sábado, 28 de junho de 2008

Corpo


Na cidade de São Paulo, uma enorme ossada é descoberta e levada ao IML. Desconfia-se que os esqueletos pertençam a pessoas desaparecidas durante a ditadura militar. Junto aos ossos, também é encontrado um cadáver de mulher ainda não decomposto. O legista Artur fica obcecado em descobrir a identidade da moça e desenvolve uma estranha teoria de que aquele corpo foi enterrado junto com os outros e, por algum motivo, se preservou por mais de trinta anos.

Boas idéias nem sempre se transformam em bons filmes. É a única coisa que me vem à mente na hora de tentar explicar o porquê de um argumento tão interessante ter resultado num filme tão problemático. O necrotério é um cenário criativo, o legista é um excelente personagem e idéia do corpo sem identidade gera inúmeras possibilidades. Então o que desandou?

Certamente o ponto crítico de Corpo é seu roteiro: além dos diálogos não serem bons, a estrutura também é meio esquisita. Por que aquele corpo teria se preservado? Milagre? Ou tudo não passa de uma metáfora do tipo “um dia a verdade vem à tona”? Esse é apenas um exemplo das muitas pontas soltas da história. Também existem cenas aleatórias, que não apenas nada acrescentam à história como também colocam novas dúvidas na cabeça do espectador. O curioso é que percebe-se que o roteiro tenta trabalhar com alguns elementos clássicos do cinema noir, como o homem maduro desiludido, a jovem cheia de mistérios que muda sua rotina, um crime a ser desvendado, etc. Mas apenas colocar os ingredientes na batedeira não faz um bolo.

Leonardo Medeiros, um dos melhores atores da atualidade, é o único responsável por manter o espectador conectado com a confusa história até o fim. Vê-lo em cena é sempre bom. Ao mesmo tempo, é decepcionante, já que só nos resta lamentar sua escolha.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

A Força da Amizade


Dá para desconfiar de um título desses, não é verdade? Embora o filme originalmente se chame Bonneville – um modelo clássico de conversível, pertencente à protagonista – até que os distribuidores brasileiros acertaram direitinho na breguice do título made in Brazil. Porque, meus caros, A Força da Amizade é cafona de doer.

A história, que mistura o estilo amigas-até-debaixo-d'água com road movie, se desenrola em torno da viagem que a cinquentona Arvilla tem que fazer para entregar as cinzas de seu recém-finado marido à filha dele no outro lado do país. Apoiada pelas duas melhores amigas, a truculenta Margene e a certinha Carol, o trio cai na estrada no tal Bonneville conversível de Arvilla. É claro que, ao longo da jornada, surgem conflitos, descobertas e aventuras.

Num primeiro momento, é difícil não lembrar de Thelma & Louise. Mesmo considerando que são três mulheres de meia-idade a caminho de um funeral e não duas amigas à procura de aventura num final de semana. Mas a semelhança – que parece intencional devido ao fato de terem escolhido um carro conversível – pára por aí. Aliás, se esse filme tivesse metade do vigor ou do potencial dramático do longa de Ridley Scott, eu já me daria por satisfeita. Ao invés disso, temos três amigas que não poderiam ser mais incompatíveis descobrindo os prazeres da vida num improvável rito de passagem causado pela exigência de uma filha birrenta em deter as cinzas de um pai ausente.

Está certo que ao menos temos três atrizes pra lá de competentes em cena, mas, ainda assim, a produção parece engessá-las em antigos estereótipos: a outrora linda Jessica Lange, mesmo deformada pelos efeitos do botox, ainda é enquadrada no perfil de femme fatale; Kathy Bates reassume o estilo caminhoneira sem papas na língua que tem sido associado à sua imagem nos últimos dez anos; e a ótima Joan Allen parece condenada a encarnar mulheres certinhas e insossas que exalam frigidez.

No mais, a trama se desenvolve de modo previsível, burocrático e extremamente careta. Um exemplo disso é quando cruza o caminho das amigas o caminhoneiro vivido por Tom Skerrit. Como Arvilla sofre a perda do marido e Carol é casada, o galanteador se encanta logo de cara com Margene. Não estou dizendo que o cara não poderia se interessar pela amiga mais feia, o problema é que tudo soa arrumadinho e conveniente demais. Podemos até dizer que estamos diante de um filme sem conflitos, já que a questão de entregar ou não as cinzas do finado para a filha deste é resolvida logo de cara e apenas serve de mote para as que as personagens cruzem uma longa distância. Aliás, o próprio fato das amigas perceberem que Arvilla pretende ir de carro e não de avião e deixarem por isso mesmo tampouco convence – ainda mais considerando que Carol deixou marido e filha para trás.

A Força da Amizade, rodado em 2006, é o segundo filme do diretor Christopher N. Rowley - o primeiro foi algo obscuro chamado The Remembering Movies, em 2002. O rapaz não tem novos projetos em andamento. Dá para entender o porquê.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Fim dos Tempos


Foi em 1999 que M. Night Shyamalan realizou o irrepreensível O Sexto Sentido – aquele do I see dead people. Na época, compararam seu talento como roteirista, cineasta e, sobretudo, criador de suspense ao do mestre Alfred Hitchcock. Desde então, Shyamalan vem tentando provar ao mundo – e talvez a ele mesmo – que a comparação é merecida. Mas não foi preciso que muito tempo se passasse para que o público em geral chegasse à conclusão do quanto o moço foi supervalorizado.

A verdade é que Shyamalan nunca mais conseguiu repetir o fenômeno O Sexto Sentido, e muito menos escrever um roteiro redondinho e empolgante como aquele. Corpo Fechado e Sinais são pirações que não se sustentam, A Vila é razoável e A Dama na Água apenas tem bons momentos. Mas, a despeito das deficiências de cada um desses filmes, suas histórias pelo menos tinham o poder de manter a atenção até o desfecho. Agora, com Fim dos Tempos, o cineasta alcança um novo patamar: o dos filmes chatos.

O início até que é interessante: uma moléstia de origem desconhecida atinge Nova Iorque e de lá se espalha para outras cidades. O primeiro sintoma é uma espécie de letargia, que rapidamente evolui para um desejo irresistível de se suicidar. Logo, estão todos mortos nas áreas afetadas. Elliot, um professor da Filadélfia, se põe em fuga com a esposa Alma, o melhor amigo e a filha deste, já que as grandes cidades parecem favorecer o misterioso mal.

Conforme avançam nas estradas, as opções de lugares não-infectados ficam cada vez mais escassas. E o filme se desenrola como um interminável e bizarro road movie. O grupo em torno de Elliot e Alma vai diminuindo, ao mesmo tempo em que eles percebem que o estranho acontecimento que eles a princípio julgavam ser uma guerra biológica parece ter causas naturais e vontade própria, como se estivesse encurralando as pessoas.

É claro que você, espectador, espera que tudo isso tenha uma explicação ao final. Notem que eu não digo nem uma explicação plausível, mas uma uma explicação qualquer. Pois bem. Não tem. Em determinada hora, existe um desfecho para a situação. Mas não um motivo para ela ter ocorrido. Ocorreu porque Shyamalan assim escreveu, e pronto. E o que torna a resolução choca mais irritante é o fato do filme ter sido incrivelmente arrastado e tedioso antes de desembocar nesse anticlímax. Depois de noventa minutos que mais parecem três horas, o mínimo que o espectador merece é um final decente. Ah, e não pensem que ele desistiu de brincar de aparecer em seus filmes – mais uma mania chupada de Hitchcock. O moço está no filme, sim. Mas de uma forma que só é possível identificá-lo ao ler os créditos.

Está comprovado: M. Night Shyamalan é cineasta de um sucesso só. O restante é pura embromação. E, a julgar por sua filmografia, a tendência é piorar a cada nova tentativa de produzir um novo O Sexto Sentido. Fim dos Tempos, título em português para The Happening, parece profético se olharmos dentro deste contexto.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Jogos do Poder


Muitas vezes, a realidade é mais estranha que a ficção. Existem histórias que são tão improváveis que só podem ser reais, porque se tivessem saído da mente de um escritor não teriam a mínima credibilidade. Jogos de Poder, novo longa de Mike Nichols que chega às locadoras a partir de amanhã, conta a bizarra história por trás da expulsão do exército russo do Afeganistão no início dos anos 80.

Na época ninguém soube disso, mas o verdadeiro arquiteto da guerra em que os afegãos se libertaram da ocupação russa (para cair em piores lençóis depois, mas isso é outra história) foi um obscuro congressista texano chamado Charlie Wilson. Com o apoio de Joanne Herring, uma das mulheres mais ricas do estado, Wilson conseguiu arregimentar uma aliança secreta com parceiros improváveis como paquistaneses, egípcios e israelenses e ainda elevar o orçamento anual do fundo americano para operações secretas de modestos cinco milhões de dólares para mais de um bilhão. Ao mesmo tempo, o nada convencional político ainda precisava lidar com um escândalo associando seu nome a orgias, drogas e prostituição.

Em companhia de um indisciplinado agente da CIA e com o aval da amante poderosa e bem-relacionada, Wilson encontrou-se com presidentes, fez alianças absurdas e, graças a sua cara-de-pau ilimitada, conseguiu atingir seus objetivos sem que ninguém percebesse o que ele estava fazendo. Simplesmente porque tinha em seu crédito um histórico de favores concedidos e não cobrados que lhe permitiu conseguir o que queria quando se dispôs a pedir retribuição.

O filme tem um roteiro bastante inteligente, repleto de ironia e tiradas espirituosas. O roteirista Aaron Sorkin tem experiência em temas políticos: já venceu um Emmy por seu trabalho na série The West Wing, além de ter escrito Meu Querido Presidente. Embora abuse do sarcasmo em seus diálogos, Jogos do Poder não pode nem remotamente ser considerado uma comédia. O que leva à conclusão de que sua indicação ao Globo de Ouro deste ano como tal se deveu única e exclusivamente à já tradicional escassez de candidatos para a categoria comédia / musical.

As atuações são boas, porém nenhuma delas se destaca individualmente. O grande mérito interpretativo está na direção de atores, que conseguiu obter uma performance conjunta nivelada e harmoniosa. E não deixa de ser interessante a oportunidade de ver Tom Hanks e Julia Roberts em papéis totalmente diversos da imagem que se tem de ambos. O pacato cidadão Hanks como um mulherengo sem o mínimo de ética e a fina e discreta Julia como uma perua meio cafona – ou uma versão rica da Erin Brockovich, se preferirem. Já Philip Seymour Hoffman, que foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante deste ano, poderia ter deixado a vaga para Paul Dano (Sangue Negro) ou John Travolta (Hairspray). Mesmo porque o fato de seu personagem ser responsável pelas melhores falas é mais mérito do roteirista do que do ator.

Jogos do Poder é um bom filme, embora não tenha o mesmo grau de impacto e ousadia do trabalho anterior de Mike Nichols, Closer – Perto Demais. O mais curioso na trama é o fato de um sujeito que era um joão-ninguém no cenário político ter mudado os rumos de uma guerra e ainda conseguir manter tal feito em segredo por vários anos. Como bem enuncia o título original, Charlie Wilson’s War, o personagem de fato foi o “dono” de uma guerra. Parece mentira. Infelizmente não é.

sábado, 21 de junho de 2008

Agente 86


Quem não se lembra da hilária série Agente 86, ícone da TV americana nos anos 60? Com a grande popularidade dos longas de James Bond, surgiu a idéia deste seriado protagonizado por um agente atrapalhado que desbaratava as mais intrincadas conspirações por pura sorte. Get Smart, no original, foi assim batizado como um trocadilho com o nome de Maxwell Smart, agente secreto de uma organização cuja sigla forma a palavra “controle” e que tem como rival uma organização russa cuja sigla forma a palavra “caos”. Engraçadinho, né? Os telespectadores da época também achavam. Agente 86 durou cinco temporadas, de 1965 a 1970, e ganhou vários prêmios Emmy, sendo três deles para a atuação do falecido Don Adams no papel-título.

Agente 86, o filme, optou por partir de um prólogo ao que se via na série e mostra a transição de Max de um funcionário de escritório para agente secreto. A sede da Controle sofre um ataque e a identidade de seus agentes fica exposta. A única exceção é a veterana Agente 99, que acaba de passar por uma cirurgia plástica e está com um rosto totalmente novo. Ela precisa de um parceiro para ajudá-la numa nova missão e o Chefe não tem outra saída a não ser promover Maxwell Smart, funcionário burocrático que sempre sonhou ser um agente de campo.

Assim como ocorreu em Batman Begins, a idéia de ter como ponto de partida um momento anterior ao que já se viu provou ser uma forma eficiente de contar uma história já conhecida de um ângulo totalmente novo. O roteiro de Agente 86 explora a primeira missão de Max, seu primeiro encontro com o célebre vilão Siegfried, seu entusiasmo ao ser designado parceiro da Agente 99, enfim, faz um passeio pelos pontos principais da série sem que isso soe didático, já que tudo é novidade para Max naquele momento.

Outro ponto alto do roteiro está na combinação de ótimas piadas visuais com uma certa ironia inteligente. Um grande destaque está na caracterização de James Caan como um sósia de Bush, com direito, inclusive, a uma reprodução daquela famosa cena dele lendo historinhas para crianças enquanto as maiores desgraças ocorrem em seu país. A cena dele dormindo no concerto de música clássica também é impagável.

Mas nada disso seguraria as pontas do filme se os produtores fracassassem na escolha do protagonista. E fica muito difícil imaginar um rosto do cinema atual para o papel de Maxwell Smart que não seja o de Steve Carell. O ator que ficou famoso pelo infame O Virgem de 40 Anos e, posteriormente, pelo tio gay e deprimido de Pequena Miss Sunshine associa seu carisma imenso a um timing para comédia perfeito. Uma coisa que costuma me irritar em certas comédias é essa regra implícita de que o sujeito só é engraçado se for caracterizado como um imbecil, estereótipo que Carell sabiamente descarta em sua construção de personagem. Seu Max é um cara atrapalhado, mas inteligente e com um certo charme – digamos que seja alguém com quem eu sairia numa noite de sexta. Também é curioso que Carell, apesar de americano, tenha um estilo de humor geralmente associado aos britânicos, que se caracteriza por dizer os maiores absurdos com a cara mais séria do mundo. Não foi à toa que o escolheram para estrelar a versão americana do seriado inglês The Office.

No elenco coadjuvante, destaque para os sempre ótimos Alan Arkin e Terence Stamp. Também o fortão Dwayne Johnson – que agora não quer mais ser chamado de “The Rock” - e o astro de Heroes, Masi Oka, estão interessantes em papéis secundários. O diretor Peter Segal, que começou a carreira com o festejado Corra Que a Polícia Vem Aí 33 1/3, investiu em ícones tradicionais do seriado, como a música-tema, o sapato-fone, as intermináveis portas metálicas da Controle e, como não podia faltar, a entrada pela cabine telefônica. Mas, ao mesmo tempo, criou novas piadas e situações mais de acordo com os dias de hoje. Tudo amarrado por um roteiro escrito com o mesmo humor anárquico e inteligente que caracterizou o seriado. Fique esperto e não perca esse gostoso reencontro com Maxwell Smart.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

A Outra


A Outra, título pouco criativo em português para The Other Boleyn Girl, é a versão para o cinema do festejado romance A Irmã de Ana Bolena, de Philippa Gregory. Coube ao festejado Peter Morgan – indicado ao Oscar 2007 pelo roteiro de A Rainha – a tarefa de adaptar para a telona essa história que gira em torno da disputa das irmãs Mary e Anne Boleyn pelos favores do rei Henrique VIII. A trama é ambientada na Inglaterra do século XVI, quando o soberano entrou crise no casamento com a rainha Catarina de Aragão por conta da impossibilidade dela em dar-lhe um herdeiro varão. Aproveitando esse vácuo, a ambiciosa Anne recebe do tio e pai interesseiros a missão de se aproximar de sua majestade e tornar-se sua amante. Tal posição traria riqueza e benefícios incalculáveis para toda a família. Mas, para seu grande desapontamento, o rei se encanta com a simplicidade de sua irmã mais nova, a recém-casada Mary. O que não foi empecilho nenhum, já que o próprio marido da jovem estava disposto a cedê-la ao monarca em troca de um cargo na corte. Só que Anne – conhecida entre nós pelo nome Ana Bolena – não estava disposta a abrir mão de seus delírios de grandeza e ousou tecer seus próprios planos, afrontando a família e toda a sociedade inglesa.

Apesar de se vender como um romance histórico, A Outra é muito mais um filme sobre os malefícios da ambição desmedida do que sobre amor. Enquanto a boazinha e obediente Mary se apaixona de fato pelo rei mulherengo, Anne visa apenas sua coroa. Enquanto Mary se anula e se dobra aos desmandos da família carreirista, Anne persegue apenas seu próprio benefício. A princípio, parece que a ardilosa e calculista Anne triunfará, já que consegue ter imenso domínio sobre o soberano vaidoso e influenciável. E cabe esclarecer que nada daquilo seria possível se Henrique VIII fosse um homem de caráter firme, que não se deixasse corromper por uma estratégia tão frágil quanto a negativa de uma mulher em se entregar a ele. Mas, como toda pessoa que se deixa embriagar pelo poder, Anne não sabe a hora de parar e cava sua própria sepultura.

Embora a existência de Mary seja comprovada, existem poucos registros históricos de seu papel real nesse episódio. De resto, o pano de fundo político e social é bastante fiel ao que se conhece sobre o período. Já o trágico fim de Anne está escrito em qualquer livro de História: depois de conseguir fazer Henrique VIII se afastar tanto de sua irmã como da esposa legítima, ela consegue ser coroada rainha. Mas o custo é alto: a separação não autorizada pelo Vaticano provoca o rompimento da Inglaterra com a igreja católica e culmina na fundação da religião protestante. Depois de tantos sacrifícios, Henrique exige o tão prometido filho varão. Mas Anne só consegue dar à luz a uma menina – a futura Elizabeth I. O rei, é claro, volta sua frustração contra a causadora de tudo aquilo. Tentando desesperadamente preservar sua posição, ela ultrapassa todos os limites e comete um ato desatinado que, ironicamente, acaba sendo um prato cheio para condená-la (a versão do filme dá uma aliviada na questão, mas o que aconteceu na realidade nunca saberemos).

A fotografia deslumbrante e os figurinos riquíssimos ajudam a compor a atmosfera de uma corte fútil e movida a intrigas e maquinações. Mas o fator que realmente mantém o espectador ligadíssimo ao filme é a ótima composição de Natalie Portman como Anne. A personagem é de um mau-caratismo extremo e, ainda assim, Natalie a faz tão humana e cheia de nuances que fica difícil não simpatizar com ela. Ambiciosa? Sim. Repulsiva? Jamais. Mesmo equivocada em suas intenções, sua coragem em desafiar todas as regras e escrever a própria história é apaixonante. Sua personalidade é muito mais atraente do que a sempre passiva Mary, que, mesmo quando tem a chance única de se vingar das afrontas da irmã... não o faz.

Também Scarlett Johansson consegue ter bons momentos em cena e até evita certas armadilhas impostas por sua personagem excessivamente boazinha, a despeito do filme ser quase todo de Natalie Portman. Eric Bana tem boa presença física e impõe o respeito necessário a um personagem como Henrique VIII, embora ainda não vá ser dessa vez que o ator australiano conseguirá se destacar em termos de interpretação. Jim Sturgess tem oportunidade de mostrar o talento só perto do desfecho. E, por fim, uma boa surpresa é ver que a maturidade fez muito bem para Kristin Scott Thomas, numa atuação contida e eficiente como a mãe das meninas Bolenas.

Muitos traços da personalidade guerreira de Anne Boleyn são os mesmos que futuramente seriam exaltados como virtudes em sua filha Elizabeth I. Podemos até traçar um paralelo interessante entre essas duas figuras históricas: seria Elizabeth uma versão mais equilibrada da mãe, alguém que soube canalizar sua força de modo positivo e evitar sua sociopatia? Com um material técnico interessante e um elenco carismático, coube ao diretor estreante Justin Chadwick apenas a tarefa de não estragar o filme. É um novelão? Pode até ser... Mas é um novelão danado de bom!

Cinturão Vermelho


Cinturão Vermelho – Redbelt, no original – é um filme “mais ou menos”. Não encontro outra classificação para ele. Não chega a ser um desastre, tem bons momentos, mas também tem fraquezas na mesma proporção. Tudo gira em torno de Mike Terry, um lutador de jiu-jitsu à moda antiga: a despeito de sua excelência no tatame, nunca se interessou em participar de competições esportivas. Seu barato é ensinar defesa pessoal e auto-controle em sua academia. E sua vida pacata continuaria assim, ao lado da bela esposa brasileira (Alice Braga, ascendendo com velocidade impressionante no exterior), se as dívidas acumuladas não o forçassem a rever seus conceitos.

Basicamente, é isso. Mike Terry é um último romântico num meio controlado por grana alta, corrupção e lutas arranjadas. As pessoas à sua volta são comandadas pelo dinheiro e o cara resiste até onde consegue num ambiente hostil em que nem mesmo sua esposa entende a importância de seus princípios. Os personagens são maniqueístas, sem meio-termo, o que é um pouco surpreendente num filme de David Mamet. O roteirista e cineasta sempre se caracterizou por histórias mais, digamos, cerebrais. Não que Cinturão Vermelho seja um filme de porrada apenas. Mas a discussão ética soa um pouco superficial, não chega a ser contundente em nenhum momento. Talvez por sua previsibilidade. Desde o primeiro fotograma, a história já sinaliza para onde desembocará. E o desfecho é piegas e pouco verossímil.

No mais, é uma verdadeira falta de respeito o cartaz brasileiro adulterado. Nele, os coadjuvantes Rodrigo Santoro e Alice Braga estão em primeiríssimo plano, enquanto o protagonista Chiwetel Ejiofor aparece numa imagem minúscula (na verdade, uma redução do cartaz original) lá no fundo. Ter orgulho do sucesso nacional no exterior é válido, mas assim já é um pouco demais.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

O Incrível Hulk


Considerando o respeito que eu tenho à bela carreira do cineasta Ang Lee, é com pesar que digo que acho seu Hulk (2003) uma porcaria. Um filme chato, cheio de pseudo-psicologismos e protagonizado por uma criatura digital tosca. E esse último defeito é o pior de todos, já que o monstro verde que ocupa grande parte da ação é imenso, mal-feito e não transmite nenhuma ilusão de massa corpórea. Ou seja: quando ele pula, parece mais um chicletão de hortelã quicando.

A primeira boa notícia a respeito dessa seqüência foi o fato de Edward Norton estar não apenas à frente do elenco, mas também como um dos roteiristas e uma espécie de manda-chuva de toda a produção. E Norton não é ator de associar seu prestígio a qualquer coisa. Seu Bruce Banner tem boa dimensão humana, mesclando um controle duramente obtido com momentos em que parece cansado de se obrigar a ser sempre bonzinho – destaque para a cena que mostra sua constrangedora situação em relação à amada Betty Ross. Quanto ao Hulk digital, embora ainda não seja um modelo de perfeição, certamente é bem superior ao do primeiro filme. As expressões faciais melhoraram bastante e a questão do peso também está mais convincente.

As primeiras seqüências de O Incrível Hulk impressionam pelas vertiginosas tomadas áreas da favela da Rocinha (já as tomadas internas foram feitas na favela Tavares Bastos, no Catete). Sim, é aqui no Rio de Janeiro que Bruce Banner tem vivido nos últimos cinco anos. Escondido dos militares que querem usar sua força como arma de guerra, ele trabalha numa fábrica de refrescos e busca uma cura para seu estado pesquisando as propriedades de plantas tropicais.


Os antecedentes à história são mostrados de maneira dinâmica e eficiente nos créditos de abertura, desde o fatídico acidente com os raios gama até sua separação forçada da Dra. Betty Ross. Nessa primeira parte, algo que certamente incomodará o público brasileiro é ouvir alguns atores falando um português bizarro ou – pior – dublados de modo incrivelmente tosco. Mas pelo menos eles mostram o povo aqui falando português e não espanhol. Já é um avanço. Também é curiosa a geografia do longa, que faz com que Bruce Banner desça da Rocinha pela escadaria Selarón da Lapa (foto ao lado); logo depois, tem uma tomada com os Arcos ao fundo e tudo. Mas esses detalhes são mais curiosidades para nós do que propriamente uma falha de continuidade.

O filme, como um todo, é mais voltado para a aventura, com boas doses de adrenalina. Louis Leterrier, que dirigiu antes somente Cão de Briga e Carga Explosiva 2, mostrou que é bom com cenas de ação. A meia hora final do filme, que se concentra no embate entre o gigante esmeralda e o deformadíssimo Abominável, é meio excessiva em termos de explosões e quebradeira... Mas isso já é quase uma exigência do gênero. Também foi assim com o Homem de Ferro. Aliás, uma das melhores cenas do longa é justamente a irônica conversa entre Tony Stark e o general Ross.

Completando o bom elenco, ainda temos Tim Roth numa caracterização demoníaca como Emil Blonsky (o Abominável), Tim Blake Nelson como o cientista dividido entre a ética e o deslumbramento com o poder da ciência, o veterano William Hurt como o general Ross e a belíssima Liv Tyler como Betty Ross. E por último – mas não menos importante –, o grandalhão Lou Ferrigno da série de TV dá voz ao Hulk.

O Incrível Hulk é um bom filme, que cumpre sua função básica: divertir. E isso já é bem mais do que conseguiu o Hulk anterior.

terça-feira, 17 de junho de 2008

A Noiva Perfeita


Eis que mais uma comédia romântica previsível e incoerente chega às locadoras. Homem e mulher que antipatizam um com o outro à primeira vista se unem contra a vontade e, com a convivência, se descobrem loucamente apaixonados. Quantas vezes já se viu uma história assim? Provavelmente, desde que os irmãos Lumière inventaram o cinema. Claro que é possível realizar um filme interessante partindo de um argumento capenga. Mas não é o que acontece em A Noiva Perfeita, que oscila entre estereótipos manjados e situações simplesmente absurdas.

O arranjo, neste caso, é o seguinte: ela precisa de dinheiro e ele, de uma noiva para apresentar à família e se ver livre da pressão da mãe e das cinco irmãs para que se case e deixe de viver na Terra do Nunca. Já soa pouco plausível, não? É bom ressaltar que o sujeito em questão tem 43 anos e é um profissional muito bem-sucedido. Ou seja: bastaria dizer com todas as letras à família que não está interessado em se casar. Mas não. Ele prefere pagar a uma desconhecida para se fazer passar pela mulher da sua vida e depois abandoná-lo, deixando-o, assim, no papel de coitadinho perante a mãe e as irmãs.

Certamente que existem muitos homens imaturos e comandados pela família, mas tamanha dependência não combina com o modo como o personagem é apresentado. E os motivos da pressão da família tampouco são convincentes. Numa cena, uma das irmãs queixa-se de ter que lavar e passar a roupa dele. Não seria mais simples - e mais barato - pagar alguém para cuidar da roupa ao invés de engendrar um plano tão evidentemente fadado ao fracasso? Esse é o grande problema em A Noiva Perfeita: todas as decisões do personagem soam artificiais. Só um idiota completo raciocinaria como ele e o personagem não é caracterizado como um idiota em outras áreas da sua vida. A noiva de aluguel também é cheia de incoerências, sendo a mais esquisita delas a questão de estar precisando de dinheiro e insistir em adotar um bebê brasileiro (!). Mas não é tudo: ainda existem seqüências inteiras que chegam a ser constrangedoras de tão sem graça, com destaque especial para a cena em que eles se fantasiam de sado-masoquistas. Parece coisa do Repórter Vesgo.

Resumindo: trata-se de um filme que, logo no começo, já deixa evidente como se desenrolará. E não apenas segue o caminho da previsibilidade, como também falha em fazer isso com eficiência. O bom elenco, encabeçado pelos simpáticos Alain Chabat e Charlotte Gainsbourg, não consegue amenizar a sensação de tempo perdido. Podia ter sido lançado direto em DVD – e olhe lá -, mas o filme conseguiu espaço no circuito no final do ano passado.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Império dos Sonhos


Uma história de mistério. No coração deste mistério, uma mulher apaixonada e completamente atormentada.

As enigmáticas palavras acima foram a primeira sinopse divulgada, por ocasião do Festival do Rio 2007, de Império dos Sonhos. Chamava a atenção o fato de usarem duas frases para descrever um filme de quase três horas. Após assistir a essa nova viagem de David Lynch, dá para entender o porquê.

Imaginem a seguinte abertura: chuviscos vindos de uma televisão fora de sintonia, numa alusão ao começo de Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer. Logo a seguir, uma mulher chorando (referência ao Llorando de Cidade dos Sonhos?) assiste a uma esquisitíssima sitcom protagonizada por pessoas vestidas de coelhos que dizem frases dramáticas e desconexas enquanto uma claque ri descontroladamente. Aliás, essa sitcom bizarra é, na verdade, um curta chamado Rabbits (disponível na internet) que originalmente deveria preceder o filme.

Quando a personagem de Laura Dern entra em cena, parece que as coisas começarão a fazer sentido. E fazem... Por cerca de vinte minutos. Laura é a atriz Nikki Grace, que descobre que o filme que está prestes a rodar é, na verdade, remake de uma produção inacabada considerada maldita porque os protagonistas foram assassinados. A partir daí, à medida que o filme avança, a fronteira entre realidade, ficção e puro delírio será cada vez mais tênue.

Certamente não foi por acaso que David Lynch tocou no tema do remake. Ao longo dos tortuosos 172 minutos de Império dos Sonhos, tem-se a impressão de estar visitando a obra do cineasta. De uma maneira perversamente cubista, é claro. Personagens de filmes anteriores reaparecem, situações soam familiares, diálogos são reinventados. Tudo se aproveita, nada se encaixa. O espectador não sabe quando a atriz está dentro do filme. Nem ela mesma sabe. A iluminação no começo tem luz saturada, depois passa a ser avermelhada e escura. Os closes, dignos do bom surrealismo alemão, deformam o rosto dos atores. O estilo do filme e das interpretações passeia pelos gêneros cinematográficos: começa pelo artificialismo dos seriados antigos, flerta com o noir, bebe na fonte do dramalhão mexicano e usa música de terror. Às vezes, um de cada vez; outras vezes, tudo ao mesmo tempo.

É cansativo. Vamos ser francos. Depois de uns quarenta minutos, comecei a ouvir ocasionalmente os barulhos de assentos voltando à posição normal. Várias pessoas, em especial as mais idosas, abandonaram a sala de projeção. Um casal sai resmungando ruidosamente. Eu me mexia, muitas vezes derivava para pensar em outros assuntos, brigava com o cansaço. O próprio David Lynch declarou que inicialmente não sabia se Império dos Sonhos chegaria a se converter num filme. Ele teve algumas idéias e resolveu filmá-las em digital, sem compromisso de que as cenas tivessem alguma seqüência ou ligação. O ponto de partida de tudo foi uma conversa que teve com Laura Dern, quando ela disse que seu marido era de Inland Empire (título original do longa) e o cineasta gostou do som da expressão. Aliás, uma cena interessante é quando a personagem de Dern vai num talk show comandado por uma perua inconveniente interpretada por Diane Ladd – sua mãe na vida real.

É claro que a obra de Lynch sempre foi marcada pelo bizarro, mas havia um forte sentido em todos os seus filmes anteriores. O polêmico Cidade dos Sonhos pode ser aberto a diversas interpretações, mas está longe de ser aleatório. Fica claro a interligação entre as duas metades do longa. Em Império dos Sonhos, o surrealismo predomina, tornando-o um filme hermético e no qual é muito difícil concentrar a atenção. Um exercício de paciência. Certamente um exercício ainda maior para quem se aventurar a vê-lo em DVD.

sábado, 14 de junho de 2008

Não Estou Lá


Outra novidade nas locadoras que vale a pena conferir é Não Estou Lá, uma livre representação do universo de Bob Dylan e suas diversas facetas. Jovem poeta, ícone folk, roqueiro rebelde, cristão convertido, caubói solitário e, sobretudo, porta-voz de toda uma geração. Suas revoluções musicais e estéticas eram um espelho das mudanças do mundo, em especial nos valores da sociedade americana. Exibido em 2007 nos Festivais de Toronto e Veneza, além de ter sido um dos maiores destaques do Festival do Rio. Neste filme, Dylan é interpretado por seis atores diferentes: Christian Bale, Cate Blanchett, Marcus Carl Franklin, Richard Gere, Ben Wishaw e o saudoso Heath Ledger. Todos são ele. Nenhum é ele. Na verdade, são personalidades independentes que, reunidas, formam o caleidoscópio que é Bob Dylan.

Não Estou Lá não apenas acompanha as metamorfoses de Dylan como também as exemplifica na própria estrutura do longa. Para cada faceta do biografado, temos um estilo diferente. É como se fosse um filme com seis episódios, incluindo aí um autêntico western que faz uma correlação entre o Dylan mais maduro e o fora-da-lei Billy the Kid. E o mais impressionante é que há uma estranha harmonia no todo, a despeito das partes serem tão dissonantes entre si. A cena de abertura do filme mostra uma morte fictícia – ou melhor, metafórica – do ídolo. Talvez a chave para tão bizarro pressuposto esteja na própria canção que dá título ao longa, que diz em sua última estrofe: “I’m not there, I’m gone” - eu não estou lá, eu fui embora (ou estou acabado).



Sem dúvidas Não Estou Lá é um filme extremamente criativo e referencial. O único problema é que esse excesso de referências pode ser uma faca de dois gumes. Se, por um lado, levará os fãs de Bob Dylan ao êxtase, por outro é um pouco excludente com aqueles que não estão totalmente familiarizados com suas letras. Eu, particularmente, confesso que “boiei” em diversas passagens - para quem quiser se prevenir, uma boa opção é assistir antes a No Direction Home, documentário de Martin Scorsese sobre o homem. O que não me impediu de apreciar outras qualidades evidentes, como a estética deslumbrante, a concepção imaginativa e a fabulosa interpretação do elenco. E, como não poderia deixar de ser, a deliciosa trilha sonora.

Por fim, ainda acho uma grande injustiça Cate Blanchett ter perdido o Oscar de atriz coadjuvante para Tilda Swinton. A incorporação de Cate de todo o gestual de Dylan é uma das coisas mais impressionantes que eu já vi.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Pensamento do Dia


"Mas o pano de fundo se rasga, os cenários desaparecem e o elenco é devorado pela peça. Há um assassino na matinê. Há cadáveres na platéia. Os produtores e atores também não estão certos se o show terminou. Com olhares oblíquos, esperam suas deixas. Mas a máscara apenas sorri."

- Alan Moore & David Lloyd (V de Vingança - tomo 2)

terça-feira, 10 de junho de 2008

Quando Estou Amando


Depois de passar no Festival do Rio de 2006 com seu título original, Quando Eu Era Cantor, estréia mais uma vítima dos batismos esdrúxulos que infestam nosso cinema. O que só confirma a teoria do meu amigo Lucas de que aqui no Brasil todo filme que se pretenda vender como romântico deve, necessariamente, levar a palavra “amor” ou um derivado dela no título.

Gérard Depardieu interpreta Alain, um cantor decadente e pra lá de cafona que vive de animar bailes para descasados e eventos dançantes em geral. Numa noite de trabalho como outra qualquer, ele conhece a jovem Marion que – sabe-se lá porque – termina a noite na sua cama. Mas na manhã seguinte a bela sai correndo sem ao menos se despedir. A partir daí, Alain faz de tudo para se aproximar, apesar dela deixar claro que o que aconteceu entre eles foi um equívoco.

Depardieu é, sem dúvida, a melhor coisa do filme. Alain sabe que está ultrapassado e que está se apaixonando por alguém que não tem a mínima intenção de corresponder às suas atenções mas, ainda assim, está decidido a lutar pelo que deseja. E talvez, àquela altura da vida, ter o amor de uma mulher como Marion simbolize para ele muito mais do que uma conquista amorosa. E o modo como o ator constrói seu personagem, alternando fragilidade com auto-confiança, é encantador de se assistir. Sem contar que ele canta muito bem e tem boa desenvoltura no comando da orquestra, o que torna sua interpretação ainda mais verdadeira.

Já Cécile De France, que ficou conhecida com Albergue Espanhol e firmou seu nome com o cultuado Um Lugar na Platéia, deixa claro neste filme que ainda tem que comer muito feijão com arroz antes de contracenar com um ator do calibre de Depardieu. A atriz é bonita e tem um sorriso que ilumina a tela, mas em termos de atuação tem pouco a oferecer diante da intensidade dramática de Depardieu.

O ritmo do filme também não é dos melhores, com algumas cenas desnecessárias e outras que parecem jogadas na tela sem que tenha havido uma boa transição. Resta saber se a deficiência é do roteiro ou da edição. Ainda assim, a ótima performance de Gérard Depardieu mantém o interesse do espectador até o final.

sábado, 7 de junho de 2008

Sex and the City – O Filme


O seriado Sex and the City foi uma grande febre que tomou conta da grande maioria das mulheres entre 1998 e 2004. Sarah Jessica Parker, de atriz que não deu muito certo nas telonas, foi catapultada ao estrelato e virou referência não apenas como protagonista de uma série de sucesso mas também como ícone de moda e bom gosto. E não foi só. Cada vez que um restaurante era mostrado em um episódio, o sucesso perante a clientela estava garantido. Pelo menos, por um tempo. Porque uma cidade como Nova Iorque dava à produção do seriado o luxo de não precisar repetir cenários externos. Mas não foram as boates transadas e os restaurantes chiques de Manhattan, nem os exóticos figurinos de Patricia Field ou os criativos sapatos de Manolo Blahnik que fizeram a fama de Sex and the City. A sensação maior era o despudor com o qual o sexo era tratado pelos roteiristas, especialmente na figura da liberadíssima Samantha. Temas como masturbação, lesbianismo e sexo a três saem do armário e ganham o horário nobre da televisão.

Seis temporadas e vários prêmios depois, a série chegou ao fim. A romântica Charlotte estava prestes a realizar seu sonho de ser mãe adotando um bebê chinês; a fogosa Samantha aquietara ao lado do ator Smith Jerrod após um período difícil em que enfrentou um câncer; a teimosa Miranda finalmente se rendera aos apelos de Steve, o pai de seu filho; e Carrie, a estrelíssima Carrie, parecia finalmente ter acertado as arestas de seu tumultuado romance com John – o famoso Mr. Big. A idéia de realizar um longa-metragem surgiu quase instantaneamente, mas quis o destino – ou melhor, as exigências de Kim Catrall, a Samantha – que o filme levasse quatro anos para ser feito. E talvez isso tenha sido a melhor coisa a acontecer, já que esse hiato permitiu que os fãs sentissem saudade das personagens e aguardassem ansiosamente pela estréia do filme.

Em Sex and the City – O Filme, reencontramos as quatro amigas dando continuidade à situação que viviam ao final da série: Miranda se mudou para o Brooklyn e cria o pequeno Brady ao lado de Steve, mas a relação vive nova crise por conta do estresse dela em se dividir como profissional, mãe e esposa; Charlotte tem um casamento feliz com o advogado Harry e, agora que a pequena Lily entrou na vida deles, sente-se plenamente realizada; Samantha se divide entre Los Angeles e Nova Iorque por conta da carreira hollywoodiana de Smith e se ressente pelo foco da relação agora ser o namorado; Carrie e Big estão felizes e planejam morar juntos. Parece que as meninas estão mais caseiras, colhendo frutos da maturidade. Tudo isso é mostrado junto com os créditos de abertura, num eficiente resumão para quem nunca assistiu à série – se é que existe tal espectador. De qualquer modo, a simpática abertura já nos coloca dentro do universo das personagens.

Preocupada em assegurar alguma estabilidade, Carrie acaba forçando a barra para transformar o “morar juntos” em casamento. Big concorda, mas começa a ter dúvidas conforme a notícia se espalha e o casamento ganha proporções cada vez maiores. Nós espectadores, vemos o desastre iminente e, ao mesmo tempo, entendemos o momento de cegueira de Carrie. E vale ressaltar que Carrie Bradshaw é uma personagem tão fascinante justamente por essa mistura de sensibilidade e futilidade. É claro que Big é o amor de sua vida, que ela lutou para conquistar ao longo de dez anos, mas ela acaba deixando o cerne da relação meio de lado conforme vai sendo engolida pelo frisson de um casamento dos sonhos. E convenhamos: como continuar bravamente atada à idéia de uma recepção íntima depois de posar para um ensaio da Vogue e ainda ganhar um vestido de noiva by Vivienne Westwood? Isso é apenas um exemplo dos muitos fatores que fazem com que Carrie pire, e exclua Big de sua egotrip. Como diz numa cena, ela fez o evento ficar maior que o noivo, Big (bigger than big, ótimo trocadilho).


Mas o filme não é apenas de Carrie, embora ela sempre tenha sido sem dúvida a personagem mais bem desenvolvida psicologicamente. Enquanto as outras três personagens são um pouco exageradas em suas obsessões – sexo para Samantha, família para Charlotte, independência para Miranda – Carrie se apresenta sempre dividida por emoções contraditórias. Paixão, carreira, amizade, inteligência, sofisticação, simplicidade, boemia, romance, liberdade, todos esses impulsos e muitos outros numa pessoa só. E, como todo ser humano, ela faz burradas. Muitas.

Um dos grandes trunfos de Sex and the City é contar com exatamente a mesma equipe do seriado, desde o diretor Michael Patrick King até personagens secundários ao qual estávamos acostumados como o amigo gay de Carrie, Stanford, ou a babá do filho de Miranda, Magda. A novidade no elenco é Jennifer Hudson, cantora revelada atriz no musical Dreamgirls (e vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante em 2007). Jennifer é Louise, garota cheia de estilo que usa bolsas de grife alugadas e é contratada por Carrie para ser sua assistente pessoal. E, no quesito brinde para os fãs, a coisa vai além de reencontrar os antigos personagens. Até o famoso vestidinho com saia de tule que Carrie usava na abertura da série - e que vimos episódio após episódio, ao longo das seis temporadas - faz uma participação especial. O roteiro também não decepciona: é bem escrito, com ritmo ágil e tiradas espirituosas. Nada menos que do esperávamos. Detalhe: as duas horas e vinte minutos de duração do filme podem até parecer excessivas em tese, mas passam muito rápido ao assisti-lo. E isso sempre foi um ótimo termômetro.

Resumindo? Sex and the City – O Filme é ouro puro para quem curtiu a série, mas também pode agradar qualquer um que esteja disposto a dar boas risadas e talvez até se emocionar um pouquinho com os encontros e desencontros de quatro mulheres que um dia foram a Nova Iorque loucas para se apaixonar. Se não conseguissem, pelo menos poderiam virar a noite num lugar bacana usando um vestido fabuloso. Esse é o espírito Carrie Bradshaw.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Bella


José foi um famoso jogador de futebol, mas um acidente acabou com sua carreira. Anos depois, ele é chef no restaurante de seu irmão Manny e não vê com bons olhos o modo grosseiro como ele trata os empregados. Nina, garçonete do local, é despedida por se atrasar constantemente. José resolve tomar partido da moça e, num momento de revolta, deixa a cozinha e vai atrás dela para consolá-la. Os dois acabam passando o dia juntos e descobrindo mais sobre o outro num único dia do que em anos que passaram trabalhando juntos.

Bella é mais um daqueles filmes no estilo “dois estranhos que descobrem súbitas afinidades”. OK. Existem vários bons filmes feitos a partir desse mesmo argumento, desde o clássico Antes do Amanhecer até o recente Apenas uma Vez. Não é a originalidade – ou falta dela – que faz o longa ser bom ou ruim. O que não pode é pegar uma fórmula manjadíssima como essa e tratar a história como receita de bolo, adicionando ingredientes pré-fabricados.

Se compararmos Bella com Apenas uma Vez – só pra ficar num exemplo recente –, a primeira e grande diferença é que, no longa irlandês, os personagens tinham seu amor pela música a uni-los. E isso é um ponto que faz toda a diferença. Em Bella, é difícil para o espectador perceber o que aproximou de forma tão intensa José e Nina. O casal não transmite nenhuma cumplicidade, a não ser no aspecto de ambos acharem Manny um tirano insensível. Mas até mesmo essa frágil afinidade é quebrada no decorrer do filme. Tem-se a impressão que José estava mais interessado em dar uma lição no irmão do que propriamente em se aproximar da garota.

Não seja um filme desagradável de se assistir. Mas, depois de um certo tempo, você quer que a história chegue a algum lugar, tenha alguma identidade própria e faça mais do que reproduzir cenas e situações que você já viu antes em outros filmes. Os protagonistas soam artificiais em sua afetividade, lembrando ao espectador a todo instante que são personagens seguindo um roteiro escrito e não pessoas de verdade. E é muito chato quando essa “costura” fica tão evidente aos olhos do espectador, impedindo-o de “entrar” no filme.

Não bastasse o roteiro preguiçoso, o longa ainda é estrelado por um casal que não possui nenhuma química em cena. Para terminar de desandar a receita, o desfecho do filme é de uma pieguice e falta de criatividade espantosa. Mais espantoso ainda é saber que, apesar de todas as suas deficiências, Bella saiu do Festival de Toronto 2006 vencedor do prêmio do júri popular. Vai entender.

Por que o longa se chama Bella? Há uma explicação, embora o porquê do filme ter recebido esse título seja apenas mais uma coisa que parece artificial no contexto geral.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

O Gângster



American Gangster, título original de O Gângster, é significativo. Porque na Nova Iorque dos anos 70 ser gângster, ou seja, estar no topo de uma estrutura criminosa organizada, significava necessariamente ser italiano. E o diferencial deste filme para outros similares é justamente mostrar a ousadia da história real de Frank Lucas e sua incrível ascensão: de faz-tudo de um bandido de segundo escalão do Harlem a barão da heroína número um. Mérito tanto da esperteza de Lucas quanto da cegueira de seus perseguidores, que não conseguiam conceber que um negro do Harlem pudesse ter montado um esquema criminoso que superava em muito o modo como as famílias italianas vinham operando. Isso fica bem exemplificado pela reação do chefe do policial Richie quando ele lhe conta sobre Lucas e a heroína puríssima que ele trazia direto do Vietnã: “um negro não conseguiria o que os italianos não conseguiram em cem anos”.

Neste novo longa de Ridley Scott, Denzel Washington dá vida ao bandido que ampliou o significado do termo gângster. Alternando a fina estampa e os modos educados com a selvageria necessária ao negócio, Denzel mostra seu habitual carisma em cada um dos aspectos da multifacetada personalidade do primeiro gângster genuinamente americano. Russell Crowe, que interpreta o policial honesto que o persegue incansavelmente ao longo do filme, parece pouco à vontade no papel de mocinho.

Tendo uma boa trama e um cineasta experiente e talentoso como Scott na direção, já era de se esperar que o resultado fosse um bom filme. Ainda assim, apesar de todos os seus pontos positivos, O Gângster acaba sendo mais um longa sobre o assunto. E não traz nada de tão novo assim ao gênero, mesmo com todas as particularidades da biografia de Frank Lucas. Claro que é bem-feito e agrada ao espectador, mas dificilmente será um filme do qual alguém se lembrará daqui a alguns anos.

domingo, 1 de junho de 2008

Memória Afetiva de um Amor Esquecido



Este novo espetáculo da Cia. Os Dezequilibrados, que se desloca por todo o prédio da Oi Futuro, é baseado em Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, filme que deu o Oscar de melhor roteiro original ao cultuado Charlie Kaufman – o mesmo que escreveu Quero ser John Malkovich. Brilho Eterno conta a história do certinho Joel e da maluquete Clementine, um casal de personalidades completamente opostas. Desiludida com os tropeços da relação, Clementine decide tirar Joel da cabeça. Literalmente. Para isso, procura uma empresa especializada em apagar da memória lembranças indesejadas. Após descobrir o porquê da ex não se lembrar dele, Joel - magoado, mas ainda apaixonado - decide fazer o mesmo. Durante o procedimento, ele percebe que não quer esquecê-la e começa a tentar esconder Clementine em outras partes do seu cérebro para que o técnico não consiga removê-la.

Ao ler no jornal que a peça era inspirada nesse filme (que eu, aliás, adoro), minha curiosidade foi à estratosfera. Porque Brilho Eterno já é um filme bastante complexo, imaginem transferir essa mesma temática para o teatro. Como mostrar em cena, ao vivo, uma história que se passa em grande parte dentro da cabeça do protagonista? Mas o criativo diretor Ivan Sugahara não apenas deu conta do recado como também conseguiu criar uma proposta estética inovadora que extrapolou os limites da obra que serviu como base. Para completar, ainda recheou tudo com deliciosas referências ao cinema e à cultura pop.

O espetáculo parte de um argumento parecido com o do filme, mas segue caminhos um pouco diversos – até mesmo por se tratar de outro veículo. Podemos dizer que a experiência vai além do teatro e consegue ser sensorial em todos os níveis, utilizando recursos do cinema e da mídia eletrônica e colocando o espectador como participante ativo da situação. De cara, somos todos transformados em clientes em potencial da tal clínica que venderia a felicidade através do esquecimento. A peça começa ainda do lado de fora do prédio quando, ao sermos admitidos no pátio externo, recebemos um crachá de visitante da Be Happy. E o espectador adentra de fato na recepção da clínica com direito, inclusive, a tirar dúvidas com os robotizados atendentes. Num primeiro momento, cheguei a temer que a impressionante concepção e a parafernália multimídia acabasse sendo maior que o espetáculo em si. Mas Sugahara usa a tecnologia como acessório inteligente e não como uma muleta.

Como introduzir neste espaço cênico a história particular da desilusão do protagonista? Muito simples. Convidando-nos a acompanhar o procedimento que será feito em no cliente e testemunhar o sucesso do processo. E o público acompanha de muito perto, por vários recantos dos oito andares do edifício, a história de Vicente e Dora. Acreditando na promessa de felicidade vendida por uma criatura que parece um misto de charlatão e messias, Vicente contrata a Be Happy para apagar da memória a namorada que não quer mais saber dele. Dora é contra porque acredita que, mesmo não estando mais juntos, a lembrança de tudo que viveram é parte fundamental da personalidade de cada um. Mas ele está magoado e quer ir em frente.

Em paralelo à visualização de vários momentos do casal, que são representados como se as lembranças de Vicente se materializassem, a trama ainda conta com a hilária dupla formada pelo médico picareta e sua assistente que encontrou a razão de viver nas cirurgias plásticas sem fim. Mas não pensem que Memória Afetiva de um Amor Esquecido se resume apenas a risadas e modernidade. A peça – ou melhor, a experiência – tem momentos doloridos também. Quando vemos Vicente relembrar os momentos de carinho com Dora, já sabendo como tudo acabou, fica difícil não se lembrar de algum trauma pessoal também. Qualquer um que já levou um fora, acabou um relacionamento, acreditou que era pra sempre e quebrou a cara, enfim, qualquer um que já se apaixonou vai ter algum esqueleto a desenterrar. E ninguém fica indiferente a isso. Do mesmo modo, é impossível não se enternecer com a visualização do início da paixão deles. Muito poético quando Vicente e Dora entram no elevador e o público assiste numa projeção o que estaria acontecendo do lado de dentro. E como uma boa parte da história se passa dentro da cabeça do personagem, acaba sendo também um estudo sobre a importância da memória e sobre o quanto nossa percepção da realidade é afetada por ela. Sem contar que a proximidade com os atores reforça de maneira impressionante a sensação de que aquele casal ali pode ser qualquer pessoa que você conhece... ou até você mesmo.

Em tempo: não que seja obrigatório, mas seria interessante assistir a Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças antes de ver a peça. Até mesmo para entender o ponto de partida dessa tocante experiência sentimental.

Memória Afetiva de um Amor Esquecido, de Rosyane Trotta. Direção de Ivan Sugahara. Com Saulo Rodrigues, Cristina Flores, Ângela Câmara e José Karini. Oi Futuro (Rua Dois de Dezembro, 63 – Flamengo), de sexta a domingo, às 21h. R$ 15,00. Até 20 de julho.