quinta-feira, 28 de maio de 2009

Heróis


Eu queria fazer um texto estruturadinho, apontando um a um todos os inúmeros defeitos e incongruências de Heróis. Mas, logo de cara, senti que não seria possível, e por uma razão bem simples: foi complicado manter os olhos abertos durante boa parte da projeção do filme. A trama era aborrecida e meio sem sentido mesmo ou havia algum sentido que o roteirista pretendia dar que me escapuliu devido ao tédio?

Primeiro, vale destacar que eu não sou o tipo de espectadora para quem o escurinho do cinema tem efeito anestésico. Estou acostumada a encarar a cobertura do Festival do Rio, o que significa assistir a quatro, cinco ou até mesmo seis filmes num mesmo dia. Tampouco estava especialmente cansada naquela manhã. Então por que minhas pálpebras lutavam comigo? Grande mistério da humanidade, que faz com que esse texto acabe sendo mais um ensaio sobre como sobreviver a um filme redundante do que propriamente os motivos que o levam a ser tão chato.

Não deixa de ser curioso que um longa tão barulhento e cheio de cenas pseudo-eletrizantes só consiga causar tédio. Motivos eu posso apontar alguns: em primeiro lugar, a falta de novidade em relação ao tema. Quem ainda aguenta um genérico de X-Men, ainda mais depois que o assunto já foi explorado à exaustão em seriados de TV e até mesmo na interminável novela da Record? Mais previsível, impossível. Uma garotada cheia de poderes, perseguida por órgãos governamentais, etc, etc, etc. Segundo, a postura dos mocinhos e vilões é pouco convincente e fracamente delineada. Terceiro, por que exatamente um filme com personagens americanos foi ambientado em Hong Kong? Não me lembro de uma razão efetiva para isso (ou será que isso foi explicado durante alguma fechada de pálpebra minha?). E, por último, mas não menos importante: seria essa a pior escalação de elenco já feita na história do cinema ou os personagens é que são tão rasos que não deixam alternativa aos pobres atores?

Um pouco de cada coisa. Dakota Fanning é inegavelmente talentosa, embora tenha que se cuidar para não cansar demais a imagem (parece que a lourinha sempre obtém todos os papéis correspondentes à sua faixa etária). Ainda assim, a já não tão pequena Dakota é, de longe, a melhor coisa do filme. Também talentoso é Djimon Hounson, que aqui tem a tarefa ingrata de encarnar um vilão estereotipado e bidimensional. Já Chris Evans e Camilla Belle são evidentemente atores de pouco ou nenhum recurso que, além de passarem o filme inteiro com uma expressão bovina, ainda possuem o agravante de não terem nem a mais remota química como casal. Um horror.

Ao final, o desfecho frouxo e nada conclusivo do longa deixa o espectador sem saber por que, afinal de contas, o filme foi realizado. Também deixa dentro de nós a mais incômoda sensação que pode acometer um espectador, que é a sensação de tempo perdido.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

O Procurado


O trailer de O Procurado já prenuncia o que esperar deste filme: um filme de ação desenfreada, cheio das costumeiras perseguições automobilísticas e com o adicional de ser mais um longa calcado no estilo pós-Matrix, ou seja, compreendendo uma espécie de realidade alternativa onde balas de revólver fazem curvas e pessoas atravessam vidraças no alto de um prédio e caem de pé num terraço do outro lado da rua. Some-se a isso uma Angelina Jolie vestindo um personagem que parece a junção da Sra. Smith com a Lara Croft e Morgan Freeman repetindo outra variação daquele papel de Deus. Enfim, o único elemento que parece um pouco imprevisível nesse contexto todo é o escocês James McAvoy distribuindo socos e tiros a granel.

Baseado na graphic novel homônima de Mark Millar e J.G. Jones, a história de O Procurado parte do princípio da existência de uma milenar fraternidade secreta de assassinos dotados de habilidades extraordinárias. Wesley Gibson é um contador que odeia seu trabalho e sua chefe, vive sem dinheiro, mora num apartamento decadente e, para piorar, sabe que sua namorada o trai com seu colega de trabalho e não consegue fazer nada a respeito. Mas tudo muda no dia em que encontra uma bela e misteriosa mulher, que lhe revela que o pai que ele nunca conheceu pertencia a essa fraternidade e acaba de ser assassinado por um ex-membro. Com sua vida também em risco, Wesley aceita ser treinado pela fraternidade para desenvolver seu potencial adormecido e, quando estiver pronto, vingar a morte de seu pai.

O Procurado é o primeiro filme em inglês do russo Timur Bekmambetov, que fez sucesso com os toscos e superestimados Guardiões da Noite e Guardiões do Dia. Claro que, considerando o histórico do diretor, não se poderia esperar um argumento menos absurdo. Mas até aí tudo bem, a maioria dos filmes de ação têm argumentos absurdos. O problema é que é tudo muito mal-explicado, jogado a esmo na história. Mesmo dentro daquele já citado universo onde as leis da física são abolidas, há que se manter certos parâmetros e um mínimo de coerência. Senão entra-se em um terreno onde “pode tudo” e a trama perde completamente a graça.

Não bastasse a estética copiada de Matrix, o filme ainda tenta desenvolver em paralelo uma ideologia estilo O Clube da Luta através do protagonista. É impossível assistir às cenas iniciais, com Wesley sentindo-se anestesiado pela sua vidinha modorrenta, e não lembrar das cenas de Edward Norton no escritório. Pode-se dizer o mesmo de seu comportamento pós-descoberta da fraternidade, com ele mandando tudo às favas e assustando a chefe com seu discurso bizarro.

O filme é barulhento, pseudo-estiloso e com exageros irritantes como, por exemplo, a personagem de Angelina Jolie entrar com carro e tudo em um trem em movimento, arrebentando a carroceria deste. Desnecessário. Chato. Dá vontade de fechar os olhos e cochilar, a despeito da zoeira nos tímpanos. E claro que, quando falamos de Angelina, vale ressaltar que a sensualidade da atriz é explorada de todas as formas possíveis, com seus olhos bem delineados e lábios enormes sempre em close. Sem contar uma tomada feita com o único objetivo de mostrá-la nua de costas. É simples assim: James McAvoy está conversando com outro personagem, ela surge saída da banheira, deixa os rapazes boquiabertos e sai de cena. Mas espantoso que isso é ver McAvoy, bom ator que tem no currículo filmes respeitáveis como O Último Rei da Escócia e Desejo e Reparação, submetido a um filme desse nível.

Para coroar o que já era suficientemente péssimo, a resolução da história apóia-se toda numa argumentação frouxa e em um raciocínio facilmente desmontável por qualquer ser humano. Nem precisaria ser super dotado para chegar a certas conclusões ali. Depois de toda a tortura, um pouco da sempre boa música de Danny Elfman durante os créditos restaura um pouquinho do bom humor perdido ao longo da projeção.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Budapeste


Ao término de Budapeste, certamente será difícil para o espectador tirar da cabeça os sons exóticos e incrivelmente melodiosos de Feijoada Completa (aquela do “e vamos botar água no feijão”) em versão húngara. Chico Buarque em húngaro? Pois é, e o pior é que faz todo sentido. Budapeste, adaptação do romance homônimo de Chico, narra a viagem – muito mais interior que exterior – de um carioca chamado José Costa. Casado com uma bela mulher, estabilizado financeiramente como um ghost writer de sucesso, Costa parece estar com a vida mansa. Só que, considerando as particularidades de sua profissão, ser bem-sucedido significa viver nas sombras e ver seus clientes, um após o outro, colherem todos os louros do seu intelecto. José vive pela metade. Tem de tudo e não possui nada. Está nos lugares e é como se não estivesse em parte alguma. Até que um pouso forçado o apresenta a Budapeste e, do outro lado do mundo, ele se redescobre. Inventa para si uma nova biografia. Um novo nome. Encontra um novo amor. Encontra a si mesmo. Tanto que escuta Feijoada Completa em húngaro quando, na verdade, a canção está sendo cantada em português. É uma cena bastante ilustrativa. José Costa virou Zsoze Kósta.

Adaptar Chico Buarque para o cinema nunca foi tarefa simples. Com um estilo literário pleno de metáforas e um pé no surrealismo, transpor uma obra de Chico para a tela grande sempre requer soluções criativas. Para tanto, basta lembrar o delírio estético proposto por Ruy Guerra em Estorvo – filme que se caracteriza por levantar as mais diversas e radicais opiniões. Neste aspecto, a produtora e roteirista Rita Buzzar optou por uma abordagem mais simples e direta em Budapeste. O roteiro não é exatamente fiel, mas consegue compreender de modo eficiente o espírito geral da história. A produção também foi bastante favorecida pelo fato de parte do longa ter sido, de fato, filmado em Budapeste, já que obviamente não seria boa idéia falsear uma locação que é para a trama um personagem tão importante quanto seus protagonistas.

O espectador, juntamente com Costa, mergulha na bela cidade amarelada e no modo como sua estranheza inicial em relação ao frio, ao idioma estrangeiro e a uma cultura totalmente sem parâmetros para nós cede ao encantamento e à possibilidade única de criar uma nova biografia para si a partir do nada. Uma nova identidade, húngara, como um homem diante de um jogo de espelhos. De cara, ele se apaixona pelo idioma incompreensível e de cadência ritmada que lembra a poesia. Costa se admira por não conseguir reconhecer onde começa uma palavra e termina outra e fica ainda mais intrigado quando uma linda nativa lhe declara, enigmaticamente, que o húngaro é “a única língua que o diabo respeita”. Está criada a magia.

As sequências filmadas na Hungria tem um apelo tão forte que, em contrapartida, cria-se um pequeno desnível emocional em relação ao trecho rodado no Rio de Janeiro. Por Budapeste – neste caso, a cidade – simbolizar a magia do sonho e o Rio de Janeiro a crueza cotidiana, por vezes tem-se a impressão de que a trama é menos sutil e poética quando ancorada na cidade maravilhosa. Como se as reações do próprio protagonista fossem anestesiadas em solo brasileiro e totalmente expandidas em solo húngaro. Espelhamento também presente nas duas mulheres em sua vida: Vanda, a esposa brasileira, é contida e cheia de asperezas enquanto a Húngara Kriska é um sopro de alegria fluida.

Outro destaque vem da dedicação incansável do sempre talentoso Leonardo Medeiros, que interpreta em húngaro como se realmente compreendesse o idioma. Leonardo declarou na coletiva de imprensa do filme que decorou as falas e se limitou a tentar reproduzir as frases com exatidão, mas sua fé cênica é tão grande que em nenhum momento o espectador deixa de acreditar naquele homem que foi viver em Budapeste e absorveu o idioma a ponto de poder trabalhar e viver seu dia-a-dia lá.

O diretor Walter Carvalho, grande mestre da fotografia, assina seu primeiro longa-metragem sozinho (ele foi co-diretor de Cazuza, entre outros) e evidencia sua maturidade habitual na função. Há que se parabenizar também a determinação de Rita Buzzar, que, desde que leu o livro, se empenhou pessoalmente na obtenção dos direitos de filmagem e em cada etapa necessária para a realização do que se vê agora na tela. Diferente do livro? Certamente que sim, porém sem nenhum demérito ao filme. Adaptar é também uma forma de criar mais um espelhamento, o que soa perfeitamente natural na história de um homem que se desdobra em dois.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Trovão Tropical


Um filme com Ben Stiller é sempre uma caixinha de surpresas. A extensa filmografia do comediante americano tem de tudo um pouco, desde produções bacanas como Tenha Fé e Quero Ficar com Polly até abacaxis como Antes Só que Mal-Casado e Escola de Idiotas. O que esperar então de um filme estrelado, escrito e dirigido por Ben Stiller? Difícil arriscar um palpite, ainda mais se lembrarmos que sua última incursão atrás das câmeras foi o bizarro Zoolander. Felizmente para Ben e para o público em geral, o divertidíssimo Trovão Tropical figurará com muito mérito na coluna de acertos do ator.

O roteiro, escrito em parceria com Justin Theroux e ninguém menos que Ethan Coen, acompanha os bastidores de um épico de guerra filmado no Vietnã. À frente do elenco estão um astro de filmes de ação em plena decadência (Stiller), um comediante famoso por comédias escatológicas (Jack Black) e um ator dramático vencedor de cinco Oscars capaz de tudo por um papel, até mesmo pigmentar a pele para interpretar um personagem negro (Robert Downey Jr.). A incompetência da equipe técnica associada aos egos inflados dos protagonistas enlouquecem o diretor inglês inexperiente (Steve Coogan), que resolve tomar medidas drásticas ao ser ameaçado de demissão pelo executivo casca-grossa (Tom Cruise, com uma caracterização muito doida). Desesperado para finalizar o longa, o cineasta resolve dar uma lição em seus mimados astros e levá-los para filmar na selva em condições reais de perigo e fadiga.

Não é de hoje que o cinema se utiliza da metalinguagem para se auto-esculachar. A situação do “filme dentro do filme” por si só já dá margem a milhares de referências não só ao cinema e a outros filmes, mas a situações externas que o público acompanha nos tablóides. Brigas, ciúmes, jogadas de marketing, disputas pelas maiores mordomias, enfim, o mundo das celebridades virado pelo avesso. E a primeira ótima sacada de Trovão Tropical está logo na abertura, com a inclusão de uma série de trailers falsos dos sucessos anteriores dos astros de Trovão Tropical (neste caso, o filme “de dentro”). Destaque para o hilário Beco do Diabo, com Robert Downey Jr – ou melhor, Kirk Lazarus – como como um padre de olho no colega de batina interpretado por Tobey Maguire, em hilária participação-relâmpago como ele mesmo. Vale destacar o capricho desses trailers, que chegam ao requinte de serem precedidos por logotipos de outros estúdios.

Uma vez iniciada a trama propriamente dita, a metralhadora giratória de piadas, referências e paródias não tem mais fim. As sátiras englobam desde filmes sérios como Platoon e Apocalipse Now até a família Klump do Professor Aloprado. Sem contar referências a Al Pacino, Russell Crowe, Forrest Gump, Indiana Jones e até mesmo Madame Butterfly. E claro que não podia faltar uma cena de cerimônia de Oscar, com destaque para Jon Voight aplaudindo de má-vontade o colega que o derrotou. Outro momento impagável é o discurso de Kirk Lazarus sobre como interpretar um deficiente mental de acordo com o gosto da Academia. Detalhe: isso nem é o que há de mais politicamente incorreto no filme. Tem mais, muito mais.

O elenco está sensacional: afinado, homogêneo e com timing para comédia perfeito. A tão comentada caracterização de Downey Jr. está ótima, embora vê-lo louríssimo e depois negro ainda chame menos atenção do que Tom Cruise como um coroa careca e barrigudo. E o bacana é sentir que cada um dos atores entrou no espírito de gozação do filme, deixando a vaidade totalmente de fora do projeto – ao contrário do que fazem os personagens que eles interpretam. Também são engraçadas as participações de Matthew McConaughey como o agente desesperado para manter o único cliente e de Nick Nolte como o veterano de guerra picareta. E o que dizer do técnico de efeitos especiais piromaníaco que sente um prazer mórbido por quase ter cegado Jamie Lee Curtis?

É claro que Trovão Tropical é uma comédia engraçada por natureza, mas pode ser que não seja tão divertida para quem não pescar as múltiplas referências – algumas não são tão explícitas. Ou pode ser que isso não faça nenhuma diferença e o filme simplesmente caia bem em diferentes graus de percepção para cada um. Afinal de contas, o longa foi campeão de bilheteria em seu final de semana de estréia nos Estados Unidos e rendeu uma indicação ao Oscar 2009 de melhor ator coadjuvante para Robert Downey Jr.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Budapeste - coletiva de imprensa



Aconteceu na última terça, dia 12, a coletiva de imprensa de Budapeste, aguardada versão cinematográfica do livro homônimo de Chico Buarque. Estavam presentes o diretor Walter Carvalho, a produtora e roteirista Rita Buzzar e os atores Leonardo Medeiros, Giovanna Antonelli e Gabriella Hámori. Walter Carvalho iniciou o encontro apresentando os demais e elogiando o pulso firme e dedicação de Rita, que o convidou para assumir a direção do longa e se empenhou na realização de cada etapa dele.

Aberto o debate, tive a oportunidade de inciar com a primeira pergunta. Considerando a naturalidade com que o ator fala húngaro em grande parte do filme, quis saber de Leonardo Medeiros como havia sido a experiência de filmar em Budapeste e interpretar em húngaro.


“O húngaro é uma língua muito diferente da nossa. As raízes linguísticas, a estrutura de formação de frases, as composições... É uma língua que não tem nenhum parâmetro de reconhecimento para a gente. É especialmente complexa e, ao mesmo tempo, de uma beleza ímpar. Parece que você está falando poemas, versos. Eu rapidamente percebi que ia ser uma tarefa muito difícil, para não dizer impossível, e me dediquei quase exclusivamente a entender e interpretar as falas do filme. Mesmo assim, naqueles momentos em que eu falo realmente não dá para saber o que acontece. É um mergulho no vazio, porque no momento em que eu estava falando se parasse para pensar, iria travar. Se eu traduzisse para o português, iria travar. Falar húngaro, não ia conseguir. Então, ali é um momento que implica em algum tipo de magia.”

Perguntado sobre a eterna discussão entre “filme de mercado” e “filme de autor”, Walter Carvalho deixou claro que não é adepto deste tipo de separação. O diretor esclareceu que, embora Budapeste tenha potencial para atingir um público amplo, acredita que existe uma forte carga autoral no longa e que não vê sentido em segmentar os filmes em classificações rígidas como essas:

“Na verdade, são filmes. E deveriam ser considerados apenas filmes (...) É uma coisa muito perigosa você eleger tipos de filmes e colocar em prateleiras.”


Rita Buzzar reforçou o argumento, ao dizer que não vê sentido na postura dos que consideram filme de autor como um mero sinônimo de pouco público.

“O cinema de autor é a cereja do bolo. É a coisa mais difícil do mundo fazer um filme que tenha uma marca própria, uma precisão dessas. Porque autor todos os diretores são, à medida que fazem filmes. Mas essa marca, essa cereja no bolo, é uma coisa muito específica. Então eu acredito em bons filmes. Assim como não acredito em dizer de antemão que determinado filme vai dar dois milhões de espectadores, porque cinema é risco. Se você faz um filme porque acha que vai dar público, pode não não dar (...) Cinema é muito complexo, há uma grande quantidade de variáveis num filme até você conseguir chegar ao lançamento. É insano. Muitos filmes são feitos, e poucos conseguem chegar onde todo mundo quer, que é na visibilidade, no imaginário das pessoas.”

Walter Carvalho, complementando sobre a questão autoral, disse acreditar que é o plano que define o cinema: “Colocar uma câmera num determinado ponto de vista e registrar uma situação de emoção de um filme é uma bandeira que você coloca num território. A câmera só pode ver um momento de cada vez, e a atitude de colocar a câmera em um determinado ponto é onde reside a autoria de um diretor.”

Já a atriz húngara Gabriella Hámori, para quem o livro foi traduzido, contou que a obra literária de Chico é tão conhecida na Europa quanto sua música. A seguir, a moça elogiou o diretor e o ressaltou o quanto este a deixou à vontade em seu processo criativo. No que Giovanna Antonelli, simpaticíssima, fez coro e elogiou a liberdade criativa que recebeu de Carvalho.

Esgotado o sempre escasso tempo para as perguntas e encerrada a coletiva, Rita Buzzar fez a gentileza de me responder a uma última pergunta (essa exclusiva). A questão era o fato dela ter lido o livro em uma única noite e desde já ter tomado a decisão imediata de tornar realidade sua versão para o cinema. Quis saber de Rita o que tanto a apaixonou na época:

“Eu tinha acabado de sair do Olga, uma história de uma mulher com todas as coisas do mundo contra ela, uma história real, com rigor histórico. E de repente no Budapeste, todos os problemas do personagem são internos nele. E quando eu li me empolguei com isso, porque é legal realizar outros desafios. No Olga não precisei viajar, a gente fez Alemanha e Rússia aqui no Rio de Janeiro mesmo. Só que no caso do Budapeste a cidade, assim como a língua, é personagem. E eu tinha ficado com essa coisa da co-produção na cabeça, engasgada de não ter conseguido no Olga, e pensei 'vou ter que conseguir co-produção pra gente filmar em Budapeste'. E deu certo.”

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Hugh Jackman ao vivo e a cores



Numa passagem-relâmpago pelo Brasil, Hugh Jackman concedeu uma entrevista coletiva hoje pela manhã no Copacabana Palace para falar sobre seu novo filme, X-Men Origens: Wolverine. Geralmente coletivas de imprensa ocorrem antes do lançamento de um filme, mas segundo Tito Liberato, representante da Fox que mediou a entrevista, o evento ocorreu como uma celebração ao ótimo desempenho do longa no país – o filme estreou na última sexta e arrecadou mais de um milhão no final de semana.

Simpaticíssimo e muito bem-humorado, Jackman começou saudando os presentes em português e declarando que os australianos em geral tem muita simpatia pelo Brasil. Embora boa parte das perguntas tenha girado em torno do mutante mais importante do universo X-Men, o ator – como não poderia deixar de ser – também foi questionado quanto ao fato de ter sido eleito o homem mais sexy do mundo pela revista People. Ao ser lembrado de que grande parte de seu público é feminino, o ator divertiu-se e disse que ser querido pelas mulheres não é um problema de maneira alguma. Sem barba e muito diferente do visual abrutalhado do personagem, o ator comentou que foi exigência de sua esposa que a barba fosse tirada assim que terminassem as filmagens.

Depois de disputar arduamente o microfone com os demais colegas, consegui afinal fazer a minha pergunta. Lembrando que o primeiro X-Men transformou-o em astro internacional e que ele vem fazendo outros papéis muito diversos entre um filme da série e outro, perguntei se a princípio ele temia virar um refém do Wolverine. O ator enfatizou que é uma pessoa que evita ter medo e que, se não fosse deste modo, não estaria fazendo o personagem. A seguir, exemplificou que tinha medo de altura quando criança, mas conseguiu superar e hoje em dia detesta sentir medo por qualquer outro motivo. Sobre sua versatilidade, declarou gostar de variar personagens e experimentar sempre.

Os momentos de humor ficaram por conta de Rafinha Bastos, repórter do CQC, que entregou ao ator um CD do roqueiro Nasi, informando-o de que o cantor é conhecido como o Wolverine brasileiro. Ao ver a foto do encarte, no qual Nasi de fato posa como o personagem, Jackman brincou: “por que ele não fez teste para o personagem?”. Também Sabrina Sato, do Pânico, quis fazer graça e monopolizou uma considerável parte da coletiva em momentos... como dizer?... de pura azaração com Jackman – eles já se conheciam de uma entrevista anterior no México. Ao ser perguntado que poder gostaria de possuir, o ator disparou: “Seria bom ter o poder da cura como Wolverine, mas também seria bom o que tem o Spectro, o teletransporte. Então eu poderia evitar as filas de revista nos aeroportos e até almoçar com a Sabrina sem ninguém saber.”


As mulheres brasileiras, aliás, foram citadas várias vezes ao longo da entrevista. Ao responder se gostaria de ser um super-herói combatendo o crime no Brasil (!), o ator disse que se o mutante viesse ao Brasil acabaria distraído pelas belas mulheres e deixaria o dever de lado: “O Wolverine tem muitos poderes, mas seu ponto fraco são as mulheres bonitas. Disso ele não consegue se curar. E as brasileiras são as mais bonitas do mundo.”

Encerrada a entrevista, surpresa das surpresas: ao invés de retirar-se da sala à francesa, Jackman veio ao encontro dos jornalistas e respondeu a mais perguntas, autografou encartes e revistas, tirou fotos com todo mundo. Com a maior paciência e boa vontade. Inacreditável.

Hugh Jackman chegou ao Brasil ontem e esteve primeiro em São Paulo, onde visitou o Corinthians para conhecer Ronaldo. Os dois trocaram camisas e elogios, e Jackman, apaixonado por futebol, confessou que conhecer o jogador foi uma experiência intensa e que vários amigos seus certamente estão morrendo de inveja. Esta é segunda vez que o ator vem ao Brasil - a primeira foi há oito anos, na divulgação do filme A Senha. Ele volta hoje à noite para os Estados Unidos e sua simpatia e acessibilidade certamente deixaram muita gente com um sorriso no rosto.

Wolverine & Me


Tá bom, tá bom... Eu sei que não é exatamente o que se espera de uma profissional, mas que mulher não perderia a linha estando ao lado do Wolverine?


segunda-feira, 4 de maio de 2009

Tom e Vinícius – O Musical


Ainda está em tempo para os cariocas assistirem ao vibrante Tom e Vinícius – O Musical. O espetáculo, que completou 100 exibições no Rio de Janeiro no último sábado, segue no Teatro Carlos Gomes até 31 de maio. A peça estreou em São Paulo em setembro de 2008 e desde janeiro deste ano vem encantando os cariocas, ao recriar os primeiros dez anos da parceria entre Tom Jobim e Vinícius de Moraes.

O texto, escrito por Daniela Pereira de Carvalho (a mesma autora de Renato Russo) e Eucanaã Ferraz, opta pela simplicidade e pela nostalgia assumida. A peça se inicia em 1956, quando Vinícius convida o jovem Tom para a primeira parceria: musicar sua peça Orfeu da Conceição. A partir daí, o espetáculo pontua, de forma episódica, os principais fatos que ocorreram nestes dez anos, sempre mantendo em foco a forte amizade que unia o discreto e pacato Tom ao exaltado e sempre apaixonado Vinícius.

Embalado por ótimos números musicais, o público passeia por menções a acontecimentos como os ensaios de Orfeu da Conceição e também a posterior versão cinematográfica realizada pelo francês Marcel Camus (que os dois odiaram, mas ganhou um Oscar), as gravações do disco Canção do Amor Demais (no qual Elizeth Cardoso canta músicas da dupla), o estouro mundial da bossa nova e o polêmico concerto do Carnegie Hall. No campo pessoal, alguns detalhes reforçam as personalidades opostas dos dois gênios, como, por exemplo, a união tranquila de Tom com Teresa e os dramáticos encontros e desencontros de Vinícius com duas das nove esposas que teve, Lila Bôscoli e Lucia Proença – ambas interpretadas pela elegantérrima Guilhermina Guinle.

Numa interpretação inspirada, Thelmo Fernandes incorpora o jeito brincalhão e sedutor do nosso famoso Poetinha. Intelectual, boêmio, carismático, apaixonado pela vida e pelo momento presente, insuperável com as palavras, Vinícius de Moraes tinha fama de conseguir convencer qualquer pessoa a fazer qualquer coisa – ainda mais se fosse uma bela mulher. Recriar com credibilidade todas as facetas desse artista complexo e ainda tão vivo, tão presente na nossa memória, está longe de ser tarefa fácil. Mas Thelmo, experiente em musicais e talentoso à toda prova, enche o personagem de graça e humanidade e supera o desafio com louvor.


Igualmente árdua é a tarefa de Marcelo Serrado, justamente por interpretar a metade mais introvertida da dupla. Como fazer o genial porém tímido maestro não ser ofuscado diante do explosivo Vinícius? Com equilíbrio, charme e simpatia inquestionáveis. Recriando os gestos, o modo de falar, o tão característico cantarolar ao piano. Aos poucos, aquele jovem Tom de fala mansa vai se impondo como um contraponto ao enérgico Vinícius. E os dois, juntos, se complementam e emocionam o público ao retratar sua amizade afetuosa e desinteressada e a visão de um Rio de Janeiro que ainda fervilhava de esperança. Vale ressaltar que os dois atores, além de suas qualidades interpretativas e musicais, também têm ótima química e dão grande credibilidade ao espírito de cumplicidade entre seus personagens.

Durante duas horas de espetáculo, desfilam no palco clássicos como Chega de Saudade, Carta ao Tom, Samba do Avião, Águas de Março, Desafinado, Samba de uma Nota Só, Se Todos Fossem Iguais a Você, Ela é Carioca e, claro, o ícone Garota de Ipanema, com direto a uma sensacional recriação do encontro musical de Frank Sinatra e Tom Jobim. Outro momento que vale destacar – e que talvez seja o mais belo de toda a peça – é a cena em que Thelmo/Vinícius fala com ternura e emoção sobre o fim de seu amor por Lila Bôscoli, tendo ao fundo projeções da Cidade-Luz. No outro canto do palco, Marcelo/Tom senta-se ao piano e, acompanhado da bela e potente voz de Lilian Valeska, executa Eu Sei Que Vou te Amar.

Além das músicas, o espetáculo utiliza-se de frases ditas pelos homenageados e também de alguns trechos de versos famosos do Poetinha, como o Soneto da Separação e o Soneto de Fidelidade (aquele que fala que o amor deve ser infinito enquanto dura). Os demais atores do elenco, além de interpretarem os números musicais, incorporam personalidades com as quais conviveram os protagonistas – o que inclui ícones como Dolores Duran, Frank Sinatra e Elizeth Cardoso. Destaque para Carol Bezerra e Marilice Cosenza e suas ótimas personificações de Elizeth e Dolores.

Mas como finalizar uma história que narra apenas um pequeno período de duas vidas que foram tão além do que é retratado naquele breve recorte? A solução não podia ser mais eficiente. Numa conversa de bar cheia de camaradagem, Tom e Vinícius profetizam um para o outro um resumo do que ainda vai lhes acontecer dali em diante. Simples, bonito e muito emocionante. A platéia, entusiasmada, aplaude freneticamente. Foi uma bela noite.

Tom e Vinícius – O Musical. Texto: Daniela Pereira de Carvalho e Eucanaã Ferraz. Direção: Daniel Herz. Com Thelmo Fernandes, Marcelo Serrado, Guilhermina Guinle, Lilian Valeska, André Araújo, Carol Bezerra, Marilice Cosenza, Pedro Lima, Julia Gorman, Ana Ferraz, Luiz Nicolau, Ricardo Conti, Luciana Bollina, Marcelo Rezende. 120 minutos.

Teatro Carlos Gomes (Praça Tiradentes, 19 – Tel: 2232-8701), quinta a sábado às 20h; domingo às 18h. Ingressos a R$30 (qui) e R$40 (sab a dom).

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Leite Derramado

Às vésperas da estréia da esperada versão cinematográfica de Budapeste – prevista para 22 de maio –, conferi o novo romance de Chico Buarque. Leite Derramado narra, em primeira pessoa, as memórias do centenário Eulálio Assumpção. Agonizante em um leito de hospital, o protagonista rememora não apenas sua vida mas também toda a saga de sua outrora ilustre família. Descendente de uma nobre estirpe que inclui um barão do Império e um senador da primeira República, Eulálio viu o prestígio e poder aquisitivo de sua família decair a partir de sua geração. Sem rumo desde que a esposa, Matilde, saiu de sua vida, foi um pai omisso para a confusa Maria Eulália. Cheio de descendentes que levam seu nome – neto, bisneto, tataraneto –, ele confunde e funde todos esses eulálios cujo parentesco não consegue mais distinguir.

Essas são apenas algumas das pequenas histórias que conta num fluxo de consciência, perdido entre delírios e lembranças. Dirige-se a uma enfermeira, à filha, ou a quem mais se dispuser a ouvir. Desrespeitando a ordem cronológica e menosprezando a acuidade, Eulálio é um narrador nada confiável, visto que falseia a própria história. E o leitor enreda-se nas idas e vindas do personagem, aos poucos montando o estranho quebra-cabeça de sua biografia. Algumas questões cruciais, como o destino da amada esposa Matilde, ficam abertas à interpretação. Outras aos poucos são desveladas a contragosto, como seu racismo e sua negação irracional do fato de ter se casado com uma mulata.

Em seu quarto romance, Chico Buarque distancia-se do tom kafkiano de suas obras anteriores e segue em um estilo diverso, porém igualmente genial. Com naturalismo e singeleza, o autor cria uma narrativa refinada, cheia de associações diretas e indiretas. Através de suas mentiras e omissões, Eulálio deixa entrever mágoas seculares e feridas não cicatrizadas. O título do livro, que parece abstrato a princípio, faz todo sentido quando terminada a leitura. Uma curiosidade: comenta-se que um dos primeiros leitores dos originais foi Rubem Fonseca, que recomendou a Chico que trocasse o título.

Para quem é fã do nosso grande compositor-cantor-dramaturgo-escritor, a dica é obrigatória. E aqueles que ainda não conhecem sua porção literária, certamente se encantarão com sua maturidade e domínio da arte literária.

X-Men Origens: Wolverine


Basta chegar aos cinemas uma adaptação de HQ para que os fãs já de antemão se munam de prevenção absoluta contra qualquer mínima alteração em relação ao original, ignorando completamente o significado da palavrinha adaptação. Então a coisa pode ficar feia em relação a este X-Men Origens: Wolverine. O filme solo do mutante mais sensacional da galeria dos X-Men's provavelmente vai gerar uma legião de descontentes, já que alçar Wolverine ao posto de protagonista absoluto automaticamente faz com que os demais mutantes sejam relegados a coadjuvantes ou meros figurantes no longa. Bobagem. Com a única pretensão de ser um ótimo filme-pipoca, Wolverine entrega exatamente isso ao espectador.

A trama é uma prequel a X-Men – O Filme e se passa numa época anterior ao encontro de Wolverine com Vampira no bar de beira de estrada, dissecando as origens de Jimmy Logan desde a infância. A excelente cena de abertura mostra como Logan e Victor Creed (mais tarde, o famoso Dentes de Sabre) descobrem suas habilidades ainda crianças e se unem numa simbiose que dura várias décadas e muita confusão. Mas aos poucos Logan começa a se sentir incomodado pela natureza excessivamente violenta e obscura de Victor, o que só piora depois que eles são cooptados pelo general William Stryker para integrar uma equipe de soldados mutantes que faz trabalhos sujos para o exército americano.

Logan dá uma basta e tenta levar uma vida pacata, até que Stryker e Creed aparecem novamente em sua vida e destroem o frágil equilíbrio que ele construíra para si. Transtornado pelo ódio, Logan aceita ser usado numa experiência que o tornará indestrutível – se não matá-lo. É quando o adamantium, liga metálica ultra resistente, é fundido a seu esqueleto e suas garras passam a ser armas ainda mais letais. E assim Jimmy Logan torna-se Wolverine e parte em busca de vingança.


Hugh Jackman, como sempre, é perfeito para o papel. De tal modo que hoje em dia fica impossível imaginar outra face para Wolverine. Perigoso, feroz, mas dotado de uma consciência que o distingue de Victor mesmo nos seus momentos mais revoltados, Jackman é a alma deste filme. Encontrar alguém à altura para antagonizá-lo como Creed não é tarefa das mais fáceis. Mesmo porque Dentes de Sabre representa uma versão deturpada do que poderia ser o próprio Wolverine caso cedesse a seus instintos mais primitivos. Liev Schreiber dá conta do recado. Seu Victor Creed é assustador desde a primeira cena, deixando claro que é um cara com quem não se deve mexer. Não se pode dizer o mesmo de Danny Huston, que deixa a desejar como Stryker. Lynn Collins também decepciona, por não transmitir o espírito de sedução e persuasão de sua personagem, Kayla Silverfox. No mais, Taylor Kitsch faz boa figura como o malandro Remy LeBeau, ou Gambit. No restante do elenco, nada mais a destacar.

Exageros? Sim, muitos. Mas isso não é nenhum defeito em um filme que parte do pressuposto da existência de mutantes. O sul-africano Gavin Hood, de Infância Roubada, realiza um filme ágil e eletrizante, mas sem abrir mão de criar a empatia necessária entre o público e seu protagonista. Se bem que nem precisava. Os outros mutantes que me perdoem, mas Wolverine é o cara.