segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

10 Grandes Injustiças do Oscar nos últimos anos


1 – A Noiva-Cadáver ter perdido o Oscar de animação para Wallace & Gromit (2006);

2 – O Fabuloso Destino de Amèlie Poulain ter perdido o prêmio de filme estrangeiro para Terra de Ninguém (2002);

3 – A não-premiação de Brokeback Mountain, mesmo o filme tendo vencido todas as outras premiações, uma histórica “amarelada” da Academia (2006);

4 – Nicole Kidman, fabulosa em Moulin Rouge, ter perdido o Oscar de melhor atriz para Halle Berry em atuação fraca num filme pior ainda (2002);

5 – O Labirinto do Fauno vencer três outros Oscars e perder o de filme estrangeiro para A Vida dos Outros (2007);

6 – A má-vontade demonstrada com Christopher Nolan de um modo geral;

7 – Ambas as indicações recebidas pelo péssimo Jeremy Renner (2010/2011);

8 – A não-indicação de Javier Bardem por Mar Adentro (2005);

9 – A premiação da cantora e dublê de atriz Jennifer Hudson como melhor atriz coadjuvante ao invés de Abigail Breslin ou Cate Blanchett em atuações ótimas (2007);

10 – A não-inclusão de Volver e O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias dentre os indicados a melhor filme estrangeiro (2007).

E o Oscar foi para...

Melhores atores e suas estatuetas. Da esq. para a dir., Christian Bale, Natalie Portman, Melissa Leo e Colin Firth

Absolutamente nenhuma surpresa. Assim podemos definir a premiação de ontem. No final das contas, o que temos a comentar aqui são apenas algumas constatações:

- Mesmo sendo solenemente esnobado em categorias-chave como direção, A Origem saiu da festa com quatro estatuetas, mesmo número do consagrado O Discurso do Rei. Claro que existe uma grande diferença entre levar melhor filme e melhor direção de arte, por exemplo, mas a impressão que fica é a de que o longa de Christopher Nolan poderia ter ido muito mais longe se tivesse obtido indicações mais consistentes.

- Ainda observando a questão quantitativa, o pouco indicado Alice no País das Maravilhas se deu melhor do que Bravura Indômita, do alto de suas dez indicações. Quer dizer, neste aspecto até o meia-boca O Lobisomem teve melhor resultado, ao levar a única estatueta a que concorria. Não me agradou o belo western dos Coen ter saído de mãos abanando. Poderiam ter premiado Hailee Steinfeld como melhor atriz coadjuvante (mesmo sua personagem não tendo nada de coadjuvante), ainda mais depois do papelão que a vencedora Melissa Leo fez para se autopromover.

- Ao ouvir o discurso de Tom Hooper a gente entende melhor sua premiação, ao ver que, apesar de sua pouca experiência, o cineasta não era um mero diretor contratado e sim alguém que batalhou de verdade para o filme ser feito. O primeiro contato com a história foi através de uma leitura dramatizada que sua mãe fez do texto e, a partir daí, Hooper viabilizou o projeto em parceria com o roteirista David Seidler.

- De um modo geral, as escolhas foram não apenas previsíveis... mas justas. Eu torci até o último minuto por uma vitória do impressionante Cisne Negro, mas sabia lá no fundo que trata-se de um filme muito fora dos padrões do Oscar, tanto em sua faceta terror como por sua porção sensual.


Confiram abaixo a lista completa de oscarizados:

Filme - O Discurso do Rei
Diretor - Tom Hooper (O Discurso do Rei)
Ator - Colin Firth (O Discurso do Rei)
Atriz - Natalie Portman (Cisne Negro)
Ator Coadjuvante - Christian Bale (O Vencedor)
Atriz Coadjuvante - Melissa Leo (O Vencedor)
Roteiro Adaptado - A Rede Social (Aaron Sorkin)
Roteiro Original - O Discurso do Rei (David Seidler)
Filme Estrangeiro - Em Um Mundo Melhor (Dinamarca)
Longa de Animação - Toy Story 3
Curta de Animação - The Lost Thing
Curta-Metragem Live Action - God of Love
Documentário Longa-Metragem - Trabalho Interno
Documentário Curta-Metragem - Strangers No More
Direção de Arte - Alice no País das Maravilhas
Maquiagem - O Lobisomem
Fotografia - A Origem
Figurino - Alice no País das Maravilhas
Montagem - A Rede Social
Trilha Sonora - A Rede Social
Canção Original - We Belong Together (Toy Story 3)
Edição de Som - A Origem
Mixagem de Som - A Origem
Efeitos Visuais - A Origem

Razzies 2011


Antes de falar em Oscar, é bom lembrar que no dia anterior à maior festa do cinema mundial acontece a grande anti-premiação hollywoodiana: a divulgação dos vencedores dos Framboesas do Ouro (ou Razzies, como são carinhosamente chamados). Esse ano, o grande vencedor foi a mais recente patuscada de M. Night Shyamalan, O Último Mestre do Ar. O longa foi contemplado em cinco categorias: pior filme, pior ator coadjuvante (Jackson Rathbone, "premiado" também por seu trabalho em Eclipse), pior diretor, pior roteiro e pior uso de 3D. Já Sex and the City 2 foi lembrado nas categorias pior atriz (Sarah Jessica Parker, Kim Cattrall, Kristin Davis e Cynthia Nixon), pior elenco e pior sequência.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Bruna Surfistinha


Fazer uma resenha sobre o filme Bruna Surfistinha passa por duas questões bem distintas: o filme propriamente dito e o enfoque dado pelo mesmo à história verídica de Raquel Pacheco, adolescente que sai de casa aos 17 anos com uma ideia nada ortodoxa na cabeça: conquistar sua independência trabalhando como garota de programa. O resultado todo mundo já sabe: um dia Raquel assume o codinome Bruna Surfistinha e começa a contar sua vida e suas experiências sexuais em um blog, atitude que a transforma em escritora best-seller e grande celebridade.

Quando ouvi falar da personagem pela primeira vez, me perguntei por que, afinal de contas, Bruna Surfistinha teria ficado famosa. Não era a primeira nem seria a última garota de classe média a achar a prostituição mais atraente do que um emprego convencional. A resposta é simples: numa sociedade onde participantes de reality show são tratados como estrelas, o diferencial de Bruna era sua rara disposição em escancarar os detalhes do métier na internet, ao contrário da maioria das garotas de programa, que costumam fugir de publicidade como o diabo da cruz.

E então agora a vida de Bruna ganha as telas. A moça tem declarado em programas de entrevistas que não quer se justificar nem influenciar ninguém. Mas, ao contrário do que ela diz, o enfoque do filme é justamente no sentido contrário. A protagonista é retratada de forma vitimizada – embora tenha chegado a tal situação por opção própria – e altamente positiva, como se o crescimento pessoal de alguém devesse necessariamente passar pelas drogas e pela prostituição. Não se trata aqui de moralismo e sim de detectar uma visão tendenciosa e parcial do longa em relação a uma mazela bastante séria da sociedade brasileira. O roteiro trata como brincadeira situações como Bruna se livrar de uma multa oferecendo seus dotes a um policial, por exemplo. Se não fosse baseado numa história real, seria menos preocupante.


Mas aí entra a outra questão a ser analisada: e o filme em si, é bom? Como passatempo, é sim. O roteiro é bem azeitado, com ritmo ágil e diálogos naturalmente fluentes. E, claro, é um filme com muito bom humor. Como não rir diante da coleção de pervertidos que desfila pela tela? Tratar o sexo de forma desinibida é sempre divertido e surpreendente. Deborah Secco vai muito bem no papel-título, e convence tanto como a menina introvertida do início quanto em sua transformação em furacão sexual. O filme ainda é enriquecido por uma penca de ótimos atores em papéis secundários, com destaque para a cafetina irônica de Drica Moraes e a prostituta com pavio curto de Fabiula Nascimento.

Resumindo: Bruna Surfistinha é um bom filme para quem conseguir enxergá-lo pelo mero viés do entretenimento, mas também é potencialmente deficitário no sentido de ser um espelho da realidade.

Amanhã nos cinemas.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Desconhecido


Liam Neeson é um ator sólido, daquele tipo que dá credibilidade a um filme. Assim como acontece com Harrison Ford, sua simples presença em cena faz o espectador suspender a descrença e acreditar em qualquer barbaridade. A trama de Desconhecido parte de alguns temas hitchcokianos recorrentes, mas opta por associá-los aos piores cacoetes dos filmes de ação americanos – perseguições cansativas, explosões de carros, etc. Só que, apesar disso, o filme consegue prender a atenção e evolui muito bem. Talvez seja justamente a presença de Neeson – e de mais alguns bons coadjuvantes – que faz as engrenagens funcionarem e mantém o filme nos eixos do bom entretenimento.

Liam Neeson é o Dr. Martin Harris, cientista americano que chega com a esposa a Berlim para uma conferência. Após um acidente de carro, ele acorda no hospital com lapsos de memória e descobre que esteve em coma durante quatro dias. Ao retornar para o hotel em que estaria hospedado, Martin descobre não apenas que a esposa não o reconhece, mas também que outro homem assumiu sua identidade. Desacreditado pelas autoridades e perseguido por assassinos desconhecidos, Martin precisa buscar em sua memória prejudicada pistas para descobrir o porquê do pesadelo que está vivendo.

O diretor Jaume Collet-Serra, o mesmo de A Órfã e A Casa de Cera, se sai razoavelmente bem em sua primeira incursão fora do gênero terror. O trabalho do cineasta não inova, mas tampouco compromete. O roteiro de Oliver Butcher e Stephen Cornwell também tem bons momentos, especialmente nas cenas que envolvem o ex-agente da Stasi. A boa decisão de basear a trama em Berlim (ao invés de Paris, conforme no romance do qual foi adaptado o roteiro) também ajuda, conferindo uma dose extra de mistério, devido ao exotismo das boates e todo o clima underground berlinense.


Se Liam Neeson é um ponto forte para o bom desenvolvimento do longa, o desempenho fraco de January Jones e Diane Kruger (que esteve bem melhor em Bastardos Inglórios) atrapalha bastante por outro lado. Já o time dos atores coadjuvantes se mostra bem mais coeso, com destaque especial para a participação breve, porém fundamental, de Bruno Ganz. Suas falas sobre a habilidade dos alemães em negar o passado são simplesmente brilhantes. Vale lembrar ainda que Liam Neeson e Bruno Ganz já foram, respectivamente, Oskar Schindler e Adolf Hitler no cinema.

Desconhecido é diversão escapista eficiente, daquelas ideais para curtir munido de um saco de pipoca e uma boa companhia. O filme estreou em primeiro lugar em casa, arrebatando US$ 21,7 milhões das bilheterias americanas em seu final de semana de abertura. Vamos ver como se sai por aqui, em meio a tantos oscarizáveis em cartaz.

Estreia nesta sexta.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Programa furado


Mais uma vez, a Rede Globo anuncia com entusiamo que transmitirá o Oscar e convenientemente esquece de esclarecer que começará a transmitir com atraso porque não quer perder os pontinhos de audiência obtidos com esse insulto à inteligência chamado Big Brother. Pode?

Lembro bem que, no ano passado, a transmissão começou não apenas depois do show de abertura, mas depois da entrega de alguns prêmios (eu estava acompanhando através de uma transmissão on line, felizmente). A apresentadora Maria Beltrão ainda tentou minimizar a situação, dizendo algo como "alguns prêmios menores já foram anunciados", sendo que um destes troféus "menores" era o de atriz coadjuvante.

Caros cinéfilos, corram para a casa de alguém com TV a cabo! A TNT começa a transmitr uma hora antes, às 22h, com a cobertura no tapete vermelho. Fiquem espertos.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

And the winner is...


Domingo é dia de Oscar. Um ponto positivo na edição deste ano é o fato de não haver nenhum candidato ruim dentre os 10 indicados a melhor filme. A seleção 2011 oscila entre os apenas bons e os excelentes, ou seja, mesmo os mais fracos da lista são melhores do que o vencedor meia-bomba do ano passado, Guerra ao Terror.

Meu favorito não é O Discurso do Rei. Mesmo tendo adorado o filme, considero-o inferior aos fabulosos Cisne Negro e A Origem. Mas, por outro lado, uma vitória de O Discurso do Rei me agradaria muito mais do que a do ex-favorito, A Rede Social (bom filme, mas não me impressionou tanto assim).

Vale esclarecer que Toy Story 3 ocupa a décima posição apenas por ter categoria própria e, portanto, estar tirando a vaga de outro filme aqui, já que seria praticamente impossível ele vencer nas duas.

Senti falta de Ilha do Medo e - mais ainda - de Leo DiCaprio. Também achei poucas as indicações para A Origem. 

Sem mais preâmbulos, segue abaixo meu ranking pessoal:

1 - Cisne Negro
2 - A Origem
3 - O Discurso do Rei
4 - Bravura Indômita
5 - A Rede Social
6 - Minhas Mães e Meu Pai
7 - 127 Horas
8 - O Vencedor
9 - Inverno da Alma
10 - Toy Story 3

sábado, 19 de fevereiro de 2011

James Franco e suas 127 Horas


Como profissional das artes cênicas, eu posso atestar com propriedade: poucas coisas (poucas mesmo) são tão apavorantes para um ator quanto estar sozinho em cena. Não ter com quem dialogar contraria toda a dinâmica da interpretação, calcada no ato de contracenar. Longe de acender a vaidade ou massagear o ego, contracenar consigo mesmo é uma experiência muito trabalhosa e incrivelmente arriscada. Sou fã de quem o faz, e bem. É o caso de James Franco em 127 Horas. Muitos torcem o nariz para sua indicação ao Oscar de melhor ator deste ano. Puro preconceito. Ainda mais porque Franco é bonito. Está certo que o cara ficou famoso como o Harry Osbourne da trilogia Homem-Aranha, mas também já coleciona alguns bons papéis em filmes menos convencionais, como Milk e Segurando as Pontas.

127 Horas narra a saga verídica de Aron Ralston, aventureiro que passou as citadas horas preso pelo braço em uma fenda em uma montanha, em meio a uma região de canions. Autossuficiente e arredio, Ralston não tinha avisado a ninguém onde pretendia se aventurar e, portanto, esperar que viessem resgatá-lo simplesmente não era uma possibilidade. Durante seu calvário, Ralston se confronta com a possibilidade de morrer e repensa todas as suas atitudes, lembrando das pessoas que fizeram diferença para sua vida.

Ao contrário do recente Enterrado Vivo (outra grande interpretação, desta vez de Ryan Reynolds), 127 Horas não é exatamente um filme claustrofóbico. Ao invés de abusar da inércia e dos planos fechados, o diretor Danny Boyle optou por contar sua história de maneira dinâmica. E, por incrível que pareça, conseguiu a façanha de realizar um filme recheado de ação, mesmo tendo seu protagonista imobilizado durante 90% do longa.

Está certo que algumas lembranças soam excessivas, especialmente as que remetem à ex-namorada, mas de um modo geral o recurso funciona muito bem. E é neste ponto, o do contraponto, que a inspirada atuação de James Franco faz toda a diferença, conferindo estados alternados a seu personagem. Grande destaque para as cenas em que o protagonista filma a si mesmo, para o caso de ser encontrado morto.

Franco não vai ganhar o Oscar (esse ninguém tira de Colin Firth), mas sua indicação ao prêmio não apenas é justificada como totalmente merecida. Ainda lamento a injustiça cometida contra Leonardo DiCaprio (que teve não uma, mas duas interpretações fabulosas em 2010), mas isso definitivamente não tem nada a ver com Franco. Se alguém tivesse que sair da lista de indicados para ceder a vez a Leo, esse teria que ser Jesse Eisenberg, que está ali pelo sucesso de A Rede Social como um todo.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

BAFTA 2011


Endossando a tendência pós-Globo de Ouro, que aponta uma reação de O Discurso do Rei em cima do favoritismo de A Rede Social, o BAFTA 2011 (premiação da Academia Britânica de Cinema e Televisão) premiou o longa em sete categorias, contra apenas três do outrora favorito. Dentre os atores, enquanto Natalie Portman e Colin Firth levaram mais um, os coadjuvantes surpreenderam (Helena Bonham Carter e Geoffrey Rush deram uma rasteira em Melissa Leo e Christian Bale). Mas vale lembrar também que o BAFTA, por ser um prêmio inglês, tem uma tendência a puxar brasa para a sua sardinha. Ou seja, no dia 27 de fevereiro tudo pode acontecer.

Uma categoria que chama a atenção é a de filme estrangeiro, que premiou o sueco Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, bom filme que foi solenemente esnobado em todas as outras premiações. O feito fica ainda mais impressionante quando vemos que o longa sueco levou a melhor sobre O Segredo dos Seus Olhos, não apenas o vencedor do Oscar 2010 como também um dos filmes mais queridos dos últimos anos.

Confiram abaixo os vencedores:

Filme - O Discurso do Rei
Filme Britânico - O Discurso do Rei
Direção - David Fincher (A Rede Social)
Ator - Colin Firth (O Discurso do Rei)
Atriz - Natalie Portman (Cisne Negro)
Ator Coadjuvante - Geoffrey Rush (O Discurso do Rei)
Atriz Coadjuvante - Helena Bonham Carter (O Discurso do Rei)
Ator-Revelação - Tom Hardy
Contribuição Britânica - J.K. Rowling e a série Harry Potter
Trilha Sonora - O Discurso do Rei, de Alexander Desplat
Curta-metragem - Until the River Runs Red
Curta de Animação - The Eagleman Stag
Edição de Som - A Origem
Edição - A Rede Social
Cabelo e Maquiagem - Alice no País das Maravilhas
Filme Estrangeiro - Os Homens Que Não Amavam as Mulheres
Figurino - Alice no País das Maravilhas
Efeitos Visuais - A Origem
Roteiro Original - O Discurso do Rei, de David Seidler
Roteiro Adaptado - A Rede Social, de Aaron Sorkin
Filme de Animação - Toy Story 3
Fotografia - Bravura Indômita

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Bravura Indômita


Os irmãos Coen são óbvios admiradores do western. Podemos observar ao longo de sua filmografia várias pitadas próprias do gênero, chegando ao auge dessas referências no oscarizado Onde os Fracos Não Tem Vez – este, em todos os aspectos, um faroeste estilizado. Neste Bravura Indômita, Ethan e Joel Coen abandonam o mero flerte para mergulhar de cabeça no gênero consagrado por John Ford e Sergio Leone.

Refilmagem do clássico de mesmo nome de 1969 estrelado por John Wayne, Bravura Indômita acompanha a odisséia de uma garota de 14 anos em busca do assassino do pai. Por conta da má-vontade das autoridades oficiais em perseguir o criminoso Tom Chaney, a resoluta Mattie Ross não vê alternativa senão contratar os serviços do nada confiável Rooster Cogburn. A garota é advertida de sua brutalidade e alcoolismo, mas também de que ele é dotado de grande bravura (daí o título). Receosa em depositar suas esperanças e economias naquele homem rude, Mattie está disposta a acompanhar de perto a caçada e não se detém diante dos protestos de Cogburn. Junta-se à dupla, ainda, LaBoeuf, caubói texano que vem perseguindo Chaney há muito tempo.

O filme é um belo e competente tributo aos grandes longas do gênero, com seus planos abertos, paisagens áridas e fotografia deslumbrante. E o que mais surpreende no longa é justamente isso, o quanto os Coen investem em um cinemão clássico, à moda antiga, deixando o próprio estilo de lado. Claro que o humor sarcástico dos manos pode ser vislumbrado em algumas passagens, mas trata-se de um filme essencialmente atípico da dupla.

O bom roteiro e a direção precisa são ainda mais valorizados pelo jogo de cena entre Jeff Bridges e Hailee Steinfeld. O afeto e cumplicidade que brota, a princípio relutante, entre os dois é a grande mola propulsora da trama. Bridges, em ótima fase, só precisa tomar um pouco de cuidado para não ficar excessivamente marcado por personagens de caubói bêbado. No mais, sua atuação é irretocável. E que surpresa maravilhosa é a pequena notável Hailee Steinfeld, indicada ao Oscar injustamente na categoria de coadjuvante. Não apenas sua personagem é a verdadeira protagonista da trama, como Hailee, como intérprete, toma para si a responsabilidade de conduzir o filme. O bom de a indicarem como coadjuvante é que isso aumenta consideravelmente suas chances de vencer.


Bravura Indômita é um filme brutal. E belo. Mais que tudo, a crueza de diálogos e de situações remete o espectador a uma época selvagem e isenta de sutilezas. É o ser humano sem retoques ou verniz de civilidade nas telas de cinema. E isso pode ser de uma beleza surpreendente. Bravíssimos irmãos Coen.

Confiram a partir dessa sexta.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O Discurso do Rei


A realeza britânica é mesmo um manancial de boas idéias para a sétima arte, desde as intrigas palacianas envolvendo a trajetória de Elizabeth I até o impasse criado em Buckingham com a morte de Lady Di visto em A Rainha. O roteirista David Seidler, que teve problemas de gagueira na infância, encontrou um novo e curioso tema ao ler o livro Mark Logue e Peter Conradi e descobrir que um rei da Inglaterra já foi acometido pela mesma deficiência. Assim nasceu esse filme delicioso que é O Discurso do Rei.

A trama enfoca o Rei George VI, no início do longa apenas o pacato e tímido Duque de York (ou Bertie, para a família). Sendo o irmão mais novo, Bertie nunca teve sobre si a pressão da opinião pública nem a atenção dispensada a seu irmão mais velho David, o primeiro na linha de sucessão. O que é uma sorte, já que Bertie é acometido por uma gagueira de fundo psicológico que o impede de falar em público. Só que com a morte do Rei George V e a inesperada abdicação de David, Bertie se vê, contra todas as expectativas, coroado Rei da Inglaterra. Com o país à beira da Segunda Guerra Mundial e precisando de um líder que inspire o povo, seu problema precisa ser solucionado. Com a ajuda de Lionel Logue, um excêntrico terapeuta da fala de métodos nada ortodoxos, Bertie finalmente poderá superar seus traumas e encontrar sua própria voz.

A grande sacada de O Discurso do Rei é apresentar George VI como Bertie, ou seja, não o monarca poderoso e sim um homem lutando contra seu maior fantasma. A cena de abertura, que mostra a primeira tentativa fracassada do protagonista em se fazer ouvir e seu pânico perante o silêncio condenatório da multidão, já cria cumplicidade imediata com o espectador e inspira tanta empatia que dali em diante será impossível não torcer para o personagem. O filme também diverte ao mostrar a falta de protocolo de Logue ao lidar com a realeza. Não por desrespeito, mas por pura falta de conhecimento sobre um universo que não é o seu.

Colin Firth tem aqui mais um grande momento de sua carreira. Alguns dirão que sua quase certa premiação com o Oscar é devido ao fato de interpretar um personagem com deficiência, o tipo de papel que costuma agradar à Academia. Sim e não. É óbvio que um personagem com uma particularidade assim é um grande desafio e requer um ator de muito talento, mas, na verdade, Colin alcança uma excelência que transcende sua capacidade em interpretar “um gago” com propriedade. Existe muito de Bertie revelado com o olhar, como a já citada cena de abertura, quando o ator transmite toda sua angústia sem dizer uma única palavra.


Mas seria injusto elogiar apenas Firth, porque as cenas em conjunto com Geoffrey Rush e Helena Bonham Carter são de uma precisão, elegância e delicadeza comoventes. O filme acaba sendo do trio, que dá nova dimensão ao verbo contracenar. Michael Gambon também tem participação pequena, porém marcante. Em um elenco tão entrosado, apenas Guy Pearce parece meio fora do tom como David (ou Edward III). Mas nada que chegue a comprometer o resultado final.

O Discurso do Rei não é um filme que empolga ou tira o espectador dos eixos – como foi o caso de Cisne Negro –, mas é uma produção simpaticíssima e muito bem realizada em cada um dos seus detalhes. É filme para deixar o espectador com um sorriso no rosto e a sensação de que obstáculos estão aí para serem superados.

Sexta nos cinemas.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Cisne Negro


O inimigo mais perigoso que uma pessoa pode ter é a sua própria mente. Capaz de desestabilizar, pregar peças, enganar os sentidos, adulterar a realidade. Nenhum outro inimigo é tão implacável, capaz de perseguir sem descanso e fazer tremer o mais valente guerreiro. Vejam o Macbeth de Shakespeare como exemplo, imbatível em sua maldade e valentia até começar a se deparar com os fantasmas de sua culpa. Lugar nenhum é seguro para uma mente doente. É com esse desafio, o de manter a sanidade em meio a uma espiral descendente, que se depara Nina Sayers, personagem de Natalie Portman no impressionante Cisne Negro.

Nina é bailarina em uma prestigiada companhia nova-iorquina. Obcecada com a perfeição, toda sua vida é dedicada à dança, atitude incentivada por sua mãe Erica, ex-bailarina que busca compensar sua carreira frustrada através do sucesso da filha. Quando o diretor Thomas Leroy decide substituir a estrela da companhia para a nova temporada, Nina tem sua grande chance. O problema é que o espetáculo escolhido, O Lago dos Cisnes, exige uma bailarina que possa personificar tanto a suavidade e delicadeza do Cisne Branco quanto a luxúria e malícia do Cisne Negro. Nina, a despeito de sua técnica apurada, tem dificuldades em fazer emergir o Cisne Negro, ao mesmo tempo em que a novata Lily encanta Leroy com sua graça natural e sensualidade. A concorrência de Lily e a insegurança da própria Nina começam a exercer uma pressão insuportável sobre ela, fazendo com que a doce menina entre em contato com partes muito obscuras de sua personalidade.

Todo o filme é conduzido com maestria por Natalie Portman, que a princípio demonstra ser uma pessoa tão dócil que parece irreal. Nina não tem vontade própria, assim como não tem privacidade, todos os seus passos são vigiados muito de perto pela mãe invasiva. A ótima ambientação da casa, com seu longo corredor cheio de quadros e suas portas sem trancas, ajuda a dar o tom certo. Nina não poderia viver em suspensão para sempre, e sua ilusão de vida de princesa é quebrada quando ela é posta à prova, primeiro conseguindo o papel dos seus sonhos (literalmente) e segundo sentindo-se ameaçada de perdê-lo. É quando emerge o seu lado sombrio e, por trás da bela e delicada bailarina, vislumbramos uma garota traumatizada, competitiva e com baixíssima auto-estima.


A direção de arte, fotografia e figurino são atrações à parte, criando ilusões visuais deslumbrantes, com predominância da oposição de cores e desdobramento de imagens através de espelhos. Há toda uma questão de duplicidade pontuando o filme, com destaque para o contraste feito entre a perfeição estética tão característica do ballet clássico com o lado mais brutal e menos glamouroso, ou seja, os machucados, unhas quebradas, contusões.

Natalie Portman se entrega totalmente à personagem, com uma intensidade e fervor admiráveis. O contraste entre a doçura inicial de Nina e seu destroçamento mental só poderiam ser retratados por uma grande atriz mesmo. Outro ponto importante é a questão física, já que o filme é pontuado de cenas de dança e Natalie realmente convence como uma bailarina profissional. Claro que a atriz não partiu do zero, já havia estudado ballet quando criança, mas, ainda assim, é qualquer coisa de incrível como ela incorpora a precisão e elegância de gestos característicos das bailarinas profissionais – e isso certamente é ainda mais complexo do que ser coreografada para dançar em cena.

Darren Aronofsky, conhecido pela ousadia estética e complexidade psicológica de seus filmes, alcança a maturidade total neste estonteante passeio pelos mais sombrios recantos da psiquê humana. No final das contas, não é uma história especificamente sobre o ballet e sim sobre a que extremos uma pessoa pode chegar em busca de perfeição – ou seria compensação? Aronofsky, espertamente, deixa bem difuso todos os limites de seu filme. Não apenas os limites entre realidade e delírio da protagonista, mas também entre o real e o metafórico. O paralelo entre a degradação de Nina e a transformação do Cisne Branco em Negro ganham representações concretas na tela, fazendo com que o longa remeta ao clássico O Retrato de Dorian Gray.


Cisne Negro é exagerado, intenso, cheio de sensações cruéis e cores dramáticas. Filme de ares operísticos e devidamente protagonizado por uma grande diva. Indigesto em vários trechos, vigoroso do começo ao fim, indefinido em seus limites, enfim, uma experiência eletrizante desde a lírica cena de abertura até o desfecho de tirar o fôlego. Não recomendável aos corações fracos. Para os que ousarem, a partir de amanhã nos cinemas.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

O Vencedor


Não se pode subestimar a força do clichê quando bem-realizado. O Vencedor se apóia numa série de elementos que não costumam fazer a minha cabeça: o famoso “baseado numa história real”, a trama de superação cheia de apelos emotivos e, por fim, a saga do lutador que apanha, apanha e apanha cada vez mais (na vida e no ringue) antes de reagir física e emocionalmente. Parece um pot-pourri de um monte de filmes que a gente já viu antes. Parece e é. Mas, ainda assim, O Vencedor pega o espectador de jeito graças a seus atores, que emprestam grande humanidade aos personagens que interpretam.

Pena que o título original do filme The Fighter, ou seja, O Lutador, não pode ser mantido – esse título já batizou o recente The Wrestler aqui no Brasil. Faria mais sentido, já o protagonista Micky Ward deve enfrentar obstáculos muito mais difíceis do que seus adversários no ringue para se tornar, de fato, um vencedor. Seu irmão mais velho Dicky já foi considerado um boxeador de talento, mas acabou desperdiçando suas chances por conta do vício. Agora Micky é treinado por Dicky e empresariado pela mãe, e as coisas não estão dando certo. Dicky, apesar de amar o irmão e o boxe, continua se drogando e não consegue dar à Micky a estabilidade que este precisa. Quando Micky é convidado para ser treinado profissionalmente, sabe que agarrar sua grande chance significaria romper com a família.

Dentro do panorama traçado para a bizarra família de Micky, o espectador certamente se perguntará como o personagem pode manter alguma sanidade convivendo com aquela fauna que gravita em torno da mãe, pródiga em maridos e filhas pra lá de estranhas com apelidos que soam como de lutadores de vale-tudo. Esse interessante painel da decadência ajuda a dar algum colorido a um roteiro que, no mais, é extremamente convencional. Noves fora, a conclusão é a de que os personagens e as relações entre eles são de longe mais ricos do que a trama propriamente dita. Mérito do irretocável elenco e da boa direção.

Christian Bale está assustador no papel do problemático Dicky, e rouba todas as cenas em que aparece – não que Wahlberg esteja mal, mas Christian atrai nosso olhar como um imã. Confesso que em diversas cenas tive vontade de rir e/ou chorar só de olhar para ele. Bale entrega uma interpretação tão apaixonante que surpreende até mesmo o espectador que foi para o cinema já preparado para ver algo bom (a saraivada de prêmios que o ator já coleciona cria bastante expectativa). Mas seria injusto colocar todos os méritos apenas na atuação arrasadora de Bale, porque o elenco está ótimo como um todo. Melissa Leo, Amy Adams e até Mark Wahlberg – ator que costumamos não valorizar muito – conseguem elevar a qualidade de um filme que deveria ser apenas mediano a um patamar superior.

Uma curiosidade: Mickey O’Keefe, um dos treinadores de Micky Ward, interpreta a si mesmo no filme.

Sexta nos cinemas.