terça-feira, 28 de julho de 2009

À Deriva


Logo nas primeiras imagens de À Deriva, o espectador pode ter a impressão de que já sabe o que esperar do filme. Mathias, escritor francês radicado no Brasil e casado com uma professora brasileira, passa férias em Búzios com a esposa Clarice e os três filhos. Ele está na praia com a família quando seu olhar se cruza com o de uma bela mulher enquanto a Clarice nada parece notar. A seguir, algumas cenas esclarecem que a relação do casal não está nada bem. Então é um filme sobre adultério e separação? Sim e não. Neste novo filme de Heitor Dhalia tudo é e, ao mesmo tempo, não é como parece à primeira vista.

A trama é centrada no olhar de Filipa, adolescente de 14 anos e filha mais velha do casal. A viagem é uma tentativa desesperada de restaurar a relação alquebrada e Filipa é a primeira a perceber o motivo real daquelas férias, ao flagrar pequenos lampejos de ressentimento entre os pais: Clarice está sempre embriagada e direciona um certo desprezo ao marido e seu trabalho, enquanto Mathias deixa os problemas financeiros da família em segundo plano em nome da integridade artística. A sensação de que algo está errado se transforma em certeza para Filipa quando ela descobre o envolvimento do pai com outra mulher. Mas a crise em sua família é muito mais complexa e vai muito além dessa escapulida, como Filipa e o próprio espectador descobrirão mais adiante. Ao mesmo tempo, a menina sente a sexualidade aflorar e faz as primeiras descobertas amorosas numa relação confusa com um dos meninos da turma.

O roteiro, também escrito por Heitor Dhalia, busca inspiração nos próprios sentimentos do cineasta à ocasião em que seus pais se separaram. Tanto que o filme é ambientado no início da década de 80, época em que o fato ocorreu. O espectador pode sentir que trata-se de um filme feito com o coração, mas a trama, a despeito de qualquer motivação pessoal, vai além disso e apresenta uma historia de apelo universal. O desapego de Dhalia e seu senso de medida ficam bem evidentes pela própria decisão de transformar a protagonista em uma menina, o que certamente requereu da produção uma maior delicadeza e poesia. Filipa vive o famoso rito de passagem para a idade adulta em meio a uma grande decepção com a figura paterna que outrora idolatrava, e isso logicamente dá um nó nas suas ideias. Paradoxo também representado no contraste entre a beleza ensolarada de Búzios durante o dia e as sombras difusas de algumas tomadas noturnas, não por acaso as cenas mais dramáticas – mérito também da riqueza de nuances da fotografia de Ricardo Della Rosa.


Como fã de carteirinha do trabalho anterior do cineasta/roteirista e sua linguagem expressionista, confesso que não sabia bem o que esperar da tão anunciada “normalidade” de À Deriva. Agora entendo com muita clareza o óbvio: Heitor Dhalia sabe trabalhar com precisão e competência seus personagens, independentemente da linguagem utilizada, e seus filmes anteriores não seriam tão apaixonantes se fossem pura linguagem. O que os torna realmente memoráveis é o modo como o desespero kafkiano de Nina e a carência travestida de perversidade de Lourenço nos comovem.

Em À Deriva, a invasão do espectador na intimidade daquela família bacana de classe média que está a ponto de implodir torna-o tão cúmplice que todos sofremos ao perceber que o fim do sonho é inevitável. A certa altura do filme, há uma pequena Filipa no coração de cada um de nós. Momentos singelos começam a incomodar pelo simples fato do conhecimento de que aquela união familiar está irremediavelmente comprometida, como na bela cena em que Mathias dança com a esposa e a filha ao som de Be My Baby (aliás, puro revival dos anos 80 incluir uma canção do filme Dirty Dancing).

A direção de arte de Guta Carvalho e os figurinos de Alexandre Herchcovitch ajudam a criar o clima de nostalgia que combina bastante com a questão da perda de inocência que permeia a trama. Também há um clima retrô no gestual, no modo como os personagens fumam e discutem relação, enfim, é toda uma atmosfera que pode ser muito mais sentida do que explicada em minúcias.


O elenco é soberbo, desde a conhecida presença cênica de Débora Bloch ao naturalismo com que Vincent Cassel atua em português. Aliás, um grande acerto nesse sentido é não tentar disfarçar o sotaque e assumir o ator como um personagem francês mesmo. Não deixa de ser curioso que Vincent e Débora em cena transmitam uma excelente química como casal a despeito de seus personagens estarem se desentendendo. Também o modo como os dois se relacionam com os filhos passa uma sensação de verdade e intimidade familiar muito intensa. Isso sem falar o achado precioso que é a menina Laura Neiva – e olhem que ela nem queria ser atriz.

Mais do que pinçar os talentos individuais, é preciso aplaudir a direção sensível e, ao mesmo tempo, segura de Heitor Dhalia, que faz com tudo funcione como um conjunto, um bloco único e perfeito. À Deriva é, até o presente momento, o melhor filme nacional deste ano. É necessário dizer mais alguma coisa?

Saiba mais no blog do filme: http://www.aderivafilme.com.br/blog/

domingo, 26 de julho de 2009

Som e Fúria


Numa época em que a TV aberta mostra-se cada vez mais preguiçosa e disposta a nivelar a qualidade da programação por baixo, foi um prazer inesperado ver na telinha um produto como Som e Fúria. Excelente do começo ao fim e com uma trama que é inteligente sem ser inacessível, a minissérie produzida pela 02 e dirigida por Fernando Meirelles injeta Shakespeare nas veias do telespectador ao focar no dia-a-dia de uma companhia teatral com repertório do bardo. Enquanto mergulhavam de cabeça em obras como Hamlet e Macbeth, os personagens lidavam com amores frustrados, políticas de bastidores, vaidades pessoais, dificuldades técnicas e até mesmo problemas com o Imposto de Renda – bom exemplo para aquelas pessoas que pensam que ator não tem contas a pagar. O contraste entre a magia sentida do palco e o momento em que é preciso baixar à realidade é mostrado com muito realismo. Ou não, como no caso do protagonista e seus difusos limites entre ficção e realidade. O elenco, liderado por Felipe Camargo e Andréa Beltrão, deu show de interpretação e a direção foi precisa e elegante. Baseada na minissérie canadense Slings and Arrows, Som e Fúria vai deixar saudade.

sábado, 25 de julho de 2009

Alice by Burton


Vale a pena conferir o primeiro trailer oficial de Alice in Wonderland, versão de Tim Burton para o clássico eterno de Lewis Carroll. O filme tem previsão de estreia para 5 de março de 2010.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Inimigos Públicos


O filme conta a história de John Dillinger, audacioso assaltante de banco da década de 30. Charmoso, elegante e inteligente, o bandido ridicularizava a polícia e fascinava a população com suas fugas sensacionais. J. Edgar Hoover, que considerava a captura de Dillinger ponto de capital importância para conseguir um aumento de verba para seu FBI, coloca no seu encalço o incansável agente Melvin Purvis e autoriza que seus homens façam usam da força bruta para descobrir o paradeiro do inimigo público número 1 – o que desencadeia uma onda de violência policial sem precedentes.

O argumento acima tinha tudo para dar certo. Nas mãos de um Martin Scorsese, certamente renderia um dos melhores filmes do ano. Mas quem dirige é Michael Mann, cineasta que vem oscilando entre o razoável (Colateral) e o desastre total (Miami Vice). Inimigos Públicos, se não chega ao nível de calamidade deste último, tampouco chega a empolgar. É perda de tempo e, neste caso, bastante tempo, já são duas horas e vinte minutos de tiroteios barulhentos e pouco conteúdo. Ou teriam sido as incontáveis balas as verdadeiras responsáveis pelos buracos no roteiro? E olha que, para mim, falar isso de um filme protagonizado por Johnny Depp não é algo natural. Mas nem o incontestável brilho do ator atenua a sensação de frustração com o filme.

É bem verdade que Depp injeta uma aura de fascínio ao melhor estilo Humphrey Bogart no personagem, mesmo quando suas falas e atitudes carecem de profundidade. Mas quem era John Dillinger, além das bravatas públicas? O espectador continua sem saber. Marion Cotillard também engrandece suas cenas a despeito da limitação ainda maior do seu papel de mocinha-que-ama-o-malfeitor. E é o esforço individual deles que torna o filme digerível. Estranhamente, Christian Bale – em geral um bom ator – parece apático no papel do policial que persegue Dillinger. Está certo que seu papel não é dos mais simpáticos, mas tem-se a nítida impressão de que Bale está atuando de má-vontade.


O roteiro é cheio de incoerências ou fatos mal explicados. Um exemplo é quando Billie arma um estratagema para despistar a polícia e ir ao encontro de John. O artifício que ela usa até que é engenhoso, mas o que não se entende é como eles combinaram a escapulida, já que o filme sublinha o fato dela estar sendo vigiada e com escutas no telefone. Teria a moça simplesmente adivinhado que o amante estava na rua à sua espera?

São pequenas mancadas como essa que, associadas ao insistente uso do diretor da câmera digital em um filme ambientado na década de 30, fazem com que a credibilidade do longa escorra pelo ralo. Ao invés do elegante jogo de luz e sombras tão típico dos filmes de época, temos imagens modernosas e uma edição feita em um ritmo totalmente em desacordo com a história. Fica a impressão de um filme dentro de outro, como se os personagens estivessem brincando de gangsteres. Mais estranho que isso é perceber que Michael Mann anda, nestes últimos trabalhos, adquirindo os mesmos cacoetes estilísticos de Tony Scott. E creiam-me: isso não é um elogio. Não mesmo.

O desfecho só acentua a sensação geral de improviso (no mau sentido), o que soa quase anacrônico em um filme tão extenso. Mas as cenas finais parecem apressadas, malfeitas mesmo. Um filme equivocado, em todos os sentidos. Estréia nesta sexta.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

À Deriva - Coletiva de Imprensa


Aconteceu hoje à tarde em um hotel em Copacabana a coletiva de imprensa do filme À Deriva, o novo longa-metragem de Heitor Dhalia (Nina, O Cheiro do Ralo). O filme foi exibido no Festival de Cannes deste ano. Além do diretor, estavam presentes os atores Vincent Cassel, Débora Bloch e Laura Neiva. Num clima bastante descontraído, o papo começou com algumas explicações de Heitor a respeito do filme, que é livremente baseado em suas memórias sobre a época em que seus pais se divorciaram.

“Na verdade, quando o projeto começou eu queria contar a história dessa menina que descobre que o pai está tendo um caso e sente o despertar da própria sexualidade a partir dessa experiência. Depois que eu fui entendendo que o filme faria mais sentido para mim se eu acrescentasse elementos da minha própria história. Aí foi ficando realmente mais pessoal, mas não é exatamente a história da separação dos meus pais. Eu fiz outras inversões, além da protagonista ser uma menina.”

Perguntei ao ator Vincent Cassel como ele vê o fato de pela primeira vez interpretar um pai de família pacato, considerando seu histórico de personagens rebeldes e explosivos. O ator respondeu com a costumeira irreverência, dizendo que o tempo passa e ele tem idade para esse tipo de papel agora, mas logo completou: “Foi uma oportunidade de fazer uma coisa diferente, mas eu também gosto dos personagens violentos e não vou abandoná-los.”



Sobre a coincidência de estrear um filme que trata de conflito familiar ao mesmo tempo em que interpreta uma personagem que vive o mesmo problema numa novela, Débora Bloch disse que acredita estar representando as mulheres da sua geração e está muito satisfeita com o trabalho em À Deriva, principalmente devido aos conflitos de sua personagem: “Acho que é um papel muito bem construído. A Clarice tem muitos conflitos e, quanto mais conflitos, melhor para a atriz. Os personagens em crise são sempre mais interessantes.”

Quanto às relações de trabalho no set, Vincent Cassel comentou que Heitor Dhalia os deixava livres para seguir as próprias intuições e não tinha costume de falar com o elenco, ao que o cineasta, sereno, completou: “Mas você só fala quando é necessário falar. Se você tem atores que já entregam tudo que você precisa, é só deixá-los à vontade. A primeira sorte que um diretor pode ter é na escolha do elenco, porque se você escolhe bem é só seguir adiante.”

A estreante Laura Neiva, grande revelação do filme, foi a última integrante a se juntar à equipe. Dhalia conta que já tinha recebido o sinal verde para iniciar as filmagens e ainda não tinha encontrado a atriz certa para o papel, mesmo após ter testado mais de 600 meninas. Segundo o diretor, assim que viu o teste de Laura sabia que a escolheria. Vale dizer que a jovem foi contactada inicialmente através do Orkut e achou que era brincadeira. O diretor explicou ainda que Laura nunca teve em suas mãos um roteiro porque ele preferia que ela entendesse a essência da cena e improvisasse. Laura, apesar de ter feito alguns trabalhos como modelo, não pensava em ser atriz porque fez teatro na escola quando era criança e não gostou, mas agora quer continuar.

Perguntei a Heitor se a decisão de ambientar o filme no início dos anos 80 era uma forma de aproximar a trama de sua juventude, no que ele concordou: “Foi sim, porque era a época em que aconteceu a separação dos meus pais e eu quis aproximar dos elementos pessoais e também pelo filme ter uma construção baseada na memória e uma abordagem mais nostálgica de uma infância deixada para trás, a inocência perdida, enfim, o filme tem essa busca narrativa pela memória. E não só a minha. Junto com a equipe construímos uma memória coletiva, todo mundo foi trazendo fotos de álbuns de família e do conjunto disso tudo surgiu o filme. Mas a gente não queria fazer um filme tipo 'almanaque', foi uma coisa bem suave, um ou outro elemento. É como diz a Guta (Guta Carvalho, diretora de arte), a época não importa, o que importa é a memória daquela época.”

Sobre o porquê de estar há tanto tempo afastada das telonas, Débora Bloch lamentou que o Brasil tenha poucos incentivos na área: “Eu acho que a gente não tem ainda uma produção de cinema. Quando eu comecei a fazer cinema, veio o Collor e acabou com o cinema no Brasil. Está mudando, é claro, mas a gente passou por um período difícil e ainda não temos uma indústria ou apoio do governo suficiente para ter uma produção tão grande. E tem muitas atrizes boas da minha geração, então nem sempre tem muitas opções para o meu perfil assim como tem na TV.” Sobre a experiência de levar o filme ao Festival de Cannes, a atriz arrancou risadas dos presentes ao resumir: “Ah, foi ilha da fantasia. Para o Vincent não, que ele está acostumado, mas para a gente foi incrível.”

Curiosa sobre a ordem natural das coisas, quis saber de Heitor Dhalia se o personagem Mathias já era desde o princípio francês ou se a mudança foi feita em razão de Vincent Cassel ter sido contratado para o papel. Dhalia disse que já imaginava que haveria espaço para um estrangeiro, embora pensasse originalmente em um ator argentino ou espanhol. Quando descobriu, através de uma entrevista na televisão, que Cassel falava português (e muito bem), resolveu tentar contatá-lo porque já era um fã do seu trabalho.

Aproveitando o gancho, perguntei a Vincent como foi interpretar em português, no que o ator fez piada, dizendo que usou o filme apenas para aprimorar seu português. Depois disse que sempre gostou do idioma e que achou que seria um bom desafio. “Ao menos, eu já falava um pouquinho. Eu fiz um filme russo sem falar nada de russo, então depois disso português foi super fácil. Mas também minha única responsabilidade de ator foi essa do idioma. Não de perder o sotaque, que é impossível, mas de ficar com uma articulação boa. No filme, eu falo muito melhor do que na vida”, completa, em um português perfeito. Perguntado sobre sua integração com a família retratada no filme, o ator afirmou se identificar e pontuou que a família mostrada em À Deriva poderia ser de qualquer nacionalidade. O elenco comentou ainda que o filme atinge todas as faixas etárias, desde os adolescentes, que se identificam com a personagem de Laura Neiva, até as pessoas mais maduras, que se veem retratadas no casal em crise.


Encerradas as perguntas, atores e diretor posaram para mais fotos no saguão do hotel. Débora Bloch achou graça da minha maquininha digital em meio aos fotógrafos profissionais e suas teleobjetivas gigantes. A gente faz o que pode, né?


À Deriva estréia em circuito comercial na sexta-feira da próxima semana (dia 31). Em breve, texto sobre o filme. Desde já, posso adiantar que adorei.

Como ninguém é de ferro...

Então... Às vezes a pessoa se empolga... Ainda mais estando na presença dessas duas figuras. Na primeira foto, Vincent Cassel. Grande ator, simpatia de pessoa e ainda fala português direitinho. Na segunda, Heitor Dhalia. Cineasta de mão cheia, um dos caras talentosos do Brasil e igualmente simpático. Registrar um encontro desses é preciso.






quinta-feira, 16 de julho de 2009

Nelson Rodrigues e Vestido de Noiva


Reza a lenda que um dia qualquer, em 1941, Nelson Rodrigues, recém-casado e imerso em apertos financeiros, passava em frente ao Teatro Rival quando viu uma enorme fila que se formava para assistir a uma chanchada e pensou: “por que não escrever teatro?” Assim, meio por acaso, nasceu o dramaturgo. Sua peça de estréia foi A Mulher sem Pecado, encenada no ano seguinte com pouca repercussão perante o público e a crítica.

Mas eis que, em janeiro de 1943, o autor escreve sua segunda peça: a revolucionária Vestido de Noiva. Hoje em dia ninguém mais duvida que Nelson Rodrigues desempenhou um papel vital na dramaturgia brasileira. E tal ruptura com todo um passado de influência européia se deu justamente com esta peça. Nela, o autor trabalha com simultaneidade de tempo e ação e planos dramáticos diferenciados, sem contar a até então inédita utilização de um ritmo narrativo picotado bastante próximo da linguagem cinematográfica moderna. Vestido de Noiva possui três atos com passagem de tempo indefinida entre eles. A ausência de linearidade cronológica situa a peça no teatro contemporâneo, de princípios realistas. O cenário é uma representação do subconsciente da protagonista: passado, presente e futuro se misturam e se influenciam, fazendo com que não haja uma verdade absoluta.

Cópias do texto foram enviadas a jornalistas, críticos e amigos. Dentre eles, Manuel Bandeira, que gostou e escreveu um artigo elogioso sobre ela. Os jornais falavam sobre Vestido de Noiva, mas, ainda assim, ninguém se dispunha a encená-la. Dizia-se que era uma peça inviável, que exigia cenário complexo e teria custo muito alto. Somente Thomaz Santa Rosa - ex-funcionário do Banco do Brasil, cantor lírico, desenhista, músico e poeta - achou que era possível. Juntou-se à trupe o polonês Zbigniew Ziembinski, que, recém-chegado ao Brasil, leu a peça e entusiasmou-se, dizendo não conhecer nada no teatro mundial que se comparasse a ela. A opinião foi profética, pois, passados mais de 60 anos, ainda não voltou a ocorrer no teatro nacional evento que supere a ruptura que Vestido de Noiva significou à época para os palcos brasileiros. O espetáculo, dirigido e iluminado por Ziembinski, provocou uma revolução estética graças à pioneira utilização de recursos do expressionismo na interpretação dos atores e na direção cênica.

Após sete meses de ensaios diários, em 28 de dezembro de 1943, mais de dois mil espectadores lotam o Theatro Municipal do Rio de Janeiro para a estréia. Ao fim, silêncio total na platéia. Nos bastidores ninguém sabia o que fazer. Ziembinski, entre palavrões em polonês, manda subir o pano. Os artistas surgem e o aplauso é ensurdecedor.

Podemos dizer que a dramaturgia nacional divide-se entre antes e depois de Vestido de Noiva. Sua estrutura, que segue três diferentes planos narrativos - realidade, delírio e memória -, é até hoje considerada inovadora. A trama parte de um argumento aparentemente simples: uma jovem toma o namorado da irmã e casa-se com ele, mas o rapaz não deixa de cortejar a cunhada e os dois chegam a desejar a morte da esposa que de traidora passa a ser a traída. Mas a trama noir que poderia daí advir não chega a se concretizar, pois antes que qualquer plano seja executado a indesejada esposa é atropelada, assim liberando o caminho para o casal de amantes. Contada assim, de modo objetivo e linear, a história não soa nada original. Pelo contrário, insinua até um certo anticlímax por prometer um grande mistério e acabar de modo tão prosaico e conveniente.

Mas é aí que entra a genialidade de Nelson Rodrigues, que montou sua história de um modo tão anti-convencional que fez a peça ganhar fama de “impossível de ser montada”. Em primeiro lugar, Alaíde, a esposa traída, parece não ter lá muito afeto pelo marido tão disputado. Seu interesse logo se desvia dele e transfere-se para uma inusitada descoberta que faz no sótão de sua casa: o diário de Madame Clessi, uma cafetina que morrera apunhalada pelo amante adolescente décadas antes. Alaíde fica tão obcecada por Clessi que passa os dias a tentar descobrir mais sobre ela. Alheia a tudo o mais, atravessa a rua sem olhar e é atropelada. O fato é mostrado ao espectador na primeira cena, fazendo de grande parte da trama um longo e surrealista flashback. Levada ao hospital com vida, é na mesa de cirurgia que Alaíde relembra sua vida. Nesses momentos finais, anestesiada e delirante, sua fantasia se mescla à memória.

Sempre suspensa por um quê de tensão, a história mergulha na mente da personagem. Perturbada e confusa, a protagonista descobre junto com a platéia pedaços de sua história, para só então juntá-los e enxergar no todo alguma coerência. Entre a vida e a morte, entre o delírio e a realidade, entre a sanidade e a loucura, todos nos tornamos Alaíde, ansiosos em entender o que se passara em sua vida até o fatídico atropelamento.

Talvez seja difícil para o público de hoje entender o grau de revolução que Vestido de Noiva representou não apenas para o teatro nacional, mas também considerando todo o contexto artístico de então. Embora nos dias atuais seja muito natural misturar recursos e linguagens de diferentes mídias, em 1943 o teatro seguia as regras estritas da linguagem teatral. Em Vestido de Noiva, Nelson trabalha com recursos do teatro, mas também da crônica de jornal (estilo fragmentado e cortante presente no plano da realidade) e do cinema (uso da voz em off, flashbacks, cortes bruscos). Sem contar que é uma tragédia desprovida de formalismo, que ousa utilizar a linguagem do dia-a-dia e colocar no palco a classe média e todas suas questões prosaicas.

Nelson Rodrigues escreveu Vestido de Noiva aos 31 anos. Era sua segunda peça e, para ele, apenas um meio de melhor sustentar a família. Certamente não imaginava que estava criando uma obra de referência, um símbolo de modernidade e um marco na ruptura com um teatro arcaico que a cena brasileira não poderia sustentar por muito tempo mais. Vestido de Noiva, casamento perfeito entre o popular e o erudito, uma inédita tragédia carioca com elementos do cotidiano, a colocar o dedo na ferida do dilema da mulher pré-feminista, enfim, uma revolução tão grande que o público da época não pode digerir em todas as suas ramificações. Afinal de contas, os grandes acontecimentos só com o devido distanciamento temporal podem ser devidamente avaliados.

domingo, 12 de julho de 2009

Harry Potter e o Enigma do Príncipe


Mais uma vez, estamos de volta a Hogwarts. Depois de um adiamento de oito meses em relação a sua previsão original de estréia (novembro de 2008), chega às telonas do mundo inteiro o sexto filme da franquia Harry Potter. A expectativa era enorme, não apenas pelo bom trabalho que o diretor David Yates havia realizado no longa anterior, mas sobretudo por se tratar da adaptação do melhor dos sete livros da série.

Em Harry Potter e o Enigma do Príncipe, a atmosfera é das mais assustadoras. Agora que o retorno de Voldemort é de conhecimento geral, seus comensais da morte não mais temem se expor e barbarizam tanto a comunidade bruxa como o mundo dos trouxas. Nem mesmo Hogwarts parece tão segura quanto antes. Dumbledore está preocupado com o futuro, já que sabe que deve preparar Harry para o inevitável confronto com Voldemort. Ele acredita que um ex-professor de poções da escola, Horacio Slughorn, conhece uma informação vital sobre os poderes do bruxo das trevas e o convence a voltar à escola usando como isca a oportunidade de lecionar para o famoso Harry Potter. Dumbledore sabe que Slughorn se envaidece de conviver com celebridades e acha que Harry é a pessoa certa para conseguir extrair a memória que ele tão ferozmente tenta ocultar. É na aula do professor Slughorn que Harry encontra um antigo livro de poções que pertenceu a alguém que se intitula “o príncipe mestiço” e que traz várias anotações inteligentes que fazem com que ele se destaque na classe. Hermione acha que o livro é perigoso. Estaria ela certa ou apenas com ciúmes de não ser a melhor pela primeira vez?

Seria ingênuo pretender analisar esse filme em separado sem que nesta opinião ecoasse todo o fenômeno Harry Potter. A aventura do personagem na telona, que se iniciou quando ele era uma criança em Harry Potter e a Pedra Filosofal (2001) e seguiu adiante nos anos seguintes com mais quatro filmes até chegar neste sexto, é algo que extrapola os limites de um único longa-metragem. Não apenas por se tratar de um personagem que “cresce”, mas pelo amadurecimento da trama em si – mais adulta, perigosa e emocionante a cada filme. A esta altura pouco resta da inocência e deslumbramento daquele menino que descobriu um mundo mágico que parecia a solução para todos os seus problemas. Harry vai percebendo que o universo bruxo tem desafios piores do que o mundo no qual foi criado e que seu papel nesse cenário é um fardo que ele não pode evitar.

Mas em um ponto todos os adolescentes se parecem, sejam eles bruxos ou não: quando se trata de vivenciar as trapalhadas e desenganos do amor. Uma característica muito forte nesta fase e que serve como alívio cômico para a obscuridade geral é a explosão de hormônios que atinge os personagens principais. Harry se tortura por só ter notado os encantos de Gina Weasley agora que ela tem um namorado; Rony tem que lidar com as emoções à flor da pele de sua primeira namorada, Lilá Brown; e Hermione se enche de ciúmes de Rony, embora tente a todo custo disfarçar. O destaque é a novata Jessie Cave, que interpreta Lilá e arranca boas risadas com suas exageradas demonstrações de afeto. Apenas um aluno permanece indiferente ao clima de azaração geral: Draco Malfoy tem outras coisas com que se preocupar, já que foi convocado pelo próprio Voldemort para uma missão que trará conseqüências irreversíveis.


Falar do desempenho de atores do porte de Alan Rickman, Michael Gambon e Helena Bonham-Carter é chover no molhado. A boa surpresa é Tom Felton, o Draco Malfoy, que volta a ter destaque neste filme e mostra um surpreendente amadurecimento como ator. Pela primeira vez, o vilãozinho arrogante que todos adoram odiar demonstra sinais de fragilidade e dúvida. Já o trio central formado por Daniel Radcliffe, Emma Watson e Rupert Grint está inserido de tal forma no imaginário dos espectadores que não há mais como analisar o desempenho dos atores simplesmente porque é difícil separá-los de Harry, Hermione e Rony. Mas vale destacar as habilidades cômicas de Rupert. Quanto aos novos atores, é sempre um ganho ter alguém do nível de Jim Broadbent no elenco. No papel de Horacio Slughorn, o ator destila uma aura de sofisticação empobrecida que é perfeita para o personagem. Alpinista social, vaidoso, espirituoso e elegante, mas também atormentado por alguns erros do passado, ver Broadbent em cena é puro deleite. Ponto também para a caracterização e figurino. Perfeitos. Também merece atenção a participação de Hero Fiennes-Tiffin (sobrinho de Ralph Fiennes) como a versão infantil de Voldemort. O garoto é impressionante. Já a Narcisa Malfoy de Helen McCrory decepciona um pouco. De acordo com os livros, Narcisa é uma vilã mais por associação do que por vocação e sua aparência contrasta de todas as formas com a da irmã desvairada Belatriz (essa sim, má de doer). Bom, na tela não há um contraste tão forte entre as duas.

Os efeitos especiais e a direção de arte deste longa em particular são fantásticos, o que fica evidente logo no princípio do filme, quando espirais de fumaça negra (na verdade, comensais da morte) sobrevoam Londres e destroem a Millenium Bridge enquanto transeuntes apavorados correm para salvar suas vidas. A cena é de tirar o fôlego, digna dos melhores filmes-catástrofe. Também a sequência em que Belatriz e Greyback perseguem Harry e Gina em um matagal antes de atearem fogo à casa da família Weasley é excelente. Sem contar a concepção de Hogwarts, constantemente envolta em nuvens cinzentas e com um aspecto pra lá de agourento, e as eletrizantes sequências de quadribol. Mas embora seja um primor visual do início ao fim, o filme resiste à tentação do puro show pirotécnico e limita os espetaculares efeitos visuais a serviço da história.


O roteirista dos quatro primeiros filmes, Steve Kloves, reassume o posto (o único roteiro que não foi escrito por ele foi o de Harry Potter e a Ordem da Fênix) e mostra habilidade na costura das diversas idas e vindas entre o tempo presente e as memórias passadas. Mesmo alterando bastante a narrativa original, Kloves foi fiel à essência da história e injetou dinamismo e ritmo na medida certa. Também soube intercalar com eficiência tensão e perigo com cenas românticas. É claro que é discutível o peso que esse sexto filme dá aos assuntos do coração, sacrificando outros pontos de importância para a trama. Um exemplo é o fato de Snape ter conseguido o cargo que cobiça desde o princípio da saga. O assunto é mencionado tão de leve que passa despercebido. Até mesmo a relação de Harry com o livro de poções e o mistério sobre seu antigo dono, detalhe importante a ponto de nomear o episódio, acaba bastante diluído. Também é chato que personagens bacanas como Lupin e Tonks virem figurantes. Mas OK, comprimir é preciso. Considerando a imensa quantidade de personagens e subtramas com que a autora J. K. Rowling tece suas histórias, a grande discussão invariavelmente é sobre o que deixou de ser visto na tela.

O certo é que as adaptações vem evoluindo, o que faz com que o filme mais recente seja sempre o mais vibrante. E este não é exceção. Trata-se da melhor adaptação até o presente momento. Harry Potter e o Enigma do Príncipe é um filme extremamente bem-cuidado, dirigido com competência, bem interpretado e que conta uma história envolvente de modo impecável em termos técnicos. Difícil não gostar, seja você um leitor ávido ou um espectador ocasional. Agora é esperar para ver se o último longa da série, Harry Potter e as Relíquias da Morte, estará à altura. O filme será dividido em duas partes. A primeira tem previsão de lançamento para novembro de 2010 e a segunda, para meados de 2011. Até lá, não é exagero pensar em algumas indicações ao Oscar. Fotografia, direção de arte, figurino e efeitos visuais é o mínimo que este filme merece.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

A Proposta


Sandra Bullock despontou para o mundo como a namoradinha do Keanu Reeves no blockbuster Velocidade Máxima e, depois disso, basicamente enfileirou uma comédia romântica atrás da outra (Enquanto Você Dormia, Da Magia à Sedução, A Casa do Lago, Amor à Segunda Vista). E o pior é que suas poucas aventuras fora do gênero foram desastrosas, como os pavorosos A Rede e Cálculo Mortal. Bom, os anos foram passando e Sandra continua em um patamar não muito acima do que estava no início de sua carreira. É bem verdade há uma única exceção em sua superficial filmografia: Crash. Só que ninguém se lembra dela por esse filme e sim por bobagens como Miss Simpatia.

A Proposta vem apenas para engrossar a lista de típicos filmes da atriz. Desta vez ela é Margaret, uma implacável editora de livros. Temida e odiada por seus funcionários, que trocam mensagens de alerta no estilo “a bruxa está chegando” cada vez que ela desponta do elevador, Margaret tem como burro de carga preferencial seu assistente Andrew. O rapaz é submisso a ponto de tomar o mesmo tipo de café que a chefe só para poder oferecer o seu no caso de derrubar o dela.

Acostumada a controlar todas as situações, Margaret leva um tremendo susto quando descobre que está prestes a ser deportada para o Canadá, seu país de origem, porque ignorou os trâmites que deveria ter seguido para obter um visto de permanência. Desesperada para dar uma solução a seus chefes, ela não titubeia: diz que está noiva de Andrew. Ele tem que concordar em participar da farsa sob ameaça de ser demitido e ver soterrada de vez sua ambição de chegar a sub-editor na empresa, depois de ter trabalhado duro por três anos.

Claro que as exigências do departamento de imigração obrigarão o falso casal a ter que passar bastante tempo junto para que tenham condições de sobreviver a uma exaustiva entrevista para apurar se o noivado deles é real e que, na verdade, tem como único propósito pegá-los numa mentira. Mais ou menos como já foi visto em tantos outros filmes que giram em torno da mesma temática, a aproximação forçada revelará facetas e fragilidades de cada um que a outra parte não conhecia e aos poucos eles se descobrirão irremediavelmente apaixonados um pelo outro.


Mas é preciso por mais lenha na fogueira. Numa dessas coincidências que só acontecem nas comédias românticas, o final de semana que Andrew e Margaret tem para se conhecer antes da fatídica entrevista na manhã de segunda é justamente o mesmo em que o rapaz viajaria para a casa de seus pais no Alasca. E lá se vão os dois encarar a família dele, como se já não estivessem enrolados o suficiente. Claro que a família que os aguarda é diferente, cheia de excentricidades, mas no fundo adorável e fará com que a mandona executiva repense seus valores. Também é evidente que a intimidade forçada criará situações cômicas e constrangedoras, a maioria delas envolvendo nudez imprevista (e dona Sandra faz questão de mostrar de modo excessivo o quanto está com o corpo bem cuidado).

Enfim, o que temos é Sandra Bullock em um típico filme de Sandra Bullock e desta vez com o simpático Ryan Reynolds arrastado para seus domínios. Os dois não combinam nada como casal – o que não tem absolutamente nada a ver com a diferença de idade – e o ator dá a impressão de estar desconfortável no papel ao longo de todo o filme. Talvez não tão desconfortável quanto Betty White, que é obrigada a pagar os maiores micos do filme como uma vovó chegada numa pajelança, mas ainda assim...

A Proposta estréia sexta. Depois não digam que eu não avisei.

terça-feira, 7 de julho de 2009

17 Outra Vez



A situação do personagem estar em um corpo diferente do seu é um mote mais velho do que andar pra frente nas comédias americanas. Seja por possessão (Um Espírito Baixou em Mim), troca de identidade (Sexta-Feira Muito Louca e Vice Versa) ou realização do desejo de ser mais velho (Quero Ser Grande e De Repente, 30), volta e meia aparece um filme onde alguém se vê às voltas com um corpo que não lhe pertence. 17 Outra Vez encaixa-se no último caso, com a única diferença de que o protagonista é um homem adulto que volta a ter sua aparência de 17 anos.

No seus bons tempos do colegial, Mike O’Donnell foi um astro do basquete e tinha um futuro promissor como atleta. Mas na noite em que deveria ser descoberto por um olheiro, sua namorada Scarlet lhe revela que está grávida e ele resolve abrir mão de tudo para arrumar emprego e se casar. Vinte anos depois, Mike está completamente insatisfeito com sua vida. Seu casamento está desmoronando, já que ele criou o hábito de culpar Scarlet por todos os dissabores; a promoção pela qual batalhou foi dada a outra pessoa; seus filhos adolescentes o acham um chato e mal lhe dirigem a palavra. A única pessoa que o compreende é Ned, o amigo nerd do colégio que ficou milionário.

Ao visitar o antigo colégio, Mike é tomado pela nostalgia e deseja ardentemente ter uma nova chance. Pronto! Ele tem dezessete anos novamente. Mas como explicar à família o que aconteceu? Como comparecer à audiência de divórcio no corpo de um garoto? Ned resolve ajudá-lo e inventa que Mike é seu filho bastardo, matriculando-o novamente na escola, onde ele é colega de classe de seus filhos. Tentando lidar com as inevitáveis confusões de voltar a ser adolescente e driblando os compromissos pendentes de sua vida adulta, Mike ainda terá que repensar as escolhas que fez vinte anos antes.

A partir desse argumento, já se pode adivinhar todo o restante do filme e também como a maioria das situações se desenrolarão. É claro que há uma mensagem edificante em prol da família e Mike vai descobrir a duras penas que é o único culpado pelo desfecho que as coisas tomaram em sua vida. Com certeza também vai compreender que tem filhos legais, que apenas estão desorientados, e uma esposa que ainda o ama apesar de todas as suas burradas e que foi ele próprio quem detonou esses relacionamentos. E é claro que não precisa ser médium para saber que toda aquela idealização da vida perfeita que ele teria se tivesse continuado na carreira de atleta não passa de ilusão da sua cabeça e que através dessa experiência ele vai aprender o real valor do que possui, etc e tal.


Na verdade, 17 Outra Vez é um filme realizado com um único propósito: mostrar ao mundo que o bonitinho Zac Efron sabe fazer mais do que cantar, dançar e ser o sonho de consumo das menininhas de quinze anos. Efron é conhecido basicamente pelos três longas da série High School Musical e também pela versão cinematográfica de Hairspray. Todos trabalhos essencialmente musicais, e certamente esse filme tem como intenção primordial provar que o rapazinho também sabe atuar. Bom, ele sabe. Menos mal. É claro que sua boa figura em cena é valorizada pelo fato de sua versão adulta ser Matthew Perry, a sem-gracice em pessoa.

Burr Steers, que dirigiu há alguns anos o interessante A Estranha Família de Igby e foi o roteirista de Como Perder Um Homem em 10 Dias, não tem muito o que dirigir aqui. A trama caminha frouxa para seu inevitável final feliz e não há muito o que fazer. O longa diverte em alguns momentos e tem algumas cenas engraçadas? Sim, é claro. Mas, como um todo, é dispensável para quem passou da adolescência e já não é mais afetado pelo azul brilhante dos olhos de Zac Efron. Estréia sexta-feira.

Casamento Silencioso


O cinema romeno vem se destacando por apresentar filmes vigorosos, críticos e originais a despeito de seu mercado minguado e indústria tímida. Filmes premiados como A Leste de Bucareste e Como Festejei o Fim do Mundo vem chamando a atenção do mundo para essa cinematografia de humor e criatividade bastante inusitados. Em 2007, Cristian Mungiu venceu o prêmio máximo do Festival de Cannes com 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias. Numa época em que cinematografias mais tradicionais tem apresentado pouco de realmente inovador, o cinema romeno surge como um grande gerador de novidades. Mais um exemplar que vale muito a pena conhecer é Casamento Silencioso, que chega às telas brasileiras nesta sexta.

Nos dias atuais, uma equipe de reportagem chega a uma antiga vila romena para fazer uma reportagem sobre fenômenos paranormais. O lugar ermo e desolado é habitado apenas por mulheres enlutadas. Os jornalistas estranham e pedem ao prefeito, único homem da região, que lhes conte o que ocorreu ali. Essa é a senha para que se desenrole o longo flashback que constitui o filme.

O ano é 1953 e a Romênia vive sob o jugo do comunismo russo, apesar de reunir poucos simpatizantes ao regime. A austeridade russa era vista com deboche e sarcasmo pelos alegres e barulhentos habitantes daquela região de camponeses onde as desavenças resolviam-se na base de piadas e vinho na taberna local. Mara e Iancu, jovens no fervor da paixão, vivem se embrenhando na floresta para transar, o que vem a público e causa tumulto entre os familiares do casal. O pai da moça quer forçar o casamento e o pai do rapaz defende a tese de que ela se entregou porque quis. Depois de um princípio de briga, Iancu restabelece a paz ao aceitar se casar com Mara e tudo termina em abraços e bebedeira generalizada. A data é marcada e cada habitante se empenha nos preparativos da grande festa coletiva.


Justamente no dia do casamento, chega à vila a notícia da morte de Stalin. O governo russo decreta sete dias de luto oficial e, durante essa semana, nenhum tipo de comemoração será permitida. A festa, que estava começando, é interrompida por um oficial russo, que ordena que a comida seja recolhida e as mesas desfeitas. Mas os moradores não pretendem abrir mão de toda celebração organizada e resolvem continuar a festa em segredo. Silenciosamente.

Demonstrando um senso de humor pra lá de peculiar, podemos perceber que a trama nos prepara desde os primeiros instantes para o casamento silencioso do título. Àquela altura, já não nos parece improvável que aquelas pessoas arrisquem a vida e a liberdade em nome de uma festa. Porque sua alegria de viver significava a própria liberdade. Era o que os mantinha unidos e lhes dava identidade como povo.

A reunião silenciosa e a criatividade com que eles continuam a celebrar é uma das mais interessantes sequências que já tive oportunidade de ver no cinema. Simplesmente antológica. Embora a situação seja essencialmente cômica, o trágico insinua-se no ar e cada acontecimento divertido mistura-se a um sentimento de tensão muito forte. Em diversos momentos o espectador sente-se indeciso entre achar graça ou temer pelo destino daquelas pessoas que bravamente resistem a serem tolhidas em seus direitos. Mesmo que o direito em questão seja algo aparentemente simples como celebrar um casamento.

A mensagem da história vai muito além do acontecido naquela pequena vila e fala de um país silenciado que transforma no bom humor e na obstinação em não abrir mão de seu estilo de vida uma forma de resistência. Um grito de liberdade em um brinde silencioso, em uma banda que toca uma canção inaudível, em um agradecimento passado de ouvido em ouvido.

Embora a sequência do casamento seja o ponto culminante do filme, outro momento que vale a pena destacar e serve como prenúncio do que está para ocorrer é quando representantes do governo russo encarregam o prefeito de exibir um filme para a população. Diante de seus argumentos de que não possuem luz elétrica, o pobre homem é intimado a dar seu jeito sob pena de ser acusado de impedir a expansão cultural do povo. O que se vê no cinema improvisado é pura propaganda ideológica e logo aquelas pessoas mais interessadas em bem viver do que em ouvir discursos vazios se distraem e criam uma divertida pantomima ao estilo de Chaplin e dos irmãos Marx. Que ocorre na platéia, e não na tela.

Por tudo isso, o longa do diretor e roteirista Horatiu Malaele é mais um ótimo exemplar do cinema que vem do leste europeu. Que bons ventos continuem soprando de lá.