quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Vigaristas


O pessoal que trabalha em áreas ligadas ao cinema geralmente desconfia quando um filme fica muito tempo rodando nas listas de “próximos lançamentos” e nunca estreia. Desconfia mais ainda quando o tal filme tem à frente do elenco três atores famosos, dois deles vencedores do Oscar. Pressupõe-se que um filme com grandes astros que fica engavetado só pode ser uma bomba. Era o que eu pensava de Vigaristas, impressão reforçada pela sinopse parecer um somatório de milhões de outras histórias que já vimos antes sobre uma dupla de estelionatários charmosos e inteligentes. Mas não é que o filme tem mais a oferecer do que parece?

Desde muito pequenos, os irmãos Stephen e Bloom tiveram que se virar e contar apenas um com o outro. Órfãos, passaram por muitas famílias adotivas e foram devolvidos por todas. Stephen, desde criança, sempre criou mirabolantes e intrincados esquemas para tirar vantagem das pessoas. Bloom nunca teve alternativa senão segui-lo, e os dois passaram a vida desempenhando os papéis que Stephen criou para cada um deles, a cada nova falcatrua. Stephen não se limita a enganar as pessoas, ele acredita que para que um golpe seja realmente perfeito, cada um tem que conseguir o que deseja. Eles, vantagens financeiras; o ludibriado, uma aventura inesquecível. Só há um porém nesta teoria: Bloom ainda não conseguiu o que mais deseja, que é ter uma vida que não tenha sido escrita pelo irmão. Mas ele aceita tomar parte em um último embuste e se dispõe a seduzir Penelope, uma moça solitária, entediada... e muito rica.


Na superfície, realmente Vigaristas é mais do mesmo. Estão em cena todos os elementos de filmes do gênero, tais como a dupla formada por um espertinho e expansivo em contraponto com o outro mais pacato e questionador, que entra em conflito com o comparsa por estar cansado daquela vida; a mocinha espirituosa que joga lenha na fogueira da dupla, e invariavelmente se interessa pelo herói romântico; as tramóias bem urdidas; os cenários exóticos; o desafeto antigo que vem complicar a vida dos protagonistas; as muitas idas, vindas e reviravoltas. A diferença é que neste filme, devido a seu caráter ultrametalinguístico, todos os lugares-comuns se tornam referências a um tipo de trama que encontra ecos desde em clássicos como Golpe de Mestre até referências mais recentes como Os Safados e o quase homônimo Os Vigaristas.

O diretor e roteirista Rian Johnson constrói a sua trama em torno de uma celebração ao ato de contar histórias. Stephen não apenas roteiriza seus golpes, mas também cria personagens, identidades, clímax, enfim, todo um mundo imaginado que remete ao próprio universo do cinema como fábrica de sonhos. O único problema é que o roteiro acaba ficando refém de sua própria estrutura Sherazzade. Stephen se dispõe a escrever a história perfeita, definitiva, criando um mecanismo de trama dentro da trama que por vezes acaba por engessar um pouco o filme como um todo. Por outro lado, ao utilizar-se desse artifício, ele também cria um dispositivo de proteção que faz com que qualquer exagero ou incoerência na história possa ser facilmente perdoado.

Outro fator que faz toda a diferença é o brilho e carisma do elenco. Adrien Brody, ótimo ator, está perfeito como o anti-herói trágico arrastado a contragosto para uma vida de crimes; Rachel Weisz, sempre um encanto em cena, dá perspicácia e inteligência a uma personagem que poderia parecer tola se interpretada de modo pouco habilidoso. E Rinko Kikuchi é simplesmente um barato no papel da perita em explosivos Bang-Bang, que faz graça praticamente sem abrir a boca. Mas a grande atração é o charme que Mark Ruffalo empresta ao inteligentíssimo e criativo Stephen Bloom. Ruffalo tem se mostrado um ator muito surpreendente nos últimos anos. Já seu personagem poderia ter feito fortuna como roteirista em Hollywood, caso não tivesse dedicado sua imaginação a fins menos nobres.


Por fim, uma dúvida paira no ar: se eles são, conforme o título original, os irmãos Bloom, qual é o primeiro nome do Bloom de Adrien Brody?

Estreia sexta.

sábado, 17 de outubro de 2009

Distrito 9


Depois do buchicho causado pelo longa no Festival do Rio, finalmente fui conferir Distrito 9 no circuitão. E foi muito gratificante constatar que não é muito barulho por nada, já que trata-se de um dos filmes de sci-fi mais originais e menos pretensiosos das últimas décadas. Uma verdadeira pérola para quem curte cinema inventivo, inteligente e bem estruturado. Depois de explorar a temática do contato entre humanos e alienígenas em dois curtas (Alive in Joburg, 2005, e Tempbot, 2006), o técnico em efeitos visuais sul-africano Neill Blomkamp debuta na direção de longas com esta trama também escrita por ele e produzida por ninguém menos que Peter Jackson.

Sob o formato de um documentário fake, Distrito 9 começa narrando como uma grande nave interplanetária quebrou sobre Joanesburgo vinte anos antes, acontecimento que acabou deixando sob a responsabilidade do governo da África do Sul uma indesejada população de alienígenas confusos, perdidos e malnutridos. As criaturas foram segregadas em um acampamento provisório, que logo se transformou numa imensa favela na qual os aliens, vítimas de forte preconceito da parte dos humanos, sobrevivem em meio à sujeira, pobreza e todo tipo de degradação social.

No ponto em que a trama realmente começa, a organização pseudo-humanitária MNU – Multi-National United – promove uma espécie de reassentamento dos alienígenas numa área afastada da cidade, numa clara tentativa de varrê-los para baixo do tapete. Um burocrata da MNU deve ir com uma força-tarefa entregar as ordens de despejo para formalizar a situação, e é durante essa missão que as coisas desandam e a favela explode num conflito gigantesco. Vale ressaltar a hipocrisia da tal entidade em notificar os aliens de seu despejo por escrito, mesmo não deixando alternativa a eles.

A partir de um princípio em tom de ironia e paródia, o filme caminha para um desenvolvimento mais pautado pela tensão dramática e pela ação, mas sem nunca abandonar sua postura crítica. A xenofobia sofrida pelos alienígenas remete a todo e qualquer crime de ódio racial já cometido na história da civilização. Desde o apartheid que lembra bastante não apenas o da própria África do Sul, mas também o perpetrado pelos Estados Unidos até a década de 60 (em diversos cenários, há placas e avisos de “somente para humanos”) até a negativa dos que detém o poder em enxergar os que lhe são subordinados como seres dignos de respeito (qualquer semelhança com o nazismo não é mera coincidência). São especialmente curiosas as declarações dos humanos, que dizem coisas como “se pelo menos eles fossem de outro país, tudo bem; mas eles nem são desse planeta”. Sem contar os apelidos pejorativos e a exploração econômica sofrida pelos segregados, que neste caso pagam preços exorbitantes por ração para gatos contrabandeada pelo simples fato de gostarem de tal alimento. Claro que as situações deste filme são levadas a extremos, mas o mecanismo de ódio é assustadoramente verossímil.

Em meio ao caos, o filme ainda encontra espaço para desenvolver a solidariedade entre dois personagens de mundos opostos e insere uma ponta de esperança em meio à desolação, à barbárie, ao primitivismo humano. E isso ganha especial estofo não apenas pela competência do roteiro e da direção, mas graças também à excelente interpretação do novato Sharlto Copley, que interpreta o executivo que se vê em meio a um conflito que julgava não ser seu. Este é o primeiro longa de Copley, que antes de Distrito 9 tinha feito apenas o curta de Blomkamp Alive in Joburg.


Para finalizar, meus caros, não se deixem enganar pela abordagem por vezes engraçadinha e com um quê de filme trash de Distrito 9: este é um filme que dá bastante o que pensar. É esperto, provocante e, em muitos trechos, assustador. Mas também é profundo em suas colocações. Um filmaço que diverte na hora e faz refletir depois.

65 filmes na disputa


Acabou o prazo! A lista de países que concorrem a uma das vagas para a categoria melhor filme estrangeiro do Oscar 2010 fechou com 65 inscritos. Chama atenção o fato da Espanha mais uma vez ter ignorado um longa de Almodóvar e também a indicação da Argentina para o excepcional O Segredo dos Seus Olhos, de Juan José Campanella. Considerando que a Academia nunca destinaria duas vagas à América do Sul, um concorrente de tal nível praticamente elimina as já escassas chances brasileiras. Mas é claro que isso não passa de especulação e os finalistas de fato serão anunciados somente no dia 2 de fevereiro de 2010. Confiram abaixo os concorrentes:

África do Sul, White Wedding, Jann Turner
Albânia, Alive!, Artan Minarolli
Alemanha, A Fita Branca, Michael Haneke
Argentina, O Segredo dos Seus Olhos, Juan José Campanella
Armênia, Autumn of the Magician, Rouben Kevorkov e Vaheh Kevorkov
Austrália, Samson & Delilah, Warwick Thornton
Áustria, For a Moment Freedom, Arash T. Riahi
Bangladesh, Beyond the Circle, Golam Rabbany Biplob
Bélgica, The Misfortunates, Felix van Groeningen
Bolívia, Zona Sur, Juan Carlos Valdivia
Bosnia e Herzegovina, Nightguards, Namik Kabil
Brasil, Salve Geral (Time of Fear), Sergio Rezende
Bulgária, The World Is Big and Salvation Lurks around the Corner, Stephan Komandarev
Canadá, Eu Matei a Minha Mãe, Xavier Dolan
Cazaquistão, Kelin, Ermek Tursunov
Chile, Dawson, Isla 10, Miguel Littin
China, Eterno Feitiço, Chen Kaige
Colômbia, The Wind Journeys, Ciro Guerra
Coréia, Mother, Bong Joon-ho
Croácia, Donkey, Antonio Nuic
Cuba, Fallen Gods, Ernesto Daranas
Dinamarca, Terribly Happy, Henrik Ruben Genz
Eslováquia, Broken Promise, Jiri Chlumsky
Eslovênia, Landscape No. 2, Vinko Moderndorfer
Espanha, The Dancer and the Thief, Fernando Trueba
Estônia, December Heat, Asko Kase
Filipinas, Grandpa Is Dead, Soxie H. Topacio
Finlândia, Letters to Father Jacob, Klaus Haro
França, Un Prophete, Jacques Audiard
Geórgia, The Other Bank, George Ovashvili
Grécia, Slaves in Their Bonds, Tony Lykouressis
Holanda, Winter in Wartime, Martin Koolhoven
Hong Kong, Prince of Tears, Yonfan
Hungria, Chameleon, Krisztina Goda
Índia, Harishchandrachi Factory, Paresh Mokashi
Indonésia, Jamila and the President, Ratna Sarumpaet
Irã, About Elly, Asghar Farhadi
Islândia, Reykjavik-Rotterdam, Oskar Jonasson
Israel, Ajami, Scandar Copti e Yaron Shani
Itália, Baaria, Giuseppe Tornatore
Japão, Nobody to Watch over Me, Ryoichi Kimizuka
Lituania, Vortex, Gytis Luksas
Luxemburgo, Refractaire, Nicolas Steil
Macedonia, Wingless, Ivo Trajkov
México, Backyard, Carlos Carrera
Marrocos, Casanegra, Nour-Eddine Lakhmari
Noruega, Max Manus, Espen Sandberg e Joachim Roenning
Peru, A Teta Assustada, Claudia Llosa
Polônia, Reverse, Borys Lankosz
Portugal, Doomed Love, Mario Barroso
Porto Rico, Kabo and Platon, Edmundo H. Rodriguez
Reino Unido, Afghan Star, Havana Marking
República Checa, Protektor, Marek Najbrt
Romênia, Politist, Adjectiv, Corneliu Porumboiu
Rússia, Ward No. 6, Karen Shakhnazarov
Sérvia, St. George Shoots the Dragon, Srdjan Dragojevic
Sri Lanka, The Road from Elephant Pass, Chandran Rutnam
Suécia, Involuntary, Ruben Ostlund
Suíça, Home, Ursula Meier
Tailândia, Best of Times, Yongyoot Thongkongtoon
Taiwan, No Puedo Vivir sin Ti, Leon Dai
Turquia, I Saw the Sun, Mahsun Kirmizigul
Uruguai, Bad Day for Fishing, Alvaro Brechner
Venezuela, Libertador Morales, El Justiciero, Efterpi Charalambidis
Vietnã, Don't Burn It, Dang Nhat Minh

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O Desinformante!


Steven Soderbergh é um diretor flutuante, que me deixa sempre sem saber o que esperar de um longa assinado por ele. O cara realiza desde viagens ambiciosas como uma odisséia de Che em duas partes até fitas baratas (e absolutamente dispensáveis) como Confissões de uma Garota de Programa. Entre a pretensão de ser grande e o cacoete de querer ser moderno, Soderbergh volta e meia evita esses dois extremos e acerta em cheio. É o caso deste divertido e original filme.

O Desinformante! apresenta uma trama tão absurda que custamos a crer em sua inspiração na realidade. O argumento com toques de humor nonsense é pautado por temas seríssimos como espionagem corporativa, formação de cartéis, escutas telefônicas e apropriação indébita. Tudo começa quando Mark Whitacre, alto executivo de uma multinacional de derivados de milho, compartilha com seus chefes a denúncia de que uma concorrente japonesa vem sabotando-os. O FBI entra na jogada e logo Whitacre passa de funcionário-modelo a informante do Bureau contra seus próprios superiores, depois de dar com a língua nos dentes sobre um suposto cartel envolvendo sua empresa e as demais concorrentes.

Durante quatro anos (de 1992 a 1996), Mark gravou conversas, forneceu informações, repassou documentos confidenciais e destrinchou altas conspirações. O grande problema é que quase tudo era inventado, deixando o FBI numa tremenda saia-justa por ter lhe dado tanto crédito por tanto tempo. Por que alguém faria isso? Mark é um mitômano, ou seja, sofre de uma compulsão patológica por mentir. E a comédia de erros que daí advém acontece justamente graças à falta de limites do personagem e suas mentiras cada vez mais escalafobéticas. Um detalhe muito divertido é o modo como a narração em off nos faz acompanhar seu fluxo de pensamento, dando ao espectador acesso a um monólogo interior muito louco.

O Desinformante! é uma comédia um pouco fora do estilo que costumamos ver no mercado. Tudo é interpretado na tela com o maior tom de seriedade, e a graça vem justamente do nível de absurdo do ocorrido. Então digamos que não é um filme para grandes gargalhadas e sim para muitos sorrisinhos irônicos. Um Matt Damon gorducho e com um bigodão esquisito dá a Mark Whitacre um ar de impagável canastrice (no bom sentido), ao mesmo tempo em que continua tendo aquele seu característico jeito de bom moço. Damon também é muito bem coadjuvado por Melanie Lynskey com a esposa Ginger e Scott Bakula como Brian Shepard, o pobre agente federal de boa-fé que caiu na lábia do mentiroso. Numa trama com tantas meias-verdades e fatos falseados, o espectador só tem que ficar muito atento para não perder o fio da meada da história. Se piscar, já era.


A inacreditável biografia de Mark Whitacre parece-se bastante com a de outro notório vigarista americano, Frank Abagnale Jr. – retratado nas telas em Prenda-me Se For Capaz. Ambos enganaram as autoridades por anos com sua astúcia e poder de convencimento antes de serem desmascarados e, depois de cumprirem suas penas, reabilitaram-se e construíram carreiras bem-sucedidas: Abagnale como consultor de fraudes bancárias e Whitacre como executivo de sistemas. Para eles, o crime até que compensou.

Estreia sexta.

sábado, 10 de outubro de 2009

Salve Geral


É preciso falar, ainda que tardiamente, de Salve Geral. Ao mesmo tempo em que seu lançamento passava meio despercebido aqui no Rio de Janeiro (por ter ocorrido em meio ao Festival do Rio), o filme estreou com a chancela de ter acabado de ser eleito o candidato do Brasil para disputar uma das cinco vagas para o Oscar 2010 na categoria melhor filme estrangeiro. Nas preliminares em casa, Salve Geral derrotou pelo menos um filme de excelência inequívoca: Feliz Natal, de Selton Mello.

Sem fazer juízo de valor quanto ao filme em si, é muito esquisita essa insistência do Brasil em enviar, ano após ano, o mesmo estilo de filme que vem sendo desprezado pela Academia. Vale lembrar que Carandiru, Última Parada 174 e até mesmo a obra-prima Cidade de Deus foram rejeitados nesta categoria, o que só reforça os boatos sobre o conservadorismo dos votantes da mesma. É bem verdade que no ano seguinte Cidade de Deus deu a volta por cima e obteve indicações nas categorias principais, mas isso não invalida o fato do longa ter sido rejeitado quando submetido à disputa por filme estrangeiro.

Quanto a Salve Geral, é um filme correto quanto à recriação do fatídico domingo de maio de 2006 no qual o PCC (Primeiro Comando da Capital) promoveu um caos que conseguiu parar a maior cidade do país. A rotina carcerária e as disputas de poder entre as facções também são mostradas em todas as suas nuances cinzentas. Mas o longa sempre parece menos convincente em sua porção fictícia, ao se apoiar em personagens cujas ações e reações não parecem lógicas. Andréa Beltrão é uma excelente atriz e dá seu sangue para defender Lúcia, mas a personagem é cheia de contradições esquisitas: primeiro é uma mãe amorosa que se envolve com o crime para proteger o filho, mas subitamente se apaixona por um criminoso e deixa o filho – que foi a origem de tudo – em segundo plano, chegando a parar de visitá-lo para se encontrar com o amante. O ator Lee Thalor, que interpreta Rafa (o filho de Lucia), tem 26 anos. Embora a idade do personagem não seja dita explicitamente em nenhum momento, suas atitudes infantis e inseguranças soam típicas de um adolescente. E Thalor tem a imagem de um homem já mais maduro, mesmo caracterizado como um garotão.

Salvo essas ressalvas, é um filme competente. Agora se vai comover os membros da Academia... aí já é outra história.

Mais vistos

Filme de Almodóvar é o mais visto

Eis os 15 filmes mais vistos neste Festival:

1. Abraços Partidos
2. (500) Dias com Ela
3. Aconteceu em Woodstock
4. Bastardos Inglórios
5 . Coco Antes de Chanel
6. Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos
7. Tokyo!
8. Distante Nós Vamos
9. Sonhos Roubados
10. Nova York, Eu Te Amo
11. Matadores de Vampiras Lésbicas
12. Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo
13. Dzi Croquettes
14. Julie & Julia
15. O Desinformante!

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

10+

Cena do impressionante longa nacional A Falta Que Nos Move

Sempre com a ressalva de que não assisti a alguns filmes bastante elogiados, como Abraços Partidos, Brilho de uma Paixão ou Sede de Sangue, listo abaixo os dez filmes que mais me impressionaram, encantaram ou divertiram neste Festival:

1 - A Falta Que Nos Move (idem)
2 - O Segredo dos Seus Olhos (El Secreto de Sus Ojos)
3 - Aconteceu em Woodstock (Taking Woodstock)
4 - Teatro de Guerra (Theater of War)
5 - Antes Que o Mundo Acabe (idem)
6 - Aquário (Fish Tank)
7 - Distante Nós Vamos (Away We Go)
8 - Nova York, Eu Te Amo (New York, I Love You)
9 - 500 Dias com Ela ((500) Days of Summer)
10 - Matadores de Vampiras Lésbicas (Lesbian Vampire Killers)

Acabou...


Registro do último dia de Festival: eu e Andy Malafaia (do CinePlayers) no Espaço de Cinema, prestes a entrar na sessão de Aquário. Reparem no detalhe daquele monte de gente lá atrás descendo a escada: era o povo saindo da sessão de Bastardos Inglórios, que bombou e fez atrasar a nossa (que era logo após, na mesma sala) em nada menos que vinte minutos. Coisas de Festival... Agora só em 2010.

Polytechnique


Muito chato terminar o Festival justo com um dos piores filmes, mas isso é algo que não se pode prever. Depois do bom programa duplo American Boy + American Prince e do ótimo Aquário, eis que tenho o desprazer de assistir a mais uma cópia mal-disfarçada de Elefante. Poderia ser uma cópia boa, pelo menos. Não é o caso. Polytechnique é um filme redundante do começo ao fim, desprovido de foco e que nada acrescenta à vida do espectador.

OK. Ele não é sobre o massacre da Columbine High School e sim sobre um caso semelhante ocorrido em 1989 na Escola Politécnica de Montreal – daí o título. Um jovem de 25 anos invadiu a escola armado com um rifle e assassinou impiedosamente todas as mulheres que encontrou pela frente. A diferença deste massacre para outros é o fato do assassino ter um foco mais direcionado: ele odiava apenas as mulheres independentes – que ele classificava como “feministas”, fossem ou não – e não a humanidade como um todo. O longa distribui sua perspectiva entre os estudantes Jean-François e Valérie e o maníaco do rifle, o que não funciona e só aumenta e sensação de dispersão que permeia todo o filme.

Valérie, uma das sobreviventes, é o único personagem com um pouquinho mais de estofo, já que Jean-François é pessimamente delineado e o franco-atirador apenas reclama sobre alguém chamada Lotte (que apenas podemos supor tratar-se de uma ex-namorada que virou desafeto) e o indistinto mal que as tais feministas causaram à sua vida. No mais, Polytechnique tenta copiar Elefante em quase tudo, desde as repetições de cenas sob diferentes pontos de vista até tomadas melancólicas mostrando longos corredores vazios.

O filme esteve na quinzena dos realizadores do Festival de Cannes 2009. Tenho a impressão de que o evento já foi bem mais seletivo em sua curadoria.

Nota: 2,0

(Polytechnique, de Denis Villeneuve. Canadá, 2009. 77 minutos. Expectativa)

Aquário


Mia tem 15 anos e sua vida é um verdadeiro caos: mora com a mãe e a irmã em um conjunto habitacional, foi expulsa da escola e vive puxando briga com as outras meninas da vizinhança. A única coisa que a faz temporariamente feliz é ouvir rap e criar coreografias, e ela ocupa todo o seu tempo com isso. Quando o simpático Connor começa a namorar sua mãe e frequentar sua casa, tem-se a impressão de que as coisas mudarão para melhor. A mãe fica menos agressiva e Connor se esforça para que todos fiquem mais unidos, como uma família. Filme vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2009.

Aquário é um filme extremamente violento do ponto de vista emocional. Embora ninguém leve um tiro ou seja mutilado, trata-se de uma história que causa verdadeira devastação sentimental. E geralmente são essas que impressionam mais. Mia, aos quinze anos, já é uma menina com um futuro deprimente à sua frente. Tem uma mãe que a trata da maneira mais desrespeitosa possível, já que enxerga ambas as filhas como estorvos. Uma cena chocante é aquela em que a mãe diz a uma assistente social que Mia é irrecuperável e a irmã menor certamente seguirá o mesmo caminho, como se estivesse falando de personagens fictícios e não de suas duas filhas.

A diretora e roteirista Andrea Arnold cria um longa dolorosamente impressionante a partir de um tema batido. É bem verdade que a temática do filme é semelhante a muitos outros realizados antes dele, mas o que torna Aquário tão especial e comovente é sua abordagem desprovida de grandes exageros dramatúrgicos. Mia vive pequenas tragédias a cada dia, mas, ao mesmo tempo, elas são totalmente previsíveis – justamente porque nós, adultos, já podemos antecipar o que está para acontecer antes da própria personagem.

Outro aspecto original é que a trama por vezes anuncia grandes tragédias e acaba seguindo pelo caminho da menor das dores - e esta nos parece ainda mais terrível justamente por ter a medida do real. Nada é tão ruim quanto poderia ser, considerando o evoluir das situações, mas é péssimo o suficiente. A cada sonho destruído, a cada esperança que se converte em mais uma decepção, a cada esforço em troco de nada, a protagonista luta para não submergir nesse aquário de miséria humana.

Katie Jarvis, a Mia, tem 18 anos e foi premiada melhor atriz no Festival de Edimburgo. Aquário é seu primeiro filme e diz a lenda que ela foi descoberta por um agente quando estava brigando com o namorado numa estação de trem. Assim como a personagem, ela tinha abandonado a escola e estava desempregada. Vamos ficar de olho nessa moça daqui para a frente e torcer para que ela não seja atriz de um papel só.


Nota: 9,0

(Fish Tank, de Andrea Arnold. UK, 2009. 124 minutos. Panorama do Cinema Mundial)

American Boy + American Prince


American Boy é um documentário feito em 1978 por Martin Scorsese sobre seu amigo Steven Prince. O filme nunca foi oficialmente lançado e, com o passar dos anos, foi tornando-se cult entre cinéfilos e cineastas. American Prince é um segundo documentário feito agora por Tommy Pallotta que reencontra Steven Prince trinta anos depois para criar um segundo capítulo para sua biografia. Prince trabalhou como ator (é ele o traficante de armas de Taxi Driver), assistente de direção de Scorsese e também na produção dos shows do cantor Neil Diamond, além de ter levado sempre uma vida muito louca, regada a sexo, festas e drogas.

Confesso que fui assistir a esse inusitado programa duplo de dois médias numa única sessão com pouquíssima expectativa. Na verdade, os filmes acabaram entrando na minha grade apenas porque uma de suas sessões encontrava-se convenientemente situada entre dois outros longas que eu pretendia assistir naquele último dia de festival. Afinal de contas, a quem interessa um documentário – ou melhor, dois – sobre um obscuro amigo de Martin Scorsese? Poderia realmente ser uma chatice, caso Steven Prince não fosse o incrível contador de histórias que é, com um talento nato para tornar divertido cada episódio de sua conturbada vida pessoal. Prince discorre desde sua infância até problemas que marcaram sua vida, como a obsessão por armas e o vício em heroína.

A idéia, aliás, surgiu na mente de Scorsese justamente por ouvi-lo contar tantos “causos” nos sets de filmagem. American Boy é simplérrimo em sua estrutura: Scorsese liga a câmera e deixa Prince se divertir e entreter os presentes. Ficamos sabendo pelo filme, por exemplo, que uma célebre cena de Pulp Fiction foi inspirada numa de suas muitas histórias.

Já em American Prince, reencontramos Steven Prince já como um senhor de seus sessenta e poucos anos. Com a voz mais pausada, mas com o poder de sedução e convencimento totalmente intacto, constatamos um teor um pouco diferente nesse segundo documentário. Se no filme anterior as origens e vida pessoal do biografado estavam mais em voga, neste temos um arsenal de histórias divertidas, curiosas e picantes sobre celebridades com quem ele conviveu. Ficamos sabendo, inclusive, que Martin Scorsese era um tremendo garanhão na época em que ele e Prince dividiram uma casa famosa não apenas por suas noitadas, mas também pelas belas atrizes que a freqüentavam.

Em tempo: para curtir essa viagem como se deve, é fundamental ver ambos os filmes e na ordem certa. American Prince preenche algumas lacunas deixadas por American Boy e ainda acrescenta novas variações sobre o que foi visto no filme de 1978. Da maneira que foi apresentado no Festival, torna-se um programa duplamente bom.

Nota: 8,0

(American Boy: A Profile of Steven Prince, de Martin Scorsese. EUA, 1978. 50 minutos. Midnight Movies)

(American Prince, de Tommy Pallotta. EUA, 2009. 50 minutos. Midnight Movies)

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Corações em Conflito


Leo e Ellen vivem em Nova York com a filha de oito anos, Jackie. Ele é um nerd que fez fortuna criando jogos de computador, e ela é uma médica que vive a estressante rotina de trabalhar em um pronto-socorro. Leo viaja à Tailândia para fechar um grande negócio, ao mesmo tempo em que Ellen sente-se solitária e começa a perceber que Jackie é mais apegada à babá Gloria do que a ela. Já Gloria deixou os dois filhos com a mãe nas Filipinas para ganhar a vida nos Estados Unidos.

O sueco Lukas Moodysson foi causa involuntária de uma das grandes lendas urbanas de Festivais passados. Há exatos cinco anos, seu filme Um Vazio em Meu Coração foi exibido numa cabine de imprensa pré-festival. O longa, ruim de doer, foi com toda certeza a maior debandada já vista numa cabine. E muitos ficaram com medo do cineasta desde então. Mas como nem sempre a primeira impressão é a que fica, depois desse incidente estreou aqui no Brasil um filme anterior de Moodysson (Para Sempre Lyla) que veio para desfazer a má impressão.

Com Corações em Conflito, Moodysson alcança não apenas maturidade como diretor como, pela primeira vez, trabalha com dois astros renomados nos papéis principais, Gael García Bernal e Michelle Williams. Michelle em especial está muito bem e entrega uma atuação sensível e contida como a médica que vê sua família se afastar dela lentamente. O marido é uma criança grande que tem que estar sob constante vigilância e a filha pouco a pouco se afeiçoa à babá mais do que qualquer mãe gostaria, causando-lhe uma reação egoísta porém compreensível. Vale destacar ainda a ótima Sophie Nyweide como a filha do casal – conforme já disse em um texto anterior, este é o Festival das crianças fofas.

A porção do filme a respeito de Gloria e sua família nas Filipinas também é bastante bem conduzida, mostando de modo tocante o dilema das imigrantes que, visando um futuro melhor para os filhos, os privam do mais importante, que é a convivência materna. Nessa estrutura do filme de tramas paralelas (mas que se entrecruzam), o trecho mais problemático é o que acompanha o personagem de Gael García Bernal em sua viagem à Tailândia. Talvez devido à imaturidade e inconsistência do personagem, mas, de todo modo, são cenas que apresentam uma queda de interesse.

Noves fora, Corações em Conflito é um bom filme. E isso soterra de uma vez por todas qualquer receio futuro em assistir a um filme assinado por Lukas Moodysson.

Nota: 7,0

(Mammut, de Lukas Moodysson. SUE / HOL / ALE, 2009. 120 minutos. Panorama do Cinema Mundial)

Lulu & Jimi


Na Alemanha da década de 50, a princesinha Lulu e o plebeu Jimi se conhecem em um parque de diversões e se apaixonam perdidamente. Ele é negro e ela é filha de uma família alemã tradicional. Os parentes e amigos da moça tentam de tudo para separar o casal, mas Lulu e Jimi estão dispostos a não deixar ninguém se colocar entre eles. Exibido em competição no Festival de Sundance 2009.

Sabe o famoso “é tão ruim que chega a ser bom”? Assim é Lulu & Jimi, filme vagabundérrimo de tosquice incomparável, fake do primeiro ao último fotograma. Embora não seja exatamente um musical, toda a atmosfera over e a estética exagerada remetem ao gênero. Mas em um estilo que está mais para Cry-Baby do que para Hairspray, se é que vocês me entendem. Junte-se a isso uma mãe de tendências nazistas e uma penca de situações bizarras desencadeadas por esta e está armado o circo. No mais, é embarcar no momento alucinógeno proposto pelo filme e se divertir. O diretor Oskar Roehler também é responsável por outro longa esquisito – embora em outro sentido – visto em nossas telonas recentemente, Partículas Elementares.

Uma curiosidade: a atriz Jennifer Decker, a Lulu, é a cara da Débora Fallabela.

Nota: 6,0

(Lulu & Jimi, de Oskar Roehler. ALE, 2009. 94 minutos. Panorama do Cinema Mundial)

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Um Outro Homem


François muda-se com a namorada Christine para um vilarejo no interior da Suíça. Ele é professor de literatura, mas acaba conseguindo emprego como jornalista no pequeno semanário local. Uma de suas funções é escrever críticas sobre os filmes exibidos no único cinema da cidade. Como não entende nada do assunto, começa a plagiar os textos de uma revista francesa especializada. Mas François passa a se interessar pela sétima arte depois que começa a freqüentar sessões de imprensa na cidade grande e conhece uma famosa crítica.

Foi uma inesperada surpresa esse filme suíço, com sua visão ácida e debochada do universo dos críticos de cinema. A começar pelo fato do filme ser rodado em preto-e-branco, o que já de cara soa como uma alusão à noção de certos realizadores de que basta usar o P&B para automaticamente revestir um filme de uma aura de inteligência. Também é muito significativo que François, uma vez inserido no meio dos críticos, comece a ser comportar de forma pretensiosa e esnobe, mesmo sendo ele uma fraude completa. Mas, segundo a visão do filme, todos o são de uma forma ou de outra. Outra passagem que deixa isso bem claro é quando Rose Rouge explica para François seus parâmetros matemáticos para julgar os filmes de Claude Chabrol. Assustador.

O filme mostra de forma bastante irônica como uma pessoa moralmente fraca pode perder a noção de ética e dignidade e nem se dar conta disso. Primeiro, François acredita estar mentindo por necessidade; depois, para manter o que conquistou e impressionar a colega renomada. E cabe ressaltar que a moça não faz segredo nenhum de seu péssimo caráter desde o princípio. Finalmente, ele chega ao ponto de acreditar nas próprias invenções e na persona que criou para si. François, de fato, se tornou um outro homem. Mas não necessariamente alguém melhor.

Nota: 7,5

(Un Autre Homme, de Lionel Baier. Suíça, 2008. 89 minutos. Expectativa)

The Messenger


O herói de guerra Will é mandado para casa após ferir-se no Iraque. Como ainda faltam três meses para sua baixa, ele passa a ser encarregado de notificar a morte de soldados a seus familiares. Quem lhe instrui sobre as regras da função é Tony, um parceiro mais experiente de quem logo fica amigo. Mas, apesar das advertências, Will quebra o código de conduta e se aproxima perigosamente de uma das viúvas que notificou. Vencedor do Urso de Prata de melhor roteiro no Festival de Berlim deste ano.

The Messenger oferece uma visão pouco explorada a respeito das guerras, que é a rotina diária dos homens que são encarregados de dar a pior notícia que alguém pode receber a respeito de um familiar. Como diz Tony a Will, a chegada deles nunca será bem-vinda. Isso é bem exemplificado nas cenas que mostram o primeiro contato de Will com o novo cargo e seu ar estupefato. Logo na primeira visita, ele depara-se com uma namorada grávida e uma mãe histérica; na segunda, com um pai inconformado que chega a tentar agredi-lo fisicamente. E o bravo soldado percebe que há trabalhos mais complicados do que estar no front.

Pena que o filme decaia bastante depois que Will conhece Olívia. O interesse do soldado pela viúva de guerra estranhamente conformada é instantâneo demais e a partir daí a trama caminha em direção ao óbvio. E caminha depressa, sem um mínimo de sutileza, como se o diretor Oren Moverman quisesse se livrar depressa de um fardo pesado. E o pior é que, uma vez estabelecido o conflito, este é deixado de lado até o desfecho. Moverman, que foi um dos roteiristas de Não Estou Lá, tem sua estreia na direção com este filme.

É inexplicável que The Messenger tenha sido premiado justamente por seu roteiro, que parece ser a origem de todas as suas deficiências. O resultado final é um filme que começa bem, se desenvolve mal e termina de forma burocrática e previsível. Não é de todo ruim, mas fica muito aquém do que poderia ser.

Nota: 5,0

(The Messenger, de Oren Moverman. EUA, 2009. 105 minutos. Panorama do Cinema Mundial)

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Bastardos Inglórios


Cada vez que Quentin Tarantino realiza um novo longa, a expectativa que antecede seu lançamento é imensa. Só que nem sempre o tão aguardado filme faz jus ao nível de excitação dos cinéfilos. A crítica e o público alçaram o diretor ao patamar de gênio depois de Pulp Fiction – que é, de fato, um trabalho genial –, mas nem tudo que saiu de sua mente depois disso é tão inquestionavelmente bom. O primeiro volume de Kill Bill, por exemplo, é bem inferior ao segundo. E não vamos nem comentar À Prova de Morte, sua metade do projeto Grindhouse, já que se trata mais de curtição do que cinema pra valer. Mas não é o caso de Bastardos Inglórios, que é realmente uma produção caprichada e de alto nível.

No início da ocupação nazista na França, a jovem Shosanna Dreyfus testemunha o extermínio de sua família pelo coronel Hans Landa. Ao fugir para Paris, forja nova identidade e vira dona de um cinema. O tenente Aldo Raine reúne um grupo de destemidos soldados judeus americanos que logo ficam conhecidos como “os bastardos”, por organizarem eficazes e brutais atos de resistência contra os nazistas. As duas tramas se unem quando uma pré-estreia de um filme de Goebbels ocorre no cinema de Shosanna, que também tem seus próprios planos de vingança.

De um roteiro escrito por Tarantino sempre se espera ousadia e um alto grau de inventividade. Nesse sentido, Bastardos Inglórios apresenta uma condução mais convencional. Não possui uma cronologia inusitada, discussões filosóficas acerca de nada e muito menos as tão características cenas fetichistas com pezinhos descalços – o que, convenhamos, não combinaria muito com este longa. A orginalidade fica mais por conta da concepção de realizar um filme com temática de guerra usando os códigos do western. A homenagem a Sergio Leone é clara, desde as cenas de tiroteio que lembram duelos do velho oeste até a trilha sonora que remete ao estilo do maestro Ennio Morricone.

Outro ponto curioso é a cara-de-pau incrível de não estar nem aí para a História (com H maiúsculo) e concluir o longa com um desfecho que qualquer criança de cinco anos sabe que é diferente da realidade. O que causa um efeito-surpresa no espectador e uma divertida novidade, já que a maioria dos filmes que tem alguma ambientação histórica se sentem na obrigação de não desrespeitá-la – pelo menos não tão absurdamente como o faz Bastardos Inglórios.

No elenco superstar – que inclui Brad Pitt, Diane Kruger e Daniel Brühl – o grande destaque é o austríaco Christoph Waltz, que interpreta o Coronel Landa e venceu o prêmio de melhor ator no último Festival de Cannes por esse papel.

Bastardos Inglórios não é da mesma safra de obras-primas como Pulp Fiction ou Cães de Aluguel, mas quem foi que disse que Tarantino tem que ser sempre revolucionário? É um bom filme-pipoca, desde que o espectador retire o cineasta dessa posição incômoda de gênio e entre na sala de cinema disposto a se divertir.

Nota: 8,0

(Inglourious Basterds, de Quentin Tarantino. EUA / ALE, 2009. 148 minutos. Panorama do Cinema Mundial)

The Chaser


Jung-ho, ex-policial que passou a ganhar a vida como cafetão, está possesso porque duas de suas garotas desapareceram sem pagar o que lhe deviam. Logo depois de forçar Mi-jin a se encontrar com um desconhecido, descobre que o mesmo homem foi o último cliente das outras duas moças. Ele tenta localizá-la, mas uma falha no sinal do celular deixa Mi-jin à mercê do psicopata. Atormentado pelo remorso, o ex-policial faz de tudo para convencer a polícia da culpa do homem e assume pessoalmente a missão de descobrir o paradeiro de Mi-jin. Exibido no Festival de Cannes de 2008.

Uma boa surpresa que só evidencia o alto nível que o cinema coreano vem apresentando nos últimos anos. A cada Festival o país traz novidades interessantes, seja de cineastas já conhecidos como Park Chan Wook, seja de um estreante absoluto como é o caso diretor e roteirista deste longa, Hong-jin Na (estreante mesmo, o cara não tinha feito nem um curta antes desse filme).

Um policial ágil e violento, mas também com aqueles toques de humor pastelão totalmente fora de hora como só os coreanos conseguem inserir sem tornar o filme ridículo. Um exemplo é a cena em que Jung-ho consegue arrastar o psicopata debaixo de sopapo para a delegacia e, chegando lá, os homens da lei ficam batendo boca entre si como um bando de madames tresloucadas. Sem contar que o longa explora com extrema habilidade um estilo de suspense no qual o espectador já sabe de tudo (quem é o assassino, seu modo de agir, o que aconteceu com a vítima, etc.) e a tensão vem justamente da sensação de que ele conseguirá ficar impune porque não há provas contra ele.


O filme só não é muito recomendado para os mais sensíveis à estética gore, pelo excesso de cenas com mutilações, fraturas expostas e, sobretudo, muito sangue pingando e esguichando na tela. Está certo que a história em si não chega a apresentar nenhuma novidade, mas a direção de Hong-jin Na é tão competente que conquista por seu vigor e também pelo carisma de Yun-seok Kim no papel do cafetão que, no fundo, tem bom coração.

Aqueles que não tiverem oportunidade de conferir o longa ainda neste Festival, não precisam ficar tristes: The Chaser tem previsão de estreia para daqui a duas semanas.

Nota: 8,0

(Choo Gyeok Ja, de Hong-jin Na. Coréia do Sul, 2008. 125 minutos. Midnight Movies)

domingo, 4 de outubro de 2009

A Sereia e o Mergulhador


Tem dois comentários que eu vinha fazendo com frequência dentre amigos que encontrava pelo Festival: 1) esse ano eu estava dando a sorte de não ter visto ainda nenhum filme que fosse 100% pavoroso (muitos medianos, alguns ruins, mas nada completamente imprestável); 2) a Première Latina, no geral, estava apresentando longas de ótimo nível. Pois bem. O filme A Sereia e o Mergulhador soterra, de uma só vez, ambas as afirmativas.

Vejam a sinopse: O cadáver de Simbad, homem do mar, aparece flutuando na Costa da Nicarágua. Wangki, a sereia, converte a alma de Simbad em uma tartaruga, e a tartaruga o leva à superfície, devolvendo-o ao mundo dos humanos como um índio misquito, e ele cresce nas margens do Rio Coco, vivendo a rotina da tribo. Quando o local é atingido por um furacão, Simbad migra para a Costa Atlântica, onde vira um mergulhador e pesca lagostas. No fundo do mar, a sereia o espera. Parece uma história com toques de fábula, certo? Não é. Aliás, é até difícil classificar o estilo do filme, embora ele tenha o formato de um documentário. Poucas vezes tive o desprazer de assistir a algo tão desprovido de sentido. Notem que o filme não apenas é enfadonho e pessimamente conduzido, ele não tem sentido mesmo.

A partir de um fiapo de trama sobre uma lenda indígena envolvendo sereias, homens do mar e almas de tartarugas renascendo em homens (ou o contrário, juro que não entendi direito), o que vemos é uma arrastada sequência de imagens que começa com um capítulo (sim, o filme é dividido em capítulos) que acompanha com detalhes repugnantes a rotina de uma vila de pescadores cujo sustento consiste em caçar, esquartejar e comercializar a carne de enormes tartarugas marinhas. Depois passamos a outro capítulo sobre o nascimento de um menino. Mais uma vez, com mais detalhes visuais do que a maioria da plateia deseja ver. E para quê? Sei lá. O tal Simbad é apresentado como protegido dos deuses... ou outra viagem parecida. Entre um capítulo e outro, ainda aparece na tela uma receita de sopa de tartaruga. Seria algum tipo de piadinha perversa? Não teve graça.

O filme praticamente não tem diálogos e, na maior parte do tempo, se limita a acompanhar friamente, à distância, o rotina modorrenta dos aldeões. Perto do fim, insere uma animação tosca para ilustrar uma passagem sobre... Sobre o que era mesmo? Sinceramente não sei dizer, porque à essa altura meus pensamentos já estavam há muito divagando. Sem contar que é incrível que um filme rodado em meio à natureza seja tão feio esteticamente. Resumindo: um horror, uma tortura.

Nota: 0

(La Sirena y el Buzo, de Mercedes Moncada Rodríguez. MEX / ESP, 2009. 86min. Première Latina)

O Dia da Transa


Ben tem uma vida tranquila ao lado da esposa até o dia em que Andrew, seu melhor amigo dos tempos de faculdade, aparece em sua casa. Andrew tornou-se um artista e viajante e os dois não se viam há anos. Em nome dos velhos tempos, os dois acabam indo parar numa festa muito louca. No meio da viagem alucinógena coletiva, surge o assunto de um festival de filmes pornográficos e os dois amigos se desafiam mutuamente a produzirem um pornô transando um com o outro, o que seria supostamente audacioso pelo fato de ambos serem heterossexuais. Passado o porre, ambos se arrependem da bisonha ideia. Só que nenhum dos dois quer voltar atrás primeiro: Andrew porque nunca leva adiante suas ideias, e Ben porque odeia que as pessoas o rotulem de careta só porque é casado.

O famoso filme-pegadinha, que se anuncia como uma comédia sexual anárquica e está muito mais para discussão-cabeça sobre relacionamentos. O que não chegaria a ser um problema, caso o roteiro fosse bem desenvolvido. Mas o que vemos aqui é um excelente argumento que vai se perdendo cada vez mais conforme a projeção avança. Para começo de conversa, é muito absurdo que esses dois caras heterossexuais levem tal proposta adiante depois de estarem sóbrios. Tamanha teimosia só teria algum sentido caso eles fossem secretamente apaixonados um pelo outro e usassem o combinado como desculpa para saírem do armário. Mas, como não é o caso, a trama já perde logo a credibilidade.

Ainda assim, mesmo afundando-se em falta de verossimilhança, a história poderia resultar em uma boa comédia absurda. Mas a trama caminha para um anticlímax embaraçoso que deixa bem claro que a diretora e roteirista Lynn Shelton não tinha a mínima ideia de como terminar seu filme, que começou tão bem. O que salva o longa do desastre total é a simpatia dos atores Mark Duplass e Joshua Leonard e uma série de sequências avulsas realmente engraçadas, com destaque para a cena em que Andrew toma um porre com a esposa de Ben na cozinha e fala sobre o filme por achar que ela já estava ciente. A reação dela – que fica sóbria no mesmo instante – é simplesmente hilária.

Uma curiosidade: Lynn Shelton também interpreta a personagem Monica, responsável por uma das cenas mais divertidas, quando ela e a namorada tentam levar Andrew para a cama, desde que ele aceite um “brinquedinho” no jogo a três.

Nota: 5,0

(Humpday, de Lynn Shelton. EUA, 2009. 95min. Mostra Expectativa)

O Último Verão de La Boyita


Jorgelina tem dez anos e passa por um período de grandes mudanças em sua família. Os pais parecem não se entender mais e a irmã mais velha, Luciana, passou a ter novos interesses e atitudes depois que entrou na puberdade. Para aliviar as tensões, seus pais decidem passar o verão separados. Luciana vai com a mãe para a praia, e Jorgelina segue com o pai para a fazenda da família. Lá ela reencontra Mario, filho de um casal de empregados da fazenda. Mas também o pré-adolescente parece estar passando por uma nova fase, e Jorgelina se pergunta o que, afinal de contas, está acontecendo com todo mundo.

O Festival deste ano está sendo marcado por uma boa quantidade de filmes com crianças talentosas. Grande parte da carga dramática de alguns filmes a que assisti esse ano são jogados no carisma de uma criança, como é o caso deste, que é apoiado na excelente presença da pequena Guadalupe Alonso. Jorgelina vai buscar nos livros de medicina do pai um método pragmático para tentar compreender essa esquisita experiência chamada adolescência que mudou tanto sua irmã mais velha. O que é menstruação? Quais as diferenças entre meninos e meninas? E, sobretudo, por que o mundo parece ter ficado louco de uma hora para outra?

Em contrapartida à curiosidade da menina, o filme desenvolve em paralelo a história de Mario. Essa vertente de cores mais dramáticas é justamente a parte mais mal-resolvida do filme. Alguns aspectos na atitude dos pais do garoto parecem contraditórios ou pouco explicados, mesmo considerando o nível de ignorância destes. Um exemplo é o modo como o filme destaca o artifício usado para encobrir o segredo do menino, ao mesmo tempo em que evidencia o total desconhecimento de todos em relação ao que ocorre, ou seja, quem se daria ao trabalho de esconder algo do qual não tem conhecimento?

Outro aspecto difuso é a situação dos pais de Jorgelina. Em nenhum momento fica claro se eles estão de fato separados ou apenas vivendo um momento difícil. Está certo que a informação não é de absoluta relevância para a trama, mas, por outro lado, é um dado que poderia ser facilmente esclarecido com uma linha de diálogo. Enfim, são pequenos detalhes como esses que dão uma impressão geral de imprecisão no roteiro escrito pela própria diretora, Julia Solomonoff. No geral, O Último Verão de la Boyita é um filme bonitinho, mas soa meio incompleto.

Nota: 6,0

(El Último Verano de la Boyita, de Julia Solomonoff. ARG / FRA / ESP, 2009. 93min. Première Latina)

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Natimorto


Bastante complicado definir e mais ainda criticar esse filme contraditório que é Natimorto. Com muitas qualidades e mais uma penca de incongruências, a impressão que se tem é que o filme equilibra-se numa linha de tensão do mesmo modo que o personagem principal equilibra-se nos beirais da insanidade. Com um quê de Último Tango em Paris – impressão reforçada pela estética retrô – acompanhamos um desesperador mergulho na loucura, na desesperança, na consciência de si mesmo e do outro.

O quadrinista Lourenço Mutarelli, também autor do romance que serviu de base para este filme, interpreta um caça-talentos que intermedia o encontro de uma jovem cantora com um renomado maestro em São Paulo. Depois que a presença da moça é mal-recebida por sua esposa, ele a leva para um hotel e os dois iniciam longas conversas. Ele não quer voltar para a esposa castradora, e ela não se importa que ele fique. Entre maços e mais maços de cigarros, ele lhe propõe que continuem ali, dividindo aquele quarto e confidências. A conversa bizarra do caça-talentos, que a princípio a fascina, logo torna-se um grilhão. Um hábito dele que começa a perturbá-la é sua mania de ler a sorte nas imagens horrendas que acompanham os maços de cigarros, como se estas fossem cartas de tarô. Conforme o clima entre os personagens vai ficando mais pesado e tenso, o filme também abandona o humor e ironia iniciais e torna-se cada vez mais lisérgico e claustrofóbico.

Nada contra filmes com uma pegada mais abstrata, mas certos artificialismos em Natimorto incomodam um pouco. Os diálogos são excessivamente literários, o que até funciona bem por vezes... mas não sempre. Em nenhum momento é mencionado como os personagens se contactaram, informação que faz falta para que o espectador entenda o grau de conhecimento prévio que um tem do outro. E causa ainda mais estranheza quando, ao final, ficamos sabendo a verdade sobre ele. A opção de não mostrar a personagem cantando é interessante porque abre duas possíveis interpretações a respeito dela. Já a narração em off feita por Nasi não funciona muito bem, principalmente porque o som parece alto demais em relação ao restante do filme.

Um outro fator a complicar a boa fluência do longa é o fato de Lourenço Mutarelli interpretar o personagem principal. O escritor já havia realizado uma participação divertida nas telonas como o segurança de O Cheiro do Ralo, mas para um papel complexo e cheio de camadas como esse sente-se claramente a falta de um ator mais experiente e tarimbado. Só não chega a comprometer porque no outro canto do ringue há uma atriz fantástica como Simone Spoladore para lhe apoiar.

E, por fim, há o ritmo muito irregular de Natimorto. Depois de um começo excelente, lá pela metade comecei a temer que o longa ficasse dando voltas em torno de si mesmo sem chegar a lugar algum. Mas, depois, em seu terço final, o filme volta a tomar rumo e o desfecho completa a trama com mais sentido do que parecia ser possível a princípio. Resumindo: um filme difícil, porém interessante de modo geral.

Nota: 6,5

(Natimorto, de Paulo Machline. BRA, 2009. 92min. Première Brasil)

A Gruta


Como criticar um filme cuja maior atração para quem assiste não é o filme em si? Dentro da proposta do filme-jogo A Gruta, o grande barato é poder participar ativamente da edição do filme, alterando, inclusive, seu tempo de duração. O simpático brasiliense Filipe Gontijo, diretor da experiência, assume que o longa foi concebido originalmente como um jogo. Cada espectador, ao entrar na sala de exibição, recebe um controle remoto através do qual poderá escolher por qual caminho a trama seguirá em alguns momentos-chave ao longo da projeção.

A historinha do filme propriamente dita remete a qualquer argumento batido de terror: os adolescentes Tomás e Luisa vão curtir um final de semana na fazenda de um tio dela. Chegando lá, o que encontram é um lugar isolado e meio assustador, sensação reforçada pelo sinistro caseiro Tião. Depois que visitam uma gruta nas redondezas e trazem para casa um filhote de porco, Tomás começa a se comportar de modo diferente.

Enfim, nada disso importa muito. Mesmo porque os rumos podem ser ligeiramente alterados a cada vez que o filme para e aparece na tela a mensagem “menu decisão” com as opções. O espectador ainda pode escolher jogar de acordo com a visão de um dos personagens e o que se vê na tela é a opção feita pela maioria. É claro que a autonomia do público é mais limitada do que parece a princípio, e a estrutura do jogo contém um esqueminha básico de sugestão e pegadinhas para manter a trama nos trilhos.


O filme? É terrivelmente trash, com interpretações que dificilmente podem ser consideradas como tal e com um roteiro, no mínimo, primário. Mas a intenção de A Gruta não é fazer cinema e sim proporcionar entretenimento através da sétima arte. E, considerando estritamente esse quesito, o filme cumpre sua função. A nota abaixo é direcionada à originalidade da ideia e um incentivo para que ela dê frutos. Vamos torcer para que, em um futuro próximo, possamos assistir a exemplares mais bem-acabados desta divertida iniciativa.

Nota: 7,0

(A Gruta, de de Filipe Gontijo. Com . Brasil, 2008. 60min. Mostra Midnight Movies)

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Um Namorado para Minha Esposa


Tenso não aguenta mais o mau humor crônico de sua esposa, Tana. Ela reclama de tudo, critica seus amigos, já acorda de maus bofes. Radialista desempregada, nenhum emprego lhe parece bom o suficiente. Tenso quer se divorciar, mas sempre que encara Tana falta-lhe a coragem. Até que um amigo lhe fala sobre El Cuervo, um notório galanteador que fora expulso da região por sua lábia irresistível e seu pendor por mulheres casadas. Tenso acredita que seria essa a solução perfeita: fazer com que a própria Tana o deixe. Assim, ele procura El Cuervo e contrata-o para seduzir sua mulher.

OK. O argumento não chega a ser uma novidade do outro mundo, mas Um Namorado para Minha Esposa é tão bem escrito e interpretado com tanta convicção que confere um inacreditável frescor à trama pouco original. A começar pela personagem Tana que, mesmo sendo reclamona e mal-humorada a maior parte do tempo, provoca empatia no espectador pelo fato de suas reclamações serem bastante pertinentes. Um exemplo: ela odeia ir a festas de aniversário porque crê que fatalmente alguma mãe coruja vai lhe encher a paciência falando sobre fraldas e mamadeiras de seu rebento. Quem nunca passou por isso? Tem coisa mais desagradável do que um interlocutor que acha que as maiores banalidades são assuntos de segurança nacional?

Tampouco é surpresa que, com a mexida na vida conjugal, Tana passa a tornar-se mais interessante aos olhos de Tenso e reacende nele o ciúme, a vaidade, o desejo. Sendo ele um homem inseguro que, no fundo, não tem lá essa certeza toda de querer se separar, também é um personagem que cria bastante identificação. A impressão que fica é a de que Tenso, na verdade, embarcou nesse plano desesperado mais por “entrar na pilha” dos amigos do que por opção própria. E o filme se isenta de tomar um partido claro, o que só torna a história mais interessante.


Um Namorado para Minha Esposa chegaria bem perto da perfeição se não escorregasse tão feio nos vinte minutos finais, quando perde completamente o senso de humor, torna-se discursivo e muda de tom, baixando consideravelmente a qualidade de um filme que até então beirava a excelência. A última cena do casal com a terapeuta é de um despropósito completo. Uma pena. Errar no desfecho de um filme é o pior dos erros.

Uma curiosidade: Valeria Bertucelli, intérprete de Tana, é protagonista de outro longa que está sendo exibido no Festival: Chuva, de Paula Hernández. É bastante impressionante a versatilidade da atriz, que em Chuva interpreta uma mulher retraída e calada e, neste filme, é um poço de energia e uma metralhadora giratória de sarcasmo. Também é curioso o quanto Adrián Suar, o Tenso, lembra o David Duchovny.

Nota: 7,0

(Un Novio Para Mi Mujer, de Juan Taratuto. Argentina, 2008. 100min. Première Latina)

Matadores de Vampiras Lésbicas





Jimmy acaba de levar um fora da namorada pela enésima vez e seu amigo Fletcher, tentando melhorar seu astral, sugere que os dois tirem alguns dias de férias no campo. Por um lance do destino, o local escolhido é um vilarejo de aspecto medieval que sofre com uma terrível maldição, lançada séculos antes pela rainha-vampira Carmilla: todas as meninas, ao completarem 18 anos, se transformam em vampiras lésbicas. E o bom povo da cidade costuma oferecer viajantes desavisados em sacrifício, o que fará de Jimmy, Fletcher e um quarteto de belas garotas as próximas vítimas.

Eu confesso: desde que botei os olhos na primeira lista de filmes que seriam exibidos neste Festival, fiquei morrendo de curiosidade para ver este. Como resistir a um argumento tão deliciosamente trash? Mas, por incrível que pareça, muitos cinéfilos tem criticado o filme. Injustiça, já que o longa cumpre exatamente o que promete: diversão em doses cavalares. Afinal de contas, o que mais esperar de algo com esse título? Matadores de Vampiras Lésbicas não é o melhor filme a que assisti neste Festival, mas até o presente momento é, de longe, o mais engraçado. Uma viagem muito bizarra, que esculhamba não apenas os cânones dos filmes de vampiros, mas também faz uso de referências de outros gêneros – como o mito de Excalibur, por exemplo.

Cheio de intencionais “defeitos especiais”, como uma música estridente acompanhando as cenas pseudo-assustadoras, uma fumaça constante que se espalha pelo cenário do modo mais fake possível, vampiras que deslizam no ar com roupas esvoaçantes, um caçador de vampiros que parece uma mistura de Van Helsing com o padre de O Exorcista, o visual medieval em pleno século XXI, enfim, um festival de deboche que não deixa pedra sobre pedra. Outro detalhe engraçado é que as atrizes que incorporam as jovens nórdicas (não fica claro a nacionalidade, mas elas se chamam Anke, Trudi, Heidi e Lotte) interpretam seus papéis da forma mais artificial possível, ou seja, tirando o maior sarro dos parcos recursos dramáticos das gostosonas dos filmes de terror.


Outro acerto é o saudável desprezo do filme ao bom gosto, atitude sempre corajosa nesses tempos de ditadura do politicamente correto. James Corden, que interpreta Fletcher e parece uma versão britânica do Seth Rogen, é o responsável pela tiradas mais anárquicas do roteiro. São dele falas como “essas garotas estão mortas e preferem transar umas com as outras do que comigo”, “agora só me falta ser atacado por um lobisomem gay” ou seu impagável grito de guerra “vocês querem me pegar, suas sapatões?”.

Com um único longa-metragem anterior (Alone, 2002) e um curta no currículo, o diretor inglês Phil Claydon entrega um longa muito divertido e cheio de espirituosas referências à cultura pop e também a diversas produções de outros gêneros. Outro detalhe para se notar é o modo como o filme debocha do próprio mecanismo da sétima arte, com uma montagem assumidamente grosseira e movimentos de câmera que celebram os clichês e cacoetes repetidos à exaustão nos filmes terror. E o melhor de tudo é que, embora seja uma sátira, o filme não se limita a fazer colagens – como a série Todo Mundo em Pânico – e se dá ao trabalho de contar uma história com início, meio e fim. Bisonha, mas coerente.

Matadores de Vampiras Lésbicas é mais do que um título engraçadinho. É uma saudável celebração do bom humor, do deboche e da anarquia. As pessoas podem até não admitir depois que saem do anonimato da sala escura, mas eu fui não apenas testemunha como também participante ativa das gargalhadas coletivas. E esse é o melhor termômetro.

Nota: 8,0

(Lesbian Vampire Killers, de Phil Claydon. UK, 2009. 88min. Mostra Midnight Movies)

Segredos de Juan José Campanella


O cineasta argentino Juan José Campanella tem uma trajetória admirável. Sua filmografia inclui, dentre outros sucessos, O Filho da Noiva, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2001 e uma das produções argentinas de maior sucesso mundo afora. Atualmente, Campanella divide seu tempo entre a direção de séries de TV nos Estados Unidos (Lei & Ordem, House) e seus projetos mais pessoais, rodados na Argentina. De passagem pelo Festival do Rio para divulgar seu novo longa-metragem, O Segredo dos Seus Olhos, o cineasta gentilmente me concedeu a entrevista abaixo. É sua primeira visita ao Rio de Janeiro, embora ele tenha já estado no Festival de Gramado em duas ocasiões: em 2000, com O Mesmo Amor, A Mesma Chuva, e dois anos depois, com o Filho da Noiva – ocasião em que voltou para casa levando dois Kikitos.

Entrevista:

O teu novo filme pode ser classificado como um policial, mas trata temas como assassinato e vingança de um modo bem mais sensível do que se vê habitualmente. E o personagem do Darín (Ricardo Darín, ator-assinatura de Campanella) também é bem diferente dos tipos noir, ao estilo Bogart.

Campanella: Sim, exato. O que mais me agradou no livro foi justamente o fato de ser um romance policial “com gente normal”. Não tem o detetive decadente, a mulher fatal, os mafiosos. Era uma gente muito comum, muito normal. E eu não classifico apenas como um filme policial, porque é um policial com história de amor. Para mim, pesa até mais a história de amor. Pelo menos, eu tentei colocar nesse filme o mesmo sentimento presente em outros filmes meus.

E o que te encanta na interpretação de Ricardo Darín, quase sempre protagonista de tuas histórias?

Campanella: Ah, muitas coisas. Ricardo entende muito facil e intuitivamente esse tom que transita entre o trágico e o cômico, e tudo o que há de ridículo nas tragédias. Além do mais, ele tem uma forte empatia com o público e é uma pessoa muito carismática na tela. Para completar, eu o conheço há muitos anos e isso facilita o entendimento. Então, tudo isso contribui para que estejamos sempre trabalhando juntos.

E sobre a carreira nos Estados Unidos, com as séries de TV? É muito diferente o sistema de trabalho?

Campanella: Eu sou muito influenciado pelo cinema americano dos anos 70 e não vejo grande diferença entre trabalhar na Argentina ou nos Estados Unidos. As pessoas sempre esperam que eu diga que é muito diferente, mas, na verdade, não é. A mecânica de trabalho é a mesma, as equipes trabalham de forma muito parecida em qualquer lugar do mundo. Se há alguma diferença, é em termos de linguagem visual entre a televisão e o cinema.

Como é ser um homem de cinema na América do Sul?

Campanella: É que eu não me considero um homem de cinema, embora viva disso e me conheçam pelos meus filmes. (rindo) O que quero dizer é que eu não me sinto tão definido assim pelo meu trabalho. Tenho minha família e outros interesses... Também não acredito em classificar alguém como argentino, latino-americano ou qualquer outra coisa. Não falo isso no sentido de querer me sentir europeu ou algo assim, e sim porque eu não me sinto preso a um lugar. Não sei se vão me interpretar mal...

Seria por isso que você prefere contar histórias de apelo universal nos teus filmes?

Campanella: Sim. O contexto das minhas histórias é bem portenho, mas pode falar de qualquer grande cidade do Ocidente. Nesse aspecto, eu tenho muito mais proximidade de uma pessoa do Rio, de São Paulo ou qualquer outra metrópole do que de alguém lá dos confins da Argentina, por exemplo. Acho que os grandes centros urbanos todos se parecem.

Para encerrar, uma pequena polêmica. A velha rivalidade entre Brasil e Argentina se estende ao cinema também?

Campanella: Não, infelizmente não. Não sei como é aqui com os nossos, mas os poucos filmes brasileiros que chegam lá são apenas os violentos, como Tropa de Elite e Carandiru. Às vezes fazem sucesso umas novelas, mas filmes são poucos. Não entendo porque não se faz a semana do filme brasileiro na Argentina, semana do filme argentino no Brasil. Quando acontece, é só entre cinéfilos. Eu creio que há mais no cinema daqui do que miséria e violência. Eu adoraria ver uma comédia de classe média brasileira, por exemplo. E a imagem que acaba sendo vendida é de coitadinhos, mostrando apenas esse aspecto como se fosse só o que ocorre aqui. Se fosse assim, eu não poderia estar agora aqui, conversando com você em um festival de cinema.


Leia sobre O Segredo dos Seus Olhos:

Singularidades de uma Rapariga Loura


Macário trabalha como contador no armazém do seu tio Francisco e apaixona-se perdidamente por uma moça loura que vê todos os dias à janela da casa em frente. Através de um amigo, fica sabendo que a moça se chama Luisa Villaça e logo consegue aproximar-se dela e cortejá-la. Mas o tio não consente que Macário se case e o despede. Para conseguir desposar Luisa, Macário parte para Cabo Verde e enriquece. De volta a Lisboa, somente quando finalmente está para se casar e novamente às boas com seu tio, é que descobre as tais singularidades do título a respeito de sua noiva. Baseado em conto homônimo de Eça de Queiroz.

Um dos filmes mais esquisitos a que assisti neste Festival, e não digo isso no bom sentido. Desde o começo, um inexplicável artificialismo permeia a abordagem da história. Toda a trama é contada por Macário a uma senhora durante uma viagem de trem, e esta nunca olha para ele. A ponto de pensarmos que a personagem é cega, o que, como fica provado mais adiante, não é o caso. Grande parte do elenco interpreta de modo pouco convincente e farsesco, sem que isso pareça ser uma característica que ajude a destacar o filme de alguma forma. O personagem tio Francisco acaba arrancando risadas da platéia, e transformando suas cenas em comédia involuntária.

Mais do que tudo, me parece que foi uma péssima decisão do diretor Manoel de Oliveira tentar dar uma roupagem mais atualizada a uma trama tão datada. Os conflitos vividos por Macário não fazem sentido algum quando transpostos para tempos modernos. Fazer fortuna para poder ser digno de cortejar uma moça? Pedir permissão ao tio e patrão para se casar? E, mais que tudo, pedir em casamento uma moça com quem apenas algumas palavras foram trocadas? Isso tudo é totalmente século XIX, no máximo início de século XX. É inexplicável que um cineasta com a experiência de Oliveira não tenha se dado conta disso. E caso tenha percebido e realizado o filme assim mesmo, por pura teimosia, a decisão é ainda mais equivocada. Para completar, o ritmo arrastado e a total falta de um clímax fazem com que se possa considerar este longa como um dos mais aborrecidos vistos neste Festival.

Nota: 3,0

(Singularidades de uma Rapariga Loura, de Manoel de Oliveira. PORT/FRA/ESP, 2009. 63min. Panorama do Cinema Mundial)