quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Nova York, Eu Te Amo

Filme realizado nos mesmos moldes de Paris, Eu te Amo. Doze realizadores de todas as partes do mundo contam pequenas histórias de amor que acontecem tendo Nova York como cenário e/ou musa inspiradora. De Tribeca ao Brooklyn, passando pelo Central Park, as pequenas tramas percorrem os diferentes bairros ao mesmo tempo em que fazem um terno painel das diferentes etnias, religiões e modos de vida de uma cidade que recebe tantas influências distintas.

Um dos filmes mais fofos e divertidos do Festival, e que certamente alcança um resultado final bem mais homogêneo do que o de Paris, Eu Te Amo. O primeiro grande acerto foi conceber o filme sem separação entre os segmentos de cada diretor, contando as histórias de modo contínuo e criando pequenas interseções entre elas. Isso impede que Nova York, Eu Te Amo tenha saltos bruscos de qualidade ou estilo, mantendo uma linha condutora muito rara em filmes coletivos. A impressão que fica é a de que uma única grande equipe realizou o longa, espírito bem mais simpático do que quando cada um faz o seu curta e depois junta-se tudo sob o mesmo título.

Embora todos os pequenos contos sejam bons, cada um à sua maneira, sobressaem-se dois momentos realmente inspirados: o segmento em que Ethan Hawke tenta faturar uma bela garota com uma das cantadas mais descaradas já vistas no cinema e o trecho seguinte, sobre o menino abandonado pela namorada no dia da formatura e que consegue um par de última hora. Outros destaques são a interpretação cativante de Shia LaBeouf (a historinha dele em si nem é uma das melhores, mas sua atuação é de uma delicadeza comovente) e a energia de Natalie Portman, que atua em um segmento em homenagem às suas origens judaicas e dirige uma outra história completamente diferente.

O filme é dedicado ao diretor Antonhy Minghella, falecido no ano passado.



Avatar


A febre do 3D é uma moda que eu sempre vi com incredulidade e certa impaciência. Essa onda já veio nos anos 80 e não pegou. OK, péssima comparação. Reconheço que hoje em dia a coisa é muito mais sofisticada do que na minha adolescência, mas, ainda assim, minha reserva à novidade se deve ao fato de nunca ter visto antes um filme realmente bom em 3D. Como se o efeito por si só bastasse e pronto. Neste sentido, podemos dizer que Avatar é a redenção do 3D. Finalmente, a técnica do momento é usada a serviço de uma história consistente e não como muleta para incrementar um roteiro capenga. James Cameron realmente dá uma aula de como integrar o 3D ao filme ao invés de jogá-lo na cara do espectador como um adereço exibido. Ponto para ele. Mas a pergunta é: seria Avatar esse espanto todo, considerando que Cameron não dirige desde Titanic (1997) e tenta viabilizar este filme há nada menos que quinze anos? Sim. E não.

A trama se inicia quando Jake Sully, ex-fuzileiro naval confinado a uma cadeira de rodas, chega a uma base militar no planeta Pandora. Jake tem a oportunidade de voltar à ativa porque seu irmão gêmeo, também militar e morto há pouco, participava de um programa secreto chamado Avatar e Jake seria o único a poder dar continuidade ao projeto por ter o mesmo DNA que ele. Como a atmosfera de Pandora é tóxica para os humanos, os cientistas desenvolveram corpos biologicamente idênticos aos dos nativos – os Na’vi – que são controlados à distância por seus correspondentes humanos, podendo, assim, sobreviver na atmosfera letal. Jake, em sua forma avatar, volta a andar e recebe a missão de se infiltrar entre os Na’vi, que se interpõem aos instintos predatórios dos humanos. Convivendo com eles, Jake aprende a conhecê-los e respeitar sua comunhão com a natureza, além de se envolver profundamente com Neytiri, uma orgulhosa guerreira. Acolhido pelo clã, Jake passa a ocupar um lugar na comunidade Na’vi e se ve dividido entre sua propria raça e aqueles que aprendeu a amar.

Em termos técnicos, Avatar é um dos maiores deslumbres já vistos na sétima arte – se não o maior. O visual do planeta Pandora, com sua flora e fauna exótica, é simplesmente indescritível. As cores, a textura, a profundidade de campo... Nada do que vemos na tela é menos do que perfeito. A técnica de captura de expressões faciais dos atores para serem aplicadas nas animações também dá um salto de qualidade gigantesco aqui. Quem já achava o Gollum do Senhor dos Anéis muito bom não vai conseguir desgrudar os olhos de Neytiri. A variedade de expressões e estados de ânimo contidos naqueles grandes olhos amarelos deixa o espectador de queixo caído desde a primeira aparição da personagem – e o mais curioso é que Zoë Saldana, que só aparece em cena através de animação, tem, de longe, a melhor interpretação do elenco. Mérito dela ou do técnico? Dos dois, eu acho.


Por outro lado, Avatar tem lá seus pontos fracos. Cameron, também um dos montadores do filme, certamente poderia ter sido um pouco mais rigoroso em termos de edição. Embora seus efeitos sejam muito bem aplicados e não resvalem no exibicionismo puro, é visível que muitas cenas são esticadas muito além do necessário. Compreensível, claro. As imagens são belíssimas, mas um montador que não fosse também o diretor talvez fosse mais impiedoso e imprimisse um ritmo mais fluido ao filme como um todo. E vamos combinar que uns vinte minutos a menos não faria falta nenhuma em um filme de duas horas e quarenta.

Outro aspecto que deixa a desejar está na pegada excessivamente juvenil do filme, que nas diversas cenas de batalha lembra bastante o universo dos videogames. Sensação que é ainda mais reforçada por alguns personagens secundários que soam como clichês ambulantes, sendo o mais irritante deles o militar “scarface” interpretado por Stephen Lang. Cheio de frases feitas e macheza histriônica, o mariner parece ser menos humano do que as criaturas alienígenas em computação gráfica. Mesmo que Cameron tenha elegido os adolescentes como público preferencial, nada impediria um melhor desenvolvimento nessa área.


Mas é claro que esses pecadinhos não invalidam a grande quantidade de acertos do filme, que de fato tem um apelo estético irresistível e sabe conjugar a perfeição técnica com uma bela história de amor, nobreza e heroísmo. Sentimentos antigos e eternos em um admirável mundo novo. Resta a nós, adultos, nos colocar no lugar do público-alvo do filme e lamentar não ter mais 12 anos. Esses sim, devem se render ao mundo de Avatar sem restrições. Estreia sexta-feira.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Uma Vida Sem Regras


Eu confesso: minha única curiosidade a respeito de Uma Vida Sem Regras era ver como Robert Pattinson se sairia num papel de gente normal, sem nenhum tipo de poder ou conhecimentos de bruxaria. É certo que não esperava muita coisa de um filme que anuncia seu protagonista no cartaz como “o Edward de Crepúsculo”. Como levar a sério uma produção que foca sua publicidade no sucesso que o ator principal faz em outro filme? A boa notícia é que, a despeito de seus problemas de ritmo e coerência, Uma Vida Sem Regras até que é um filme simpático.

Robert Pattinson é Art, um sujeito meio freak – primeiro ponto positivo para o filme, que apostou num Pattinson não-galã. Aos 20 anos, o cara já se sente um tremendo perdedor: sua carreira de músico não está indo nada bem e sua namorada, que antes o achava misterioso e profundo, chegou à conclusão de que ele não passa de um depressivo chato. O resultado é que, além de tudo, ele ainda fica sem ter onde morar e tem que voltar para a casa dos pais, com quem tem um relacionamento no mínimo confuso. O melhor amigo de Art é Ronny, um cara com síndrome de pânico que não sai de casa para nada, mas quer formar uma banda com ele.

Nesse momento de virada, Art pensa ter encontrado a solução dos seus problemas quando descobre um guru da auto-ajuda, Dr Levi Ellington, autor de um livro com o sugestivo título Não É Sua Culpa. Empolgado, Art usa o dinheiro de uma herança (que ninguém explica direito de onde veio) para financiar um programa intensivo com o Dr Ellington, que chega de mala e cuia na casa de seus pais para ser uma espécie de personal terapeuta, acompanhando o paciente onde quer que ele vá. Está estabelecida a fauna de personagens bizarros.

Uma Vida Sem Regras segue a cartilha do “filme independente inglês”, um estilo de longa que já se tornou um sub-gênero da cinematografia britânica. Não é um exemplar muito original, mas tem lá seus momentos de graça. O destaque fica por conta do ótimo Powell Jones como o “sem-noção” Dr Ellington. Com sua cara de tiozinho que joga críquete, o ator é responsável pelas cenas mais inusitadas ao invadir a privacidade alheia como se fosse a coisa mais natural do mundo. Reparem na cena em que Art vai ao banheiro feminino atrás da ex-namorada e, do nada, o bom doutor surge num dos boxes dando seus pitacos na conversa. O ator, a quem é dedicado o filme, faleceu logo após o término das filmagens. Um detalhe curioso é que sua filmografia se resume a apenas este filme e três participações em TV.

Como um todo, Uma Vida Sem Regras é um filme irregular e não chega a se sustentar muito bem, mas cumpre a função básica de distrair sem maiores pretensões (principalmente para quem vai assisti-lo desprovido de qualquer expectativa). Na média, a balança pende para o lado positivo. Estreia nesta sexta.

Amor sem Escalas é o mais indicado ao Globo de Ouro


Foram anunciados hoje os filmes indicados ao 67º Globo de Ouro. A premiação, concedida pela Associação de Jornalistas Estrangeiros em Hollywood, é considerada um termômetro para o Oscar. Saem na frente Amor sem Escalas, com seis indicações, e o musical Nine – inspirado em Oito e Meio de Fellini –, com cinco. Considerando que muitos dos indicados ainda não estrearam por aqui, fica difícil palpitar, mas um prêmio que eu considero certo é o de melhor ator coadjuvante para Christoph Waltz (o “caçador de judeus” de Bastardos Inglórios). A curiosidade fica por conta de uma única indicação para Distrito 9, para melhor roteiro. Não deve ganhar, mas foi uma lembrança bem merecida. Assim como a indicação do simpático Joseph Gordon-Levitt a melhor ator pelo fofíssimo 500 Dias com Ela. Sandra Bullock e Meryl Streep concorrem em dose dupla, o que muitas vezes se revela mais uma desvantagem do que vantagem. No mais, me parece que a grande disputa não será entre os campeões em número de indicações e sim entre Tarantino, James Cameron e seus respectivos filmes.

O Globo de Ouro também contempla séries e filmes feitos para a TV, segmento no qual o seriado Glee destaca-se com suas quatro indicações. A boa surpresa neste departamento foi ver o ótimo Simon Baker, astro do também muito bom The Mentalist, indicado a melhor ator.

Os vencedores serão conhecidos no dia 17 de janeiro. Confiram abaixo a lista completa de indicados:

CINEMA

Filme - dramaAvatar
Guerra ao Terror
Bastardos Inglórios
Preciosa
Amor sem Escalas

Filme - comédia ou musical500 Dias com Ela
Se Beber, Não Case!
Simplesmente Complicado
Julie & Julia
Nine

Direção
Kathryn Bigelow (Guerra ao Terror)
James Cameron (Avatar)
Clint Eastwood (Invictus)
Jason Reitman (Amor sem Escalas)
Quentin Tarantino (Bastardos Inglórios)

Ator - dramaJeff Bridges (Crazy Heart)
George Clooney (Amor Sem Escalas)
Colin Firth (A Single Man)
Morgan Freeman (Invictus)
Tobey Maguire (Brothers)

Atriz - dramaEmily Blunt (The Young Victoria)
Sandra Bullock (The Blind Side)
Helen Mirren (The Last Station)
Carey Mulligan (Educação)
Gabourey 'Gabby' Sidibe (Preciosa)

Ator - comédia ou musical
Matt Damon (O Desinformante)
Daniel Day-Lewis (Nine)
Robert Downey Jr. (Sherlock Holmes)
Joseph Gordon-Levitt (500 Dias com Ela)
Michael Stuhlbarg (Um Homem Sério)

Atriz - comédia ou musical
Sandra Bullock (A Proposta)
Marion Cotillard (Nine)
Julia Roberts (Duplicidade)
Meryl Streep (Simplesmente Complicado)
Meryl Streep (Julie & Julia)

Ator coadjuvante
Christoph Waltz (Bastardos Inglórios)
Matt Damon (Invictus)
Woody Harrelson (The Messenger)
Christopher Plummer (Station)
Stanley Tucci (The Lovely Bones)

Atriz coadjuvante
Mo'Nique (Preciosa)
Penélope Cruz (Nine)
Vera Farmiga (Amor Sem Escalas)
Anna Kendrick (Amor Sem Escalas)
Julianne Moore (A Single Man)

Longa de Animação
Tá Chovendo Hamburguer
Coraline e o Mundo Secreto
O Fantástico Sr. Raposo
A Princesa e o Sapo
Up - Altas Aventuras

Filme estrangeiroAbraços Partidos (Espanha)
A Criada (Chile)
A Fita Branca (Alemanha)
Un Prophète (França)
Baarìa (Itália)

Roteiro
Distrito 9
Guerra ao Terror
Bastardos Inglórios
Simplesmente Complicado
Amor sem Escalas

Canção Original
The Weary Kind (Crazy Heart)
(I Want To) Come Home (Everybody's Fine)
Cinema Italiano (Nine)
Winter (Brothers)
I See You (Avatar)

Trilha SonoraO Desinformante!
Up - Altas Aventuras
Onde Vivem os Monstros
Avatar
A Single Man

TV

Série - dramaBig Love
Dexter
House
Mad Men
True Blood

Série - comédia ou musicalEntourage
Glee
The Office (EUA)
Modern Family
30 Rock

Ator - comédia ou musical
Alec Baldwin (30 Rock)
Steve Carell (The Office)
David Duchovny (Californication)
Thomas Jane (Hung)
Matthew Morrison (Glee)

Atriz - comédia ou musical
Toni Collette (United States of Tara)
Courteney Cox (Cougar Town)
Edie Falco (Nurse Jackie)
Tina Fey (30 Rock)
Lea Michele (Glee)

Ator - drama
Simon Baker (The Mentalist)
Michael C. Hall (Dexter)
Jon Hamm (Mad Men)
Hugh Laurie (House)
Bill Paxton (Big Love)

Atriz - drama
Glenn Close (Damages)
January Jones (Mad Men)
Julianna Margulies (The Good Wife)
Anna Paquin (True Blood)
Kyra Sedgwick (The Closer)

Ator coadjuvanteMichael Emerson (Lost)
Neil Patrick Harris (How I Met Your Mother)
William Hurt (Damages)
John Lithgow (Dexter)
Jeremy Piven (Entourage)

Atriz coadjuvante
Rose Byrne (Damages)
Jane Adams (Hung)
Jane Lynch (Glee)
Janet McTeer (Into the Storm)
Chloë Sevigny (Big Love)

Minissérie ou telefilme
Georgia O'Keeffe
Grey Gardens
Into the Storm
Little Dorrit
Taking Chance

Ator em minissérie ou telefime
Kevin Bacon (Taking Chance)
Kenneth Branagh (Wallander)
Brendan Gleeson (Into the Storm)
Jeremy Irons (Georgia O'Keeffe)
Chiwetel Ejiofor (Endgame)

Atriz em minissérie ou telefimeJoan Allen (Georgia O'Keeffe)
Drew Barrymore (Grey Gardens)
Jessica Lange (Grey Gardens)
Anna Paquin (The Courageous Heart of Irena Sendler)
Sigourney Weaver (Prayers for Bobby)

sábado, 12 de dezembro de 2009

Os Irmãos Grimm


Criador e criatura. Equação que vem fascinando a humanidade desde que a inglesa Mary Shelley escreveu há quase duzentos anos o romance Frankenstein, expoente máximo dessa ligação. E os escritores, mais do que ninguém, têm dentro de si uma centelha de Dr. Frankenstein, já que dão vida a criaturas que não existiam antes. Os Irmãos Grimm, que está longe de ser uma biografia dos autores de contos de fada, traz um original olhar sobre essa relação. Achincalhado pela crítica e esnobado pelo público, o filme merece uma segunda conferida. Desta vez, sem preconceitos.

O roteiro cria uma original trama de aventura tendo como protagonistas os lendários irmãos. A Alemanha se encontra sob o jugo de Napoleão e os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm são caracterizados como dois vigaristas que viajam pelo país fazendo dinheiro fácil ao enfrentar monstros e demônios criados por eles mesmos, com a ajuda de atores fantasiados e alguma pirotecnia. Mas as autoridades francesas descobrem a falcatrua e os trapaceiros, para salvar suas vidas, são obrigados a investigar o misterioso desaparecimento de donzelas numa pequena aldeia. Certos de que iriam desmascarar farsantes como eles, os manos logo descobrem que dessa vez a coisa é pra valer.

O mais curioso do filme são as inserções de situações que reconhecemos como trechos de contos de fada. As citações e referências estão por toda parte: Chapeuzinho Vermelho, João e Maria, Branca de Neve, o Lenhador, Rapunzel, o Lobo Mau, a Bela Adormecida e até mesmo um divertido momento dos irmãos dando uma de Gata Borralheira. E a boa sacada é que Jacob, o mano mais intelectual, está sempre anotando as bizarrices que encontra pelo caminho, dando a entender que a carreira literária começará numa época posterior. Os irmãos Grimm verdadeiros publicaram suas fábulas entre 1812 e 1857. Também foram célebres lingüistas e são até hoje considerados os maiores divulgadores da história cultural alemã, tendo seus contos traduzidos para cerca de 160 idiomas. Suas histórias costumam começar com "Era uma vez…" e terminar com "E viveram felizes para sempre", expressões que ficaram conhecidas a ponto de ninguém mais saber de onde se originaram.


A parte estética do filme também é muito boa, com cenários e figurino caprichados, num estilo que lembra A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça. Todos os efeitos visuais são interessantes e adequados, especialmente a concepção da floresta e da torre da rainha. O longa foi rodado em locações em Praga, numa co-produção entre Reino Unido e República Tcheca. Nos papéis-título, Heath Ledger e Matt Damon. Embora ambos estejam ótimos, numa atuação meio debochada e ao mesmo tempo charmosa, o saudoso Ledger se sobressai mais que seu companheiro de cena. Normal. Já os fãs da diva Monica Bellucci podem se decepcionar, já que sua participação é menor do que a publicidade a respeito do filme sempre dá a entender.

Os Irmãos Grimm é um bom filme-pipoca, mas não se deve esperar muito além disso. O currículo do diretor Terry Gilliam sugeria que o resultado fosse mais inventivo. Gilliam não assina uma produção desde o arrojado Medo e Delírio, de 1998, baseado em romance do polêmico Hunter Thompson. Também são dele o cultuado Os Doze Macacos (1995) e o surreal As Aventuras do Barão de Munchausen (1988), além do clássico do humor Monty Python e o Cálice Sagrado (1975). Deixando de lado a expectativa de algo inusitado, resta um filme bem-cuidado e eficiente no que se propõe. Os Irmãos Grimm, filme pouco visto e muito injustiçado, certamente merece um pouco mais do que o desdém com que foi tratado por público e crítica. Um bom aperitivo enquanto não chega o mítico O Imaginário do Doutor Parnassus, novo filme de Gilliam e último de Ledger.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Os Infiltrados


Enquanto não chega a vez de Ilha do Medo, é sempre boa pedida rever o brilhante e premiado Os Infiltrados. Quando o assisti pela primeira vez, há cerca de três anos, fui ao cinema com a mais baixa das expectativas. Parecia quase uma heresia confessar que estava de má-vontade com o grande Martin Scorsese, mas a verdade é que o cineasta genial de clássicos como Touro Indomável e Taxi Driver vinha deixando a desejar em sua filmografia recente e, na minha opinião, não fazia um filme realmente memorável desde Os Bons Companheiros (1990). Para complicar, sua simbiose com Leonardo DiCaprio não fora muito produtiva nas duas tentativas anteriores, Gangues de Nova Iorque (2002) e O Aviador (2004). Embora os filmes tenham obtido várias indicações ao Oscar, parecia evidente que isso acontecera mais como um reconhecimento à importância de Scorsese para a sétima arte do que por mérito destes dois filmes apenas medianos. Mas a grata surpresa foi descobrir que finalmente Scorsese havia se reencontrado não apenas com a máfia mas também com o melhor de seu cinema.

Os Infiltrados marcou o retorno do Martin Scorsese do qual os fãs andavam meio órfãos. No longo prólogo de quase vinte minutos, estabelece-se a base de toda a trama ao conhecermos os personagens espelhados Colin Sullivan e Billy Costigan. Colin, ainda garoto, foi apadrinhado por Frank Costello, chefão da máfia irlandesa de Boston. Sob sua orientação, o garoto inteligente estudou e tornou-se um policial de ficha impecável. Já Billy, um tira cheio de parentes criminosos e com um histórico nada recomendável, é praticamente obrigado pelos superiores a se infiltrar na gangue de Costello. Enquanto Colin deve antecipar para Costello os movimentos da polícia, Billy deve conseguir provas para que consigam prendê-lo. Desempenhando funções inversamente proporcionais, os dois são espertos e determinados. Mas a pressão aumenta a cada dia conforme as mentiras se acumulam e o cerco se estreita, e tanto a máfia quanto a polícia chegam à mesma conclusão: há um espião entre eles. Resta saber qual organização será mais rápida em desmascarar o infiltrado.

A trama cria tensão e suspense numa estrutura onde o espectador sabe tudo o que ocorre, ao contrário dos personagens. Abordagem estabelecida logo no começo do filme, quando Colin e Billy se cruzam sem que um note o outro. A partir daí, o jogo de gato e rato entre os dois só aumenta e o espectador pressente que as identidades duplas não se sustentarão por muito tempo. O roteiro arrojado de William Monahan é baseado em um filme realizado em Hong Kong em 2002, Conflitos Internos (Mou Gaan Dou), e transpõe a guerra entre policiais e criminosos de Hong Kong para as ruas de Boston com tanta propriedade que é difícil crer tratar-se de uma refilmagem. A primeira coisa que chama a atenção no filme é a fluência e malícia dos diálogos, que soam incrivelmente verdadeiros e diabolicamente inteligentes. Poucas vezes se ouviram conversas repletas de piadas sujas, frases cruéis e tiradas irônicas soarem tão fascinantes. Cada fala transforma os maiores xingamentos em pura poesia na boca dos atores.

A direção precisa e firme nivela por cima um elenco que mistura os veteranos Jack Nicholson, Martin Sheen, Ray Winstone e Alec Baldwin às estrelas mais jovens Leonardo DiCaprio, Matt Damon e Mark Wahlberg. De todos, quem chama mais atenção é Leonardo DiCaprio, irretocável na pele de Billy Costigan. Os Infiltrados venceu quatro dos cinco Oscars a que concorreu: melhor filme, direção, roteiro adaptado e montagem - apenas a indicação de Mark Wahlberg a melhor ator coadjuvante não foi convertida em prêmio. O curioso é que uma estranha falha de continuidade, a única num filme de resto perfeito, pareça ter sido ocasionada justamente por um tropeço da montagem. A psicóloga Madolyn muda-se para a casa de Colin de mala e cuia e, numa cena posterior, vemos a moça ainda preparando a mudança, falta de cronologia ressaltada ainda mais pelo fato dela encaixotar um quadro que já fora levado para a nova casa na outra cena.

Mas, detalhismos à parte, o certo é que Os Infiltrados é não apenas um retorno de Martin Scorsese aos bons tempos como também a celebração de uma bela carreira com seu primeiro Oscar de melhor direção. A Academia estava lhe devendo essa, e teve uma ótima oportunidade de saldar a dívida. Que seja o talismã de uma nova e melhor fase para o grande cineasta.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Crepúsculo dos Deuses


A sonorização do cinema, a partir de 1928, trouxe um indesejado efeito colateral: muitos astros do cinema mudo não se adaptaram à novidade que veio para ficar. Seja pela infelicidade de ter uma voz desagradável, seja pela dificuldade em lidar com o equipamento técnico (os microfones eram escondidos no cenário e o ator tinha que ficar atento para falar na direção certa). A transição para a sétima arte tal como a conhecemos hoje já foi tema de alguns filmes, sendo o mais bem-humorado deles o delicioso Cantando na Chuva. Mas nenhum longa foi tão fundo no drama das estrelas aposentadas contra a vontade quanto Crepúsculo dos Deuses, obra-prima de Billy Wilder. Mais famoso por suas comédias, o cineasta conta nesse filme de 1950 a sombria história de Norma Desmond, grande dama do cinema mudo que enlouquece em seu desespero e abandono.

O início da trama é inusitado: policiais chegam para verificar uma denúncia sobre tiros numa mansão da Sunset Boulevard (título original do filme e endereço chique em Hollywood). Chegando lá, encontram um cadáver boiando na piscina. A partir desse ponto, o próprio morto – Joe Gills, um jovem roteirista em dificuldades financeiras – começa a narrar sua história em off. O filme retrocede no tempo, até o dia de seu fatídico encontro com Norma Desmond. Ela foi uma grande estrela do cinema mudo, que vive presa aos dias de fama de outrora como uma forma de negar o ostracismo que vive na atualidade. Sua única companhia é o mordomo Max, que lhe escreve em segredo cartas de fãs imaginários que clamam por ela. Norma contrata Joe para ajeitar um roteiro que vem escrevendo e que seria sua volta triunfal às telas. O detalhe é que a cinquentona pretende fazer o papel de Salomé e ser dirigida por ninguém menos que Cecil B. de Mille. Gills sabe que o roteiro é uma bobagem, mas como Norma é riquíssima, entra no jogo pelo dinheiro. Logo percebe que também ele é objeto de desejo das ambições da diva.

De início confortável na situação, Joe começa a ficar preocupado ao perceber não apenas que está se tornando prisioneiro de Norma como também o quanto ela está desequilibrada. E as brigas violentas, cenas de ciúme e chantagens emocionais só pioram à medida que ele começa a se interessar por uma jovem aspirante a roteirista. Dividido entre a vida mansa e a necessidade de reconquistar a liberdade, Joe tem dificuldade em tomar uma decisão e sua inconstância ajuda a alimentar os delírios de Norma.


Gloria Swanson, ela própria uma estrela do cinema mudo, interpreta Norma Desmond. O que torna a história tão cruel é o fato da decadência de Norma parecer muito próxima do destino de muitas grandes estrelas do cinema mudo, que acabaram por enterrar suas carreiras com ele. Felizmente, não se tem notícia de nenhuma que tenha chegado a extremos de loucura e assassinato como a personagem. E o trabalho de Gloria é impressionante, ao encarnar uma mulher que vivia representando, com ares de grande dama, em sua vida diária. Com expressões faciais exageradas, olhos arregalados ou coquetice pouco condizente para uma mulher de meia-idade, Gloria Swanson reproduz em Norma Desmond todo um estilo dramático característico das fitas mudas. William Holden, em atuação bogartiana (sóbria e sarcástica), faz ótimo contraste com a delirante Swanson. Outro atrativo no elenco é a participação de Cecil B. De Mille como ele mesmo.

O clímax da história já é conhecido desde a cena inicial, uma outra ousadia do mestre Billy Wilder para a época. Desde o princípio, sabemos que Joe pagará com a vida por sua ambição. Dizem, inclusive, que a primeira idéia de Wilder era colocar o personagem contando suas agruras para os outros mortos no necrotério, mas os executivos do estúdio não permitiram que o cineasta fosse tão longe. Outro ponto alto são os diálogos simplesmente brilhantes, como o que ocorre quando Norma e Joe se conhecem. Ele a reconhece e diz “Você é Norma Desmond. Você trabalhava em filmes mudos. Você era grande!” e ela, orgulhosa, responde “Eu sou grande. Os filmes é que ficaram menores.” Ou a célebre frase final da personagem, quando, no auge da loucura, crê que os policiais que chegam à sua casa pra prendê-la são da produção de Cecil B. de Mille e que as câmeras dos paparazzi são câmeras de cinema: “Sr. de Mille, estou pronta para o meu close-up”.

Por esses e muitos outros motivos, Crepúsculo dos Deuses é mais que um excelente filme. É um clássico absoluto, uma obra de referência que qualquer um que se julgue cinéfilo precisa ver e rever muitas vezes. Curiosidade: O longa perdeu o Oscar de melhor filme para A Malvada, outro clássico que enfoca a trajetória de uma atriz, sendo que esta do teatro.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Atividade Paranormal


Dez anos depois, a bossa criada por Daniel Myrick e Eduardo Sánchez em A Bruxa de Blair continua fazendo escola. Atividade Paranormal é mais um filme de suspense no formato falso documentário, desta vez enfocando um casal que resolve registrar em vídeo as manifestações sobrenaturais das quais é vítima. O visitante noturno – que não é claramente definido como fantasma ou demônio – parece mais associado a Katie, uma jovem estudante que teve experiências similares no passado. Seu namorado Micah, um pragmático corretor da Bolsa, a princípio leva tudo na brincadeira e é ele quem decide adquirir uma câmera de alta potência para gravar tudo que acontece na casa enquanto eles dormem.

Os atores Katie Featherston e Micah Sloat emprestam seus próprios nomes aos personagens e o filme abre com legendas que agradecem às suas famílias a permissão para que suas imagens tenham sido exibidas. E tudo segue bem amarradinho para convencer como uma suposta fita caseira, embora hoje em dia não seja mais tão fácil fazer com que as pessoas comprem tal esparrela publicitária. O interessante é que, mesmo tendo contra si o fato do espectador não mais acreditar na veracidade das imagens, o formato funciona bem.

Atividade Paranormal tem a seu favor a sua própria simplicidade. Com ares de filme caseiro e efeitos especiais irrisórios, o filme apóia-se muito mais na expectativa criada do que no que de fato acontece. Imagens que não teriam nada demais se mostradas em isolado, adquirem contornos sinistros pelo simples fato de sabermos que um espírito maligno perturba o local. Um exemplo disso são as cenas em que Katie se levanta durante a noite e fica parada ao lado da cama, em transe, observando Micah dormir. Pequenas coisas, como portas se mexendo, lençóis enfunados ou barulhos súbitos tornam-se agourentos pelo contexto. Em suma, é muito mais um filme de suspense do que de terror.

O diretor estreante Oren Peli gastou módicos US$ 15 mil para realizar o filme, que só nos Estados Unidos já faturou mais de US$ 100 milhões. Agora é aguardar para ver se Peli é cineasta de um filme só. Verba para fazer coisas diferentes não será problema daqui em diante.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Do Começo ao Fim


Vivemos tempos estranhos, com uma ilusória sensação de liberdade e liberalidade extremas. Somos todos modernos, descolados, sem grilos. Mas alguns tabus ainda nos levam de volta ao obscurantismo da Idade Média. Outro dia passou um especial sobre Cazuza na TV. Foi a senha para que no dia seguinte proliferassem na rede mensagens atacando o artista, que morreu há quase 20 anos e ainda incomoda os arautos da moralidade. É espantoso o quanto a vida privada das pessoas interessa quem não tem nada a ver com isso.

Faço esse prólogo para melhor exaltar a dimensão da coragem do cineasta Aluizio Abranches, que em seu novo filme toca em não apenas um, mas dois temas polêmicos: homossexualismo e incesto. E mais: não apenas os expõe juntos, como o faz sem nenhum juízo de valor. Do Começo ao Fim simplesmente trata o relacionamento amoroso entre dois meio-irmãos como qualquer outro. Sem conflito moral, sem drama, nem culpa cristã. Ou melhor, apresenta o amor entre os personagens como algo ideal, tangível, puro. Daí acusarem o filme de “não ir fundo na ferida”, como se o tema só fosse justificável quando abordado pelo viés do preconceito social ou da violência.

Francisco tem seis anos quando nasce Tomás, filho de sua mãe Julieta com seu padrasto Alexandre. Desde cedo, Julieta percebe que os filhos são demasiadamente próximos, um relacionamento íntimo demais até para dois irmãos. Mas o que fazer? São duas crianças inocentes. Francisco e Tomás não fazem nada sem a companhia do outro, vivem trocando carinhos e cumplicidade e chegam ao ponto de dormir abraçados. O afeto intenso evolui para relacionamento íntimo somente depois que ambos são adultos e tem suas próprias vidas.

Com a deslumbrante fotografia do suíço Ueli Steiger e a trilha sonora belíssima de André Abujamra, Do Começo ao Fim fala de um universo particular onde tudo vale a pena. O único senão fica por conta de alguns diálogos exageradamente literários, que soam artificiais quando falados por duas crianças – mesmo considerando a atmosfera onírica do filme. Do elenco, destacam-se os ótimos trabalhos de Julia Lemmertz e Fábio Assunção como os pais que se preocupam, mas conseguem deixar que o respeito e afeto pelos filhos fale sempre mais alto.


Aluizio Abranches declarou que o filme “conta a história de um amor incondicional como uma possibilidade, como um contraponto para um mundo cheio de violência, medo e intolerância”. Portanto, utopia ou não, o fato é que a história não enfoca preconceitos, dificuldades nem barreiras a serem superadas. E com essa abordagem sem sobressaltos, Abranches nos faz pensar. Sim, o incesto é condenado de acordo com as regras da sociedade em que vivemos. Mas isso não necessariamente significa que estejamos certos enquanto os protagonistas da história estão errados. No mundo de Francisco e Tomás, o incesto é tão-somente um prolongamento do amor que eles sempre sentiram um pelo outro. Como se fosse um conto de fadas pelo avesso. O que, aliás, remete a uma das falas mais significativas do roteiro: “Para entender nosso amor, seria preciso virar o mundo de cabeça para baixo”.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Abraços Partidos


Filme novo de Almodóvar nas telonas é sempre um acontecimento muito aguardado, visto o grau de excelência a que nos acostumou o cineasta espanhol. A exemplo do que ocorre com Woody Allen, Almodóvar atingiu um grau de maturidade em sua carreira que torna quase impossível que ele faça um filme ruim. Geralmente, a comparação é entre o sublime e o muito bom. Colocando sob essa perspectiva, podemos considerar Abraços Partidos “apenas” muito bom. Só que um longa que está um degrau abaixo no padrão Almodóvar também está vários degraus acima da média geral.

A trama se desenvolve em três épocas distintas: em 1992, acompanhamos a vida dupla de Lena e seu sacrifício para ajudar financeiramente os pais. Dois anos depois, Lena está casada com o rico e ciumento Ernesto, seu antigo patrão, e tenta retomar a carreira de atriz interrompida tempos atrás. É quando conhece o cineasta e escritor Mateo Blanco. Em 2008, reencontramos Mateo. Ele está cego e continua escrevendo roteiros com ajuda de seus assistentes, mas obviamente não pode mais dirigir os filmes. Para estabelecer esse marco divisório, adotou definitivamente o pseudônimo Harry Caine. O fio condutor entre essas três histórias é revelado aos poucos ao espectador, num quebra-cabeça metalinguístico cheio de referências ao universo da sétima arte e, principalmente, à obra do próprio Almodóvar. O filme ainda compreende não apenas três momentos no tempo, mas também diversas camadas narrativas.


Lluís Homar, que interpreta Mateo/Harry, apresenta uma performance exemplar. Não apenas pelo papel de cego – o que, por si só, já representa um grande desafio a qualquer ator –, mas sobretudo por representar o mesmo homem em duas fases tão distintas de sua vida. Em 1994, Mateo é um profissional seguro, bem-sucedido, apaixonado, destemido; catorze anos depois, um homem debilitado, lutando para não sucumbir. Outro destaque é a discreta e muito eficiente caracterização de envelhecimento feita em Homar e Blanca Portillo. E ainda temos Penélope Cruz, bela e poderosa, no auge de sua carreira. A atriz felizmente deixou para trás sua fase de pagação de mico no cinemão americano e tem se mostrado uma grande atriz desde que voltou a trabalhar com Almodóvar.

Abraços Partidos não é um filme muito fácil. Não tem a fluidez e as emoções gritando à flor da pele de longas anteriores, como Volver e Tudo Sobre Minha Mãe. Sob diversos aspectos, podemos dizer que a estrutura de Abraços Partidos remete um pouco à de Má Educação. É uma trama mais cerebral, com ritmo mais lento, menos passional do que a maioria dos filmes do cineasta. Não que os personagens não estejam todos explodindo com as mais diversas e controversas emoções; a diferença está na abordagem mais seca por parte do diretor. Pode desagradar muita gente e eu não vou negar que, de imediato, o efeito geral foi um pouco menos envolvente. Mas passado o susto inicial – quando deixei a sala escura levemente decepcionada – o longa começa a intrigar, como se fosse um pouco complicado apreender todas as suas camadas de imediato. E reside justamente aí, na capacidade de se renovar e surpreender, a marca do artista ímpar que é Almodóvar.

Estreia nesta sexta. Confiram!

A Princesa e o Sapo


Eu sou do tempo em que as animações eram em 2D e, nem por isso, menos legais. Do tempo em que a Disney lançava clássicos como A Pequena Sereia, Aladdin e O Rei Leão. Do tempo em que não havia Oscar de animação e, ainda assim, A Bela e a Fera concorreu a melhor filme na categoria gente grande. Hoje em dia tudo é mais perfeito tecnicamente, mas os que conheceram a animação pré-computação gráfica sentem falta justamente de um toque mais personalizado. E vamos combinar que o 3D já deu. A técnica geralmente esconde por trás do visual grandioso filmes de roteiro fraco. Não tinha que ser assim, mas é o que tem acontecido – quem tiver dúvidas, que assista a Os Fantasmas de Scrooge.

Mas nem tudo está perdido. Sinal disso é que a Disney está lançando este A Princesa e o Sapo, uma retomada em direção ao estilo dos já citados clássicos de ouro. Não por acaso, o longa foi escrito e dirigido por Ron Clements e John Musker, os criadores de A Pequena Sereia e Aladdin. Sem contar a novidade de ser o primeiro desenho a apresentar uma princesa negra, e de forma naturalista – sua etnia não é preponderante para o desenvolvimento da trama.


O filme ainda conta com alguns atrativos adicionais, ao ambientar a história no bairro francês da Nova Orleans da década de 20, com direito à efervescência do jazz na trilha sonora e o misticismo do vodu para apimentar as maldades do vilão Mr Facilier. Na verdade, todo o argumento apresenta uma repaginação dos contos de fada tradicionais: a protagonista, Tiana, é uma garçonete que sonha abrir seu próprio restaurante; o príncipe é um playboy em crise financeira; a menina que deveria ser a antagonista rica é, na verdade, uma perua de bom coração; e a bruxa má virou um macumbeiro sinistro – destaque para como ele se refere aos espíritos das trevas, “meus amigos do outro lado”.

Está certo que, em sua estrutura, o filme não foge do padrão Disney para contos de fadas, mas põe na tela o que já é esperado com certo frescor e vivacidade. Apenas poderia ter se concentrado mais no segmento que se passa na cidade, que é muito mais rico e interessante do que o trecho que se passa no pântano. Mas tudo bem. Noves fora, A Princesa e o Sapo é filme para encantar crianças de todas as idades.

Só é uma pena que, seguindo a tendência das últimas estréias brasileiras no campo de animação, sejam lançadas apenas cópias dubladas por aqui. Mesmo não ouvindo o som original, pode-se imaginar o quanto a trilha sonora plena de ritmos jazzísticos deve ser sensacional. É bem decepcionante ter que ouvir apenas as versões tupiniquins dela. Também é estranho que o príncipe Naveen seja dublado em português por Rodrigo Lombardi, considerando que sua voz original pertence ao também brasileiro Bruno Campos – por que não chamar o próprio Bruno para se dublar? De todo modo, agora resta esperar o DVD para apreciar o filme como ele realmente merece.

Sexta-feira nos cinemas.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Tudo sobre David Lynch


Excelente notícia para o carioca que aprecia o mundo surreal de David Lynch: de 8 a 20 de dezembro, a Caixa Cultural promove uma completíssima mostra sobre o cineasta, composta por nada menos que quarenta filmes. Estão programados não apenas filmes que Lynch dirigiu, mas também alguns que contam com sua participação como ator ou entrevistado, além de longas da sua filha, Jennifer Lynch, e filmes que de um modo geral influenciaram sua obra. O curador da mostra, Mario Abbade, conseguiu reunir todo o material que o cineasta já produziu para cinema e TV ao longo de sua extensa carreira. E o melhor é que boa parte desse material nunca foi exibido no Brasil. Amantes do bizarro, comemoremos!

Serviço:

Mostra David Lynch – O Lado Sombrio da Alma
Caixa Cultural (Cinemas 1 e 2)
Av. Almirante Barroso, 25 - Centro
Tel.: 21 2544-1019 (ao lado da Estação Carioca do Metrô)
Ingressos: R$ 4,00 e R$ 2,00

domingo, 29 de novembro de 2009

Sonhos de um Sedutor


Gostando ou não de seu trabalho, ninguém pode negar que Woody Allen tem uma marca inconfundível, como só os grandes gênios costumam ter. Quando pensamos no cineasta, a primeira palavra que vem à mente é neurose. E isso ocorre porque o foco central de seus filmes sempre foi a figura humana, com suas fobias e bizarras contradições. Woody é diretor, roteirista e, muitas vezes, protagonista de seus filmes. Mas o nova-iorquino Allan Stewart Konigsberg – ou simplesmente Woody Allen, apelido que inventou para si mesmo – passou por diversas fases até encontrar a maturidade atual. No começo de sua carreira, enveredou por comédias amalucadas, como Um Assaltante bem Trapalhão, Bananas e O Dorminhoco. Justamente nesta época, seu primeiro passo em direção ao cinema mais intelectual que ele faria a partir de Annie Hall (1977) se deu pelas mãos de outro diretor.

A despeito de ter sido dirigido por Herbert Ross, Sonhos de um Sedutor é a representação clara de uma transição na carreira de Woody Allen. Tanto que muita gente credita sua direção ao próprio Woody Allen e não a Ross – o que é compreensível, já que o roteiro foi escrito por Woody a partir de uma peça de teatro que ele escrevera alguns anos antes. De todo modo, o longa explora um tema que seria retomado com maestria em A Rosa Púrpura do Cairo: o do personagem que tenta obter através do cinema as respostas que não encontra na vida real. Já o título original, Play it Again, Sam (Toque de novo, Sam), brinca com a famosa frase de Casablanca que, na verdade, nunca foi dita desse modo no filme.

O protagonista da história é Allan (nome verdadeiro do cineasta), um crítico de cinema com tendências depressivas que acaba de ser abandonado pela esposa. Um casal de amigos, Dick e Linda, tenta lhe arrumar encontros com outras garotas, mas o coitado se atrapalha cada vez mais depois que começa a receber conselhos de Humphrey Bogart, ou melhor, Rick Blaine (com direto a sobretudo e chapéu). Boogie brinda Allan com conselhos no mínimo duvidosos e lhe diz pérolas como “nunca conheci uma mulher que não entendesse um tapa na boca”. Para embaralhar ainda mais as coisas, Allan começa a perceber que sente-se atraído por Linda e que ela é a única mulher com quem ele se sente à vontade.

Sonhos de um Sedutor é um trabalho divertido e referencial, mas ainda bastante imperfeito em termos de roteiro. Alguns diálogos soam um pouco artificiais e algumas gags parecem exageradas, mas essa sensação se impõe sobretudo pela comparação com a trajetória posterior do cineasta. O que é especialmente interessante de ser observando pelo espectador que admira a obra de Woody, já que a trama parece uma espécie de rascunho da maturidade artística que ele começaria a consolidar a partir de Annie Hall. Outra curiosidade é assistir à primeira das inúmeras parcerias entre o cineasta e a atriz Diane Keaton (com quem ele foi casado depois disso). E convenhamos, um trabalho imaturo de Woody Allen ainda é muito melhor do que a filmografia inteira de certos diretores.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Procedimento Operacional Padrão


Procedimento Operacional Padrão toca em um tabu para os americanos: o abuso do exército do Tio Sam contra seus presos acusados de terrorismo. Assunto que já foi tema de outro documentário recente, o contundente O Caminho para Guantánamo, de Michael Winterbottom. Enquanto o longa de Winterbottom focava suas denúncias na prisão americana em Cuba, Errol Morris optou por um episódio muito mais documentado: as humilhações sofridas pelos presos de Abu Ghraib. Para quem não está ligando o nome ao escândalo, trata-se daquela prisão iraquiana que os americanos transformaram em campo de detenção de suspeitos de terrorismo logo que ocuparam o país. Para vigiar os prisioneiros, foram designados soldados inexperientes, que logo começaram a espantar o tédio se divertindo sadicamente às custas dos detentos. O horror se tornou público através de fotos tiradas pelos próprios soldados – orgulhosos de seus quinze minutos de poder – que acabaram vazando para a mídia.

Qualquer um que não tenha estado em Saturno nos últimos anos teve oportunidade de ver nos noticiários as imagens da soldado Lynndie England puxando um homem nu por uma coleira. Ou fazendo sinal de positivo ao lado de um cadáver desfigurado. Como dizem os publicitários, uma imagem vale por mil palavras. E essas imagens são tão claras e inquestionáveis que é impossível não se irritar com o filme quando vemos que grande parte da projeção é dedicada a deixar não apenas Lynndie (que surge na tela toda produzida), mas todos os envolvidos se defenderem ou empurrarem a responsabilidade para outros. Depoimentos de pessoas que já foram condenadas por seus crimes só fazem sentido quando trazem uma nova luz aos acontecimentos, mas não é o que acontece. Com explicações como “todo mundo fazia” ou “mandaram que eu fizesse”, os soldados tentam justificar o injustificável.

O filme ganhou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim do ano passado, o que eu considero um exagero. De todo modo, vale para que o espectador tenha uma visão completa da quantidade de provas materiais e da extensão do dano causado pelos auto-intitulados “defensores da liberdade” à população iraquiana. Ao ouvir alguns depoimentos, fica bem claro que os americanos estavam deliberadamente tirando de circulação qualquer homem que estivesse em idade e condições físicas de lutar contra eles. E, uma vez detido em Abu Ghraib, não fazia a mínima diferença se o cara era, de fato, envolvido com terrorismo ou apenas resolveu comprar pão na hora errada.

Também a imensa quantidade de fotos sádicas tiradas pelos recrutas e guardadas como souvenir dá uma medida da total falta de preparo desses soldados. Alienados, a maioria se comportava como se estivesse jogando videogame e não lidando com a vida de seres humanos reais. Um caso em que simplesmente punir os autores dos crimes não resolve nada: também o exército americano precisaria reavaliar seus métodos de treinamento, já que aquelas pessoas estavam ali representando a instituição. O próprio título do filme dá uma dica do quanto o modus operandi oficial influencia (para o mal) um soldado despreparado, ou seja, há uma linha divisória não muito clara entre o procedimento padrão e a tortura indiscriminada. Os abusos institucionalizados do exército americano alimentam seus próprios monstros.

Em termos de concepção, o filme derrapa ao fazer dramatizações exageradas e animações sem propósito a respeito dos fatos. A música de Danny Elfman, geralmente um fator de qualidade nos filmes, aqui parece deslocada e exagerada, chegando a distrair o espectador do que está sendo mostrado. As fotos são exibidas na tela com um excesso de efeitos especiais que só diminuem o impacto das mesmas. Sabe aquelas pessoas que descobrem o Power Point e de repente começam a brincar com o programa o tempo todo, fazendo tudo em slides e mandando para os amigos? É a impressão que temos ao ver algumas cenas do filme. Um pouco mais de sobriedade não faria mal algum.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Deixa Ela Entrar


Em tempos de intensa massificação de tudo que diz respeito a vampiros e vampirismo, é um alívio assistir a um filme como este Deixa Ela Entrar. Embora o tema realmente esteja batido ao ponto de não ser possível vislumbrar no horizonte nada de realmente original em termos de argumento, este interessante longa sueco consegue surpreender justamente por tratar um assunto manjadíssimo por uma perspectiva completamente original.

Podemos dizer que Deixa Ela Entrar é o anti-filme de vampiro, já que passa bem longe de todas as vertentes usualmente exploradas no gênero. Não é um filme de terror e nem se rende a sustos, embora não fuja das tomadas sangrentas; não é uma história ao estilo “vampiros são descolados”, tão em voga graças aos filmes da série Crepúsculo e a seriados como True Blood e The Vampire Diaries; e muito menos podemos encaixá-lo no segmento do trash e suas irreverências. Nada disso se aproxima dos caminhos seguidos por esta bela e estranha história. Incrível como é mais fácil definir o filme pelo que ele não é.

Logo na primeira cena, conhecemos Oskar. 12 anos, frágil, pálido, arredio, perseguido pelos meninos mais velhos, filho de pais separados, vivendo com uma mãe pouco participativa, enfim, o protótipo de um garoto desajustado. Da janela de seu quarto, Oskar observa a chegada sorrateira de seus novos vizinhos. Não tarda até que ele se encontre no pátio com Eli, uma menina da mesma idade que ele. Embora a garota avise ao primeiro contato que não pode ser sua amiga, eles logo se tornam inseparáveis. Oskar não parece estranhar o fato da amiga só sair para brincar à noite e não ir à escola. Afinal, quem é ele para achar alguém esquisito, sendo ele próprio tratado como um anormal pelas outras crianças?

Ao mesmo tempo em que enfoca a pureza da amizade entre o garoto desajeitado e a vampira-menina de olhos melancólicos, o filme acompanha o crescente temor que vai tomando conta dos adultos conforme as autoridades da região começam encontrar cadáveres com o sangue drenado. Mas o filme não se detém no mundo dos adultos mais do que o estritamente necessário para contextualizar a trama. O foco do diretor Tomas Alfredson é o afeto incondicional que une Oskar a Eli enquanto enfrenta as dores do crescimento; ele é um menino prestes a se tornar um adolescente e ela, uma menina que nunca irá crescer. Seres muito diferentes, mas que, no fundo, não parecem ser. Pelo contrário: o amor entre os dois personagens – cada um indefeso a seu jeito –, rodeados por uma paisagem eternamente gelada e sentimentos idem, parece o caminho mais natural. Destaque para a comovente cena em que ela pede para entrar no quarto dele durante a noite.


O roteiro pleno de poesia e crueldade foi escrito pelo próprio autor do romance, John Ajvide Lindqvist. Uma pena que um trabalho tão caprichado derrape um pouco no desfecho, que soa meio em desacordo com o estilo que o filme vinha apresentando até então. Mais do que isso: parece um final desajeitado e apressado para um trabalho que estava quase atingindo a excelência. Fica aqui uma pergunta inversa à feita no post sobre Policial, Adjetivo (ver abaixo): um final decepcionante invalida um filme que foi todo bom até chegar lá? Não. Não chega a tanto. Mas quebra um pouquinho o encanto do espectador.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Rebú


O espectador carioca tem apenas mais uma semana para conferir Rebú, o novo e instigante espetáculo da Cia Teatro Independente. Depois de uma longa temporada com Cachorro! – um mergulho no universo rodrigueano e na dramaticidade do tango –, a companhia teatral estreia um novo texto do dramaturgo Jô Bilac.

A trama é simples e remete ao estilo dos folhetins de época: os recém-casados Bianca e Matias tem sua felicidade conjugal atrapalhada pela chegada da sorumbática Vladine, irmã de Matias que supostamente se encontra à beira da morte. Ranzinza e cheia de exigências, a megera enlouquece a cunhada com suas demandas impossíveis. Como se não bastasse, ainda traz consigo outro hóspede cheio de particularidades: Nathaniel – falar mais sobre ele é estragar uma excelente surpresa. Mas nada como um dia depois do outro. Bianca aguenta as desfeitas calada, até o dia em que descobre algo que usará sem piedade contra Vladine. No meio do fogo cruzado entre as duas mulheres de sua vida, Matias não percebe a bomba-relógio prestes a explodir. E o público, tão indeciso quanto ele, terá dificuldades em eleger uma vilã.

Assim como ocorria em Cachorro!, a direção, cenografia e toda concepção teatral é cuidadosamente pensada de modo a potencializar e ressaltar a interpretação dos atores. Sobre um tablado de madeira vazio, com apenas uma cortina ao fundo e tendo a iluminação como principal recurso dramático, os ótimos Carolina Pismel, Júlia Marini, Paulo Verlings e Diego Becker se digladiam numa história repleta de jogos de poder, rompantes de ciúme, promessas de amor e fidelidade, segredos tenebrosos e reviravoltas melodramáticas – sem contar a deliciosa pitada de surrealismo inserida pelo personagem Nathaniel.

A direção firme e precisa de Vinícius Arneiro entrega um espetáculo vibrante e cheio de tensão, mas igualmente temperado por um humor bastante refinado. Num equilíbrio perfeito entre o trágico e o cômico, o espetáculo mantém o espectador de olhos bem abertos para a explosão de variadas emoções que brotam de cada um dos atores, numa encenação que certamente os deixa esgotados fisicamente, dada a intensidade com que eles se entregam à cena.

Também não se pode deixar de notar a beleza das partituras de movimentos, que muitas vezes se assemelham a passos de tango ou dança flamenca (característica também presente em Cachorro!, e aqui melhor explorada por conta do tablado de madeira). Mais do que uma mera coreografia, a movimentação dos atores em cena parece captar o espírito de intenso drama dessas artes. A iluminação – perfeita! – busca inspiração no cinema, em especial no expressionismo alemão, e diz muito mais com suas luzes e sombras do que qualquer cenário ou acessório decorativo.

Rebú é um espetáculo, no real e completo sentido da palavra, e tem que ser visto por todos, mas sobretudo por quem trabalha com linguagem teatral. É uma aula.

Rebú. Até 30 de novembro, na Sede da Cia de Atores. Rua Manoel Carneiro, 10/12 – Lapa (Escadinha Selarón). Sábado, domingo e segunda às 20h. Ingressos R$20. Duração: 1h15.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Lua Nova


Ao contrário da maioria das pessoas, eu não achei Crepúsculo um filme ruim. Não de todo. Descontados os “defeitos” especiais vergonhosos e a sem-gracice de Kristen Stewart, até que o filme dava para o gasto. Dentro do padrão de um filme para adolescentes, é claro. E, lembrando que a franquia Harry Potter só deslanchou mesmo a partir do terceiro filme, eu esperava sinceramente um upgrade da chamada saga Crepúsculo a partir deste Lua Nova. Catherine Hardwicke substituída na direção por Chris Weitz, inclusão de Michael Sheen e Dakota Fanning no elenco... tudo indicava uma melhora geral. Então como Lua Nova consegue ser pior do que Crepúsculo?

É até complicado apontar o que deu errado, já que, como adaptação, o filme não se desvia muito de nenhuma das situações apresentadas no livro. Os efeitos visuais, de um modo geral, deram uma melhorada – com exceção dos lobisomens, que parecem excessivamente fakes. A maquiagem continua estranha e ainda mais prejudicada por alguns erros de continuidade. A pressa de fazer um novo filme em menos de um ano (Crepúsculo estreou em dezembro do ano passado) e o orçamento apertado (US$ 50 milhões, muito pouco para um blockbuster) certamente contribuíram para esse resultado insatisfatório, mas o público não tem nada a ver com essas questões executivas. Pior: fica-se com a sensação de uma produção feita única e exclusivamente para ludibriar a platéia e encher os cofres.

O saldo final é um filme sem carisma, com ritmo arrastado e uma concepção estética que beira a cafonice, a despeito da beleza da fotografia. Talvez seja uma questão de olhar, de abordagem mesmo. Também é estranho como algumas situações são jogadas na tela sem um mínimo de sutileza, defeito que fica mais gritante na parte final, quando os personagens se encontram com o clã dos Volturi. A partir do momento em que Alice vai à casa de Bella, o roteiro pula de uma cena a outra sem transição e uma trama que vinha se arrastando com toda lentidão se acelera de repente, como alguém tivesse avisado ao diretor que estavam no último rolo de filme e que ele tinha que terminar rapidinho.


Chris Weitz entrega um filme superficial e açucarado, repleto de cenas longas e situações repetitivas, o que só fica mais enjoativo em consonância com a eterna cara de paisagem de Kristen Stewart. Bella feliz, Bella sofrendo... e Kristen com a mesma expressão. Robert Pattinson é mais consistente como Edward, mas neste filme fica menos tempo em cena; Taylor Lautner, o Jacob, é apenas correto. Ashley Greene injeta vida nas cenas em que aparece como Alice, a mais receptiva da família vampiresca de Edward. O restante da família Cullen, assim como os colegas de escola de Bella, são inexpressivos de dar dó. E o que dizer das participações pífias e constrangedoras de Michael Sheen e Dakota Fanning?

Se vai fazer sucesso? Claro que sim. Vai lotar os cinemas e ficar meses em cartaz. Filmes assim já são sucesso anunciado, independente da qualidade dos mesmos. Mas isso não é desculpa pra entregar qualquer coisa aos espectadores. Os leitores da série mereciam um produto melhor.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O Amor Pede Passagem


Há oito anos, Jennifer Aniston era uma das mulheres mais invejadas do mundo. Não apenas era a estrela de um dos seriados mais vistos e comentados de todos os tempos – Friends – como tinha acabado de se casar com um dos solteiros mais cobiçados de Hollywood – Brad Pitt. Paralelamente às 10 temporadas de Friends, Jennifer ainda vinha engatando uma carreira promissora no cinema e tinha feito um par de filmes interessantes como A Razão do Meu Afeto e Por um Sentido na Vida. Mas o destino foi cruel com a moça. Friends acabou, Brad a deixou por Angelina e, como se não fosse o suficiente, sua carreira na sétima arte nunca decolou pra valer. Mas, neste último quesito, a culpa é da atriz, que parece estar sempre interpretando a Rachel de Friends. É bem verdade que ela ainda é a integrante do seriado que vem se saindo melhor, mas isso não chega a ser um grande consolo.

Neste O Amor Pede Passagem (título em português pouco criativo para Management), Jennifer divide a tela com Steve Zahn, um ator que trabalha em muitos filmes, mas tem pouca coisa na filmografia digna de nota. Portanto, é meio difícil não pensar nesse longa como um encontro de atores que não deram certo. Mesmo porque Jennifer e Steve tem química zero e não convencem como casal em nenhum momento do longa. No filme, ela é Sue, uma marchand de segundo escalão (compra quadros para decorar escritórios e não obras de arte), e ele é Mike, gerente do hotel dos pais e tão desesperado para arrumar uma garota que tenta cantadas baratas com as hóspedes atraentes. Sue, de passagem e entediada, transa com Mike por piedade (ou assim parece). Ele entra numa de psicopata-gente-boa e passa a persegui-la porque está convencido de que ela é a mulher da sua vida. Junte-se a isso um ex-namorado rico e idiota e um novo amigo “sem noção” para Mike e está pronto o recheio do bolo.

O filme oscila entre o previsível e o inverossímil, ou seja, toda vez que tenta escapulir da cartilha inevitável do conto de fadas ao estilo a dama e o vagabundo, cai no absurdo, tentando fazer graça a partir de situações que não encontram nenhum eco na realidade. Um exemplo disso é a fase monge budista do personagem, que não tem a mínima graça justamente por ser tão absurda e deslocada. Os personagens são rasos, sem consistência, interpretados de modo automático pelos atores. A direção do estreante Stephen Belber não diz a que veio, não imprime nenhum tipo de estilo ou marca ao longa. O resultado final é mais do mesmo, um filme sem personalidade, apático, e muito parecido com milhões de outros que são feitos na inesgotável linha de montagem hollywoodiana das comédias românticas. Para resumir em apenas uma palavra, desnecessário. Estreia amanhã.

sábado, 14 de novembro de 2009

Policial, Adjetivo


Christi é um jovem policial romeno que se ve em um dilema moral: ao investigar um adolescente que supostamente repassa haxixe para os amigos, percebe que o caso contem lacunas demais para que ele possa armar um flagrante sem que depois lhe pese a consciência. Christi questiona o porquê de seu informante denunciar o próprio amigo e também o fato de não haver nenhuma prova confiável de quem realmente fornece a droga. Também acha excessivo que seu país seja o único da Europa que ainda considera alguém que oferece drogas como traficante. Mas seu chefe não está nem aí para o fato de que possivelmente o rapaz ficará sete anos preso por uma bobagem e pressiona Christi a executar o flagrante e encerrar o caso o quanto antes.

Um bom final realmente redime um filme de todos os seus defeitos? Acredito que nem sempre, mas no caso do longa romeno Policial, Adjetivo a máxima é verdadeira. Não que se trate de um filme ruim no geral, mas a trama é incrivelmente arrastada até a sensacional sequência do desfecho. Embora parta de um argumento questionador e inteligente, o novo filme de Corneliu Porumboiu (A Leste de Bucareste) se desenvolve de forma claudicante e tem um ritmo (ou falta dele) muito cansativo. Está certo que talvez fosse intenção do diretor transmitir a rotina cheia de burocracia, procedimentos e repetições do policial Christi, mas isso não altera o fato de que em certas passagens os bocejos são incontroláveis. Mas aí vem uma sequência final realmente incrível e provocadora e você, espectador, se enche da mais pura e irrestrita admiração pelo filme. Mais: começa a achar que o miolo não foi tão lento assim, você é que deveria estar sem paciência. E assim, aos 45 do segundo tempo, um filme que você estava considerando apenas mediano vira um filmaço. E o título estranho não só faz sentido como ainda dá uma dimensão extra ao longa. Magia do cinema e genialidade de Porumboiu.

Para nós, fica ainda a curiosidade de ver o protagonista tomando uma Skol. Estreia na próxima sexta.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Aconteceu em Woodstock


O ano é 1969 e o jovem Elliot Tiber abandonou sua vida em Nova Iorque e seu sonho de tornar-se um pintor de sucesso para retornar à pequena White Lake para tentar ajudar os pais a administrar o motel da família, que está falido e prestes a ser confiscado pelo banco. Ao saber que um festival de rock que aconteceria numa cidade vizinha teve sua licença revogada, Elliot, que é membro do conselho municipal e tem uma autorização para promover eventos culturais, resolve tentar trazer o evento para sua propriedade e, dessa forma, arrecadar fundos para salvar os negócios da família. O que ele não podia imaginar é que o evento - o mítico Festival Woodstock – reuniria meio milhão de pessoas na pequena cidade e se transformaria numa celebração que definiria toda uma geração e influenciaria a cultura popular de forma definitiva.

Ao longo de três dias, cerca de meio milhão de pessoas viraria pelo avesso a rotina pacata de uma pequena cidade, em um acontecimento fadado a inscrever-se definitivamente na memória coletiva. Aconteceu em Woodstock remete a esse espírito, embora absolutamente nada do Festival em si seja mostrado na tela. Quem estiver esperando ver uma recriação das célebres apresentações de ícones como Jimi Hendrix ou Janis Joplin, pode esquecer. Baseado no romance Taking Woodstock: A True Story of a Riot, a Concert, and a Life, escrito por Tom Monte e pelo próprio Elliot Tiber, este novo trabalho de Ang Lee usa o acontecimento como pano de fundo e concentra-se nos personagens que fizeram o evento acontecer, e em especial na perspectiva de Elliot.

Embora o Festival paire sobre o filme, não é a música que interessa a Lee e sim o ritual de autodescoberta e conquista da liberdade pelo qual passa o protagonista, um rapaz de origem judaica com homossexualidade reprimida e uma extrema dificuldade em tomar as rédeas de sua própria vida. O modo como a trama aborda Elliot faz com que o filme lembre um pouco outra produção sobre música ambientada quase na mesma época, Quase Famosos. Só que o caso de Elliot é muito mais um momento de virada do que um rito de amadurecimento. Ele precisa desesperadamente de algo que o impulsione a mudar de rumo, e por isso o encontro com o estilo hippie, o desbunde, as drogas, enfim, toda a cultura do “paz e amor” causa um choque e sede de liberdade tão intensos.


Para o papel de Elliot Tiber, Ang Lee apostou no desconhecido Demetri Martin, que, aliás, tem uma ficha mais extensa como autor de televisão do que como ator. Boa escolha. Martin não apenas dá conta do recado como o fato de ser um rosto desconhecido confere um quê maior de realismo ao longa. Claro que para compensar o salto no escuro, foram escalados atores tarimbados como os britânicos Imelda Staunton e Henry Goodman – ambos arrasam como os pais de Elliot. Destaque também para o ex-militar transexual vivido por Liev Schreiber e as participações de astros em ascensão como Paul Dano, Jeffrey Dean Morgan e Emile Hirsch. Este último, aliás, é responsável por uma das melhores falas do filme. Seu personagem é um soldado recém-chegado do Vietnã com dificuldades de readaptação, e diz que gostaria de voltar para lá com o seguinte argumento: “Lá eu sou normal”. Uma curiosidade: Emile Hirsch cabeludo e fazendo cara de doido parece uma versão magra do Jack Black.

Com este ótimo e bem dirigido filme, Ang Lee prova mais uma vez sua versatilidade e competência como diretor. Depois do altamente estilizado e oriental Desejo e Perigo, o cineasta volta seus olhos para a geração americana que viveu a era da contracultura, dos protestos e do Vietnã e realiza um filme vibrante e pleno de afetividade sobre o espírito que norteou Woodstock... sem mostrar o Festival de Woodstock. 

Elementar?


O trailer do esperado Sherlock Holmes de Guy Ritchie já está dividindo opiniões entre os cinéfilos. Famoso por seus filmes com personagens do submundo londrino, Ritchie parece ter imprimido sua pegada marginal a um personagem que a maioria das pessoas imagina como um senhor muito sério fumador de cachimbo. E o que se pode ver no trailer oficial é que o Holmes de Robert Downey Jr. exercita bem não apenas as células cinzentas, mas também os músculos e a libido. Embora continue fumando seu cachimbo. E também podem esquecer o Watson bonachão e de óculos que ficou cristalizado no imaginário popular, já que neste longa o fiel assistente de Sherlock Holmes ganha os olhos azuis de Jude Law.

A princípio não tenho absolutamente nada contra desconstruir a imagem de um personagem tradicional, mas é preciso tomar cuidado para que ele não acabe perdendo a essência, o charme original - como vem acontecendo com o James Bond de Daniel Craig.

Enquanto Sherlock Holmes, que tem previsão de estreia apenas para 08 de janeiro de 2010, não chega, confiram o trailer:


segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Tokyo!


Filme em três episódios, cada um dirigido por um cineasta diferente. Design de Interiores, de Michel Gondry, acompanha um jovem casal que se muda para Tóquio e tem diversas dificuldades de adaptação, desde encontrar um lugar para viver até uma bizarra transformação no corpo da garota. Merda, de Leos Carax, é sobre um misterioso terrorista surgido dos esgotos que apavora os habitantes de Tóquio, até ser preso e passar a protagonizar um polêmico julgamento. Sacudindo Tóquio, de Bong Joon Ho, conta a história de um jovem que não sai de seu apartamento há mais de dez anos, até o dia em que se encanta com uma entregadora de pizza que desmaia em sua porta.


Os episódios não tem nenhum tipo de interseção entre si, tendo como fatores em comum apenas o fato de serem ambientados em Tóquio e também um certo padrão de bizarrice inerente a todas as tramas. Design de Interiores combina com competência a efervescência urbana da metrópole mais colorida do mundo a acontecimentos surreais que só poderiam sair da mente louca de Gondry. Merda, mesmo sendo o episódio mais fraco dos três, também tem vários aspectos interessantes, em especial a própria figura do Sr Merda, com suas unhas enormes e idioma incompreensível. Mas é certo que a última história é, de longe, a mais bacana, ao elevar à potência máxima as neuroses da vida moderna e, ao mesmo tempo, manter uma atmosfera romântica. É muito fofinho o esforço que o rapaz com síndrome de pânico faz para tentar encontrar a garota por quem se apaixonou. Mais do que o amor, ele busca uma tábua de salvação para sua vida.

O que podemos concluir sobre essas três fábulas amargas é que, de modos diversos, todas tentam expressar a loucura, falta de sentido e amortecimento de sentimentos que podem levar o ser humano a ser transformar em um novo tipo de animal, seja ele um utensílio, um monstro dos esgotos ou um eremita. Mas, de todo modo, uma versão mais selvagem e primitiva do que costumávamos ser.



quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O Solista


O britânico Joe Wright, diretor de filmes bacanas como Orgulho e Preconceito e Desejo e Reparação, tem uma pegada extremamente competente quando se trata de adaptar romances de época para a telona. Wright sabe discernir muito bem a delicada fronteira que separa cinema de literatura e bebe na obra de autores clássicos como Ian McEwan e Jane Austen sem que seus filmes fiquem arrastados ou excessivamente narrados, ou seja, com cara de livro filmado. Não deixa de ser irônico, portanto, que alguém que dribla com tanta desenvoltura as armadilhas do romance vitoriano fracasse tão tolamente em um filme contemporâneo.

O Solista, baseado no livro homônimo de Steve Lopez, relata a inusitada amizade que se desenvolve entre o jornalista Lopez e o sem-teto Nathaniel Ayers. Logo no princípio do filme, vemos que Steve é um cara que dá muita atenção à sua coluna de jornal e pouquíssima às pessoas. Sempre em busca de um assunto interessante para explorar, ele se depara com Nathaniel, talentoso músico que vive nas ruas e é obcecado por Beethoven. Steve descobre que Nathaniel é esquizofrênico e foi aluno da renomada Juilliard School antes de ter um colapso no segundo ano e abandonar tudo. A amizade entre os dois homens vai ganhando contornos de dependência conforme Nathaniel faz de Steve seu único arrimo.

O Solista é um filme que, a despeito de suas constantes tentativas de emocionar, não consegue capturar a cumplicidade do espectador. Talvez por se manter sempre dentro do estritamente previsível. Quantas vezes já vimos um filme assim, sobre um cara egoísta que se torna uma pessoa melhor graças ao envolvimento com um personagem, de alguma forma, outsider? Rain Main é a comparação mais óbvia, ainda que O Solista fique muito aquém em termos de qualidade. Sem contar que o filme sobrecarrega muitas cenas com uma dose de pieguice desnecessária. Um exemplo disso é quando Steve leva Nathaniel a um recital e fica maravilhado com a reação visceral deste à música. Numa clara alusão ao clássico Fantasia, a tela se enche de explosões de cores, para ilustrar como o personagem “vê” os sons. Além do didatismo irritante, a cena ainda é excessivamente alongada.

Os dois protagonistas estão bem em cena, sendo a performance de Robert Downey Jr. superior à de Jamie Foxx. O que não pega muito bem para Foxx, já que o seu personagem é claramente caracterizado de forma mais simpática. O problema é que o ator exagera em alguns surtos de loucura, o que faz com que por vezes Nathaniel ganhe um ar caricatural, enquanto Downey Jr. mantém-se sempre mais coerente.

No todo, fica a decepção de um produto final muito fraco em relação a seu potencial. Um filme engessado, burocrático, pobre de rimas e fora do ritmo. Totalmente contrário à centelha criativa que se espera de um belo solo. Estreia amanhã.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Dica para o fim de semana


Outra estreia desta sexta é o fofíssimo 500 Dias com Ela, já comentado aqui no A&S durante o Festival do Rio. Clique no link abaixo para ler os comentários sobre o filme:

http://artesesubversao.blogspot.com/2009/09/500-dias-com-ela.html

Fama


O que torna um filme clássico geralmente vai além de seus méritos puramente cinematográficos: alguns derrubam preconceitos, outros apresentam um novo estilo de fazer cinema, outros trazem atuações inesquecíveis. Existem, ainda, aqueles que sobrevivem na memória coletiva por terem, de alguma forma, se tornado icônicos para uma geração. Quem era criança ou adolescente na década de 80 certamente tem um carinho especial por filmes como Os Goonies, Caçadores de Arca Perdida e De Volta para o Futuro – ou até mesmo fitas mais toscas, como Procura-se Susan Desesperadamente ou Rambo. Por isso pessoas de gerações diferentes às vezes não entendem muito bem os filmes de coração umas das outras, já que não os assistiram dentro do mesmo contexto.

Fama, filme realizado em 1980 por Alan Parker, foi um sucesso tão estrondoso que chegou a gerar uma série de TV. A música-tema Fame (aquela do I'm gonna live forever, I'm gonna learn how to fly) ganhou um Oscar e um Globo de Ouro e até hoje faz a alegria dos nostálgicos nas pistas de dança. A trama, simplérrima, acompanhava o dia-a-dia de um grupo de alunos da New York High School of Performing Arts, da primeira audição à formatura. Entremeando os números musicais, amores, decepções, esperanças, inseguranças e, sobretudo, o desejo de superar as próprias limitações e alcançar o estrelato. Com uma trilha sonora vibrante e uma pegada romântica, o filme fez a cabeça de toda uma geração. E agora resolveram fazer um remake dele. Uma ideia que, de cara, já não parece boa.

Para começo de conversa, existe algo de muito errado em um musical quando o espectador só sente a característica vontade de cantar, dançar ou apenas bater os pés no chão ao ritmo da música durante os créditos finais. E, mesmo assim, a empolgação é mais por finalmente matar as saudades da canção Fame do que por qualquer mérito deste filme em si. Fama, para um musical, tem poucos números musicais e nenhum que chegue a empolgar. Isso não seria um problema se a parte dramatúrgica suprisse essa lacuna, mas não é o que acontece. O filme acaba sendo um enfileirado de cenas mornas e conflitos bobos que pouco ou nada evoluem até a grande sequência da apresentação de formatura. Ou seja, o filme só começa a ganhar gás quando está para acabar.

O roteiro é frouxo e comete elipses inexplicáveis no relacionamento entre os personagens secundários, que viram amigos sem que se perceba quando aconteceu a aproximação. O exemplo mais gritante disso é o romance entre Alice e Victor: em uma cena eles ainda nem se falam; em outra, estão juntos diante dos olhares atônitos dos pais da moça e do espectador. Mesmo os personagens centrais são pessimamente delineados. De Marco apenas se sabe que sua família possui um restaurante; de Jenny, que é obcecada em ser boa aluna; somente a história da pianista Denise possui um pouco mais de consistência.


O elenco, como um todo, é insosso, com exceção dos simpáticos Asher Book (Marco) e Naturi Naughton (Denise). Ambos tem boa presença e boas vozes, mas não conseguem levar nas costas o filme inteiro, mesmo porque o roteiro dá um peso desproporcional à apática Jenny de Kay Panabaker. Já Megan Mullally – a Karen de Will & Grace – não podia estar mais caricata como a professora Rowan. Uma cena especialmente esquisita é quando ela vai a um karaokê com os alunos e se esgoela ao microfone enquanto os pupilos acham sua performance sensacional. Para os meus pobres ouvidos leigos, a professora não me pareceu nada afinada... Mas sei lá. Vai ver eu que não entendo nada de música.

O diretor Kevin Tancharoen faz sua estréia na telona com este filme. Seus créditos anteriores são todos relacionados à televisão, incluindo uma série musical feita para a MTV. Podemos dizer que o rapaz começou com o pé errado na sétima arte. Vamos apenas esperar para que esse Fama seja um fenômeno isolado e que não prenuncie novas versões de Flashdance ou Dirty Dancing. Estreia nesta sexta.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Vigaristas


O pessoal que trabalha em áreas ligadas ao cinema geralmente desconfia quando um filme fica muito tempo rodando nas listas de “próximos lançamentos” e nunca estreia. Desconfia mais ainda quando o tal filme tem à frente do elenco três atores famosos, dois deles vencedores do Oscar. Pressupõe-se que um filme com grandes astros que fica engavetado só pode ser uma bomba. Era o que eu pensava de Vigaristas, impressão reforçada pela sinopse parecer um somatório de milhões de outras histórias que já vimos antes sobre uma dupla de estelionatários charmosos e inteligentes. Mas não é que o filme tem mais a oferecer do que parece?

Desde muito pequenos, os irmãos Stephen e Bloom tiveram que se virar e contar apenas um com o outro. Órfãos, passaram por muitas famílias adotivas e foram devolvidos por todas. Stephen, desde criança, sempre criou mirabolantes e intrincados esquemas para tirar vantagem das pessoas. Bloom nunca teve alternativa senão segui-lo, e os dois passaram a vida desempenhando os papéis que Stephen criou para cada um deles, a cada nova falcatrua. Stephen não se limita a enganar as pessoas, ele acredita que para que um golpe seja realmente perfeito, cada um tem que conseguir o que deseja. Eles, vantagens financeiras; o ludibriado, uma aventura inesquecível. Só há um porém nesta teoria: Bloom ainda não conseguiu o que mais deseja, que é ter uma vida que não tenha sido escrita pelo irmão. Mas ele aceita tomar parte em um último embuste e se dispõe a seduzir Penelope, uma moça solitária, entediada... e muito rica.


Na superfície, realmente Vigaristas é mais do mesmo. Estão em cena todos os elementos de filmes do gênero, tais como a dupla formada por um espertinho e expansivo em contraponto com o outro mais pacato e questionador, que entra em conflito com o comparsa por estar cansado daquela vida; a mocinha espirituosa que joga lenha na fogueira da dupla, e invariavelmente se interessa pelo herói romântico; as tramóias bem urdidas; os cenários exóticos; o desafeto antigo que vem complicar a vida dos protagonistas; as muitas idas, vindas e reviravoltas. A diferença é que neste filme, devido a seu caráter ultrametalinguístico, todos os lugares-comuns se tornam referências a um tipo de trama que encontra ecos desde em clássicos como Golpe de Mestre até referências mais recentes como Os Safados e o quase homônimo Os Vigaristas.

O diretor e roteirista Rian Johnson constrói a sua trama em torno de uma celebração ao ato de contar histórias. Stephen não apenas roteiriza seus golpes, mas também cria personagens, identidades, clímax, enfim, todo um mundo imaginado que remete ao próprio universo do cinema como fábrica de sonhos. O único problema é que o roteiro acaba ficando refém de sua própria estrutura Sherazzade. Stephen se dispõe a escrever a história perfeita, definitiva, criando um mecanismo de trama dentro da trama que por vezes acaba por engessar um pouco o filme como um todo. Por outro lado, ao utilizar-se desse artifício, ele também cria um dispositivo de proteção que faz com que qualquer exagero ou incoerência na história possa ser facilmente perdoado.

Outro fator que faz toda a diferença é o brilho e carisma do elenco. Adrien Brody, ótimo ator, está perfeito como o anti-herói trágico arrastado a contragosto para uma vida de crimes; Rachel Weisz, sempre um encanto em cena, dá perspicácia e inteligência a uma personagem que poderia parecer tola se interpretada de modo pouco habilidoso. E Rinko Kikuchi é simplesmente um barato no papel da perita em explosivos Bang-Bang, que faz graça praticamente sem abrir a boca. Mas a grande atração é o charme que Mark Ruffalo empresta ao inteligentíssimo e criativo Stephen Bloom. Ruffalo tem se mostrado um ator muito surpreendente nos últimos anos. Já seu personagem poderia ter feito fortuna como roteirista em Hollywood, caso não tivesse dedicado sua imaginação a fins menos nobres.


Por fim, uma dúvida paira no ar: se eles são, conforme o título original, os irmãos Bloom, qual é o primeiro nome do Bloom de Adrien Brody?

Estreia sexta.