segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Tudo sobre David Lynch


Excelente notícia para o carioca que aprecia o mundo surreal de David Lynch: de 8 a 20 de dezembro, a Caixa Cultural promove uma completíssima mostra sobre o cineasta, composta por nada menos que quarenta filmes. Estão programados não apenas filmes que Lynch dirigiu, mas também alguns que contam com sua participação como ator ou entrevistado, além de longas da sua filha, Jennifer Lynch, e filmes que de um modo geral influenciaram sua obra. O curador da mostra, Mario Abbade, conseguiu reunir todo o material que o cineasta já produziu para cinema e TV ao longo de sua extensa carreira. E o melhor é que boa parte desse material nunca foi exibido no Brasil. Amantes do bizarro, comemoremos!

Serviço:

Mostra David Lynch – O Lado Sombrio da Alma
Caixa Cultural (Cinemas 1 e 2)
Av. Almirante Barroso, 25 - Centro
Tel.: 21 2544-1019 (ao lado da Estação Carioca do Metrô)
Ingressos: R$ 4,00 e R$ 2,00

domingo, 29 de novembro de 2009

Sonhos de um Sedutor


Gostando ou não de seu trabalho, ninguém pode negar que Woody Allen tem uma marca inconfundível, como só os grandes gênios costumam ter. Quando pensamos no cineasta, a primeira palavra que vem à mente é neurose. E isso ocorre porque o foco central de seus filmes sempre foi a figura humana, com suas fobias e bizarras contradições. Woody é diretor, roteirista e, muitas vezes, protagonista de seus filmes. Mas o nova-iorquino Allan Stewart Konigsberg – ou simplesmente Woody Allen, apelido que inventou para si mesmo – passou por diversas fases até encontrar a maturidade atual. No começo de sua carreira, enveredou por comédias amalucadas, como Um Assaltante bem Trapalhão, Bananas e O Dorminhoco. Justamente nesta época, seu primeiro passo em direção ao cinema mais intelectual que ele faria a partir de Annie Hall (1977) se deu pelas mãos de outro diretor.

A despeito de ter sido dirigido por Herbert Ross, Sonhos de um Sedutor é a representação clara de uma transição na carreira de Woody Allen. Tanto que muita gente credita sua direção ao próprio Woody Allen e não a Ross – o que é compreensível, já que o roteiro foi escrito por Woody a partir de uma peça de teatro que ele escrevera alguns anos antes. De todo modo, o longa explora um tema que seria retomado com maestria em A Rosa Púrpura do Cairo: o do personagem que tenta obter através do cinema as respostas que não encontra na vida real. Já o título original, Play it Again, Sam (Toque de novo, Sam), brinca com a famosa frase de Casablanca que, na verdade, nunca foi dita desse modo no filme.

O protagonista da história é Allan (nome verdadeiro do cineasta), um crítico de cinema com tendências depressivas que acaba de ser abandonado pela esposa. Um casal de amigos, Dick e Linda, tenta lhe arrumar encontros com outras garotas, mas o coitado se atrapalha cada vez mais depois que começa a receber conselhos de Humphrey Bogart, ou melhor, Rick Blaine (com direto a sobretudo e chapéu). Boogie brinda Allan com conselhos no mínimo duvidosos e lhe diz pérolas como “nunca conheci uma mulher que não entendesse um tapa na boca”. Para embaralhar ainda mais as coisas, Allan começa a perceber que sente-se atraído por Linda e que ela é a única mulher com quem ele se sente à vontade.

Sonhos de um Sedutor é um trabalho divertido e referencial, mas ainda bastante imperfeito em termos de roteiro. Alguns diálogos soam um pouco artificiais e algumas gags parecem exageradas, mas essa sensação se impõe sobretudo pela comparação com a trajetória posterior do cineasta. O que é especialmente interessante de ser observando pelo espectador que admira a obra de Woody, já que a trama parece uma espécie de rascunho da maturidade artística que ele começaria a consolidar a partir de Annie Hall. Outra curiosidade é assistir à primeira das inúmeras parcerias entre o cineasta e a atriz Diane Keaton (com quem ele foi casado depois disso). E convenhamos, um trabalho imaturo de Woody Allen ainda é muito melhor do que a filmografia inteira de certos diretores.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Procedimento Operacional Padrão


Procedimento Operacional Padrão toca em um tabu para os americanos: o abuso do exército do Tio Sam contra seus presos acusados de terrorismo. Assunto que já foi tema de outro documentário recente, o contundente O Caminho para Guantánamo, de Michael Winterbottom. Enquanto o longa de Winterbottom focava suas denúncias na prisão americana em Cuba, Errol Morris optou por um episódio muito mais documentado: as humilhações sofridas pelos presos de Abu Ghraib. Para quem não está ligando o nome ao escândalo, trata-se daquela prisão iraquiana que os americanos transformaram em campo de detenção de suspeitos de terrorismo logo que ocuparam o país. Para vigiar os prisioneiros, foram designados soldados inexperientes, que logo começaram a espantar o tédio se divertindo sadicamente às custas dos detentos. O horror se tornou público através de fotos tiradas pelos próprios soldados – orgulhosos de seus quinze minutos de poder – que acabaram vazando para a mídia.

Qualquer um que não tenha estado em Saturno nos últimos anos teve oportunidade de ver nos noticiários as imagens da soldado Lynndie England puxando um homem nu por uma coleira. Ou fazendo sinal de positivo ao lado de um cadáver desfigurado. Como dizem os publicitários, uma imagem vale por mil palavras. E essas imagens são tão claras e inquestionáveis que é impossível não se irritar com o filme quando vemos que grande parte da projeção é dedicada a deixar não apenas Lynndie (que surge na tela toda produzida), mas todos os envolvidos se defenderem ou empurrarem a responsabilidade para outros. Depoimentos de pessoas que já foram condenadas por seus crimes só fazem sentido quando trazem uma nova luz aos acontecimentos, mas não é o que acontece. Com explicações como “todo mundo fazia” ou “mandaram que eu fizesse”, os soldados tentam justificar o injustificável.

O filme ganhou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim do ano passado, o que eu considero um exagero. De todo modo, vale para que o espectador tenha uma visão completa da quantidade de provas materiais e da extensão do dano causado pelos auto-intitulados “defensores da liberdade” à população iraquiana. Ao ouvir alguns depoimentos, fica bem claro que os americanos estavam deliberadamente tirando de circulação qualquer homem que estivesse em idade e condições físicas de lutar contra eles. E, uma vez detido em Abu Ghraib, não fazia a mínima diferença se o cara era, de fato, envolvido com terrorismo ou apenas resolveu comprar pão na hora errada.

Também a imensa quantidade de fotos sádicas tiradas pelos recrutas e guardadas como souvenir dá uma medida da total falta de preparo desses soldados. Alienados, a maioria se comportava como se estivesse jogando videogame e não lidando com a vida de seres humanos reais. Um caso em que simplesmente punir os autores dos crimes não resolve nada: também o exército americano precisaria reavaliar seus métodos de treinamento, já que aquelas pessoas estavam ali representando a instituição. O próprio título do filme dá uma dica do quanto o modus operandi oficial influencia (para o mal) um soldado despreparado, ou seja, há uma linha divisória não muito clara entre o procedimento padrão e a tortura indiscriminada. Os abusos institucionalizados do exército americano alimentam seus próprios monstros.

Em termos de concepção, o filme derrapa ao fazer dramatizações exageradas e animações sem propósito a respeito dos fatos. A música de Danny Elfman, geralmente um fator de qualidade nos filmes, aqui parece deslocada e exagerada, chegando a distrair o espectador do que está sendo mostrado. As fotos são exibidas na tela com um excesso de efeitos especiais que só diminuem o impacto das mesmas. Sabe aquelas pessoas que descobrem o Power Point e de repente começam a brincar com o programa o tempo todo, fazendo tudo em slides e mandando para os amigos? É a impressão que temos ao ver algumas cenas do filme. Um pouco mais de sobriedade não faria mal algum.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Deixa Ela Entrar


Em tempos de intensa massificação de tudo que diz respeito a vampiros e vampirismo, é um alívio assistir a um filme como este Deixa Ela Entrar. Embora o tema realmente esteja batido ao ponto de não ser possível vislumbrar no horizonte nada de realmente original em termos de argumento, este interessante longa sueco consegue surpreender justamente por tratar um assunto manjadíssimo por uma perspectiva completamente original.

Podemos dizer que Deixa Ela Entrar é o anti-filme de vampiro, já que passa bem longe de todas as vertentes usualmente exploradas no gênero. Não é um filme de terror e nem se rende a sustos, embora não fuja das tomadas sangrentas; não é uma história ao estilo “vampiros são descolados”, tão em voga graças aos filmes da série Crepúsculo e a seriados como True Blood e The Vampire Diaries; e muito menos podemos encaixá-lo no segmento do trash e suas irreverências. Nada disso se aproxima dos caminhos seguidos por esta bela e estranha história. Incrível como é mais fácil definir o filme pelo que ele não é.

Logo na primeira cena, conhecemos Oskar. 12 anos, frágil, pálido, arredio, perseguido pelos meninos mais velhos, filho de pais separados, vivendo com uma mãe pouco participativa, enfim, o protótipo de um garoto desajustado. Da janela de seu quarto, Oskar observa a chegada sorrateira de seus novos vizinhos. Não tarda até que ele se encontre no pátio com Eli, uma menina da mesma idade que ele. Embora a garota avise ao primeiro contato que não pode ser sua amiga, eles logo se tornam inseparáveis. Oskar não parece estranhar o fato da amiga só sair para brincar à noite e não ir à escola. Afinal, quem é ele para achar alguém esquisito, sendo ele próprio tratado como um anormal pelas outras crianças?

Ao mesmo tempo em que enfoca a pureza da amizade entre o garoto desajeitado e a vampira-menina de olhos melancólicos, o filme acompanha o crescente temor que vai tomando conta dos adultos conforme as autoridades da região começam encontrar cadáveres com o sangue drenado. Mas o filme não se detém no mundo dos adultos mais do que o estritamente necessário para contextualizar a trama. O foco do diretor Tomas Alfredson é o afeto incondicional que une Oskar a Eli enquanto enfrenta as dores do crescimento; ele é um menino prestes a se tornar um adolescente e ela, uma menina que nunca irá crescer. Seres muito diferentes, mas que, no fundo, não parecem ser. Pelo contrário: o amor entre os dois personagens – cada um indefeso a seu jeito –, rodeados por uma paisagem eternamente gelada e sentimentos idem, parece o caminho mais natural. Destaque para a comovente cena em que ela pede para entrar no quarto dele durante a noite.


O roteiro pleno de poesia e crueldade foi escrito pelo próprio autor do romance, John Ajvide Lindqvist. Uma pena que um trabalho tão caprichado derrape um pouco no desfecho, que soa meio em desacordo com o estilo que o filme vinha apresentando até então. Mais do que isso: parece um final desajeitado e apressado para um trabalho que estava quase atingindo a excelência. Fica aqui uma pergunta inversa à feita no post sobre Policial, Adjetivo (ver abaixo): um final decepcionante invalida um filme que foi todo bom até chegar lá? Não. Não chega a tanto. Mas quebra um pouquinho o encanto do espectador.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Rebú


O espectador carioca tem apenas mais uma semana para conferir Rebú, o novo e instigante espetáculo da Cia Teatro Independente. Depois de uma longa temporada com Cachorro! – um mergulho no universo rodrigueano e na dramaticidade do tango –, a companhia teatral estreia um novo texto do dramaturgo Jô Bilac.

A trama é simples e remete ao estilo dos folhetins de época: os recém-casados Bianca e Matias tem sua felicidade conjugal atrapalhada pela chegada da sorumbática Vladine, irmã de Matias que supostamente se encontra à beira da morte. Ranzinza e cheia de exigências, a megera enlouquece a cunhada com suas demandas impossíveis. Como se não bastasse, ainda traz consigo outro hóspede cheio de particularidades: Nathaniel – falar mais sobre ele é estragar uma excelente surpresa. Mas nada como um dia depois do outro. Bianca aguenta as desfeitas calada, até o dia em que descobre algo que usará sem piedade contra Vladine. No meio do fogo cruzado entre as duas mulheres de sua vida, Matias não percebe a bomba-relógio prestes a explodir. E o público, tão indeciso quanto ele, terá dificuldades em eleger uma vilã.

Assim como ocorria em Cachorro!, a direção, cenografia e toda concepção teatral é cuidadosamente pensada de modo a potencializar e ressaltar a interpretação dos atores. Sobre um tablado de madeira vazio, com apenas uma cortina ao fundo e tendo a iluminação como principal recurso dramático, os ótimos Carolina Pismel, Júlia Marini, Paulo Verlings e Diego Becker se digladiam numa história repleta de jogos de poder, rompantes de ciúme, promessas de amor e fidelidade, segredos tenebrosos e reviravoltas melodramáticas – sem contar a deliciosa pitada de surrealismo inserida pelo personagem Nathaniel.

A direção firme e precisa de Vinícius Arneiro entrega um espetáculo vibrante e cheio de tensão, mas igualmente temperado por um humor bastante refinado. Num equilíbrio perfeito entre o trágico e o cômico, o espetáculo mantém o espectador de olhos bem abertos para a explosão de variadas emoções que brotam de cada um dos atores, numa encenação que certamente os deixa esgotados fisicamente, dada a intensidade com que eles se entregam à cena.

Também não se pode deixar de notar a beleza das partituras de movimentos, que muitas vezes se assemelham a passos de tango ou dança flamenca (característica também presente em Cachorro!, e aqui melhor explorada por conta do tablado de madeira). Mais do que uma mera coreografia, a movimentação dos atores em cena parece captar o espírito de intenso drama dessas artes. A iluminação – perfeita! – busca inspiração no cinema, em especial no expressionismo alemão, e diz muito mais com suas luzes e sombras do que qualquer cenário ou acessório decorativo.

Rebú é um espetáculo, no real e completo sentido da palavra, e tem que ser visto por todos, mas sobretudo por quem trabalha com linguagem teatral. É uma aula.

Rebú. Até 30 de novembro, na Sede da Cia de Atores. Rua Manoel Carneiro, 10/12 – Lapa (Escadinha Selarón). Sábado, domingo e segunda às 20h. Ingressos R$20. Duração: 1h15.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Lua Nova


Ao contrário da maioria das pessoas, eu não achei Crepúsculo um filme ruim. Não de todo. Descontados os “defeitos” especiais vergonhosos e a sem-gracice de Kristen Stewart, até que o filme dava para o gasto. Dentro do padrão de um filme para adolescentes, é claro. E, lembrando que a franquia Harry Potter só deslanchou mesmo a partir do terceiro filme, eu esperava sinceramente um upgrade da chamada saga Crepúsculo a partir deste Lua Nova. Catherine Hardwicke substituída na direção por Chris Weitz, inclusão de Michael Sheen e Dakota Fanning no elenco... tudo indicava uma melhora geral. Então como Lua Nova consegue ser pior do que Crepúsculo?

É até complicado apontar o que deu errado, já que, como adaptação, o filme não se desvia muito de nenhuma das situações apresentadas no livro. Os efeitos visuais, de um modo geral, deram uma melhorada – com exceção dos lobisomens, que parecem excessivamente fakes. A maquiagem continua estranha e ainda mais prejudicada por alguns erros de continuidade. A pressa de fazer um novo filme em menos de um ano (Crepúsculo estreou em dezembro do ano passado) e o orçamento apertado (US$ 50 milhões, muito pouco para um blockbuster) certamente contribuíram para esse resultado insatisfatório, mas o público não tem nada a ver com essas questões executivas. Pior: fica-se com a sensação de uma produção feita única e exclusivamente para ludibriar a platéia e encher os cofres.

O saldo final é um filme sem carisma, com ritmo arrastado e uma concepção estética que beira a cafonice, a despeito da beleza da fotografia. Talvez seja uma questão de olhar, de abordagem mesmo. Também é estranho como algumas situações são jogadas na tela sem um mínimo de sutileza, defeito que fica mais gritante na parte final, quando os personagens se encontram com o clã dos Volturi. A partir do momento em que Alice vai à casa de Bella, o roteiro pula de uma cena a outra sem transição e uma trama que vinha se arrastando com toda lentidão se acelera de repente, como alguém tivesse avisado ao diretor que estavam no último rolo de filme e que ele tinha que terminar rapidinho.


Chris Weitz entrega um filme superficial e açucarado, repleto de cenas longas e situações repetitivas, o que só fica mais enjoativo em consonância com a eterna cara de paisagem de Kristen Stewart. Bella feliz, Bella sofrendo... e Kristen com a mesma expressão. Robert Pattinson é mais consistente como Edward, mas neste filme fica menos tempo em cena; Taylor Lautner, o Jacob, é apenas correto. Ashley Greene injeta vida nas cenas em que aparece como Alice, a mais receptiva da família vampiresca de Edward. O restante da família Cullen, assim como os colegas de escola de Bella, são inexpressivos de dar dó. E o que dizer das participações pífias e constrangedoras de Michael Sheen e Dakota Fanning?

Se vai fazer sucesso? Claro que sim. Vai lotar os cinemas e ficar meses em cartaz. Filmes assim já são sucesso anunciado, independente da qualidade dos mesmos. Mas isso não é desculpa pra entregar qualquer coisa aos espectadores. Os leitores da série mereciam um produto melhor.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O Amor Pede Passagem


Há oito anos, Jennifer Aniston era uma das mulheres mais invejadas do mundo. Não apenas era a estrela de um dos seriados mais vistos e comentados de todos os tempos – Friends – como tinha acabado de se casar com um dos solteiros mais cobiçados de Hollywood – Brad Pitt. Paralelamente às 10 temporadas de Friends, Jennifer ainda vinha engatando uma carreira promissora no cinema e tinha feito um par de filmes interessantes como A Razão do Meu Afeto e Por um Sentido na Vida. Mas o destino foi cruel com a moça. Friends acabou, Brad a deixou por Angelina e, como se não fosse o suficiente, sua carreira na sétima arte nunca decolou pra valer. Mas, neste último quesito, a culpa é da atriz, que parece estar sempre interpretando a Rachel de Friends. É bem verdade que ela ainda é a integrante do seriado que vem se saindo melhor, mas isso não chega a ser um grande consolo.

Neste O Amor Pede Passagem (título em português pouco criativo para Management), Jennifer divide a tela com Steve Zahn, um ator que trabalha em muitos filmes, mas tem pouca coisa na filmografia digna de nota. Portanto, é meio difícil não pensar nesse longa como um encontro de atores que não deram certo. Mesmo porque Jennifer e Steve tem química zero e não convencem como casal em nenhum momento do longa. No filme, ela é Sue, uma marchand de segundo escalão (compra quadros para decorar escritórios e não obras de arte), e ele é Mike, gerente do hotel dos pais e tão desesperado para arrumar uma garota que tenta cantadas baratas com as hóspedes atraentes. Sue, de passagem e entediada, transa com Mike por piedade (ou assim parece). Ele entra numa de psicopata-gente-boa e passa a persegui-la porque está convencido de que ela é a mulher da sua vida. Junte-se a isso um ex-namorado rico e idiota e um novo amigo “sem noção” para Mike e está pronto o recheio do bolo.

O filme oscila entre o previsível e o inverossímil, ou seja, toda vez que tenta escapulir da cartilha inevitável do conto de fadas ao estilo a dama e o vagabundo, cai no absurdo, tentando fazer graça a partir de situações que não encontram nenhum eco na realidade. Um exemplo disso é a fase monge budista do personagem, que não tem a mínima graça justamente por ser tão absurda e deslocada. Os personagens são rasos, sem consistência, interpretados de modo automático pelos atores. A direção do estreante Stephen Belber não diz a que veio, não imprime nenhum tipo de estilo ou marca ao longa. O resultado final é mais do mesmo, um filme sem personalidade, apático, e muito parecido com milhões de outros que são feitos na inesgotável linha de montagem hollywoodiana das comédias românticas. Para resumir em apenas uma palavra, desnecessário. Estreia amanhã.

sábado, 14 de novembro de 2009

Policial, Adjetivo


Christi é um jovem policial romeno que se ve em um dilema moral: ao investigar um adolescente que supostamente repassa haxixe para os amigos, percebe que o caso contem lacunas demais para que ele possa armar um flagrante sem que depois lhe pese a consciência. Christi questiona o porquê de seu informante denunciar o próprio amigo e também o fato de não haver nenhuma prova confiável de quem realmente fornece a droga. Também acha excessivo que seu país seja o único da Europa que ainda considera alguém que oferece drogas como traficante. Mas seu chefe não está nem aí para o fato de que possivelmente o rapaz ficará sete anos preso por uma bobagem e pressiona Christi a executar o flagrante e encerrar o caso o quanto antes.

Um bom final realmente redime um filme de todos os seus defeitos? Acredito que nem sempre, mas no caso do longa romeno Policial, Adjetivo a máxima é verdadeira. Não que se trate de um filme ruim no geral, mas a trama é incrivelmente arrastada até a sensacional sequência do desfecho. Embora parta de um argumento questionador e inteligente, o novo filme de Corneliu Porumboiu (A Leste de Bucareste) se desenvolve de forma claudicante e tem um ritmo (ou falta dele) muito cansativo. Está certo que talvez fosse intenção do diretor transmitir a rotina cheia de burocracia, procedimentos e repetições do policial Christi, mas isso não altera o fato de que em certas passagens os bocejos são incontroláveis. Mas aí vem uma sequência final realmente incrível e provocadora e você, espectador, se enche da mais pura e irrestrita admiração pelo filme. Mais: começa a achar que o miolo não foi tão lento assim, você é que deveria estar sem paciência. E assim, aos 45 do segundo tempo, um filme que você estava considerando apenas mediano vira um filmaço. E o título estranho não só faz sentido como ainda dá uma dimensão extra ao longa. Magia do cinema e genialidade de Porumboiu.

Para nós, fica ainda a curiosidade de ver o protagonista tomando uma Skol. Estreia na próxima sexta.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Aconteceu em Woodstock


O ano é 1969 e o jovem Elliot Tiber abandonou sua vida em Nova Iorque e seu sonho de tornar-se um pintor de sucesso para retornar à pequena White Lake para tentar ajudar os pais a administrar o motel da família, que está falido e prestes a ser confiscado pelo banco. Ao saber que um festival de rock que aconteceria numa cidade vizinha teve sua licença revogada, Elliot, que é membro do conselho municipal e tem uma autorização para promover eventos culturais, resolve tentar trazer o evento para sua propriedade e, dessa forma, arrecadar fundos para salvar os negócios da família. O que ele não podia imaginar é que o evento - o mítico Festival Woodstock – reuniria meio milhão de pessoas na pequena cidade e se transformaria numa celebração que definiria toda uma geração e influenciaria a cultura popular de forma definitiva.

Ao longo de três dias, cerca de meio milhão de pessoas viraria pelo avesso a rotina pacata de uma pequena cidade, em um acontecimento fadado a inscrever-se definitivamente na memória coletiva. Aconteceu em Woodstock remete a esse espírito, embora absolutamente nada do Festival em si seja mostrado na tela. Quem estiver esperando ver uma recriação das célebres apresentações de ícones como Jimi Hendrix ou Janis Joplin, pode esquecer. Baseado no romance Taking Woodstock: A True Story of a Riot, a Concert, and a Life, escrito por Tom Monte e pelo próprio Elliot Tiber, este novo trabalho de Ang Lee usa o acontecimento como pano de fundo e concentra-se nos personagens que fizeram o evento acontecer, e em especial na perspectiva de Elliot.

Embora o Festival paire sobre o filme, não é a música que interessa a Lee e sim o ritual de autodescoberta e conquista da liberdade pelo qual passa o protagonista, um rapaz de origem judaica com homossexualidade reprimida e uma extrema dificuldade em tomar as rédeas de sua própria vida. O modo como a trama aborda Elliot faz com que o filme lembre um pouco outra produção sobre música ambientada quase na mesma época, Quase Famosos. Só que o caso de Elliot é muito mais um momento de virada do que um rito de amadurecimento. Ele precisa desesperadamente de algo que o impulsione a mudar de rumo, e por isso o encontro com o estilo hippie, o desbunde, as drogas, enfim, toda a cultura do “paz e amor” causa um choque e sede de liberdade tão intensos.


Para o papel de Elliot Tiber, Ang Lee apostou no desconhecido Demetri Martin, que, aliás, tem uma ficha mais extensa como autor de televisão do que como ator. Boa escolha. Martin não apenas dá conta do recado como o fato de ser um rosto desconhecido confere um quê maior de realismo ao longa. Claro que para compensar o salto no escuro, foram escalados atores tarimbados como os britânicos Imelda Staunton e Henry Goodman – ambos arrasam como os pais de Elliot. Destaque também para o ex-militar transexual vivido por Liev Schreiber e as participações de astros em ascensão como Paul Dano, Jeffrey Dean Morgan e Emile Hirsch. Este último, aliás, é responsável por uma das melhores falas do filme. Seu personagem é um soldado recém-chegado do Vietnã com dificuldades de readaptação, e diz que gostaria de voltar para lá com o seguinte argumento: “Lá eu sou normal”. Uma curiosidade: Emile Hirsch cabeludo e fazendo cara de doido parece uma versão magra do Jack Black.

Com este ótimo e bem dirigido filme, Ang Lee prova mais uma vez sua versatilidade e competência como diretor. Depois do altamente estilizado e oriental Desejo e Perigo, o cineasta volta seus olhos para a geração americana que viveu a era da contracultura, dos protestos e do Vietnã e realiza um filme vibrante e pleno de afetividade sobre o espírito que norteou Woodstock... sem mostrar o Festival de Woodstock. 

Elementar?


O trailer do esperado Sherlock Holmes de Guy Ritchie já está dividindo opiniões entre os cinéfilos. Famoso por seus filmes com personagens do submundo londrino, Ritchie parece ter imprimido sua pegada marginal a um personagem que a maioria das pessoas imagina como um senhor muito sério fumador de cachimbo. E o que se pode ver no trailer oficial é que o Holmes de Robert Downey Jr. exercita bem não apenas as células cinzentas, mas também os músculos e a libido. Embora continue fumando seu cachimbo. E também podem esquecer o Watson bonachão e de óculos que ficou cristalizado no imaginário popular, já que neste longa o fiel assistente de Sherlock Holmes ganha os olhos azuis de Jude Law.

A princípio não tenho absolutamente nada contra desconstruir a imagem de um personagem tradicional, mas é preciso tomar cuidado para que ele não acabe perdendo a essência, o charme original - como vem acontecendo com o James Bond de Daniel Craig.

Enquanto Sherlock Holmes, que tem previsão de estreia apenas para 08 de janeiro de 2010, não chega, confiram o trailer:


segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Tokyo!


Filme em três episódios, cada um dirigido por um cineasta diferente. Design de Interiores, de Michel Gondry, acompanha um jovem casal que se muda para Tóquio e tem diversas dificuldades de adaptação, desde encontrar um lugar para viver até uma bizarra transformação no corpo da garota. Merda, de Leos Carax, é sobre um misterioso terrorista surgido dos esgotos que apavora os habitantes de Tóquio, até ser preso e passar a protagonizar um polêmico julgamento. Sacudindo Tóquio, de Bong Joon Ho, conta a história de um jovem que não sai de seu apartamento há mais de dez anos, até o dia em que se encanta com uma entregadora de pizza que desmaia em sua porta.


Os episódios não tem nenhum tipo de interseção entre si, tendo como fatores em comum apenas o fato de serem ambientados em Tóquio e também um certo padrão de bizarrice inerente a todas as tramas. Design de Interiores combina com competência a efervescência urbana da metrópole mais colorida do mundo a acontecimentos surreais que só poderiam sair da mente louca de Gondry. Merda, mesmo sendo o episódio mais fraco dos três, também tem vários aspectos interessantes, em especial a própria figura do Sr Merda, com suas unhas enormes e idioma incompreensível. Mas é certo que a última história é, de longe, a mais bacana, ao elevar à potência máxima as neuroses da vida moderna e, ao mesmo tempo, manter uma atmosfera romântica. É muito fofinho o esforço que o rapaz com síndrome de pânico faz para tentar encontrar a garota por quem se apaixonou. Mais do que o amor, ele busca uma tábua de salvação para sua vida.

O que podemos concluir sobre essas três fábulas amargas é que, de modos diversos, todas tentam expressar a loucura, falta de sentido e amortecimento de sentimentos que podem levar o ser humano a ser transformar em um novo tipo de animal, seja ele um utensílio, um monstro dos esgotos ou um eremita. Mas, de todo modo, uma versão mais selvagem e primitiva do que costumávamos ser.



quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O Solista


O britânico Joe Wright, diretor de filmes bacanas como Orgulho e Preconceito e Desejo e Reparação, tem uma pegada extremamente competente quando se trata de adaptar romances de época para a telona. Wright sabe discernir muito bem a delicada fronteira que separa cinema de literatura e bebe na obra de autores clássicos como Ian McEwan e Jane Austen sem que seus filmes fiquem arrastados ou excessivamente narrados, ou seja, com cara de livro filmado. Não deixa de ser irônico, portanto, que alguém que dribla com tanta desenvoltura as armadilhas do romance vitoriano fracasse tão tolamente em um filme contemporâneo.

O Solista, baseado no livro homônimo de Steve Lopez, relata a inusitada amizade que se desenvolve entre o jornalista Lopez e o sem-teto Nathaniel Ayers. Logo no princípio do filme, vemos que Steve é um cara que dá muita atenção à sua coluna de jornal e pouquíssima às pessoas. Sempre em busca de um assunto interessante para explorar, ele se depara com Nathaniel, talentoso músico que vive nas ruas e é obcecado por Beethoven. Steve descobre que Nathaniel é esquizofrênico e foi aluno da renomada Juilliard School antes de ter um colapso no segundo ano e abandonar tudo. A amizade entre os dois homens vai ganhando contornos de dependência conforme Nathaniel faz de Steve seu único arrimo.

O Solista é um filme que, a despeito de suas constantes tentativas de emocionar, não consegue capturar a cumplicidade do espectador. Talvez por se manter sempre dentro do estritamente previsível. Quantas vezes já vimos um filme assim, sobre um cara egoísta que se torna uma pessoa melhor graças ao envolvimento com um personagem, de alguma forma, outsider? Rain Main é a comparação mais óbvia, ainda que O Solista fique muito aquém em termos de qualidade. Sem contar que o filme sobrecarrega muitas cenas com uma dose de pieguice desnecessária. Um exemplo disso é quando Steve leva Nathaniel a um recital e fica maravilhado com a reação visceral deste à música. Numa clara alusão ao clássico Fantasia, a tela se enche de explosões de cores, para ilustrar como o personagem “vê” os sons. Além do didatismo irritante, a cena ainda é excessivamente alongada.

Os dois protagonistas estão bem em cena, sendo a performance de Robert Downey Jr. superior à de Jamie Foxx. O que não pega muito bem para Foxx, já que o seu personagem é claramente caracterizado de forma mais simpática. O problema é que o ator exagera em alguns surtos de loucura, o que faz com que por vezes Nathaniel ganhe um ar caricatural, enquanto Downey Jr. mantém-se sempre mais coerente.

No todo, fica a decepção de um produto final muito fraco em relação a seu potencial. Um filme engessado, burocrático, pobre de rimas e fora do ritmo. Totalmente contrário à centelha criativa que se espera de um belo solo. Estreia amanhã.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Dica para o fim de semana


Outra estreia desta sexta é o fofíssimo 500 Dias com Ela, já comentado aqui no A&S durante o Festival do Rio. Clique no link abaixo para ler os comentários sobre o filme:

http://artesesubversao.blogspot.com/2009/09/500-dias-com-ela.html

Fama


O que torna um filme clássico geralmente vai além de seus méritos puramente cinematográficos: alguns derrubam preconceitos, outros apresentam um novo estilo de fazer cinema, outros trazem atuações inesquecíveis. Existem, ainda, aqueles que sobrevivem na memória coletiva por terem, de alguma forma, se tornado icônicos para uma geração. Quem era criança ou adolescente na década de 80 certamente tem um carinho especial por filmes como Os Goonies, Caçadores de Arca Perdida e De Volta para o Futuro – ou até mesmo fitas mais toscas, como Procura-se Susan Desesperadamente ou Rambo. Por isso pessoas de gerações diferentes às vezes não entendem muito bem os filmes de coração umas das outras, já que não os assistiram dentro do mesmo contexto.

Fama, filme realizado em 1980 por Alan Parker, foi um sucesso tão estrondoso que chegou a gerar uma série de TV. A música-tema Fame (aquela do I'm gonna live forever, I'm gonna learn how to fly) ganhou um Oscar e um Globo de Ouro e até hoje faz a alegria dos nostálgicos nas pistas de dança. A trama, simplérrima, acompanhava o dia-a-dia de um grupo de alunos da New York High School of Performing Arts, da primeira audição à formatura. Entremeando os números musicais, amores, decepções, esperanças, inseguranças e, sobretudo, o desejo de superar as próprias limitações e alcançar o estrelato. Com uma trilha sonora vibrante e uma pegada romântica, o filme fez a cabeça de toda uma geração. E agora resolveram fazer um remake dele. Uma ideia que, de cara, já não parece boa.

Para começo de conversa, existe algo de muito errado em um musical quando o espectador só sente a característica vontade de cantar, dançar ou apenas bater os pés no chão ao ritmo da música durante os créditos finais. E, mesmo assim, a empolgação é mais por finalmente matar as saudades da canção Fame do que por qualquer mérito deste filme em si. Fama, para um musical, tem poucos números musicais e nenhum que chegue a empolgar. Isso não seria um problema se a parte dramatúrgica suprisse essa lacuna, mas não é o que acontece. O filme acaba sendo um enfileirado de cenas mornas e conflitos bobos que pouco ou nada evoluem até a grande sequência da apresentação de formatura. Ou seja, o filme só começa a ganhar gás quando está para acabar.

O roteiro é frouxo e comete elipses inexplicáveis no relacionamento entre os personagens secundários, que viram amigos sem que se perceba quando aconteceu a aproximação. O exemplo mais gritante disso é o romance entre Alice e Victor: em uma cena eles ainda nem se falam; em outra, estão juntos diante dos olhares atônitos dos pais da moça e do espectador. Mesmo os personagens centrais são pessimamente delineados. De Marco apenas se sabe que sua família possui um restaurante; de Jenny, que é obcecada em ser boa aluna; somente a história da pianista Denise possui um pouco mais de consistência.


O elenco, como um todo, é insosso, com exceção dos simpáticos Asher Book (Marco) e Naturi Naughton (Denise). Ambos tem boa presença e boas vozes, mas não conseguem levar nas costas o filme inteiro, mesmo porque o roteiro dá um peso desproporcional à apática Jenny de Kay Panabaker. Já Megan Mullally – a Karen de Will & Grace – não podia estar mais caricata como a professora Rowan. Uma cena especialmente esquisita é quando ela vai a um karaokê com os alunos e se esgoela ao microfone enquanto os pupilos acham sua performance sensacional. Para os meus pobres ouvidos leigos, a professora não me pareceu nada afinada... Mas sei lá. Vai ver eu que não entendo nada de música.

O diretor Kevin Tancharoen faz sua estréia na telona com este filme. Seus créditos anteriores são todos relacionados à televisão, incluindo uma série musical feita para a MTV. Podemos dizer que o rapaz começou com o pé errado na sétima arte. Vamos apenas esperar para que esse Fama seja um fenômeno isolado e que não prenuncie novas versões de Flashdance ou Dirty Dancing. Estreia nesta sexta.