sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Bellini e o Demônio


O detetive Remo Bellini vive um momento delicado. Sem novos casos a resolver e com as dívidas se acumulando, entrega-se cada vez mais a uma vida de letargia e entorpecentes. Em meio a esse inferno astral, Bellini é contactado por um novo e misterioso cliente, que deseja contratar seus serviços para descobrir o paradeiro de um livro antigo que seria o estopim para uma série de crimes hediondos. Seu caminho se cruza com a da jornalista Gala, que investiga a morte de uma adolescente assassinada em um ritual de magia negra.

Com uma pegada pop, visual surrealista e muito sangue jorrando em cena, Bellini e o Demônio até começa com elementos do film noir (narração em off, cinismo dos diálogos, muito contraste de luz e sombras), mas já em sua primeira metade assume a vocação inequívoca para o horror. A história é totalmente carregada por Fábio Assunção, em surpreendente desprendimento de sua imagem de galã global – no filme, escabelado, pálido e delirante. O ator, inclusive, saiu do Festival de Los Angeles do ano passado levando o prêmio de melhor ator.


Marcelo Galvão, que esteve no Festival do Rio de 2008 com o elogiado Rinha e no de 2009 com este filme, injeta dinamismo e bom apelo visual à trama. Está certo que o filme tem lá seus exageros desnecessários e os vinte minutos finais se enrolam pelo excesso de pegadinhas para enganar o espectador, mas o ritmo frenético e a estética bizarra fazem com que este Bellini e o Demônio seja bem mais interessante do que a adaptação anterior do personagem criado pelo titã Tony Belloto (Bellini e a Esfinge, 2001). Diretor contratado pelo produtor Theodoro Fontes, Galvão bebe nas fontes do cinemão de terror americano e entrega um filme de terror competente que não deve nada a seus similares ianques. Aliás, é impossível assistir ao longa e não se lembrar de um certo clássico do gênero realizado no final dos anos 80.

Bellini e o Demônio pode até não acrescentar muito ao gênero, mas é sempre revigorante ver surgir no horizonte uma produção bem cuidada como essa em uma filmografia como a brasileira, ou seja, com tradição quase nula em longas de terror. José Mojica Marins finalmente tem companhia na arte de provocar pesadelos.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Festival 2010 - Primeiras Notícias



A organização do Festival do Rio, que este ano acontece de 23 de setembro a 7 de outubro, acaba de divulgar a lista de longa-metragens em competição. São eles:

Ficção

Boca do Lixo, de Flavio Frederico (SP)
Como Esquecer, de Malu De Martino (RJ)
Elvis & Madonna, de Marcelo Laffitte (RJ)
Malu de Bicicleta, de Flavio Tambellini (RJ)
O Senhor do Labirinto, de Geraldo Motta (RJ)
Riscado, de Gustavo Pizzi (RJ)
Trampolim do Forte, de João Rodrigo Mattos (BA)
VIPS, de Toniko Mello (SP)

Documentário

Diário de uma Busca, de Flávia Castro (RS)
É Candeia, de Márcia Watzl (RJ)
Histórias Reais de um Mentiroso, de Mariana Caltabiano (SP)
Memória Cubana, de Alice de Andrade (RJ)
Santos Dummont: Pré-Cineasta?, de Carlos Adriano (SP)
Solidão e Fé, de Tatiana Lohmann (SP)
Positivas, de Susanna Lira (RJ)

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O Último Mestre do Ar


Já faz mais de uma década que M. Night Shyamalan chamou a atenção do mundo com o impressionante O Sexto Sentido. Na época, o filme esperto sobre o menino que via gente morta deu uma sacudida no gênero suspense e o cineasta chegou a ser saudado por alguns como um novo Hitchcock. Exagero, claro. O problema é que Shyamalan cometeu a imprudência de acreditar em tal disparate. Descontados os elogios de fato merecidos por O Sexto Sentido (seu terceiro longa-metragem, mas o primeiro a que as pessoas realmente assistiram), o tempo mostrou que o cara não estava com essa bola toda. Seus filmes seguintes – Corpo Fechado, Sinais, A Vila e A Dama na Água – estiveram longe de ser unanimidades, mas até tinham suas qualidades. Mas em 2008 veio a bomba suprema: Fim dos Tempos, um abacaxi no qual nada se salvava. E agora Shyamalan enterra de vez qualquer chance de reabilitação com esta sua versão em carne e osso da série animada Avatar.

A trama? Vamos lá: o universo onde se passa a história é dividido em quatro reinos, as nações da água, ar, terra e fogo, sendo que este último grupo tem tendências imperialistas e tenta escravizar os demais. Em cada povo, existem os chamados “dominadores”, pessoas que conseguem controlar o elemento referente à sua nação. Existe, ainda, um ser especial chamado Avatar, que teria o poder de controlar os quatro elementos e, desse modo, garantir o equilíbrio espiritual de todos. Mas o Avatar está desaparecido há um século e, quando reaparece, não é o messias que todos esperavam. Trata-se de Aang, um menino que não completou seu treinamento e ainda não tem domínio sobre seus poderes especiais. Ajudado pelos amigos Katara e Sokka e perseguido pelo príncipe Zuko, que deseja aprisioná-lo, o jovem Aang seria a última esperança para os povos oprimidos.

O Último Mestre do Ar – assim batizado para evitar confusões com o longa de James Cameron – é um filme tão equivocado que fica complicado até de apontar seus defeitos, já que nada parece funcionar a contento. A começar pelo roteiro atropelado, que em certas passagens é irritantemente didático e em outras pula etapas, se apoiando no conhecimento prévio que o espectador teria da trama. Com um ritmo lento demais para a estética videogame que tenta timidamente impor e claudicante para que desenvolva satisfatoriamente qualquer personagem, o fiapo de roteiro simplesmente faz com que seus personagens vaguem por cenários artificialíssimos e protagonizem uma série de lutas muito mal coreografadas; ou seja, o filme fracassa tanto em termos de enredo como nas tentativas de injetar alguma adrenalina. Mesmo quem não conhece o desenho original pode sentir ali uma trama que foi esquartejada e colada de maneira disforme. Também é estranho que o filme não consiga impressionar nem mesmo na parte visual, além de ser mais uma produção a usar mal e sem a mínima necessidade os efeitos em 3D.


As interpretações são igualmente canhestras, não tendo um único ator que se sobressaia positivamente no elenco. O simpático Dev Patel – que esbanjou carisma em Quem Quer Ser um Milionário? – neste filme mostra-se totalmente desconfortável em um personagem sem rumo, que não tem boas motivações, mas, em contrapartida, é oprimido demais para ser um vilão clássico. E o que dizer de Noah Ringer, escolhido com base em suas habilidades em artes marciais e por uma suposta semelhança com o personagem? E que menino da mesma faixa etária não ficaria parecido com Aang depois de caracterizado como tal? O elenco principal se completa com a bonitinha e inexpressiva Nicola Peltz e ainda o sofrível Jackson Rathbone (sim, ele mesmo, o Jasper da saga Crepúsculo).

Apesar de todas as suas deficiências, é possível que O Último Mestre do Ar faça algum sucesso por aqui dentre os aficionados pelo desenho da Nickelodeon. Considerando a enxurrada de críticas ruins e o faturamento razoável que o filme obteve nos Estados Unidos, percebe-se que esta deve ser uma tendência mundial. Sem contar que o nome Shyamalan ainda consegue suscitar algumas polêmicas que acabam tendo como efeito colateral arrastar para o cinema tanto seus resistentes fãs quanto seus ferrenhos detratores. E não será diferente com esta sua primeira incursão ao reino da adaptação (até então, o indiano se orgulhava de só filmar roteiros originais). Posto isso, é bem razoável pensar que as duas sequências previstas realmente sejam feitas. Afinal de contas, sempre há público para tudo.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Almas à Venda


O ator Paul Giamatti enfrenta uma grande crise existencial durante os ensaios de uma peça e sente dificuldade em separar os dramas do personagem de suas próprias angústias. Seu agente lhe sugere um novo procedimento no mercado, que consiste no armazenamento da alma. O cliente tem a alma extraída, guardada em local seguro e, desse modo, está livre para viver uma existência mais leve. Mas tudo se complica quando traficantes russos se apoderam da alma de Paul e a contrabandeiam para que a esposa do chefe do tráfico, uma atriz sem talento, possa se dar bem em uma novela.

Ao contrário do que vinha sendo comentado à boca pequena, este filme não é exatamente o “Quero Ser John Malkovich do Paul Giamatti”. O argumento guarda enorme semelhança com o universo do roteirista Charlie Kaufman sim, mas, na verdade, trata-se de uma cópia descarada de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças. Uma cópia bem inferior, que fique bem claro. Embora a diretora Sophie Barthes tenha se apropriado da ideia central, apenas trocando de produto – a alma em vez das memórias –, esqueceu-se de copiar também a poesia, o lirismo e, principalmente, a viagem filosófica. O resultado é um filme raso, que tem lá seus bons momentos como comédia, mas nunca vai além disso. Na maior parte do tempo, é apenas superficial e pueril. Isso sem falar nas incongruências da trama, como, por exemplo, o cara querer se livrar da própria alma por ser soturna demais e depois alugar uma alma alheia, e justo de uma poetisa russa. Eu não consigo imaginar opção mais depressiva para alguém angustiado.

Paul Giamatti, claro, confere certa graça ao papel, principalmente porque o ator dá a impressão de estar satirizando a si mesmo e também alguns de seus trabalhos anteriores. Também é interessante a participação de David Strathairn como o charlatão extrator de almas, ou seja, o papel equivalente ao de Tom Wilkinson em Brilho Eterno... E o filme só não é de todo ruim justamente por causa desses dois bons atores, especialmente quando estão juntos em cena.

O filme, que no original se chama Cold Souls, apareceu na programação do Festival do Rio 2009 como Tráfico de Almas, depois passou no evento como Eu, Ela e Minha Alma (título que está além de qualquer explicação lógica) e agora foi rebatizado como Almas à Venda. Melhor assim.

Vincere


Ida Dalser conhece Benito Mussolini quando este ainda é apenas um jornalista e militante socialista. Apaixonada pelo homem e encantada por suas idéias, ela vende tudo que possui para contribuir com a fundação do jornal Il Popolo d’Italia e, consequentemente, com a criação do Partido Fascista. Ele a pede em casamento e ela engravida, mas termina por descobrir que Mussolini tem outra esposa oficial. Abandonada e inconformada, Ida acaba sendo escondida em um hospício para que não faça mais escândalos que comprometam a imagem do Duce. Exibido em competição do Festival de Cannes do ano passado.

Como é possível que um filme que conta uma história verídica tão explosiva tenha chegado a um resultado final tão sem graça? Ainda mais considerando que à frente da produção estava Marco Bellocchio, que já havia feito bonito em outro filme de cores políticas (Bom Dia, Noite, premiado no Festival de Veneza e no European Film Awards em 2003).

Vincere segue o caminho fácil do novelão das lágrimas abundantes, do coração partido, e tudo isso da forma mais melodramática possível. Desde os demorados e constantes closes na expressão de mártir de Giovanna Mezzogiorno até a trilha sonora de ares operísticos, a tendência geral do roteiro é dar mais espaço ao sofrimento da mulher abandonada do que ao alto grau de corrupção de um governo que permitiu que um escândalo de tal magnitude fosse totalmente abafado. Apesar do mérito óbvio de divulgar para o mundo essa história pouco conhecida, Vincere, como obra cinematográfica, é decepcionante.

sábado, 7 de agosto de 2010

A Origem


O trailer de A Origem faz com que o espectador imediatamente se lembre de dois outros filmes: Matrix e Vanilla Sky. E para quem já acha que estas duas referências são filmes-cabeça, um aviso: o bagulho aqui é muito mais doido. No bom sentido. Afinal de contas, um longa que deixa o espectador fissurado para revê-lo tão logo deixa a sala de projeção merece respeito. Em tempos onde a redundância impera nas telas, é um privilégio ser desafiado dessa forma. Algumas pessoas estão alardeando por aí que o roteiro de A Origem é complicado demais, incompreensível, etc. Mas eu realmente não considero que seja este o caso. A trama é bem amarrada e os conceitos são todos bem expostos, talvez apenas haja excesso de novidade e, consequentemente, certa dificuldade em processar tudo a contento em uma primeira conferida. Mas tudo isso só torna ainda mais instigante e radical a experiência de assistir ao novo filme de Christopher Nolan.

Leonardo DiCaprio é Dom Cobb, um talentoso ladrão especializado em extração, ou seja, arrancar ideias diretamente do subconsciente das pessoas. Agindo quando a pessoa adormece e, portanto, fica com a mente em estado vulnerável, Cobb e sua equipe induzem a vítima a penetrar em um sonho arquitetado por eles, desta forma compartilhando seus segredos sem perceber. Mesmo sendo um gênio no mundo da espionagem corporativa, Cobb tem que amargar o exílio e a dor de não poder rever as filhas. Até que um poderoso empresário lhe acena com a promessa de limpar seu nome em troca de um último e arriscado trabalho. Só que, para isso, ele terá que conseguir o impossível: ao invés de roubar, deverá implantar uma ideia no cérebro do herdeiro de uma companhia rival.


É evidente que a primeira coisa a chamar atenção no filme é seu visual único e deslumbrante. Como não ficar boquiaberto já na incrível sequência de abertura? Ou na cena em que as ruas de Paris viram um origami gigante? Fotografia, edição, trilha sonora e efeitos visuais são tão impecáveis que falar sobre eles chega a ser dispensável. O filme é um desbunde visual, e pronto. Mas o que o torna de fato sedutor, em conjunto com esse encantamento estético, é seu intrincado quebra-cabeça metafísico, que sobrepõe camadas de sonho e realidade em níveis tão absurdamente próximos que o espectador quase pode vivenciar a sensação de atordoamento dos personagens. Também é interessante o modo como são difusos os códigos éticos e morais, assim como a redefinição da noção de “mocinhos” e “bandidos” neste filme.

O elenco liderado por Leonardo DiCaprio é perfeito e simplesmente irretocável. DiCaprio felizmente abandonou de vez qualquer resquício da tal maldição Titanic e deixa claro que 2010 é seu ano, considerando sua incrível atuação em Ilha do Medo e agora neste filme. No estelar elenco coadjuvante, destacam-se os sempre eficientes Joseph Gordon-Levitt, Ken Watanabe e Cillian Murphy, além da intensidade dramática de Marion Cotillard como Mal, personagem que ganha vida no mundo dos sonhos. Em contraponto a ela está a sensata Ariadne de Ellen Page, e não deve ser por acaso que a personagem foi batizada com o nome da heroína grega que ajuda Teseu a não se perder no labirinto de Creta. O filme ainda se dá ao luxo de ter Michael Caine fazendo uma pontinha, só para dar uma idéia do elenco dream team.


Capitaneando um projeto de estimação que vem desenvolvendo há cerca de dez anos, Christopher Nolan pode dar vazão a toda sua inventividade neste longa dirigido e também roteirizado por ele. E é sempre bom lembrar que Nolan não tem um único trabalho ruim em sua filmografia. OK, O Grande Truque e Insônia não chegam a ser filmes tão brilhantes como os demais, mas certamente são produções interessantes e que tem o mérito adicional de ajudar a fechar o panorama completo das ideias que movem a criativa mente do cineasta. Subconsciente, poder da sugestão, limites da realidade, ilusionismo, recantos obscuros da mente. É como se toda a filmografia do diretor convergisse para este momento, dando a impressão de estarmos diante de sua obra-prima.

A Origem é filme para ver mais de uma vez, e para gerar acaloradas discussões na mesa do bar depois. Também é, desde já, sério candidato ao posto de filme do ano.