segunda-feira, 29 de junho de 2009

O Estranho Mundo de Jack


Responda rápido, sem parar para pensar: quem é o diretor de O Estranho Mundo de Jack? Tim Burton, certo? Errado. Embora o filme seja sempre creditado a ele, seu diretor é um cara chamado Henry Selick – o mesmo de Coraline e o Mundo Secreto. Mas tal equívoco é facilmente explicável, já que tanto o cartaz do filme como a capa do DVD duplo lançado recentemente trazem o nome de Tim Burton estampado em letras garrafais. Burton é, oficialmente, o produtor e criador dos personagens. A questão é que poucos longas são tão escancaradamente burtonianos como esse, a começar pela característica trilha sonora de Danny Elfman.

No universo do filme, cada uma das festas é comandada por uma cidade e seus habitantes. Na cidade do Halloween, os moradores são monstros, vampiros e bruxas que trabalham durante o ano inteiro para que a noite em questão seja o mais assustadora possível. Dentre tantas criaturas horrendas, Jack Skelleton é o rei. Venerado por todos, é chamado de o rei da abóbora. Mas está infeliz com a rotina. Como um barracão de escola de samba sinistro, mal se passa um Halloween e todos já começam a planejar o próximo. Jack anseia por algo diferente.

Jack sai andando sem rumo por uma floresta, até que chega num local onde algumas árvores tem sinalizações estranhas como “Natal” e “Páscoa”. Jack entra numa passagem na árvore do Natal e descobre-se na cidade de Papai Noel. Fica maravilhado com as luzes, a neve, os presentes coloridos, a roupa vermelha. Acha tudo tão incrível que decide que esse ano eles devem assumir o Natal também. Para tanto, basta que se livrem de um pequeno inconveniente: Papai Noel.


A partir daí, com Papai Noel sequestrado e monstros encarregados de distribuir presentes, já dá para imaginar a confusão que se forma. Isso é o mais interessante na concepção da trama, que faz com que os personagens reajam dentro dos seus parâmetros. Jack se apaixona pela ideia do Natal, mas a compreende dentro de seu próprio universo de sustos e travessuras. Para ele, é natural dar a crianças presentes que tentam atacá-las.


Uma personagem que não se pode deixar de citar é a boneca de pano Sally, par romântico de Jack. Criada por um cientista doido num esquema meio Frankenstein, a mocinha que se descostura quando quer fugir de alguma encrenca representa o único sopro de meiguice e bom senso naquela terra de lunáticos. Sally lembra bastante Edward Mãos de Tesoura, que havia sido realizado alguns anos antes, e também outra personagem que Burton criaria mais de uma década depois, a Noiva-Cadáver.

O Estranho Mundo de Jack, cujo ótimo e mais do que apropriado título original A Nightmare Before Christmas (um pesadelo antes do Natal) infelizmente se perdeu na tradução, é sobretudo um dos poucos filmes que falam de Natal sem cair na pieguice que a data costuma inspirar. É tocante sem ser brega, cativante sem ser apelativo. Um clássico eterno.

O DVD duplo lançado há pouco traz uma série de extras no disco 2, como cenas deletadas, making of e storyboards. Mas a boa surpresa é a inclusão de dois curtas de Tim Burton: Vincent e Frankenweenie – este último está em vias de ganhar uma versão em longa-metragem. Vincent, de 1982, é uma animação em estilo expressionista sobre um garoto de sete anos que vive num mundo gótico imaginário e sonha ser Vincent Price, com direito a citações do Corvo de Edgar Allan Poe e narração do próprio Price. Frankenweenie, de 1984, é um live action fofíssimo sobre um garoto muito bom em ciências que ressuscita seu cãozinho que fora atropelado. O filme é, na verdade, uma versão da história de Frankenstein ambientada nos anos 50, com direito a perseguição no moinho e tudo. Muito bacana mesmo.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Jean Charles


Jean Charles de Menezes, um imigrante brasileiro em Londres que ficou conhecido pelo mundo da maneira mais trágica possível: quando foi assassinado pela polícia britânica ao ser confundido com um terrorista. Jean Charles, o filme, pretende mostrar os últimos meses na vida do eletricista mineiro, a partir do momento em que sua prima Vivian chega na Inglaterra para morar com ele. O grande problema inicial em realizar tal filme é que, antes das funestas circunstâncias de sua morte, Jean Charles era uma pessoa absolutamente comum. Então não existe no filme um encadeamento de acontecimentos que levem até o trágico desfecho, já que seu assassinato não teve uma causa.

O que fazer, então? Um filme-denúncia sobre a truculência e despreparo das autoridades inglesas pós-onze de setembro ou uma crônica sobre os sonhos e esperanças dos brasileiros que tentam fazer a vida na Europa? O filme acertadamente opta pela segunda alternativa. Segundo o longa, o protagonista era um sujeito carismático que sempre tentava ajudar os amigos e batalhava para melhorar de vida – embora nem sempre de forma ortodoxa. Mas causa estranheza que a boa opção inicial resulte em um filme que mantém um tom de distanciamento para com seus personagens. Quando chegamos à esperada sequência no metrô, a abordagem quase documental da cena crucial deixa o espectador pouco envolvido. E, a partir de então, com a saída de Selton Mello da tela, realmente há uma curva descendente na trama.

Outro ponto que incomoda um pouco é o excesso de menções a ataques terroristas feitas ao longo da história. Além de reforçar o tom documental, ainda soa como uma justificativa para a atitude imperdoável dos policiais que assassinaram Jean Charles. Ainda assim, Jean Charles é um filme bem produzido e dirigido com eficiência. Podemos até discordar dos caminhos tomados pelo diretor Henrique Goldman, mas não se pode deixar de reconhecer sua competência.

O grande trunfo, como já era de se esperar, é ter o incrível Selton Mello no papel-título. Selton sempre acrescenta um tempero único a seus personagens e ainda conta com uma simpatia incondicional por parte do público. Destaque para seu divertido encontro com Sidney Magal. Também estão bem à vontade em seus papéis Vanessa Giácomo e Luis Miranda. O que nos leva a outra decisão pouco acertada da produção, que foi colocar a prima do verdadeiro Jean Charles para fazer seu próprio papel. Nada contra lançar novos atores, o que, aliás, é uma das funções do cinema, mas neste caso houve um desnivelamento claro nas cenas em que a moça contracena com Selton, Vanessa e Luis.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Festa de Família


Na década de 90, um grupo de cineastas dinamarqueses lançou o movimento Dogma, que exaltava uma maneira de fazer cinema despojada de artifícios. O Dogma 95 pregava dez mandamentos básicos, como o uso de uma única locação, câmera na mão, proibição de luz artificial e trilha sonora que não faça parte da cena, dentre outros. Ou seja, o que se vê na tela deveria ser o mais próximo possível das condições da vida real. Hoje em dia, ninguém mais leva tal radicalismo a sério. Mas certamente um dos frutos mais consistentes da experiência é o longa Festa de Família, de Thomas Vinterberg. Adaptado para o teatro pelo dramaturgo David Eldridge, a peça ganha sua primeira montagem no Brasil pelas mãos do ator e diretor Bruce Gomlevsky.

A trama se passa durante a comemoração dos 60 anos do patriarca de uma família. Christian, o filho mais velho, resolve dar um basta em anos de silêncio e revelar à mesa, diante de toda a família, os abusos sofridos nas mãos do pai quando criança. Abusos esses que teriam sido o motivo pelo qual sua irmã gêmea se suicidara. Seriam verdadeiras suas acusações, ou apenas uma provocação de filho rebelde? E o restante da família, que sabe a respeito? E os outros dois irmãos, também foram molestados? A dubiedade perpassa os presentes, enquanto a refeição é servida em fina louça. O incesto não é o único pecado posto à mesa, também podemos entrever preconceito (social e racial), intolerância e outras perversidades consanguíneas.

Gomlevsky produz, dirige e interpreta o personagem Christian nesta montagem que ocupa o Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil. Ao entrar na sala (que é concebida para se adaptar à proposta cênica vigente), o público tem que tomar uma interessante decisão: sentar-se à mesa junto com os atores ou à volta desta. O fascinante cenário de Bel Lobo é composto por quatro mesas que formam um quadrado. Junto à parede, num patamar acima, são distribuídas cadeiras que formam um quadrado exterior. No espaço deixado no centro das mesas e nas laterais externas, pequenos palcos. As cenas acontecem à mesa e ocasionalmente em um desses outros espaços.

Sempre atraída pelo inusitado, é claro que escolhi um lugar à mesa. E recomendo a quem for assistir à peça que faça o mesmo. É incrível a perspectiva que temos do espetáculo quando visto do mesmo plano dos atores. Tal disposição nos transforma em participantes daquela festa desagradável. Não como alguém no núcleo central, é claro, mas talvez um primo distante que não sabe o que fazer diante da lavação de roupa suja de seus parentes. Uma testemunha constrangida de revelações estarrecedoras. À saída do teatro, uma senhora comentou comigo no elevador que, caso estivesse sentada ao lado do ator Bruce Gomlevsky no momento em que ele chora desconsolado, teria dado um abraço nele. Pena, desconforto, vergonha. Qualquer que seja a reação, apenas prova a força extra que a ótima cenografia dá ao texto, que já é denso e impactante por natureza. O elenco é bom e coeso, capitaneado com vigor e verdade por Gomlevsky, que dá colorido e dramaticidade aos alternados estados de espirito de Christian.

Assistir a Festa de Família... Aliás, assistir não é bem a palavra. Digamos que participar desse jantar é uma experiência singular. É preciso parabenizar Bruce Gomlevsky e a sua recém-criada Cia Teatro Esplendor pela iniciativa de trazer a nós essa trágica festa. A temporada vai até 2 de agosto.

Festa de Família (Festen), de David Eldridge. Direção: Bruce Gomlevsky. Com Bruce Gomlevsky, Julia Carrera, Risa Landau, Walney Costa, Carlos Veiga, Carolina Chalita, Gustavo Mello, Joelson Gusson, Julia Limp Lima, Leonardo Corajo, Otto Jr., Peter Boos, Ricardo Damasceno, Teresa Fournier. Teatro III - CCBB. Quarta a domingo, às 20h. Ingressos 10,00.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Rebobine, Por Favor – A Exposição


Essa é não apenas para quem gostou do filme, mas para qualquer apaixonado por cinema. O CCBB do Rio inaugurou no dia último dia 9 a Mostra Rebobine, Por Favor. Trata-se de uma exposição interativa promovida pelo cineasta na qual o visitante é convidado a criar seu próprio vídeo em um dos treze cenários que compõem a Mostra. Para tanto, deve seguir o chamado “Protocolo Grondry”, uma série de orientações para improvisos a exemplo do que ocorre no longa que dá nome à exposição (no filme, Jack Black e Mos Def criam versões caseiras esculhambadas para clássicos do cinema). Após participar de um workshop de planejamento básico, cada grupo recebe uma câmera para realizar um vídeo de até 20 minutos. A filmagem tem que ocorrer em ordem cronológica e a edição deve ser feita na própria câmera. Ao final, o vídeo será exibido em um telão e fica à disposição na “locadora” da Mostra. A exposição, que já passou por Nova Iorque e São Paulo e agora desembarca no Rio, tem entrada franca. Inscrições podem ser feitas via internet ou no CCBB.

Rebobine, Por Favor – A Exposição
Centro Cultural Banco do Brasil
Rua Primeiro de Março 66, Centro. Tel.: (21) 3808-2020
De 09 de junho a 09 de agosto de 2009
Terças a sábados, de 12h às 21h. Domingos e feriados de 11h às 20h


sexta-feira, 19 de junho de 2009

Novidades do cinema francês invadem o Rio


Até a próxima quinta-feira, o carioca poderá conferir sete longas franceses inéditos. É a mostra Panorama do Cinema Francês, promovida pela Unifrance. O evento, que também está acontecendo em São Paulo, vem reforçar o chamado ano da França no Brasil e promove, ainda, sessões onde o público pode conversar com diretores e atores após a projeção do filme. A abertura ocorreu na noite de sexta-feira, em um Odeon lotadíssimo e com presença de autoridades francesas. O filme escolhido foi Mesrine – O Inimigo Público, Primeira Parte (Mesrine: l’instinct de Mort), de Jean-François Richet. Além do diretor, vieram para o debate os atores Vincent Cassel e Gilles Lellouche. O longa ganhou três Césars 2009: melhor direção, ator e som.

Trata-se da primeira metade do filme que narra a trajetória de Jacques Mesrine, o mais célebre fora-da-lei francês dos anos 60/70. Neste primeiro segmento, acompanhamos sua ascensão de marginalzinho de terceiro escalão dos subúrbios parisienses até tornar-se o inimigo público número um da França, passando por uma temporada explosiva no Canadá. Com um roteiro espertíssimo, que sabe exatamente onde inserir suas elipses, e uma montagem vibrante que deixa o espectador grudado na cadeira e de olhos bem abertos, o filme retrata as nuances de um homem sem limites, ousado e cheio de contradições. Vincent Cassel é corpo e alma da trama, e entrega uma composição que mescla sedução e charme a uma alma sombria e um temperamento irascível. Perfeito.
Acabada a sessão, os convidados responderam a algumas perguntas do público sobre o filme. Que, como não poderia deixar de ser, giraram em torno do processo de escolha e preparação dos atores e também sobre o intenso grau de violência mostrada na tela. Vincent Cassel, que passou um tempo no Brasil recentemente filmando À Deriva, novo filme de Heitor Dahlia, fala e compreende português muito bem. Simpático e animado, o ator disse não julgar seus personagens e que crê que Mesrine era um ser humano como outro qualquer, com seu lado bom e mau. Já o diretor Jean-François Richet declarou que a maior preparação está na boa escolha do elenco e elogiou seu protagonista, dizendo que teria desistido de realizar o filme caso Cassel não tivesse aceito o papel.
“Existem muitos bons atores franceses na faixa dos quarenta anos, mas eu precisava de um que me desse as reações físicas com a intensidade que só Vincent seria capaz.”

Embora a abertura tenha acontecido no Odeon, todas as outras sessões da mostra ocorrerão na sala 1 do Espaço de Cinema, em Botafogo. Confiram abaixo a programação completa:

20/06 (sábado): todas as sessões seguidas de bate-papo com diretor e atores.
15h - Faubourg 36 (idem), de Christophe Barratier. Indicado a 5 Cesars 2009.
18h – Bem-Vindo (Welcome), de Philippe Lioret. Vencedor do Prêmio do Júri Ecumênico e Melhor Filme Europeu no Festival de Berlim 2009.
21h00 - Há Tanto Tempo Que Te Amo (Il y a longtemps que je t’aime), de Philippe Claudel. Vencedor de 2 Césars e indicado a 2 Globos de Ouro 2009.

21/06 (domingo):
15h - OSS 117, Rio Ne Répond Plus (idem), de Michel Hazanavicius.
18h - Horas de Verão (L’Heure d’été), de Olivier Assayas. Indicado ao César 2009 de Melhor Atriz Coadjuvante, em sessão seguida de bate-papo com diretor e atores.
21h – Paris (idem), de Cédric Klapisch. Indicado a 3 Césars 2009, em sessão seguida de bate-papo com diretor e atores.

22/06 (segunda):
13h30 – Faubourg 36
16h – Bem-Vindo
18h30 – Horas de Verão
21h - Há Tanto Tempo Que Te Amo

23/06 (terça):
13h30 – Bem-Vindo
16h - Faubourg 36
18h30 - Há Tanto Tempo Que Te Amo
21h - Horas de Verão

24/06 (quarta):
13h30 – Horas de Verão
16h - Há Tanto Tempo Que Te Amo
18h30 – Bem-Vindo
21h - Faubourg 36

25/06 (quinta):
13h30 – Há Tanto Tempo Que Te Amo
16h - Horas de Verão
18h30 – Faubourg 36
21h - Bem-Vindo

Tinha Que Ser Você


O compositor de jingles Harvey Shine sempre colocou o trabalho acima de tudo. Tanto que quando sua filha se casa em Londres, ele vai à cerimônia mas dispensa a festa porque precisa voltar correndo a Nova Iorque para uma reunião. O esforço de nada adianta, já que ele perde o avião e também o emprego. Ao afogar as mágoas no bar do aeroporto e já meio de porre, resolve puxar papo com Kate – que só quer ser deixada em paz para terminar seu romance barato e taça de vinho. Kate também leva uma vida solitária, e passa o dia inteiro recebendo telefonemas banais da mãe que não tem o que fazer.

O que poderia surgir desse improvável encontro o espectador já pode deduzir pelo título em português, que além de óbvio ainda pega carona no sucesso da bossa nova. E certamente o longa seria dos mais redundantes se não fosse salvo do lugar-comum pela interpretação inspirada de Dustin Hoffman e Emma Thompson. Hoffman, ator excepcional que andava acorrentado a papéis coadjuvantes em filmes de qualidade duvidosa, finalmente volta a ter o destaque merecido com esse sujeito que não viu a vida passar. E o ator compõe o personagem com propriedade, evitando cair no estereótipo do tipo carrancudo e de maus bofes. Seu Harvey Shine é um cara cordato, apenas meio desprovido de equilíbrio emocional. Assim como a Kate de Emma Thompson é uma mulher simpática e atraente, muito distante de qualquer caricatura de solteirona inglesa. E é o encontro dos dois que faz o filme valer a pena. Só tinha de ser com Dustin e Emma.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Diário de um Louco

Está em cartaz desde a última sexta na Sala Multiuso do SESC Copacabana uma nova versão do clássico Diário de um Louco. Como o próprio título já deixa claro, o texto escrito pelo russo Nikolai Gogol no século XIX nos leva a um angustiante passeio pelos labirintos da mente de um homem durante o processo da perda de sua sanidade. Centrado em seus últimos dias de liberdade e os primeiros como paciente de um hospital psiquiátrico, observamos Ivanovitch – o louco em questão – perder o contato com a realidade à medida rememora suas inúmeras decepções. Da insatisfação crônica de ser um funcionário público sem perspectivas de melhora em sua condição ao agravante de cair de amores pela inalcançável filha do chefe, Ivanovitch aos poucos se refugia em um mundo ilusório onde cachorrinhas conversam coquetes entre si e se reinventa em uma nova identidade, acreditando ser o herdeiro do trono espanhol.

Ao entrar na sala de espetáculos, o público se depara com uma cenografia instigante: um pequeno palco atulhado dos mais diversos utensílios e materiais. Encolhido sob uma mesa, o ator Claudio Tovar finge dormir. Iniciando a performance com um tom cômico e até mesmo clownesco, Tovar/Ivanovitch reclama da vida que leva, do trabalho, do chefe. A despeito do caos que reina no ambiente, o personagem em si parece totalmente são. Apenas um pouco estressado, como certamente se encontram a maioria dos presentes. Nesta primeira parte, chama a atenção sobretudo a energia incansável do ator. Também não se pode deixar de mencionar a sacação genial da cenografia, que permite que os mais inusitados objetos se transformem em representações bizarras das pessoas sobre as quais ele está falando. Outro ponto bastante interessante é a correlação que o diretor Alexandre Bordallo faz entre o louco de Gogol e o Bispo do Rosário.

Mas não se trata de uma obra para divertir. Ao longo da peça, o tom de farsa vai sendo substituído pela angústia, pela claustrofobia, pela desesperança. E o público vai sendo irremediavelmente cativado pela performance arrebatadora do grande ator que é Claudio Tovar, que mantém a platéia na palma da mão o tempo todo. Mesmo para quem já conhece o texto, sempre vale muito a pena vê-lo vivo na boca de um ator tão disponível. E para quem não conhece, então, a oportunidade torna-se imperdível, já que não é sempre que se pode conhecer um clássico através de uma montagem tão bem cuidada e ainda por cima valorizada por uma interpretação de primeira linha. Ao final, quando a derrocada de Ivanovitch é absoluta e o riso já cedeu ao pranto, é difícil não se emocionar. A temporada de Diário de um Louco vai até 5 de julho.

SESC Copacabana – Sala Multiuso
Rua Domingos Ferreira , 160 – Tel: 2547-0156
Sextas e sábados às 20h e domingos às 19h
Ingressos a R$ 10 (meia R$ 5/comerciários R$ 2,50)

sábado, 13 de junho de 2009

Apenas o Fim


“- Você era feliz comigo?
- Não... Mas não é culpa tua.”

São diálogos como o acima – simples, diretos e muitíssimo bem escritos – que dão sustento a este impressionante filme de estréia do estudante de cinema da PUC Matheus Souza. O longa, que se passa praticamente em tempo real, foi filmado na própria PUC. A trama não poderia ser mais básica: numa manhã como outra qualquer, Tom encontra a namorada na faculdade, ela lhe diz que está decidida a ir embora para sempre e que eles tem apenas uma hora para passar juntos. Correndo contra o ultimato da garota que ama, Tom tenta convencê-la a ficar ao mesmo tempo em que ambos fazem um balanço bem-humorado de como tem sido o relacionamento até então.

Exibido no Festival do Rio de 2008, o filme foi responsável por uma das mais calorosas acolhidas por parte do público a um longa nacional e recebeu uma menção honrosa do júri oficial. Logo após, foi eleito melhor filme pelo júri popular na Mostra de São Paulo. O segredo do sucesso desta produção simpática e de baixo orçamento está não apenas no frescor com que o diretor e roteirista de apenas 20 anos recheia sua história, mas também na grande carência de produtos nacionais similares. Em sua preocupação em provar ao mundo que é sério, politizado e profundo, o cinema brasileiro tende a negligenciar qualquer temática que não gire em torno das mazelas sociais.

Apenas o Fim aproxima-se bastante do estilo de cinema feito por Domingos de Oliveira, embora a linguagem e a abordagem próprias da geração que cresceu plugada no MSN e no Orkut acabem por torná-lo um produto final totalmente diferente. O modo como os protagonistas se relacionam e falam sobre os mais variados temas também lembra bastante a dobradinha Antes do Amanhecer e Antes do Pôr do Sol, especialmente a movimentação deste último. Mas o bom é que, mesmo sendo referencial sob vários aspectos, Apenas o Fim é originalíssimo em suas intenções, em seus diálogos repletos de deliciosas referências à cultura pop e também por trazer para a faixa da pós adolescência uma discussão que costuma ser atribuída a personagens mais velhos.

Com a câmera seguindo os dois atores durante um longo passeio, a ação presente é sabiamente entrecortada por flashes do passado. O recurso faz com que a angústia que eles vivem – em especial Tom, que não entende bem o que se passa – seja contrabalançada por conversas leves, meigas e divertidas que fazem excelente contraponto dramatúrgico. Outro destaque fica por conta de algumas raras e engraçadíssimas interrupções que o casal sofre em sua conversa, sendo a mais hilária delas a do amigo totalmente “sem noção” interpretado por Álamo Facó.

Apenas o Fim, por falar a linguagem dos jovens, acaba sendo um filme do qual perdoa-se tudo. Não que haja muito o que perdoar, não me entendam mal. Mas algumas coisinhas que poderiam soar pouco convincentes em personagens adultos como, por exemplo, o fato da menina decidir a troco de nada sumir no mundo, aqui ganha verdade cênica. Pelo menos, a verdade de uma adolescente que acha que vai de fato fazer aquilo. É a certeza incauta de uma época em que todos se acreditam especiais, diferentes, donos do mundo.


Os fofos Gregório Duvivier e Erika Mader são, sob todos os aspectos, representações perfeitas dos personagens e também do mito dos opostos que se atraem. Ele é cheio de manias, neuroses, carências e tem uma visão mais conservadora sobre o amor e os relacionamentos. Ela é espevitada, cheia de planos e insatisfações, tem sede de aventura, busca uma nova forma de viver. Como eles dizem um ao outro o tempo todo, que o fim chegaria é inevitável. Mas sempre dói, para quem parte e para quem fica.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Michel Melamed volta aos palcos cariocas


Durante três semanas, o diretor, ator, autor, poeta, músico, apresentador, enfim, homem das mil faces Michel Melamed apresenta no Teatro SESC Ginástico os três espetáculos que compõem seu projeto Trilogia Brasileira: Regurgitofagia, Anti-Dinheiro Grátis e Homemúsica. Embora nenhum dos três espetáculos seja inédito, é a primeira vez que eles são encenados em sequência.

Regurgitofagia, apresentada no Rio de Janeiro há cinco anos, virou um livro repleto de monólogos filosóficos, modernos e engraçados que a maioria dos estudantes de teatro carrega debaixo do braço (o meu eu não carrego muito porque é autografado). O espetáculo propõe uma releitura da antropofagia oswaldiana e ficou famoso pelo aparelho denominado pau-de-arara que, ligado ao corpo de Melamed, transforma reações sonoras do público (palmas, risadas, etc.) em descargas elétricas.

Fui ontem à estréia de Regurgitofagia e pude constatar o quanto o público carioca estava receptivo. Muita gente, como eu, queria rever a peça depois de tantos anos; outros certamente leram o livro ou conhecem os trabalhos posteriores e queriam conferir o início da trilogia. O fato é que os 500 lugares do SESC Ginástico não foram suficientes e a produção espalhou inúmeras cadeiras soltas para acomodar o público. Eu estive na bilheteria à tarde e, mesmo assim, tive que me contentar com uma fila N. Mas isso só dá a medida do quanto o espetáculo é bom, visto que eu estava pessimamente acomodada (ainda tive o azar de sentar atrás de um cara alto), vendo a peça pela segunda vez e, ainda assim, fiquei tão fascinada quanto da primeira vez. Talvez até mais, já que tem um gostinho especial quando você já conhece vários trechos, como o famoso “casa comigo que eu te faço a pessoa mais feliz do mundo” ou “tudo na vida deveria se chamar pulover”. Outro ponto alto foi quando uma moça na platéia quis verificar se o aparelho dava choque mesmo.

Quem quiser conferir, tem que se apressar. Regurgitofagia vai só até domingo. Semana que vem é a vez de Anti-Dinheiro Grátis. Considerando que o espetáculo antes chamava-se simplesmente Dinheiro Grátis, podemos esperar alguma novidade daí. A peça ironiza a relação das pessoas com o dinheiro, ao propor a seguinte inversão: se o ser humano cada vez mais é tratado como mercadoria, na peça o dinheiro será tratado como gente. Entre outras provocações, o público é convidado a colaborar com seu próprio dinheiro para que o show continue. Fechando a trilogia, teremos Homemúsica, espetáculo mais recente, apresentado no CCBB em 2007. Nele Michel Melamed transforma-se em Helicóptero, um sujeito com um estranho poder: cada parte do seu corpo emite o som de um instrumento musical. Vale lembrar que em todos os espetáculos a participação da platéia é bem-vinda.

11 a 14/6 – Regurgitofagia
18 a 21/6 - Anti-Dinheiro Grátis
25 a 28/6 - Homemúsica

Teatro SESC Ginástico
Av. Graça Aranha, 187 – Centro – Telefone: (21) 2279-4027
Sempre às 19h. Ingressos a R$ 20 por espetáculo (meia-entrada R$10), R$30 (pacote dos três) e R$5 para comerciários.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Intrigas de Estado


Uma ficção com cara de realidade, assim é o bom e vibrante Intrigas de Estado. É impossível ver as cenas que se passam na redação do fictício jornal Washington Globe e não se lembrar do Washington Post, o célebre veículo que revelou em primeira mão o escândalo de Watergate. Este é apenas um pequeno exemplo das muitas associações que esse filme fictício nos leva a fazer com a vida real.

O congressista americano Stephen Collins era a estrela de seu partido até que sua assistente morre num acidente mal-explicado e vem à tona seu envolvimento amoroso com ela. Cal McAffrey, repórter veterano em Washington e amigo de longa data de Collins, fica numa saia-justa quando sua editora, a implacável Cameron Lynne, coloca a novata e ambiciosa Della Frye para cobrir o caso. Cal acaba se envolvendo na matéria não apenas para elucidar a verdade, mas também porque acredita que o amigo está sendo vítima de uma conspiração para desacreditá-lo publicamente e, assim, beneficiar uma mega corporação que vinha sendo investigada por ele.

A partir de um roteiro inteligente e com todas as suas reviravoltas muito bem amarradinhas, o longa discute temas muito em pauta na atualidade, como as polêmicas envolvendo os departamentos de segurança e as possíveis segundas intenções de cada decisão estratégica tomada em nome da nação. Outro foco interessante está no fato dos jornais hoje em dia pertencerem a grandes corporações midiáticas, o que nem sempre permite que seus editores coloquem o compromisso com a verdade acima de todos os outros interesses. No meio de tudo isso, Cal está atado a laços não apenas de amizade mas também de culpa perante Stephen Collins – o que só torna seus dilemas ainda mais interessantes. Mas, segundo sua editora, “jornalistas não tem amigos, apenas fontes”. E ele ainda tem que administrar a energia da novata Della, que representa a divisão on line do veículo e, portanto, uma nova forma de fazer jornalismo.

O roteiro do longa, que tem como um dos autores Tony Gilroy (de Conduta de Risco), é baseado numa série homônima exibida pela BBC. O filme, que dizem ser bastante fiel a seu produto de origem, é corajoso pela abordagem a assuntos explosivos como a promiscuidade entre a política e o jornalismo, mas também apresenta um ótimo desenvolvimento dos personagens que, longe de serem apenas joguetes atropelados pelos acontecimentos, tem importância individual em suas decisões e sabem que cada escolha feita por eles tem sérias consequências.


O elenco liderado por Russell Crowe é homogêneo e afinado, o que faz com que até atores de atuações irregulares como Rachel McAdams e Ben Affleck apareçam seguros e maduros em cena. Mas o maior destaque fica por conta da pequena e impressionante participação de Jason Bateman, que rouba a cena. Esquecendo-se o fato de parecer assustadoramente verossímil, Intrigas de Estado ainda é bom cinema. Suas duas horas de duração passam ligeiro, graças ao ritmo acelerado e à tensão dramática injetada com competência por Kevin MacDonald, diretor do igualmente eficiente O Último Rei da Escócia.

Resumindo, Intrigas de Estado é um filme que definitivamente vale o ingresso. Sempre lembrando que nada daquilo é verdade... mas poderia ser. Estréia amanhã.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Partidas


As incongruências da tradução que alguns títulos de filmes recebem em território brasileiro já foram assunto de um texto meu. E digo mais, tenho vontade de escrever um livro inteiro sobre o tema. Alguns absurdos se escoram na desculpa do título original ser intraduzível ou não fazer sentido para nós. Mas o que dizer quando uma simples letrinha faz toda diferença? Este é o caso de um erro clássico como O Retorno de Jedi (que deveria ser “do Jedi”, por razões que não é preciso explicar a qualquer um que tenha visto o filme) e também deste belo filme japonês. Por isso, me recuso a nomeá-lo A Partida, como insistem nossos letreiros, e mantenho Partidas, a exemplo da versão em inglês Departures (no original, Okuribito). Para concordar comigo, basta assistir.

Daigo Kobayashi saiu do interior do Japão para tentar o sonho de ser violoncelista em Tóquio. Quando a orquestra na qual toca é dissolvida, ele encontra-se endividado e não vê outra alternativa senão voltar com a esposa Mika à cidade natal. Afinal de contas, lá eles podem viver na casa que foi de sua mãe. Precisando desesperadamente de uma nova ocupação, Daigo se anima quando lê um anúncio no jornal sobre um emprego que paga bem e ajuda pessoas em suas partidas. Pensando tratar-se de uma agência de viagens, só na entrevista ele descobre que sua função seria, na verdade, limpar e preparar cadáveres no ritual que antecede o funeral. Ele acaba aceitando a ocupação sui generis, mas, receoso, esconde o fato de Mika e diz que está trabalhando com eventos. Só que, independentemente dos preconceitos, Daigo logo percebe ter uma vocação nata e descobre a beleza escondida por trás de um trabalho aparentemente bizarro.

Partindo de uma premissa que pode até soar estranha, Partidas traça um belo e sensível retrato de um homem em busca de identidade e que encontra seu lugar na vida através de uma profissão que a sociedade julga indigna. Então, usando não apenas a temática óbvia da discussão sobre vida e morte, o filme ainda aborda assuntos como preconceitos (ou a quebra deles), vocação, honra, relações familiares, sentimentos de fracasso e sucesso. Um dos pontos mais interessantes é o quanto os rituais desempenhados por Daigo são belos de assistir, hipnóticos mesmo. E é imerso nessa beleza extraída de um momento de dor que o personagem se redescobre e encontra sua verdadeira vocação. Prestem atenção na cena em que um cliente agradece emocionado ao fim da cerimônia, dizendo que nunca viu sua esposa tão linda.


Aos poucos, Daigo entende que seu sonho de infância, embora vistoso e politicamente correto, o aprisionava por não mais traduzir seus anseios reais. Como ele mesmo admite, seu talento para a música era limitado. Aceitar essa verdade e enxergar que o desejo que o movia até então é, na prática, pouco realista é um belo exemplo de lucidez da parte do personagem. Também chama atenção o modo como a história consegue ser específica e, ao mesmo tempo, ampla. Se, por um lado, o filme mostra rituais e costumes próprios da cultura japonesa, por outro aborda conceitos e valores universais.

Enfim, trata-se de um filme lindamente dirigido por Yojiro Takita, que conta com um roteiro bastante simples em estrutura – porém complexo em termos de filosofia – e um elenco carismático e talentoso que sabe tirar melhor partido de cada cena, com destaque para a ótima química entre Masahiro Motoki e Tsutomo Yamasaki (Daigo e seu chefe Ikuei, respectivamente). Tampouco se pode pode deixar de mencionar a trilha sonora fabulosa de Joe Hisaishi (o mesmo de A Viagem de Chihiro), que agarra a deixa de Daigo ser violoncelista para desfilar os mais belos sons clássicos.

Partidas venceu o Oscar 2009 de melhor filme estrangeiro, desbancando queridinhos como Valsa com Bashir e Entre os Muros da Escola. Uma vitória surpreendente porém muito justa, principalmente pelo fato do longa fugir do padrão pré-estabelecido das produções que costumam “se dar bem” nessa categoria; ou seja, filmes sobre guerra, crianças maltratadas ou ambas as coisas.

Partidas é, desde já, um dos melhores filmes do ano. Simplesmente imperdível.

sábado, 6 de junho de 2009

Duplicidade


Tony Gilroy, roteirista da trilogia Bourne, teve grande destaque no ano passado por conta do bom (porém superestimado) Conduta de Risco. Evidenciando cada vez mais uma queda pelas intrigas internacionais, Gilroy assina agora a comédia romântica de espionagem Duplicidade. No filme, uma verdadeira guerra fria entre duas mega-corporações é prato cheio para que os charmosos espiões interpretados por Clive Owen e Julia Roberts se envolvam em um jogo no qual é missão quase impossível determinar quem está enganando quem. Como fator complicador, a ex-agente da CIA Claire Stenwick e o ex-agente do MI6 Ray Koval ainda tem que lidar com um conturbado caso de amor que torna ainda mais difuso os limites de conceitos como honestidade e confiança.

Julia Roberts e Clive Owen em cena tem uma química monstruosa e transformam cada diálogo num duelo de personalidades, o que faz com que o filme resgate a tradição de grandes duplas da sétima arte – a exemplo de Spencer Tracy e Katharine Hepburn. Também não resta dúvida de que Duplicidade é um filme estiloso, cheio de cenários encantadores e sequências deliciosas. Um exemplo é o modo como conhecemos os personagens, através de uma série de flashbacks divertidos que fazem um painel de sua relação desde o primeiro encontro em 2003 até o grande golpe nos dias atuais.

Ainda assim, fica-se com a impressão de que todos esses recursos nada mais são senão perfumaria para esconder o fato de que não há uma trama satisfatória. O roteiro peca pela falta de verossimilhança e pelo excesso de reviravoltas – algumas pessimamente amarradas –, que se configuram mais como uma compulsão por mudanças do que uma real necessidade dramatúrgica. Depois do terceiro “não sei quanto tempo antes”, a coisa realmente começa a ficar cansativa. Podemos dizer que Duplicidade é como um bonito embrulho que esconde um presente banal: você se encanta a princípio, mas, passada a euforia de desembrulhá-lo, não sobra algo que valha a pena guardar.

terça-feira, 2 de junho de 2009

A Mulher Invisível


Claudio Torres dirigiu seu primeiro longa-metragem solo em 2004 (antes disso, havia dirigido o segmento Diabólica do filme em episódios Traição), o originalíssimo e não muito visto Redentor. E que estréia promissora! Partindo de um roteiro inteligente e crítico, Torres realizou uma pérola sombria, surrealista e, sobretudo, isenta de concessões. Então não foi surpresa que tão logo a produção deste A Mulher Invisível foi anunciada, já se começou a criar uma forte expectativa a respeito do longa. O problema é que, há alguns meses, o espectador foi surpreendido por outro filme do irmão de Fernanda Torres, desta vez o desnecessário A Mulher do Meu Amigo. O que teria acontecido com o arrojado cineasta, para assinar aquela coletânea de situações rasteiras e piadas de gosto duvidoso? Não se sabe, mas felizmente Claudio desfaz qualquer má impressão anterior com este filme simplesmente delicioso que é A Mulher Invisível.

O longa conta a história de Pedro, um controlador de tráfego certinho e romântico que, mesmo depois de seis anos de casamento, ainda chega em casa com flores e arroubos de carinho para a esposa. Justamente por oferecer tanta segurança, acaba abandonado por ela. Após vários meses deprimido e trancado em casa, Pedro sai do isolamento quando uma bela mulher bate à sua porta pedindo uma xícara de açúcar. Ela se apresenta como Amanda, sua nova vizinha, e logo de cara demonstra ser a mulher perfeita: apaixonada, carinhosa, inteligente, liberal, e ainda por cima entende tudo de futebol. O único problema é que Amanda só existe na mente de Pedro. O irônico é que Pedro se enamora por uma alucinação, mas não enxerga Vitória, a vizinha de carne e osso que o ama e nunca teve coragem de se aproximar.

A comédia romântica, um dos grandes filões do cinema americano, não costuma ter bons exemplares em nosso cinema nacional. Ou a coisa descamba para o pastelão ou acaba ficando açucarada demais. Poucos filmes conjugam o equilíbrio e leveza deste A Mulher Invisível, e grande parte do segredo do sucesso está no timing perfeito de Selton Mello. Ao mesmo tempo em que o ator é hilário na porção cômica do longa – a cena dele dançando sozinho na discoteca é inesquecível –, também consegue ser profundo e comover o espectador com a dor do seu abandono. E o mais impressionante é que, muitas vezes, Selton transita entre esses dois pólos em questão de segundos. Resumindo, Selton Mello arrasa mais uma vez.


Ponto para o ator e também para a eficiência do roteiro, que sabe dosar gargalhadas com drama e mantém o filme num patamar acima da pura comédia. A despeito de cumprir com louvor a tarefa primordial de fazer rir, o filme tampouco deixa de cuidar do lado sensível da trama. O desespero de Pedro não é uma situação absurda; pelo contrário, qualquer um que já levou um pé na bunda sem esperar é capaz de se solidarizar com o personagem – mesmo não tendo chegado ao extremo de inventar uma cara-metade imaginária. Como bem disse Selton Mello em uma entrevista: “Se você for pensar de um outro ponto de vista é até uma história triste. Um cara que num momento de solidão inventa alguém pra tornar a vida melhor.”

Já a geralmente polêmica Luana Piovani aqui tem função semelhante à que teve em O Homem que Copiava, de Jorge Furtado, e aparece na tela como a personificação dos desejos do protagonista. Funciona. No elenco coadjuvante, Vladimir Brichta está ótimo como Carlos, o melhor amigo de Pedro. Vladimir e Selton, aliás, tem excelente química em cena e transmitem muita verdade como melhores amigos. À Maria Manoella cabe a função complicada de fazer contraponto à mulher ideal e ser a mulher real, o que a atriz consegue com delicadeza e carisma. E por último, mas nem por isso menos importante, é preciso destacar as intervenções divertidíssimas de Fernanda Torres como Lucia, irmã mais velha de Vitória. Com suas tiradas irônicas e precisas, Fernanda transforma cada fala de sua personagem em ouro puro.

Enfim, pode-se dizer que cada integrante do elenco foi muito bem escolhido e só ajuda a abrilhantar o efeito geral de uma equipe nivelada por cima, como podemos notar por algumas pequenas participações marcantes, como o bilheteiro de cinema de Marcelo Adnet e o marido casca-grossa de Thelmo Fernandes. Regendo os talentos individuais, o maestro Claudio Torres mantém os atores no tempo certo e as cenas no ritmo adequado e entrega um filme redondinho, que diverte e enternece em doses iguais. Ótima pedida. Estréia nesta sexta.