terça-feira, 30 de setembro de 2008

A Duquesa


Filme baseado na biografia de Georgiana Spencer, Duquesa de Devonshire (e ancestral de Lady Di), que casou-se no fim do século XVIII com o riquíssimo Duque de Devonshire. Jovem, bonita e carismática, Georgiana era uma figura de grande influência popular, ao contrário de seu taciturno marido. Na vida privada, sofria a intensa pressão para gerar um herdeiro – único interesse real do Duque por ela – e vivia um amor proibido com um político de esquerda.

Conforme já citado no texto sobre Na Mira do Chefe, filmes como A Duquesa representam o que há de mais tradicional no cinema britânico. Filmes de época, inspirados nos amores e desventuras entre nobres e/ou plebeus que culminam em grandes tragédias ou grandes renúncias. A cartilha reza por fotografia deslumbrante, cenários idem, figurinos riquíssimos, música grandiloqüente e um certo overacting por parte do elenco como um todo. Tudo muito bonito e dramático. E, na maioria das vezes, chato.

A Duquesa não é dos piores, mas tampouco apresenta algum brilho especial. É um filme sem surpresas, em que o espectador sabe exatamente o que está levando. Keira Knightley está se especializando em papéis do gênero, e anda se dando bem em premiações por conta disso – o que eu sempre achei um exagero. Neste filme, ela parece ter perdido o ar de menina coquete e, pelo menos, demonstra um pouco mais de maturidade por baixo dos penteados estilo Maria Antonieta. Ralph Fiennes e Charlotte Rampling estão bem em seus papéis, mas esses são competentes sem esforço mesmo.

No mais, é um filme apenas correto para quem aprecia romances de época. O que não combina muito com o discurso exaltado dos apoiadores britânicos do Festival antes da sessão em que eu o assisti. Um deles disse que o filme é “provocador” (nota-se uma certa intenção nesse sentido, mas nada que chegue a ser ousado). Outro, que ele é o atual campeão de bilheteria na Inglaterra. Enfim... Talvez os ingleses ainda sejam mais adeptos da velha escola cinematográfica.

A Duquesa (The Duchess), de Saul Dibb. Com Keira Knightley, Ralph Fiennes, Charlotte Rampling, Dominic Cooper, Hayley Atwell. Reino Unido, 2008. 109min.

Mostra Foco UK

Nota: 5,5

Na Mira do Chefe


Os matadores de aluguel Ray e Ken são mandados pelo chefão Harry para passar uns dias em Bruges, cidadezinha turística da Bélgica, depois que Ray faz uma grande besteira logo em seu primeiro “serviço”. Enquanto Ken parece adorar a idéia de tirar umas férias, Ray está impaciente e reclama de tudo e todos, ansioso pelo telefonema que os chamará de volta a Londres. Ken também acredita que deve haver algum outro motivo para os dois terem sido enviados para lá.

Confesso que o filme entrou na minha grade como “tapa-buraco” e ainda me causou uma certa desconfiança ver o nome de Colin Farrell liderando os créditos. Mas meus temores se mostraram infundados: o anárquico In Bruges (no original) é bom divertimento apesar da canastrice do irlandês. Bem coadjuvado por Brendan Gleeson e ainda tendo o luxo de contar com a participação de Ralph Fiennes, Farrell até que não faz feio. Seu personagem é uma verdadeira roleta-russa: mau-humorado, encrenqueiro e politicamente incorreto, daqueles que tiram sarro de anão e puxam briga com turistas obesos.

Assim como o outro filme inglês visto hoje, A Duquesa (por coincidência, os dois têm Ralph Fiennes no elenco), Na Mira do Chefe é um típico representante do cinema inglês. Mas de uma maneira inversa. Enquanto A Duquesa simboliza a tradição clássica (e meio enfadonha) celebrizada por cineastas como James Ivory, Na Mira do Chefe é o retrato de uma outra vertente de cinema britânico, mais ágil e moderno, que conta histórias de malandros charmosos e suas confusões através de um roteiro com muita ação, piadas inteligentes e boa dose de humor negro – o estilo que fez a fama de Guy Ritchie.

Este é o primeiro longa do diretor Martin McDonagh. Antes disso, ele fez apenas um curta... e ganhou um Oscar com ele (Six Shooter, Oscar de melhor curta em 2006). Vamos ficar de olho nos próximos trabalhos do cara.

Na Mira do Chefe (In Bruges), de Martin McDonagh. Com Colin Farrell, Brendan Gleeson, Ralph Fiennes, Clémence Poésy, Jérémie Rénier. Reino Unido / Bélgica, 2008. 107min.

Mostra Foco UK

Nota: 7,0

A Arte do Roteiro segundo Jorge Durán


Chileno radicado no Brasil desde a década de 70, Jorge Durán já escreveu roteiros para mais de vinte filmes, dentre eles o elogiado Pixote – A Lei do Mais Fraco. Como diretor, foi responsável pelo premiado A Cor do Seu Destino e, mais recentemente, Proibido Proibir. Durán também ministra aulas de roteiro e é um dos mais respeitados professores da matéria.

Como você se envolveu com o cinema? Em que momento decidiu ser roteirista?

A minha avó era cinéfila. Não no sentido de frequentar cinemateca, mas de todo sábado ver um filme; no domingo, dois. Eu comecei a ir ao cinema aos doze anos e logo, para ver um filme, fazia qualquer sacrifício. Faltava ao colégio, lá em casa era uma briga permanente. Depois me interessei por teatro e entrei para a Universidade do Chile, mas não acabei o curso de direção. Em 1969 eu fui para a Europa e conheci um diretor de cinema, que me convidou para trabalhar como seu assistente. Eu nunca tinha feito cinema, mas me integrei a esse filme e não saí disso até hoje. Depois voltei ao Chile e fiz muita assistência de direção, direção de arte e escrevi meu primeiro roteiro de longa-metragem. Mas então em 1973 teve a questão política, eu vim para o Brasil e assim comecei no cinema brasileiro. O Hector Babenco me convidou para escrever um roteiro e então eu fui escrevendo um atrás do outro. Também já dei oficinas de roteiro pelo mundo afora e dou aulas na Universidade Gama Filho há dez anos.

E quais seriam as principais dificuldades para quem tenta escrever seu primeiro roteiro?

Uma dificuldade que nem sempre é percebida seria que a juventude lê muito pouco. Vê pouco cinema e até escreve muito, mas só na internet, então acaba tendo pouca intimidade com a palavra escrita. Quando alguém lê um roteiro, essa pessoa tem que “ver” o filme na imaginação, é um jogo complicado de fazer. Outro problema é que, como hoje em dia é fácil conseguir uma câmera digital – até mesmo com celular se faz um filme –, isso leva o jovem a pensar que um filme se faz assim, juntando dois amigos e pronto. O cinema, em geral, se sustenta em cima de um roteiro, não basta sair com a câmera e captar algumas imagens para ter um filme. Na primeira vez, é engraçado; na segunda, parece que ficou mais ou menos; só na terceira a pessoa vai perceber que tem algum problema e procurar um curso de cinema ou uma oficina de roteiro.

Qual a importância de uma oficina de roteiro?

Na verdade, você não aprende a escrever. Você desenvolve um talento. Tem gente que formula muito bem suas idéias, mas quando senta para escrever um roteiro não consegue. Por isso existe a profissão. Os diretores quase sempre sabem muito bem o que querem passar e então procuram um parceiro que não só ajuda a formular as idéias como também as enriquece. É um trabalho que ocupa seis, sete horas diárias de trabalho por muitos meses e requer muita paciência.  

De maneira genérica, adaptar é mais difícil do que escrever um roteiro original?

Muitas vezes sim, porque dentro de um romance existem inúmeras tramas e na hora de adaptar é preciso tirar um pedacinho e saber o que aproveitar sem que, com isso, o livro se descaracterize ou os personagens passem a ser outra coisa. É preciso manter o espírito de um livro que pode ter 400 páginas em 80 ou 90 páginas de roteiro.

O mais difícil, então, seria saber o que cortar?

Mesmo quando escreve um roteiro original, você faz algo que se chama recorte. Você não pode falar de tudo em um filme. Você fala de um tema, uma trama, um conflito. E você sempre tem que escolher, não tem como colocar todas as suas idéias. Portanto, você centra em uma idéia principal e duas ou três idéias secundárias que configuram a história que você quer contar.

Esse ano os roteiristas de Hollywood deram uma demonstração de poder com a greve. E no Brasil, como é a valorização profissional do roteirista?

Aqui não temos esse poder todo. Ainda. Em Hollywood, esse poder nasce da necessidade de uma indústria onde a demanda de texto é permanente. É como em uma fábrica, e o roteiro é o motor de tudo. No Brasil, eu diria que é uma profissão que a cada dia cresce mais.

Tem um sindicato de roteiristas aqui no Brasil?

Sindicato não, mas tem a Associação de Autores de Cinema.

De qual roteiro você mais e se orgulha? Por quê?

O roteiro que eu escrevi e foi mais elogiado em todo o mundo foi Pixote. Ele serviu de inspiração para muito cineasta, não só no Brasil. E eu considero que o filme tem um roteiro muito bem escrito. Mas também tenho muito carinho por um roteiro que escrevi no Chile chamado Mi Ultimo Hombre. É um filme menor, mas que foi muito empolgante para mim como autor.

E nessa parceria com o Babenco, tem uma afinidade extra por vocês dois serem estrangeiros?

Quando eu comecei a escrever roteiro no Brasil, o Babenco não se importava do meu português não ser tão clássico nem estiloso. O que ele queria era uma trama boa, diálogos bons e pronto. Ele queria uma estrutura, uma história bem contada, cenas boas. Se estava escrito meio em “portunhol”, não tinha importância. Mesmo porque o roteiro é uma peça para ser filmada e não lida.

Por fim, quais são os teus próximos projetos?

Esse ano vou dirigir um novo filme, chamado Não se Pode Viver sem Amor. Também estou escrevendo um roteiro, mas sobre esse ainda não posso dar muitas informações. Só posso dizer que é uma experiência diferente, por ser baseado em pessoas que estão vivas. Então é uma situação complexa, escrever sobre personagens com os quais você conversou. É preciso muita ética, não posso sair escrevendo qualquer coisa. Inclusive eu estava decidido a me concentrar apenas no filme que vou dirigir, mas fiquei com muita vontade de escrever esse roteiro. Fora isso, tem um outro roteiro meu que pretendo rodar no próximo ano chamado Romance Policial.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O Bom, o Mau, o Bizarro


Interessantíssimo e criativo western oriental, inspirado no clássico de Sergio Leone Três Homens em Conflito (no original, O Bom, o Mau e o Feio). No lugar do Velho Oeste, a história é transferida para a Manchúria dos anos 30. Três malfeitores se encontram em um trem: Tae-goo (o bizarro), ladrão atrapalhado que rouba por acaso um valioso mapa; Chang-yi (o mau), assassino de aluguel enviado para se apossar desse mesmo mapa; e Do-won (o bom), pistoleiro talentoso que quer eliminar Chang-yi por considerá-lo um homem perverso. Exibido em Cannes 2008, fora de competição.

Por incrível que pareça, O Bom, o Mau, o Bizarro não se limita a ser uma brincadeira engraçadinha com o estilo western spaghetti. É, de fato, um western. E dos mais bem-feitos. Todos os elementos estão lá: a fotografia amarelada, os característicos homens mal-encarados, as paisagens áridas, os tiroteios alucinantes, a montagem ritmada. Passado o choque inicial de ver rostos orientais vestidos de caubóis e sacando seus revólveres empoeirados, o espectador logo percebe estar diante de um legítimo filme do gênero e que não fica nada a dever a seus similares americanos.

O longa não é exatamente uma refilmagem de Três Homens em Conflito, ainda que tenha muitas cenas bastante parecidas – como o assalto ao trem e toda a seqüência final. Percebe-se que as referências não vêm apenas desse único filme e sim de todo o universo de Leone: a música chupada do maestro Ennio Morricone, o ritmo épico, os figurinos. Inesquecível a emblemática imagem de Do-Won de costas usando um casacão comprido, numa reconstituição exata do cartaz de Era Uma Vez no Oeste. Por outro lado, toda essa fidelidade ao estilo não impede que o diretor Kim Jee-Woon insira algumas pitadas contemporâneas – um bom exemplo disso é o visual “emo” do Mau.

O mais surpreendente e certamente um dos melhores filmes deste Festival.

O Bom, o Mau, o Bizarro (The Good, The Bad, The Weird), de Kim Jee-Woon. Com Jung Woo-sung, Lee Byung-hun, Song Kang-ho. Coréia do Sul, 2008. 120min.

Mostra Midnight Movies

Nota: 8,5

Valentino – O Último Imperador


Documentário sobre o estilista italiano, rodado por ocasião da comemoração de seus 45 anos de carreira e posterior despedida das passarelas. A câmera acompanha o dia-a-dia de Valentino e de seu sócio e amante Giancarlo Giammetti, desde a preparação de um desfile até questões de ordem administrativa de sua maison. Exibido no Festival de Veneza 2008.

Tirando uma ou outra cena, trata-se de um documentário de interesse maior para estudantes de moda. Acredito que ver o grande estilista em momentos de criação deve ser ouro puro para quem tem algum interesse profissional sobre o assunto. Mas para os outros mortais não sobra muita coisa. O diretor não tenta dar nenhum rumo específico ao longa, apenas segue a rotina de Valentino, num estilo de filme reverencial que caberia melhor numa reportagem televisiva do que em um longa-metragem. Restam algumas curiosidades sobre o modo de trabalhar do estilista (ele era o último de uma escola que confeccionava à mão as peças, daí o subtítulo) e, principalmente, sobre sua personalidade explosiva. Não por acaso, a melhor cena é justamente a que mostra ele passando um sabão no documentarista por estar gravando numa hora imprópria.

Claro que o filme deve agradar também aos que curtem o mundo do glamour e dos famosos, especialmente na seqüência da festa em sua homenagem, que conta com depoimentos e aparições de várias estrelas. Como cinema, é irrelevante.

Valentino – O Último Imperador (Valentino: The Last Emperor), de Matt Tyrnauer. EUA, 2008. 96min.

Mostra Expectativa

Nota: 4,0

domingo, 28 de setembro de 2008

Primeiras Impressões

Hoje finalmente parece que teremos um dia/noite sem chuva. Até agora, o fenômeno da natureza tem sido a maior constante deste Festival. Tem chovido todo dia, e às vezes o dia todo. Já estava incomodando até mesmo um ser adepto do friozinho como eu. Sem contar que ninguém aguenta mais me ver rondando pelas salas de cinema com aquele casaco preto - o único impermeável que eu tenho.

Com exceção do filme dos Coen e o da Madonna, não me deparei com muitas filas ou sessões lotadas. Até mesmo a Première Brasil, que costuma ser inflacionada por todos os amigos de cada um que trabalhou no filme, anda razoavelmente tranquila. Mas é certo que as sessões de Vicky Christina Barcelona (novo longa do mestre Woody) na próxima quinta estarão abarrotadas.

Quanto aos tradicionais atrasos e problemas ténicos, o que mais tem incomodado o público são as malfadadas legendas eletrônicas. Ou estão fora de sincronia, ou desaparecem. Ou então apresentam traduções bizarras como "meu apartamento está tão vizinho" para my apartment is so empty (!!!). O defeito mais animado, que acabou virando festa, ocorreu no filme da Madonna, quando a imagem sumiu da tela por mais de dez minutos antes que alguém tomasse uma providência. E os espectadores continuavam lendo as legendas debaixo da tela preta. Alguns comentaram que estava no estilo do filme.

Para aqueles que se ligam em ver gente famosa, a melhor pedida continua sendo dar uma passadinha à noite pelo Palácio 1, já que é lá que acontecem as sessões de gala dos filmes nacionais. Só nestes três primeiros dias, já andaram por lá o showman Michel Melamed, o diretor teatral Ivan Sugahara e os atores Daniel de Oliveira, Matheus Nachtergaele, Alessandra Negrini, Malu Mader, Maria Flor e Cleo Pires. Sem contar que esse deve ser o último ano que o Palácio integra o Festival, já que o cinema foi vendido. Vai deixar saudade essa sala tradicionalíssima. No Odeon também acontecem coisas bacanas como, por exemplo, a apresentação do Afro-Reggae que rolou antes da exibição do longa Pan-Cinema Permanente (Waly Salomão, assunto do filme, era padrinho do grupo). Um frio de rachar e o povo requebrando na Cinelândia, na porta do cinema. Esses momentos que fazem do Festival do Rio um acontecimento sui generis.

Dentre a galera da imprensa, algumas daquelas figuraças que a gente só vê uma vez por ano não deram o ar da graça esse ano. O pessoal reclamava, mas agora sentiu falta. No mais, teve a pessoa que deu a polêmica declaração de que o filme A Casa da Mãe Joana seria (na opinião dela, gente!) melhor que Ensaio sobre a Cegueira e Linha de Passe. E olha que eu nem sou tão fã assim de Ensaio...

E os filmes, né? Alguns justificaram a alta expectativa, como Queime Depois de Ler e Sujos e Sábios. Outros foram uma agradável surpresa, como O Bom, o Mau, o Bizarro. E alguns decepcionaram, como o Sinédoque, Nova Iorque do Kaufman. Normal, faz parte.

Aí embaixo tem fotos com o Andy Malafaia e a Geo Euzebio, colegas do CinePlayers que conheci no Festival passado e nesta edição de 2008 se tornaram grandes companheiros de sala escura. Valeu, crianças, a companhia de vocês está sendo show!!!

Sujos e Sábios


A.K., Holly e Juliette são três jovens que dividem um apartamento em Londres. O ucraniano A. K. tem várias filosofias sobre a vida e planeja se tornar um astro do rock, mas ganha a vida bancando a dominatrix para um homem casado. Holly é bailarina clássica, mas o desemprego a faz aceitar a sugestão de A. K. para ganhar dinheiro como stripper. Juliette trabalha em uma farmácia e rouba medicamentos porque planeja levá-los para a África quando for trabalhar com as crianças necessitadas.

Em sua estréia atrás das câmeras, Madonna usou de bom senso e simplicidade, realizando uma agradável e típica comédia moderninha inglesa. O ritmo, inclusive, lembra o dos filmes de seu marido, Guy Ritchie. A diferença está no tema, não há canos fumegantes aqui; talvez apenas um pouco de jogos e trapaças.

O resultado é um filme bastante agradável de assistir, tendo como grande destaque o interessante ator ucraniano Eugene Hütz – figuraça já vista antes em Uma Vida Iluminada – cujo personagem é responsável pelo tal conceito que dá título ao filme sobre ser preciso mergulhar na sujeira para alcançar a sabedoria. Mas, apesar de Eugene dominar o longa do começo ao fim, o grande destaque vai para uma cena envolvendo a imagem de Britney Spears e uma música da própria Madonna. Hilário.

Madonna sempre foi muito criticada em suas tentativas na frente das câmeras. Na maioria das vezes, com razão. Outras, nem tanto (ela não estava mal como Evita Perón, o filme de Alan Parker é que era ruim). De qualquer maneira, a material girl mostrou que tem auto-crítica e partiu para outra. E, a julgar por esse primeiro filme, podemos dizer que a loura tem futuro na direção.

Sujos e Sábios (Filth and Wisdom), de Madonna. Com Eugene Hütz, Holly Weston, Vicky McClure. Reino Unido, 2008. 81min.

Mostra Midnight Movies

Nota: 7,5

Chris & Don – Uma História de Amor


Documentário sobre o longo romance entre o escritor Christopher Isherwood e o pintor Don Bachardy, que tinha apenas 18 anos quando se apaixonou pelo intelectual de 49. Mesmo chocando a sociedade hollywoodiana dos anos 50, os dois assumiram publicamente o relacionamento e viveram juntos até a morte de Chris, em 1986. Isherwood é autor de Histórias de Berlim, livro que serviu de base para o musical Cabaret.

A história de Chris & Don seria bem mais interessante pela questão da quebra de convenções do que do ponto de vista romântico. O amor deles, além de chocar os conservadores por conta de ser uma relação homossexual, ainda tinha o tabu extra de envolver uma grande diferença de idade. O problema com o filme é que, uma vez estabelecidas essas bases, ele foca muito mais em problemas cotianos de uma relação do que no que esse casal libertário teria causado na sociedade de sua época. E aí fica um filme sobre a rotina doméstica, as briguinhas comuns a qualquer relacionamento, etc., intercalado por bonitas imagens dos trabalhos de Don e uma ou outra pincelada sobre a literatura de Chris. Enfim, passado o primeiro momento, o filme torna-se uma biografia que talvez não seja tão interessante para quem não conhece os artistas.

De original mesmo, tem a animação com o gatinho e o cavalo. Uma graça.

Chris & Don – Uma História de Amor (Chris & Don – A Love Story), de Tina Mascara e Guido Santi. EUA, 2007. 90min.

Mostra Mundo Gay

Nota: 5,0

sábado, 27 de setembro de 2008

Pan-Cinema Permanente


Documentário sobre o poeta baiano Waly Salomão, um homem acostumado a teatralizar a sua própria vida. O filme conta com depoimentos de Antonio Cícero, Caetano Veloso, Regina Casé e Susana de Morais, dentre outros. O diretor do longa, Carlos Nader, filmou episódios da vida de Waly por quase 15 anos.

Simpaticíssima homenagem a Waly Salomão. O documentário não tem um foco específico, é mais um mosaico das idéias, poemas e, sobretudo, da figura ímpar do próprio Waly. Dramático e extrovertido por natureza, o poeta transformava qualquer conversa banal em algo original como acontece, por exemplo, na cena em que ele discorre sobre a acidez de pepinos e azeitonas num café parisiense. O diretor Nader optou por não ficar inventando muito e deixou o show por conta deste curioso intelectual que muita gente conhecia mais de nome do que em pessoa. O filme tem como grande mérito esclarecer e eternizar um artista cuja personalidade exuberante transcende o próprio trabalho. O momento mais impagável, sem dúvida, é a entrevista que ele concedeu à TV síria quando esteve no país. Não dá pra esquecer a expressão perplexa do entrevistador enquanto Waly entoa “ó, abelha rainha, faz de mim...”.

Um atrativo extra nas sessões do filme é o curta que o antecede, o divertido Tira os Óculos e Recolhe o Homem. Nele, Jards Macalé e Moreira da Silva fazem uma teatralização surreal e bem kitsch do episódio que inspirou a música.

Pan-Cinema Permanente, de Carlos Nader. Brasil, 2008. 83min.

Mostra Première Brasil (Hors-Concours Longas Doc)

Nota: 7,0

Queime Depois de Ler


Ao ser demitido da CIA por causa de seu alcoolismo, Osborne Cox decide escrever um livro revelando segredos da agência. O CD acaba caindo nas mãos de Linda e Chad, dois funcionários de uma academia que acreditam ter algo muito valioso nas mãos. Como Linda só pensa em arrumar dinheiro para pagar as inúmeras cirurgias plásticas que sonha fazer, os dois resolvem chantagear Cox. No meio da confusão está o segurança Harry Pfarrer, conquistador inveterado que é amante de Linda e também da ex-mulher de Cox.

Comédia tresloucada, cheia de personagens histéricos e com atuações intencionalmente exageradas. Neste filme, os Coen não parecem ambicionar nenhum objetivo artístico mais elevado, apenas divertir o público. E é justamente por isso que o filme é tão sensacional. A trama movimentada apresenta uma situação hilária a cada minuto e dá a impressão de ser um grande sarro com filmes de espionagem no estilo A Identidade Bourne ou até mesmo com o filme anterior deles, o premiado Onde os Fracos Não Têm Vez. Mais uma vez, temos vários personagens correndo atrás de determinada coisa. Só que agora, ao invés de uma concreta mala cheia de dinheiro, o objeto em questão é um CD que não tem absolutamente nenhum valor. Parece até um dos famosos “McGuffin” utilizados pelo mestre Hitchcock (objeto que alavanca a trama, mas não tem nenhuma importância real).

Com seu habitual talento para criar tipos bizarros, os Coen apresentam pérolas como a mulher tão obcecada com a perfeição física que fará de tudo para obter o dinheiro para se “reinventar”, como ela mesma define; ou o segurança que tira onda de machão, mas se comporta como uma dona-de-casa lacrimosa quando as pessoas dizem o que ele não quer ouvir. Também a quantidade de temas – além da trama de pseudo-espionagem, é claro – é farta, de namoros virtuais à obsessão das pessoas com a aparência.


Também há o atrativo inusitado de ver os habituais galãs Brad Pitt e George Clooney interpretando dois imbecis atrapalhados. Clooney inclusive lembra outro personagem dele em um filme dos manos, o Everett Ulysses McGill de E Aí, Meu irmão Cadê Você?, já que ambos têm o mesmo charme pateta e cada um tem uma mania esquisita (com Everett, era o cuidado psicótico com o cabelo; já Harry é obcecado em se exercitar, mesmo nas horas mais inconvenientes). Mas o melhor de todos no excelente elenco é Brad Pitt, como um idiota animadinho. Prestem atenção na cena da chantagem ao telefone e também nas caras que ele faz em seu encontro com Malkovich. É de chorar de rir. Completam o elenco de primeiríssima linha Frances McDormand (com um visual bem diferente do habitual), Richard Jenkins, J. K. Simmons, John Malkovich e Tilda Swinton – esses últimos formam um dos casais mais freak já vistos no cinema.

Queime Depois de Ler é daqueles filmes que divertem tanto o espectador que dá até pena quando acaba. Uma delícia!

Queime Depois de Ler (Burn After Reading), de Joel Coen e Ethan Coen. Com George Clooney, Frances McDormand, Brad Pitt, Tilda Swinton, John Malkovich. EUA, 2008. 96min.

Mostra Panorama

Nota: 9,0

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O Último Reduto


Numa região decadente próxima a Paris, o imigrante muçulmano Mao possui uma empresa (conserto de caminhões e/ou transporte, isso não fica bem claro). Ele explora os funcionários e tenta mascarar a negligência de suas obrigações trabalhistas concedendo benefícios como uma mesquita que manda construir na empresa. O que também é uma forma de pressionar a conversão de todos ao Islã. Quando ele impõe um líder espiritual de sua escolha, alguns funcionários começam a questionar a autoridade absoluta do patrão. Exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes 2008.

O filme começa muito lento, com dois muçulmanos levando um papo sobre religião. Achei mau sinal aquilo. Logo a seguir, uma cena de impacto: depois de ser atormentado pelos colegas trabalho, que não o consideram um “bom muçulmano”, um homem entra no banheiro e tenta fazer uma circuncisão nele mesmo. Depois ainda tenta convencer o supervisor a considerar o fato acidente de trabalho. Epa! Não é que ficou interessante?

A questão de misturar ambiente de trabalho com religião e a campanha do chefe para converter seu pequeno rebanho de funcionários também é bastante original, ainda mais considerando que esse mesmo patrão tão religioso não tem pena de seus irmãos na hora de cortar despesas. Mas o filme não consegue manter o nível de interesse em alta e falta-lhe também um pouco de foco, um encadeamento melhor de roteiro. Digamos que seja um filme médio com bons momentos isolados. O que piora um pouco a média é o final ser extremamente sem graça e os atores serem muito, muito fracos.

O Último Reduto (Dernier Maquis), de Rabah Ameur-Zaïmeche. Com Salim Ameur-Zaïmeche, Abel Jafri, Sylvain Roume, Christian Milia-Darmezin, Rabah Ameur-Zaïmeche. França / Algéria, 2008. 93min.

Mostra Expectativa

Nota: 5,0

Sanguepazzo


O filme conta o trágico destino de Osvaldo Valenti e Luisa Ferida, famoso casal de atores executado pelas forças de libertação no fim da Segunda Guerra. Apesar de não serem a princípio envolvidos com política, Osvaldo e Luisa foram sendo identificados cada vez mais com o regime fascista por conta do estilo de filmes pró-regime que faziam e das pessoas com as quais andavam. Mesmo sem nenhuma prova concreta, o casal foi executado em abril de 1945 como uma punição exemplar para os colaboracionistas.

O filme, exibido no Festival de Cannes deste ano, segue duas abordagens distintas: o cenário histórico e político de um país mergulhado no autoritarismo e na guerra e a história do relacionamento destrutivo que unia os dois personagens principais. Uma desastrada união que prejudicou principalmente Luisa, arrastada para acordos escusos e companhias duvidosas pelos vícios de Osvaldo. A personagem, como muitas mulheres, poderia ter escolhido qualquer um. Mas a bela foi se encantar justamente com a fera.

O interesse que o filme desperta como relato histórico vai além da política: também é um fascinante retrato do cinema italiano da época, tendo até algumas referências bem diretas, como quando um personagem menciona o filme que Roberto Rosselini está rodando (Roma, Cidade Aberta). Outra cena memorável é quando Osvaldo está filmando Ricardo III e grita a famosa fala “meu reino por um cavalo!” da maneira mais canastrona possível. Na vida real, o casal fez dezenas de filmes durante os anos de guerra. Aproveitaram-se da ocasião sim, mas daí a serem considerados pessoas de alta periculosidade vai uma grande diferença.

Luca Zingaretti está muito bem como Osvaldo Valenti, um sujeito falastrão e animado na mesma medida em que se afundava na depressão causada pelas drogas ou pela abstinência delas. Um personagem que deveria ser antipático, mas que o ator consegue dotar de uma dose de carisma. Destaque para a cena em que ele resolve confrontar no set a atriz de quinta que é amante de um alto político. Já Monica Bellucci está belíssima como sempre. O que é um paradoxo, já que sua beleza é tão excessiva que sempre acaba por submergir a boa atriz que ela também é.

O diretor Marco Tullio Giordana teve um filme mostrado no Festival do Rio de 2005, Quando Sei Nato Non Puoi Più Nasconderti, um drama sobre um garoto de classe média italiano e sua amizade com dois adolescentes romenos. Com Sanguepazzo, Giordana parte para um patamar mais ambicioso e se sai muito bem na missão. O único ponto fraco do filme é pesar a mão demais no melodrama em determinadas cenas, em especial as que se passam no cativeiro e também em algumas brigas do casal. Mas tudo bem, não chega a soar apelativo. Afinal de contas, eles eram italianos.

Sanguepazzo (idem), de Marco Tullio Giordana. Com Monica Bellucci, Luca Zingaretti, Alessio Boni, Maurizio Donadoni. Itália / França, 2008. 148min.

Mostra Panorama

Nota: 8,0

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Última Parada 174 (Filme de Abertura do Festival)


A primeira vez que ouvi falar neste filme me perguntei por que cargas d'água Bruno Barreto estaria interessado em filmar de novo a história do cerco ao ônibus 174, considerando o ótimo documentário já realizado por José Padilha sobre o assunto. Depois de assistir a Última Parada 174, fica evidente que de parecido os dois longas só têm mesmo o título. E as diferenças vão muito além daquelas já existentes entre documentário e ficção. Última Parada 174 é um retrato da infância abandonada, da lei da selva, do inferno de estar sozinho no mundo. O episódio no ônibus, como já diz o título, é apenas a última parada de Sandro Nascimento, um rapaz de 22 anos no qual o Brasil estava acostumado a enxergar um monstro que causou a morte de uma inocente. Não que o filme transforme o personagem em santo, apenas coloca-o em uma dimensão humana.

O roteiro cria um paralelo entre dois meninos diferentes e inicia a história nos anos 80, quando Marisa tem o filho recém-nascido tirado dela por conta de dívidas de drogas. O menino, Alessandro, é criado por um traficante. A trama dá um salto de dez anos, para o momento em que a mãe de Sandro é assassinada durante um assalto. Desorientado, ele foge dos parentes e passa a viver na rua. Alguns anos mais tarde revemos Alessandro, que negocia drogas com os garotos de rua. Viciado em cola e praticante de pequenos furtos, Sandro sobrevive à chacina da Candelária. A princípio inimigos, os dois meninos acabam parceiros durante uma passagem pelo Instituto Padre Severino. Por ironia do destino, Marisa vê Sandro numa reportagem de TV e o confunde com seu filho. O final da história e o que acontece no 174 todo mundo já sabe.

O excelente roteiro de Bráulio Mantovani – também autor do script de Cidade de Deus e co-autor de Tropa de Elite – ajuda a imprimir bom ritmo ao filme, através de seus já característicos diálogos ágeis e com linguagem ultra-realista, com uma dose de humor que quebra a dureza dos temas abordados. Também é importante destacar que o filme mantém em alta a tensão e o interesse, ainda que já se conheça de antemão o inevitável desfecho de tudo. E neste caso, ao contrário de uma adaptação literária, provavelmente não existe um único brasileiro que não saiba do corrido.


Bruno Barreto, que pela primeira vez trabalhou com amadores e/ou atores de pouca experiência, foi ajudado por Rogério e Ricardo Blat na preparação do elenco. O resultado final não poderia ser melhor. Michel Gomes, que foi o Bené quando criança em Cidade de Deus, carrega o filme nas costas neste seu primeiro papel de destaque, ótimo nas duas faces de desamparo e fúria de Sandro. Outros destaques são Marcello Melo Jr e Gabriela Luiz, como Alessandro e Soninha. A naturalidade de ambos diante das câmeras é impressionante. Dentre os profissionais, impossível não se emocionar com Cris Vianna no papel de Marisa, a mãe postiça que adotou Sandro e foi a única a comparecer ao seu enterro. A personagem, aliás, é cativante. Alguns detalhes a diferenciam da mãe real, mas é comovente a trajetória dessa mulher que reencontrou a dignidade mas nunca se sentiu em paz sem o filho perdido. E, impossibilitada de encontrá-lo, abraça a ilusão de tê-lo em outro menino. Uma curiosidade no elenco é ver André Ramiro (o Matias de Tropa de Elite) no papel de André Batista, o policial do Bope que tentou negociar com Sandro e no qual o Matias era inspirado.

Mais que tudo, Última Parada 174 tem o mérito de não ser maniqueísta. O protagonista provoca sentimentos contraditórios no espectador, que se solidariza com sua vida triste mas, por outro lado, não consegue simpatizar totalmente com ele por conta de já saber o que acontecerá depois. E o que poderia ser uma fraqueza do filme acaba sendo um modo de manter a platéia presa à realidade, impedindo que suas emoções sejam manipuladas.

Vale lembrar que o filme é o candidato brasileiro na disputa por uma das cinco indicações a melhor filme estrangeiro no Oscar 2009. Há dez anos, Bruno Barreto teve um filme seu indicado nesta categoria (O Que é Isso, Companheiro?). Depois disso, ele fez coisas legais como Bossa Nova e outras nem tão legais como Voando Alto e Caixa Dois. Última Parada 174 parece simbólico, uma espécie de retorno do cineasta aos grandes temas. E quem sabe seu retorno também ao tapete vermelho de Hollywood. Vamos torcer.

Última Parada 174, de Bruno Barreto. Com Michel Gomes, Cris Vianna, Marcello Melo Jr., Gabriela Luiz. BRA, 2008. 110 min.

Nota: 8,0

A Mulher sem Cabeça


Verónica está dirigindo em uma estrada deserta quando sente que atropelou algo, mas segue em frente sem conferir o que aconteceu. O problema é que ela não consegue tirar o fato da cabeça e, pouco a pouco, se convence de que matou alguém. Quando ela revela a seu marido o que a atormenta, eles retornam ao local e nada encontram. Ainda assim, ela não consegue se livrar da certeza de ter cometido um crime. Selecionado para o Festival de Cannes 2008.

Este é o terceiro longa de Lucrecia Martel, embora ela tenha o currículo engordado por alguns curtas e trabalhos para a TV. E é impressionante a fama que a diretora argentina alcançou com apenas dois filmes, O Pântano (2001) e A Menina Santa (2004). também chama a atenção sua maturidade artística, expressa em filmes originais e plenos de significados ocultos – Lucrecia também é roteirista de seus longas.

Considerando isso, creio que A Mulher sem Cabeça seria melhor apreciado não fosse a alta expectativa por se tratar de um longa de uma cineasta já consagrada. Claro que está longe de ser um filme ruim; pelo contrário, tem momentos em que a direção de atores cria imagens quase sublimes. Mas, como um todo, não me causou uma impressão tão forte quanto os dois filmes anteriores de Martel. A relação familiar entre as personagens é solta, pouco definida. O roteiro, ao se alinhar com a sensação de alienamento que ataca a protagonista, por vezes parece se alienar do espectador também. O filme é todo uma viagem interior de Verónica, que certamente não sente aquela necessidade de se auto-punir apenas por causa da impressão de ter atropelado alguém.

O destaque é María Onetto, que interpreta Verónica. A atriz, que tem um tipo que lembra a grande dama do cinema espanhol Marisa Paredes, consegue transmitir todo um leque de emoções com uma economia de gestos e expressões que é fascinante. Outra curiosidade é Inés Efrón, revelada como a hermafrodita de XXY, em outro papel andrógino.

A Mulher sem Cabeça (La Mujer sin Cabeza), de Lucrecia Martel. Com María Onetto, Claudia Cantero, Inés Efrón, Daniel Genoud. Argentina / Espanha / França / Itália, 2008. 87min.

Première Latina

Nota: 6,5

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Liverpool

Fica até difícil escrever uma sinopse de um filme onde nada acontece. OK, vamos lá: um marinheiro desce de seu navio numa cidade argentina para procurar a família. Chegando lá, reencontra a mãe doente e seu marido (é pai dele?) e mais uma irmã. E fica por lá, sem explicar porque chegou nem se pretende ir embora. Filme todo contemplativo, com planos longuíssimos e montagem lenta. Um tédio, com um roteiro (que roteiro?) que parte do nada e chega a lugar nenhum. O longa se limita a seguir a rotina de pessoas que praticamente não falam e tampouco fazem alguma coisa digna de nota. Conflito? Que conflito? Acompanhamos as refeições, a mãe doente na cama, a lavoura, a neve, o tédio, o sono – este último do espectador. Dava para ouvir os roncos na sala de projeção. Eu mesma, que não costumo dormir por mais arrastado que seja o filme, dei umas boas cabeceadas. Citando o mestre Billy Wilder, o pior pecado de um filme é ser chato. O mais incrível é que o filme tem pouco mais de uma hora e vinte. Mas você sai da sala de projeção moído como se tivesse visto a trilogia Senhor dos Anéis de uma vez só e sem intervalo.

Por que o filme se chama Liverpool? A explicação não poderia ser mais tosca.

Liverpool (idem), de Lisandro Alonso. Com Juan Fernández, Giselle Arrazabal, Nieves Cabrera. Argentina / Holanda / França / Espanha / Alemanha, 2008. 84min.

Première Latina

Nota: 0

Inútil


Documentário enfocando a indústria têxtil chinesa, das fábricas de tecido às costureiras simples, passando pela história de uma estilista que apresenta uma moda não-comercial e manufaturada intitulada Wu Yong (Inútil). Prêmio de Melhor Documentário na Mostra Orizzonti do Festival de Veneza 2007.

A primeira estranheza do filme é ter uma enorme sequência de apresentação que dura cerca de quinze minutos – sem diálogos – e faz um passeio por uma indústria de tecidos. Abertura inusitada para um documentário. Depois, somos apresentados a alguns temas e discussões que deveriam gerar material de interesse, como, por exemplo, o fato da China produzir em grande escala a moda de grifes estrangeiras mas não possuir grifes próprias. Uma estilista explica o paradoxo dizendo que seu povo não costuma ser visto como criativo e sim como mão-de-obra para a criatividade alheia.

Uma pena que Inútil logo abandone essa interessante discussão e se desdobre em visões superficiais e mal exemplificadas, o que faz com que a atenção do espectador se disperse. De repente, o filme começa a mostrar vários personagens, mas não se detém satisfatoriamente em nenhum. E convenhamos que é muito esquisito um documentário que não esclarece nada sobre as pessoas que está enfocando nem sobre os temas abordados. Sem contar as imagens “nada a ver”, como a longa sequência que mostra um grupo de mineradores tomando um banho coletivo. Um filme tão inútil quanto seu título.

Inútil (Wu Yong), de Jia Zhang-Ke. China, 2007. 81min.

Mostra Panorama

Nota: 2,5

Sereia


Alisa é uma garota cheia de imaginação, que mora numa cidadezinha litorânea com a mãe e a avó e está convencida de ter o poder de transformar desejos em realidade. Aos seis anos, ela resolve parar de falar e é transferida para uma escola especial. Aos dezessete, a família se muda para Moscou e a descoberta do primeiro amor faz com que ela volte a se comunicar. Filme vencedor do prêmio de melhor direção na categoria World Cinema do Festival de Sundance deste ano.

Um filme muito imaginativo e nada convencional, com uma linguagem bastante onírica. Alternando poesia, humor e muita bizarrice, Sereia é todo pautado pela ótica da protagonista. Ela é doce e meiga, mas também possuidora de uma determinação homicida que só não chega a chocar por conta do tom de fábula da história. Destaque para o modo como ela consegue classificação para um curso. Aliás, um curso ao qual ela nunca vai e que nunca ficamos sabendo do que se trata. Mas não tem importância, também. O que vale é a relação da garota com seus sonhos. Alguns conceitos visuais tiram grande efeito de idéias aparentemente simples, como as brincadeiras referentes ao painel publicitário que cobre um dos lados do prédio de Alisa.

Alisa, interpretada pela excelente e exótica Masha Shalaeva, é uma espécie de Amélie Poulain mais psicodélica, uma personagem com um mundo interior tão particular e tão convicta de suas próprias fantasias que seu comportamento beira o autismo. E o filme é como uma obra de arte plástica: não adianta ficar explicando muito. É para ver, sentir e se identificar. Ou não. Porque isso vai depender muito do grau de aceitação do espectador perante sua linguagem, muito próxima do teatro do absurdo. Isso pode afastar alguns, mas certamente vai encantar outros. E conseguir navegar pelo não-convencional sem parecer pretensioso ou hermético é sempre um ponto positivo.

Sereia é o segundo longa da diretora Anna Melikyan, que também assina o roteiro. Ainda não é aquele filme que eu classificaria de grande destaque do Festival, mas até agora foi o que mais se aproximou disso.

Sereia (Rusalka), de Anna Melikyan. Com Masha Shalaeva, Yevgeniy Tsyganov, Maria Sokova. Rússia, 2007. 115min.

Mostra Expectativa

Nota: 8,0

Soi Cowboy


A jovem Koi se considera uma privilegiada por ter conhecido Toby, um europeu que a tirou da zona de meretrício da cidade – a Soi Cowboy do título. Agora ela está grávida e faz planos de casamento. O único problema é a incompatibilidade sexual, que faz com que as relações sejam um suplício para ela. Exibido no Festival de Cannes 2008.

O filme, em preto-e-branco, começa com ares de ultra-realismo, mostrando a rotina e a incomunicabilidade entre o casal. Embora seja evidente o carinho de Toby por Koi, ele também parece um pouco exasperado pelo temperamento tranqüilo da garota. Já ela tenta por todas as maneiras evitá-lo na cama, e chora silenciosamente quando não o consegue. Um clima sufocante, realçado pelo fato do primeiro diálogo do longa acontecer após vinte minutos de projeção. Algumas cenas se desenrolam em tempo real, mostrando a angústia silenciosa de dois solitários que preferem aquilo ao abandono. Claro que ritmo narrativo não é o forte do filme, que se detém em tomadas inexplicáveis como, por exemplo, um longo close de uma torradeira. Mas, apesar disso, o filme cria uma certa expectativa.

Passa-se uma hora e meia de filme. Toby e Koi continuam coexistindo, agora passando alguns dias a passeio em uma cidadezinha turística tailandesa. Descobrimos um pouco mais sobre cada um. Ela teme que ele não cumpra sua promessa de casamento, o que significaria voltar aos tempos de necessidade. Ele tem negócios que controla por telefone que não sabemos exatamente quais são.

É quando, do nada, aparecem imagens coloridas na tela. Chega a doer os olhos, depois de tanto tempo de P&B. E eis que a meia hora final do longa apresenta uma trama de mafiosos que não tem absolutamente nada a ver com a história a que estávamos assistindo. Embora o foco agora seja outro, Koi e Toby também estão presentes. Só que não parecem ser os mesmos personagens. O que seria esse trecho final? Flashback? Realidade alternativa? A matrix tailandesa?

O filme ainda é o responsável por uma das seqüências mais esquizofrênicas desse Festival (ainda em sua porção neo-realista). Toby e Koi entram em um elevador. Logo em seguida, surge uma velhinha se locomovendo em um andador. Chegando em seu andar, ela sai e a câmera abandona os protagonistas para segui-la por um extenso corredor escuro. E os espectadores ficam vários minutos olhando a velhinha (que não aparece mais na história) arrastando o andador lentamente. E quando chega ao fim do corredor... ela dá meia-volta! Eu estou certa de que o diretor tinha uma metáfora genial em mente, pena que só ele sacou.

Soi Cowboy (idem), de Thomas Clay. Com Nicolas Bro, Pimwalee Thampanyasan, Petch Mekoh, Natee Srimanta. Tailândia / Reino Unido, 2008. 117min.

Foco UK

Nota: 3,0

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Noites de Tormenta


Adrienne Willis foi trocada por outra, mas o marido agora quer voltar. Os filhos a pressionam para aceitá-lo de volta e ela, indecisa, resolve refletir por uns dias enquanto cuida da pousada à beira-mar de uma amiga. O tempo está instável e, no local, apenas um hóspede é esperado: Paul Flanner, um médico em crise profissional e pessoal. Uma grande tempestade e os perigos de um furacão aproximam Adrienne e Paul e eles vivem um intenso e inesperado romance que trará mudanças para a vida de ambos.

Novelão mexicano brabo. Previsível, esquemático, repleto de clichês do primeiro ao último fotograma. Chega a ser constrangedor o modo como os personagens caem de amores um pelo outro em meio ao temporal. E o mais estranho é que eles trocam as mais exuberantes juras de amor, mas não conseguem transmitir o sentimento. São apenas palavras ao vento em um filme morno, que piora com o desfecho melodramático e previsível. Os personagens são mal-delineados, rasos, banais. Um exemplo disso é a filha adolescente de Adrienne, que é uma revoltada insuportável o filme inteiro e no final vira um anjinho ao saber que o pai traía a mãe.

E ainda tem o fator Richard Gere... Gere consegue interpretar bem, mas quando quer (ou quando é bem dirigido, sei lá). O galã grisalho estava ótimo em Chicago e melhor ainda em O Vigarista do Ano. Mas, em compensação, quando o cara resolve atuar no piloto automático como neste filme aqui... É duro de aguentar. É um tal de dar aquela paradinha de lado e apertar os olhinhos para demonstrar sofrimento que chega a ser cômico. Diane Lane está melhor, mas também tem seus rompantes de overacting e não é ajudada nem um pouco pelos diálogos cafonas.

Noites de Tormenta (Nights in Rodanthe), de George C. Wolfe. Com Richard Gere, Diane Lane, Scott Glenn, Christopher Meloni, Viola Davis. Estados Unidos, 2008. 97min.

Mostra Panorama

Nota: 3,0

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Sobre o Tempo e a Cidade


Retrato personalíssimo de Liverpool através das décadas realizado pelo cineasta Terence Davies, que viveu na cidade até os 28 anos. Passeando por cenários reais e idealizados, mesclando passado e presente, Davies discorre sobre religião, sociedade, sexualidade, costumes, cultura, poesia, etc.

Trata-se de um filme belíssimo e muito poético, porém um pouco cansativo. Certamente Davies poderia ter realizado um curta magistral, mas sua opção pelo longa-metragem acaba obrigando-o a rechear mais o filme e nem todas as imagens têm a mesma força. Ainda assim, o longa encanta pela afetividade com que um cidadão apaixonado declara seu amor pela terra natal. Em favor do filme, cabe esclarecer que o assisti no final da noite, após duas outras produções muito ruins. Talvez minha percepção não estivesse das melhores.

Sobre o Tempo e a Cidade (Of Time and the City), de Terence Davies. Reino Unido, 2008. 74min.

Foco UK

Nota: 5,0

As Águas de Katrina


Documentário realizado a partir das imagens amadoras que Kim, uma moradora de uma das regiões mais afetadas de Nova Orleans pelo furacão Katrina, registra com sua câmera. Depois da tragédia, ela seguirá filmando a dificuldade dos moradores em arrumar abrigo e o descaso das autoridades perante os necessitados.

Para começo de conversa, é difícil não se sentir nauseado na primeira meia hora de filme, já que Kim não tem a mínima noção de como operar uma câmera. Imagem trepidante, granulada, desfocada, escura, enfim, imaginem qualquer problema de gravação que ele estará nessas imagens. Também incomoda a postura da moça, que logo nos primeiros minutos, em meio à devastação e desgraça, declara sua intenção de ganhar dinheiro com o que está filmando. Impressiona (no mau sentido) seu sangue-frio de continuar registrando tudo obsessivamente, mesmo quando está ilhada com os vizinhos no telhado sem sinal de resgate à vista.

Uma vez livres do perigo, o filme continua seguindo Kim e o marido (a essa altura a imagem melhora, já que ela aparentemente conseguiu alguém para bancar o cameraman). Mas, a despeito do alívio para as retinas, é justamente a partir daí que o filme afunda de vez, já que perdeu seu único atrativo real: imagens de primeira mão do desastre. E claro que nossa estrela não perde uma chance de se auto-promover, posando de boa samaritana e recebendo elogios dos amigos diante da câmera. Pior do que isso só as constantes pregações e invocações religiosas, o que contrasta com as declarações do marido traficante sobre o estilo de vida nada ortodoxo que eles levavam.

O que fica evidente é que trata-se de um filme feito a partir de um material amador e gravado por uma pessoa oportunista, que culmina em uma apresentação de seu trabalho como cantora e compositora de rap. Era nesse ponto que Kim queria chegar desde o começo, já que até nome artístico ela tinha. Pesadelo é saber que um filme eticamente canalha e tecnicamente deplorável como esse venceu o Grande Prêmio do Júri de Documentário no Festival de Sundance de 2008.

As Águas de Katrina (Trouble The Water), de Tia Lessin, Carl Deal. EUA, 2008. 94min.

Mostra Dox

Nota: 0

Meu Marlon e Brando


Dramatização da história real de uma atriz turca que se apaixona por um ator curdo quando este vem ao seu país participar de um filme e sua posterior dificuldade para reencontrá-lo, já que o romance ocorre na época em que os americanos invadem o Iraque e fecham as fronteiras do país. Vencedor do prêmio de Melhor Diretor no Festival de Tribeca de 2008.

Um filme chatíssimo, onde nada realmente acontece. A protagonista passa metade de seu tempo manifestando seu desejo de encontrar o amado e a outra metade discutindo com ele ao telefone, comportando-se como se fosse culpa dele o fato de seu país estar em guerra. Quando ela resolve agir, espera-se que a história ganhe algum fôlego ou dramaticidade. Que nada. E tome viagens em taxi, em ônibus, em vans. E mais telefonemas. E imagens de vídeo que são gravadas para ninguém ver, salvo o espectador. A sensação de estar rodando em círculos é inevitável. Para não dizer que não existe nada aproveitável na trama, o poema que dá significado ao título é interessante.

Meu Marlon e Brando (Gitmek), de Hüseyin Karabey. Com Ayça Damgaci, Hama Ali Kahn, Nesrin Cavadzade. Turquia / Holanda / Reino Unido, 2008. 92min.

Mostra Expectativa

Nota: 2,0

Rio Congelado


Ray Eddy está vivendo seu inferno astral: acaba de ser abandonada pelo marido, que gastou no jogo o dinheiro destinado a comprar a casa da família e o que ela ganha em um emprego de meio expediente mal dá para alimentar os dois filhos. É quando seu caminho cruza com o de Lila Littlewolf, uma índia Mohawk que traz imigrantes ilegais através de um rio congelado que separa o Canadá dos EUA e faz parte da reserva de seu povo. Inimigas a princípio, as duas mulheres se unem no arriscado e rentável negócio.

Rio Congelado recebeu o Grande Prêmio do Júri no Festival de Sundance deste ano. Cada vez entendo menos certas premiações concedidas. É um filme razoável, mas que não chega alcançar grandes vôos em nenhum momento. As interpretações são boas, o roteiro é bem conduzido (salvo uma ou outra situação), enfim, é uma história bem contada. Mas de modo bastante previsível, sem nenhuma reviravolta nos acontecimentos e com um final que o espectador consegue adivinhar tão logo as bases da trama são estabelecidas.

Em termos de Festival, é o tipo de filme curto que acaba sendo uma boa pedida para encaixar no meio de uma brecha programação.

Rio Congelado (Frozen River), de Courtney Hunt. Com Melissa Leo, Misty Upham, Michael O'Keefe, Mark Boone Junior, Charlie McDermott. EUA, 97min, 2008.

Mostra Expectativa

Nota: 6,0

domingo, 21 de setembro de 2008

Boogie


Bogdan é um trintão que leva uma vida responsável: trabalha arduamente, é casado, tem um filho de quatro anos e está prestes a ser pai novamente. No feriado do trabalho, viaja com a esposa e o filho para o litoral e lá encontra dois amigos que não vê há três anos. Eles continuam solteiros e logo despertam em Bogdan – Boogie, para eles – uma certa nostalgia dos seus tempos de farra e irresponsabilidade. Exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes 2008.

O filme trata de um tema interessante e muito próximo de todos nós: o dilema das pessoas que assumem responsabilidades adultas antes de estarem completamente prontas para deixar para trás a vida de solteiro. Os conflitos de Boogie com a esposa são mostrados logo na cena de abertura, na praia. É como se ela fosse a mãe de dois meninos, o que fica ainda mais gritante quando ele decide entrar no mar gelado só porque viu um grupo de jovens fazendo o mesmo. Boogie, ao contrário do filho, é a criança que ela não pode controlar. Os amigos solteiros demonstram o típico egoísmo daqueles que têm as próprias vidas desestruturadas e, na primeira chance, dão um jeito de bagunçar o relacionamento alheio. Mas os problemas decorrentes do encontro são responsabilidade do próprio protagonista, que parecia esperar tão-somente uma deixa para se comportar daquela maneira.

O problema com o filme é seu ritmo lento, que acaba por diluir uma questão relevante em cenas alongadas muito além do necessário e cansando a paciência do espectador em uma hora e quarenta minutos que parecem durar muito mais do que isso. O roteiro tampouco dá foco à história, criando situações desnecessárias que prometem desdobramentos que não ocorrem. Um exemplo é o flerte de Boogie com a moça que anota seu celular, cena que cria uma expectativa e não gera nenhum conflito mais adiante. E o desfecho sem sal deixa o espectador sem saber o que, exatamente, o diretor pretendia dizer com a história.

Boogie (idem), de Radu Muntean. Com Dragos Bucur, Anamaria Marinca, Mimi Branescu. Romênia, 2008. 102min.

Mostra Expectativa

Nota: 5,0

Derek

O filme tem como ponto de partida uma carta intitulada Letter to an Angel, que a atriz Tilda Swinton escreveu em homenagem ao cineasta Derek Jarman oito anos após sua morte (em 1994). Neste documentário, somam-se ao texto de Tilda depoimentos de Derek em várias fases de sua carreira e trechos de seus provocadores trabalhos.

Um filme indicado para quem aprecia o trabalho do cineasta, mais direcionado a quebrar convenções e chocar o establishment do que propriamente fazer cinema. Apesar das homenagens emocionadas, o que mais incomoda é a própria figura do homenageado, pródigo em ditar regras sobre o que é ou não é arte e mais pródigo ainda em contradizer seus próprios mandamentos. Para quem se posicionava contra os preconceitos, me parece um comportamento bem reacionário. Um exemplo de suas incoerências é quando ele categoricamente ataca os diretores de videoclipes e alguns anos depois ele próprio dirige um (It's a Sin, do Pet Shop Boys). Claro que o diretor teve sua importância no movimento de contra-cultura de sua época, mas o filme acaba sendo um produto que fala de um universo bastante restrito.

Derek (idem), de Isaac Julien. Reino Unido, 2008. 76min.

Mostra Foco UK

Nota: 4,0

Delta


Rapaz retorna à sua terra natal no Delta do rio Danúbio, após anos de afastamento da família. Descobre que a mãe se casou novamente e que tem uma irmã, mas, como não encontra boa acolhida, se instala na cabana que fora de seu pai. Logo a tímida irmã vai viver com ele e ajudá-lo na casa que ele está construindo no meio ao rio. Não demora para que o relacionamento dos irmãos comece a atrair a ira dos moradores da região.

O filme tem alguns pontos positivos, como o bom aproveitamento dos cenários rústicos e da parte visual em geral. É um filme rico de imagens, o que é realçado pela expressividade calada de Orsolya Tóth. Já Félix Lajkó (que, curiosamente, é mais compositor de trilhas do que ator) deixa a desejar na atuação e comparece apenas com seu rosto bonito.

Esse ano, em Cannes, o diretor húngaro Kornél Mundruczó concorreu à Palma de Ouro e venceu o prêmio Fipresci por esse filme. A maior fraqueza de Delta vem da timidez com que aborda o tema principal (incesto), como se estivesse envergonhado pelos personagens. Um exemplo disso é a cena em que a moça sofre uma violência, que parece estar ali para chocar e/ou justificar suas ações posteriores. Tampouco há um desenvolvimento psicológico dos personagens, o que faz falta considerando a temática proposta.

Delta (idem), de Kornél Mundruczó. Com Félix Lajkó, Orsolya Tóth, Lili Monori, Sándor Gáspár. Hungria / Alemanha, 2008. 92min.

Mostra Panorama

Nota: 5,0

14 Kilômetros

O título se refere à distância que separa a África da Europa e o filme é sobre a saga de africanos de diferentes países que tentam alcançar uma vida melhor em solo europeu, pondo em risco a própria vida – uma trajetória bem parecida com a do pessoal que tenta entrar nos EUA através do deserto mexicano. Violet tenta fugir da miséria e do noivo idoso para o qual foi vendida. No caminho conhece os irmãos Buba e Mukela, que sonham com oportunidades melhores para o talento futebolístico de Buba.

O filme tem um começo bem arrastado. Depois da primeira meia hora, o ritmo melhora. O que não tem jeito é a irritante dublagem em espanhol, já que não existe uma justificativa lógica para ter que ouvir os atores africanos falando um espanhol dos mais clássicos. Se o filme, por alguma razão mercadológica, precisava ser falado no idioma, seria algo tão impossível assim encontrar atores negros que o falassem? O resultado não poderia soar mais falso, já que a dublagem (mal-sincronizada, ainda por cima) prejudicou não apenas os diálogos mas também o som do filme como um todo. Creiam-me: depois de um certo tempo, torna-se uma tortura para os tímpanos mais sensíveis.

O filme? Claro que poderia ser melhor com um som decente, mas também não é nenhum primor de originalidade. Aposta na fórmula da força de vontade vencendo barreiras quase intransponíveis e tenta comover através do embate entre jovens indefesos e autoridades corruptas e/ou insensíveis.

14 Kilômetros (14 Kilómetros), de Gerardo Olivares. Com Adoum Moussa, Illiassou Alzouma, Aminata Kanta. Espanha, 2007. 95min.

Mostra Expectativa

Nota: 3,0

sábado, 20 de setembro de 2008

Rock'n'Rolla – A Grande Roubada


Em Londres, um chefão da máfia russa e o manda-chuva do submundo londrino estão às voltas com uma transação que envolve milhões de libras e um poderoso jogo de influências. Entre os dois, um trio de vigaristas de aluguel, uma contadora de moral dúbia, um astro do rock doidão, traficantes, ladrões, políticos, enfim, não há um malandro da cidade que não acabe enrolado nesse confronto milionário.

Guy Ritchie fez dois filmes muito bacanas em sua carreira: Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes (1998) e Snatch – Porcos e Diamantes (2000). Os dois são bem parecidos, mas é bem melhor lembrar o cineasta inglês por esses dois longas quase gêmeos do que pela bomba Destino Insólito, filmeco que ele dirigiu só para agradar à sua senhora Madonna. A má notícia sobre este Rock'n'Rolla é que é o filme não passa de uma variação da fórmula dos dois sucessos anteriores de Ritchie. Mas a boa notícia é que o filme é tão bom quanto eles.

A trama é a de sempre: trapaceiros tentando se enganar mutuamente, o eterno jogo de ladrão roubando ladrão, grandes boladas, mulheres fatais, malandros sexys (Gerard Butler está cada vez mais de tirar o sono), tudo isso formatado com bom ritmo e uma edição esperta. Os diálogos são ligeiros, cheios de humor tipicamente britânico e trocadilhos inteligentes. Um ótimo passatempo, difícil não se divertir.

Rock'n'Rolla, a Grande Roubada (Rock’n’Rolla), de Guy Ritchie. Com Gerard Butler, Tom Wilkinson, Thandie Newton, Idris Elba. Reino Unido, 2008. 114min.

Mostra Foco UK

Nota: 7,5

Casa Negra


Juno, um funcionário recém-contratado de uma companhia de seguros, é enviado à casa de um cliente, Park Chung-bae. Chegando lá, Juno testemunha o momento em que Park encontra o filho de sete anos morto. Embora a polícia considere o caso como suicídio, Juno desconfia que o pai assassinou o menino para receber o seguro. Por conta própria, começa a investigar Park. Ele está certo de que aquilo só pode ser obra de um psicopata, o que põe sua própria vida em risco.

Conforme todo fã de cinema trash sabe, determinados filmes são tão toscos que isso chega ao ponto de se tornar uma qualidade. Casa Negra tem alguns dos diálogos mais inacreditáveis que eu já ouvi na minha vida. Imaginem um homem adulto, supostamente inteligente, que responde à pergunta “você sabe o que é um psicopata?” com um sincero e sonoro não. Segue-se uma explicação (séria) sobre o que é um psicopata, ao que nosso personagem pergunta qual a diferença deles para os “loucos”, e tudo culmina com declarações do tipo “psicopatas também são gente”. Acreditem, o carinha é poliana total. Esse diálogo memorável dá apenas uma pálida idéia do grau de insanidade do filme.

Casa Negra é um filme totalmente “sem noção”, que se transforma em terrir involuntário – o que só torna tudo ainda mais engraçado. As cenas que deveriam dar sustos provocam risadas incrédulas. A julgar pela platéia, podia-se ter a impressão de estar assistindo a um filme do Monty Python. E olha que foi a última sessão de um exaustivo dia, só mesmo um samba do crioulo doido que nem esse pra arrancar risadas e aplausos à meia-noite. É tão ruim que é bom.

Casa Negra (Geomeun Jib), de Shin Terra. Com Hwang Jung-min, Yu Sun, Kang Shin-il, Kim Seo-hyung. Coréia do Sul, 2007. 104min.

Mostra Midnight Movies

Nota: 6,0

Gomorra


O filme faz um painel das atividades da Camorra, tradicional máfia napolitana que comanda, de uma forma ou outra, a vida dos moradores da região. Dentre eles, um garoto de treze anos que é mensageiro de uma facção que trafica drogas e armas; um alfaiate que se arrisca ao aceitar a proposta de um chinês, rival de seu patrão, para ensinar secretamente seus operários; um guarda-costas novato que questiona se tem estômago para esse trabalho; um homem que é responsável por dar dinheiro aos parentes dos que foram presos ou mortos; dois adolescentes que desafiam as regras locais e querem levar uma vida de crimes por conta própria.

Gomorra foi o vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes deste ano, o que eu considero inexplicável. Claro que o filme tem suas qualidades, mas não é para tanto. Mesmo porque acredito que os pontos altos do longa sejam mais de ordem sociológica do que cinematográfica. É muito interessante, até mesmo chocante, descobrir essa classe de criminosos italianos totalmente diversa da versão elegante de máfia a que o espectador está acostumado. E o que dizer das construções decadentes, verdadeiras “cabeças-de-porco”, que servem de locações? É uma nova visão da máfia, sem os tradicionais capos vestidos em Armani.

Por outro lado, o filme em si apresenta uma trama dispersa e mal-alinhavada. Ao tentar abarcar muitos personagens e situações ao mesmo tempo, o roteiro falha em construir um mínimo de encadeamento entre eles. Além do problema dos vários núcleos soltos, também o relacionamento entre personagens que se conhecem é mal definido. Um exemplo disso é a personagem Maria e seu filho, cujo parentesco tem que ser deduzido através de duas cenas isoladas. OK. A intenção do diretor certamente é dar uma visão ampla do assunto. Como reportagem seria perfeito. Como filme, nem tanto.

Gomorra (idem), de Matteo Garrone. Com Salvatore Cantalupo, Gianfelice Imparato, Maria Nazionale, Toni Servillo. Itália, 2008. 135min.

Mostra Panorama

Nota: 5,0

CSNY: Deja Vu


Estranho documentário que começa como um registro da turnê Deja Vu da banda CSNY (Crosby, Stills, Nash & Young) e logo abandona a música para focar no protesto contra Bush e a invasão do Iraque, fazendo correlações entre a situação presente e a guerra do Vietnã.

Está certo que os músicos, liderados pelo inconformista Neil Young, sempre foram conhecidos tanto por suas canções como por seu ativismo anti-guerra, mas, ainda assim, este documentário (dirigido por Young) parece um tanto esquizofrênico. Em primeiro lugar, por não se decidir entre ser um DVD de show ou um filme político; em segundo, pela incompetência do roteiro, que não consegue ser eficiente em nenhuma das duas vertentes. Os poucos fatos interessantes do filme, como a apresentação da música Let's Impeach the President (realmente divertida) para uma platéia republicana ou o site que Young criou que é uma cópia debochada da CNN, ficam perdidos em meio a cansativos depoimentos de mães que perderam seus filhos em Bagdá ou veteranos de guerra arrependidos. Nada que não tenha sido mostrado antes de melhor maneira.

Outro ponto que vale destacar é a pseudo-imparcialidade dos músicos, que colocam as opiniões contrárias sobre eles impessoalmente escritas na tela seguidas das mais escandalosas manipulações. É como se víssemos um filme do Michael Moore desprovido do humor, anarquia e ritmo cinematográfico que o caracterizam. Ou seja, ficaria apenas a provocação furiosa. Mas pior do que isso são as várias cenas em favor de um determinado candidato democrata. Ao final do longa, ainda mostram uma mensagem dizendo orgulhosamente que, dos dez políticos apoiados por eles, sete foram eleitos. Sutileza não é mesmo o forte do filme... Não que Bush e cia. não mereçam que as pessoas esbravejem contra seu governo. Só que isso deve ser feito com um mínimo de competência, senão fica tudo muito primário e enfraquece qualquer boa intenção.

CSNY: Deja Vu (idem) de Bernard Shakey (Neil Young). Documentário. EUA, 2008. 97min.

Mostra Midnight Songs

Nota: 2,0

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O Visitante


Walter é um professor universitário viúvo e solitário que vive em Connecticut. Até o dia em que tem que ir a Nova Iorque para apresentar um trabalho acadêmico e encontra um jovem casal de imigrantes ilegais vivendo em seu apartamento. Apiedado da situação, ele acaba deixando que Tarek e Zanaib fiquem mais alguns dias e logo se afeiçoa a eles. Quando um mal-entendido faz com que Tarek seja preso e ameaçado de deportação, Walter faz de tudo para ajudá-lo.

Um filme que, mesmo partindo de um argumento que poderia descambar facilmente para o melodramático, evita os clichês e sentimentalismos baratos e trata a história com sensibilidade na medida certa. Interessante notar que a entrada da família de Tarek na vida de Walter simboliza um rito de passagem, mesmo o personagem já sendo um sexagenário. A realidade daquelas pessoas atinge em cheio o marasmo em que vive Walter, talvez porque aquela seja a primeira vez, em muito tempo, em que alguém realmente necessita dele.

O elenco competente também ajuda a manter a história nos trilhos, com destaque para Richard Jenkins, um ator que estamos acostumados a ver sempre em papéis coadjuvantes. Seu encantamento pela personagem de Hiam Abbass, além de inesperado, é comovente. Destaque também para o desfecho sóbrio, realista e nem por isso menos belo. Um bom filme, em todos os sentidos. Tom McCarthy, ator experiente na telinha e na telona, dirige este seu segundo filme (o primeiro foi O Agente da Estação, em 2003) com boa dose de segurança.

O Visitante (The Visitor), de Tom McCarthy. Com Richard Jenkins, Hiam Abbass, Haaz Sleiman, Danai Gurira. EUA, 2007. 103min.

Mostra Panorama

Nota: 7,0

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

174 Rumo ao Oscar


Está decidido: o filme que representará o Brasil na campanha para o Oscar 2009 será Última Parada:174, de Bruno Barreto. A Secretaria do Audiovisual, órgão ligado ao MinC, divulgou a decisão ontem à tarde. O filme – que também abrirá o Festival do Rio e será exibido em première de gala na noite do dia 25 de setembro – estréia nos cinemas no dia 24 de outubro. O roteiro foi escrito por Bráulio Mantovani (Cidade de Deus) a partir do desejo de Barreto de contar a história de Sandro Nascimento, o menino de rua que em 2000 protagonizou o trágico seqüestro, pelo ângulo da ficção. Vale lembrar que o documentário Ônibus 174, de José Padilha, foi um sucesso de público e crítica no mundo inteiro.

Bruno Barreto não é marinheiro de primeira viagem no Oscar: o cineasta já concorreu em 1998 com O Que É Isso, Companheiro?, que acabou derrotado pelo longa holandês Caráter. Mas o caminho de Última Parada: 174 está apenas começando, já que agora cabe ao filme sobressair-se dentre dezenas de candidatos de vários países para obter uma das cinco cobiçadas indicações.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Aperitivo

Penélope Cruz, Scarlett Johansson e Javier Bardem estrelam novo longa de Woody Allen

Como uma pequena amostra do que vem por aí, a equipe do Festival do Rio já divulga alguns títulos que devem fazer a alegria do cinéfilo. Tem os novos filmes de Woody Allen, irmãos Coen, Jonathan Demme, Isabel Coixet, Francis Ford Coppola, além de cineastas latinos de peso como Lucrecia Martel e Pablo Trapero. No quesito expectativa, tem a estréia na direção do cultuado roteirista Charlie Kaufman. Confiram abaixo alguns títulos mais conhecidos:

Desierto Adentro, de Rodrigo Plá
El Nido Vacio, de Daniel Burman
Elegy, de Isabel Coixet
Filth and Wisdom, de Madonna
La Leonera, de Pablo Trapero
La Mujer Sin Cabeza, de Lucrecia Martel
Les Amours d'Astrée et de Céladon, de Eric Rohmer
Plus Tard, Tu Comprendras..., de Amos Gitaï
Queime Depois de Ler (Burn After Reading), de Joel e Ethan Coen
Rachel Getting Married, de Jonathan Demme
RocknRolla, de Guy Ritchie
Synecdoche, New York, de Charlie Kaufman
Última Parada: 174, de Bruno Barreto (filme de abertura)
Vicky Cristina Barcelona, de Woody Allen
Youth without Youth, de Francis Ford Coppola

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Ensaio Sobre a Cegueira


Eu sei que José Saramago é um autor aclamado, com fãs pelo mundo inteiro. Tampouco ignoro o fato de que o escritor português tem um Nobel de Literatura na sua estante. Respeitado pela crítica e mais ainda pelos intelectuais, não raro a obra de Saramago é adjetivada de genial. Talvez seja. Mas eu não me identifico com ela. No caso de Ensaio Sobre a Cegueira, me incomoda sobretudo a grande alegoria sobre “cegueira para enxergar de verdade” que é o tema central da obra. Para mim, soa bíblico demais. Posto isso, não é preciso dizer que não fiquei muito empolgada quando soube que Fernando Meirelles resolvera filmar esse livro. Está estabelecida a saia-justa: como analisar objetivamente um filme que parte de uma história da qual você não gosta?

A trama (rodada em São Paulo) é situada em uma cidade indefinida que é vitimada por uma inexplicável epidemia de cegueira. Com a diferença de que, ao invés de escuridão, os infectados vêem tudo branco. O governo tenta deter a doença por meio do isolamento, trancafiando os afetados. O que pouco adianta, já que a cegueira continua se alastrando. A situação-limite reduz os cidadãos a feras lutando pela sobrevivência e logo surgem oportunistas e ditadores querendo tirar proveito do pânico alheio. Em meio ao caos e destruição, a esposa de um oftalmologista é a única imune à estranha moléstia.

Em primeiro lugar, é preciso destacar que Meirelles expressa a competência habitual neste seu novo trabalho. Depois de radiografar a escalada do tráfico numa favela e os crimes de um império farmacêutico contra os miseráveis na África, o cineasta agora volta seus dotes criativos para o desmoronar de toda uma sociedade dita civilizada. Sua visão de uma cidade mergulhada no caos é assustadoramente real, sem o distanciamento sci-fi que costuma estar associado a esse tipo de narrativa. Aquela cidade sem nome poderia estar em qualquer ponto do planeta, assim como aquele homem que pára o carro na cena de abertura e exclama “estou cego” poderia ser qualquer pessoa. Poderia ser você. A direção de arte perfeita nos põe frente a frente com uma visão de São Paulo entregue a um nível de primitivismo totalmente desconhecido, porém facilmente imaginável. E descobrir que o vazio nas ruas pode ser muito mais opressivo do que o trânsito, a fumaça e as buzinas é bastante perturbador.

O diretor de fotografia César Charlone (assim como Fernando, indicado ao Oscar por Cidade de Deus) usa sua experiência e talento para criar um visual saturado, esbranquiçado, asséptico, que contrasta com as condições de abandono a que são submetidos os cativos e também com a crescente violência que leva aquelas pessoas a um reinado de barbárie. A brancura, ao invés das trevas. Só que o terror inspirado é o mesmo.

O filme é dirigido com capricho, fotografado com arrojo, bem interpretado (a surpresa é o geralmente fraco Mark Ruffalo) e, a despeito de todas as suas qualidades técnicas, não consegue empolgar. Por quê? Volto ao tema inicial. O que incomoda não é nem o fato da tal epidemia não ter motivo para ocorrer, já que a humanidade enfrentou pragas desconhecidas de todos os tipos desde que o mundo é mundo. OK, eu também sei que a cegueira que assola as pessoas é uma metáfora do quanto a humanidade está cega para o que realmente importa, e as pessoas precisam passar por aquela provação para “enxergarem de verdade”. É bíblico, muito bíblico. E moralista também (sensação reforçada ainda mais pelo desfecho). E qual seria o sentido da mulher que enxerga? A personagem não é descrita como alguém essencialmente especial. Ela simplesmente é imune, e pronto. A escolhida. Mas, enfim, nada disso é culpa do filme propriamente dito. Fernando Meirelles é um grande diretor e fez um bom trabalho, embora esteja aquém dos resultados obtidos com uma obra-prima como Cidade de Deus ou um trabalho forte e coerente como O Jardineiro Fiel.