que o machismo e anti-semitismo de Borat foram trocados pela sexualidade exacerbada e deslumbramento de Brüno. Mas o humorista continua impagavelmente cara-de-pau, ao conseguir manter uma expressão séria e compenetrada enquanto diz os maiores absurdos. É grosseiro e apelativo sim, mas também é irresistivelmente engraçado. Destaque para o modo como ele insere aleatoriamente algumas palavras em alemão no meio da frase (é um tal de ich pra cá, über pra lá) ou põe terminações cheias de consoantes nas frases para fazê-las soar germânicas e/ou obscenas. Agora é esperar para conferir qual o próximo personagem que Sacha Baron Cohen irá usar para desancar o povo americano. Sexta-feira nos cinemas.

domingo, 9 de agosto de 2009

Às Vezes é Preciso Usar um Punhal para Atravessar o Caminho


Em tempos de sucateamento da cultura, quando muitas vezes a arte se rende ao culto às celebridades, o grupo teatral Laranja Eletrônica utiliza esses e outros percalços para construir uma cáustica crítica ao vazio existencial que perturba os jovens de hoje em dia. Às Vezes é Preciso Usar um Punhal para Atravessar o Caminho, em cartaz no Espaço Cultural Sérgio Porto, mostra um grupo tão inconformado com a alienação de sua geração que cria uma célula terrorista intitulada Clube do Mickey. Usando personagens da Disney como codinomes e orelhas de rato, o grupo decide semear pânico na sociedade através de um plano suicida de assassinar dez celebridades usando apenas punhais.

Logo à entrada, o espectador recebe um programa que explica o porquê do ingresso do espetáculo custar o icônico valor de 1,99. Segundo o diretor Ivan Sugahara, as pessoas tem ou pensam ter pouco dinheiro e preferem não gastá-lo com cultura porque não conseguem pensar em valor desvinculado de dinheiro e 1,99, consequentemente, não é apenas o que se tem no bolso, mas também na cabeça, no espírito e no coração, já que estamos todos em permanente liquidação.

Ao entrar no espaço cênico, o espectador pode escolher entre se sentar nas arquibancadas ou em almofadões no meio do palco. O público se espalha à vontade, podendo deitar nos almofadões maiores se assim preferir. Eu particularmente recomendo a visão da peça dali, sem nenhuma contra-indicação aos tímidos – a peça não é daquelas que obriga o espectador a interagir, embora ele possa participar batendo palmas, cantando ou até mesmo ajudando a sugerir personalidades que merecem ser assassinadas.

As cenas acontecem em todas as direções, muitas vezes simultaneamente. Além dos jovens terroristas, há toda uma fauna de personagens bizarros que gravitam nesse universo, como o revolucionário da geração de 68 que acha que agora está tudo uma maravilha, uma psicóloga vedete que arrasa com as pessoas em rede nacional, os ídolos idiotizados de uma famosa boy band e sua histérica fã número um que vive para eles. A concepção cênica é divertida, multifuncional, colorida. Interessante notar como o texto de Roberto Alvim critica a histeria da cultura pop e, ao mesmo tempo, a encenação faz uso dela para tornar o espetáculo mais dinâmico, ágil, vibrante.

O elenco é carismático, cheio de vibração e tão entrosado como grupo que seria até injusto destacar alguém. Como personagem, chamam atenção a maldosa e histérica doutora Chevalier (que parece uma esquisitíssima mistura de Marília Gabriela, Ratinho e Ivete Sangalo, tudo ao mesmo tempo) e o terrorista neurótico que se intitula Pluto. Também são especialmente divertidas as coreografias bregas que os meninos do TNT fazem ao som de sucessos do RPM. Vale destacar que os rapazinhos se chamam Kiko, Robinson e Leo. Lembraram de alguém? Pois é. O espectador vai lembrar de muita coisa que está aí na mídia ao longo desta deliciosa e inteligente crítica ao sistema. Mas sem didatismo, sempre com uma pegada irreverente.


A direção segura e precisa de Ivan Sugahara, também diretor do grupo Os Dezequilibrados (com “z” mesmo), impõe ritmo à energia natural do elenco e faz com que o resultado final seja uma peça fascinante, divertida e muito surpreendente. Imperdível. A gente se sente até meio desonesto em só pagar 1,99 e receber tanto em retorno.

Às Vezes é Preciso Usar um Punhal para Atravessar o Caminho. Texto: Roberto Alvim. Direção: Ivan Sugahara. Com Carolina Ferman, Edson Cardoso, Fábio Buechem, Gabriel Albuquerque, Gabriela Carneiro da Cunha, José Karini, Leonardo Carvalhal, Maria João Rebelo, Mateus Tiburi, Nara Parolini, Rodrigo Sobrera, Thiago Ristow e Vânia Ferreira. Espaço Cultural Sérgio Porto (Rua Humaitá, 163). Sextas e sábados às 20h30, domingos às 20h. 90 minutos. Até 23 de agosto.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Marido Por Acaso


Como todo cinéfilo que se preze está cansado de saber, as comédias românticas gravitam em torno de um universo paralelo ao nosso. É um mundo onde coincidências incríveis acontecem o tempo todo, grandes desafetos escondem paixões incontroláveis e todos os sapos se transformam em belos príncipes ao longo da trama. E, claro, não importa o que aconteça, mocinho e mocinha estarão felizes para sempre antes dos créditos finais. Poucas produções fogem dessa fórmula e cobrar coerência e verossimilhança desse estilo de filme é perda de tempo.

Então o que faz com que alguns exemplares do gênero sejam mais interessantes do que outros? Geralmente, uma boa escalação de elenco. Se os protagonistas são interpretados por atores carismáticos e estes tem boa química juntos, a coisa já fica suportável a despeito das indefectíveis forçações de barra do roteiro. Marido por Acaso, um filme cujo argumento não poderia ser mais bobo, é salvo do desastre certo por Jeffrey Dean Morgan e Uma Thurman.


A Dra Emma Lloyd, que ganha a vida dando conselhos sentimentais em um programa de rádio, é uma mulher prática e repudia relacionamentos baseados em atrações explosivas. Emma sempre aconselha suas ouvintes a buscar homens estáveis, sérios e previsíveis – como seu noivo, Richard. Sofia, cheia de dúvidas quanto ao iminente casamento com o impulsivo bombeiro Patrick, toma as palavras da “doutora do amor” ao pé da letra e termina o relacionamento. Revoltado, Patrick não pensa duas vezes quando o vizinho hacker se oferece para ajudar a dar uma lição em Emma e os dois alteram o registro civil dela. Quando Emma e Richard vão dar entrada nos papéis do casamento, descobrem que ela, oficialmente, já é casada. E com o próprio Patrick, de quem nunca ouviu falar. A partir daí, Emma e Patrick se conhecerão e protagonizarão uma sucessão mal-entendidos.

Apesar dos inevitáveis delírios da trama (sendo as cenas perto do final as mais absurdas), os personagens tem características críveis. Emma é impiedosa com os homens por seu histórico conflituoso com o pai, o que fez com que ela se abrigasse na racionalidade desde cedo. Ela acredita em seus argumentos e é com essa frieza de raciocínio que detona os planos de casamento de Sofia e Patrick, mesmo sem conhecê-los. Claro que o simples fato de Sofia ter ligado para o programa já demonstra sua indecisão, mas Patrick quer encontrar um culpado e dirige sua raiva para Emma. A vingança dele parece infantil, mas combina com o jeitão do personagem. Patrick é meio rústico, gosta de futebol, cerveja e de sair com os amigos. Nada muito diferente do americano médio, apenas um cara com mais testosterona do que a doutora acha recomendável.


Quando Jeffrey Dean Morgan entra em cena vestido de bombeiro, a gente quase sente pena do coitado do Colin Firth (o noivo). Não bastasse Jeffrey ser um dos quarentões com maior sex appeal do cinema, ainda vem caracterizado com aquela macheza de soldado do fogo – quase uma fantasia ambulante. Uma Thurman, linda e aristocrática, não demora para começar a tecer comparações e rever seus conceitos. Patrick é espontâneo, divertido e surpreendente. Tudo que seu noivo não é e que ela mesma pensava repudiar até então. Ajudados por alguns daqueles equívocos que parecem acontecer tão-somente para manter os protagonistas mais tempos juntos, os dois se aproximam e a doutora começa a entender que para nem tudo na vida há um diagnóstico infalível.

Claro que também tem muita enrolação no roteiro, como por exemplo todas as cenas relativas à família indiana com quem Patrick mora. Os personagens não tem nenhuma importância, parecem estar ali para preencher algum tipo de cota étnica. E a festa do menino hacker (uma espécie de Bar Mitzvah deles) não tem outra função senão mostrar Patrick lindo de traje típico e deixar Emma apaixonada de vez. Marido por Acaso é uma bobagem, sim. Não vai mudar a vida de ninguém. Mas traz uma hora e meia de diversão escapista com dois bons e charmosos atores em cena. Se você suspira por Jeffrey Dean Morgan ou Uma Thurman, pegue o saco de pipoca e vá em frente. Sexta-feira nos cinemas.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

O Contador de Histórias


Imaginem um menino nascido numa favela em Belo Horizonte, caçula de dez irmãos, que, aos seis anos, é levado pela própria mãe para a Febem. Não por abandono ou desafeto e sim porque a pobre ingênua acreditou piamente em uma propaganda do governo que dizia que a instituição transformava crianças carentes em “doutores”. Aos treze anos, Roberto acumula uma centena de fugas, cometeu vários roubos, mente descaradamente e anda com as piores companhias. Perdeu o contato com a mãe. Ainda não aprendeu a ler nem escrever. A diretora da instituição o classifica como irrecuperável. Um caso perdido.

Dotado de uma imaginação fértil a despeito do analfabetismo, a vida do menino irrecuperável começa a mudar quando ele desperta o interesse de Margherit Duvas, uma pedagoga francesa com o coração do tamanho do mundo e que não se conforma com tal diagnóstico. O Contador de Histórias traz para o cinema a história real de Roberto Carlos Ramos, hoje em dia um professor especializado em literatura infantil que é considerado um dos melhores contadores de histórias do mundo.

Os estreantes Marco Antonio Ribeiro, Paulo Henrique Mendes e Cleiton dos Santos da Silva interpretam Roberto aos 6, 13 e 20 anos, respectivamente. Todos ótimos, especialmente Marco Antonio. Margherit é vivida na tela pela experiente atriz portuguesa Maria de Medeiros, em bela e comovente atuação. Maria, aliás, já deve ter perdido a conta de quantas vezes fez papel de francesa no cinema. Só em produções brasileiras, é a segunda vez – ela foi Sarah Bernhardt em O Xangô de Baker Street. O filme conta ainda com uma divertida participação de Chico Diaz como um ambulante picareta.

A direção é de Luiz Villaça, mais conhecido por trabalhar em conjunto com a esposa, Denise Fraga (Por Trás do Pano, Cristina Quer Casar e a série retrato Falado). Segundo Villaça, seu envolvimento no projeto surgiu de forma espontânea quando, há alguns anos, estava colocando o filho para dormir e começou a ler para o menino um livro que ele ganhara. O autor? Roberto Carlos Ramos. Na contracapa, havia um resumo sobre a vida do autor e Villaça ficou imediatamente interessado, contagiando também Denise. Os dois conseguiram o telefone de Roberto e logo começaram a longa e difícil fase de captar recursos para tocar o projeto.

O melhor na estrutura de O Contador de Histórias é que o filme não transforma a incrível trajetória de Roberto Carlos em um vale de lágrimas repleto de lições de moral (e olha que não faltariam elementos para isso). Pelo contrário, o relato – feito pelo próprio personagem – é temperado com poesia e muito bom humor. As sequências mais deliciosas certamente são aquelas em que Roberto dá asas à imaginação como válvula de escape para a realidade, como imaginar a Febem como um circo, o trombadinha habilidoso como um príncipe ou a professora de ginástica obesa como um hipopótamo. Um trecho que merece destaque especial é a hilária cena em que ele inventa para Margherit uma história delirante e psicodélica no qual ele e a família assaltam um banco e ele assume a culpa sozinho por ser “de menor”.


O longa tampouco se detém na questão da violência ou na crítica institucional. Embora utilize os temas por vezes com uma crueza chocante, o faz sempre como acessórios necessários à trama contada e não como muletas para forçar a piedade no espectador. O foco central da história está no relacionamento humano e em como o amor incansável e incondicional de Margherit foi capaz de transformar a vida de Roberto. A sua recusa em desistir daquela criança até pareceria pouco crível... se não tivesse sido real. Pessoas como Margherit Duvas causam ligeiro incômodo em todos nós, em geral tão rápidos em diagnosticar, acusar e condenar. Dá o que pensar. Estreia nesta sexta.