A diretora e roteirista Nicole Holofcener tem uma visão bastante sarcástica dos relacionamentos pessoais e das contradições básicas do ser humano. Egressa da televisão, tendo dirigido alguns capítulos do seriado Sex and the City, o primeiro longa de Nicole a dar as caras por aqui, há três anos, foi Amigas com Dinheiro, uma peculiar história sobre três mulheres casadas e aparentemente bem-sucedidas que mal disfarçavam a inveja da amiga solteira afundada em dívidas.
Em Sentimento de Culpa, como o título em português já escancara, a cineasta volta suas lentes para a culpa. Kate e Alex tem uma loja de móveis antigos e abastecem seu estoque graças a pessoas que perderam seus familiares e querem se desfazer de seus pertences, na maioria das vezes sem terem a mínima noção de que aquelas “velharias” são artigos raros. Para aplacar seu incômodo em estar lucrando com a desgraça alheia, Kate não consegue negar esmola a nenhum desabrigado e inscreve-se em trabalhos voluntários, mas não quer comprar um jeans caro para a filha adolescente e cheia de problemas de auto-estima. Kate e Alex também se sentem mal por terem comprado o apartamento vizinho, onde mora a nonagenária Andra, e agora estarem ansiosos para que ela morra e eles possam finalmente dar início à tão sonhada reforma.
Lidando com personagens essencialmente bons, mas cheios de ambiguidades morais, o roteiro constrói um mosaico bem sincero e divertido da culpa burguesa de uma classe média que anseia desesperadamente dar vazão aos seus instintos consumistas e, ao mesmo tempo, tentar conviver com a própria consciência. E o impulso de contribuição social é gerado pelo já citado sentimento de culpa e não por um desejo genuíno de ajudar ao próximo – Kate, aliás, lembra a personagem de Goldie Hawn em Todos Dizem Eu Te Amo. Mas não é apenas a culpa que está na berlinda, também tem vez no longa outras atitudes dúbias e essencialmente humanas, como, por exemplo, a garota bonita e descolada que não consegue aceitar o fato de ter sido trocada por alguém que ela considera de aparência pior do que a sua e passa a perseguir a rival.
Catherine Keener, que já havia trabalhado com Nicole Holofcener com Amigas com Dinheiro, está cada vez mais madura como atriz e dá muitas nuances a Kate, personagem que poderia facilmente cair na caricatura, se interpretado de modo menos habilidoso. Também chamam a atenção Amanda Peet e Rebecca Hall como as netas de Andra, irmãs de personalidades totalmente opostas. Enquanto a Mary de Amanda não suporta a avó, mas é incrivelmente parecida com ela em suas rabugices e obsessões recorrentes, a doce Rebecca vive para ser legal com os outros. E não podemos deixar de destacar as igualmente ótimas Sarah Steele, que interpreta a adolescente Abby, e Ann Guilbert, a nonagenária rabugenta.
O único problema de Sentimento de Culpa é que o filme é demasiado linear em sua abordagem. Ainda que tenha méritos indiscutíveis, como o de colocar em pauta questões importantes com leveza e bom humor, e seja muito bem amparado pelo ótimo elenco, ainda assim, ao final da projeção, o espectador pode ficar com a sensação de que ficou faltando no conjunto aquele “quê” a mais. E ficou mesmo. O filme promete muito, mas o resultado final acaba sendo apenas simpático. De todo modo, vale uma conferida.
Estreou hoje.