segunda-feira, 30 de março de 2009

Ser ou Não Ser?


Ainda não tinha conhecido o novo Oi Casa Grande. Morando na Lapa e, portanto, perto de diversos teatros do Centro que têm bons espetáculos com ingressos a preços razoáveis, confesso que não é qualquer coisa que me seduz a frequentar os nada acessíveis teatros da Gávea, Leblon e adjacências. Wagner Moura interpretando Hamlet é uma delas. Chegando ao saguão do teatro, estranhei o fato do programa da peça ser vendido (afinal, o espetáculo tem patrocínio do Bradesco e os ingressos custam a partir de oitenta reais). Mas o que me chocou mesmo foi o preço: 20 reais. Bonito, papel de qualidade... mas 20 reais? Deixa pra lá, vai ver eu que sou pobre. Vamos à peça.

Hamlet é considerada a melhor e mais profunda peça de William Shakespeare. E olha que eleger o melhor texto de alguém que escreveu pérolas como Macbeth, Otelo, Rei Lear e tantas outras definitivamente não é pouca coisa. Há em Hamlet uma força poderosa que se sobressai à tragédia, às mortes e à vingança: o questionamento profundo vivido por seu protagonista, destacado na famosa máxima “ser ou não ser” – toda a angústia de um homem traduzida em quatro simples palavras.

Trata-se de uma montagem integral, o que significa que o espetáculo totaliza três horas e meia – sendo quinze minutos de intervalo. A tradução, embora fiel ao texto em essência, opta por uma linguagem contemporânea. Decisão que provavelmente agradaria ao bardo, que à sua época teve a ousadia de associar lirismo e refinamento a uma forte veia popular. Aliás, Shakespeare é sempre atual justamente por conta de suas raízes populares e não deixa de ser curioso que hoje em dia ele seja reverenciado como autor erudito e “difícil”. Já algumas questões cênicas como a concepção do fantasma do pai e o excesso de metalinguagem me incomodaram um pouco. Mas, enfim, isso é uma escolha da direção e o assunto vem sendo debatido por gente mais qualificada do que eu (no caso, a erudita crítica de certo jornal e o diretor Aderbal Freire-Filho).

Eu prefiro falar da experiência maravilhosa de ver em cena, de perto, um ator tão completo como Wagner Moura. Admiro o talento desse artista fantástico desde que o vi em Deus é Brasileiro, há cinco anos. Neste curto período de tempo, ele fez (bem) papéis tão diversos como o retirante de O Caminho das Nuvens, o estivador de Cidade Baixa, o hilário apresentador de TV de A Máquina, o ator apaixonado de Romance e, claro, o inesquecível Capitão Nascimento de Tropa de Elite. Mas nenhum desses personagens se compara em termos de criação e construção ao príncipe dinamarquês atormentado por uma vingança que não sabe se deve consumar.

Vale destacar a dificuldade que o papel de Hamlet representa para qualquer ator. Não apenas por sua complexidade, mas também pelo fato de já ter sido representado por muitos grandes atores ao longo dos anos. E Wagner conseguiu criar uma persona diferente de tudo que já foi visto. Seu Hamlet é atemporal em sua descontração e lancinante em suas dores. Profundo e debochado. Deprimido e vigoroso. Afetuoso e insensível. Louco sim, mas numa bifurcação entre a loucura que corrói sua alma de verdade e a loucura encenada que ele usa como tática de desordem. Inquieto, tenso, com um riso nervoso e uma hiperatividade que nos incomoda. E o ator se funde de tal forma com o personagem (nesse ponto, o tom metalinguístico ajuda) que a angústia de Hamlet desorienta o espectador e todos ficam presos a cada gesto e inflexão de voz de Wagner.

Outros destaques no elenco são a boa presença de Mateus Solano (o Ronaldo Boscoli da minissérie Maysa) e a excelente composição de Georgiana Góes como Ofélia, adorável na sanidade e angustiante na loucura – a atriz faz ótima transição entre os dois estados. Mas a peça é mesmo de Wagner Moura. Sua interpretação de Hamlet é de uma entrega como poucas vezes tive oportunidade de ver. Uma grande atuação para um grande texto. Uma dica: ver algo assim é obrigatório para quem é do meio.

A temporada vai até 31 de maio. Sextas e sábados às 20h30, domingos às 19h.

domingo, 29 de março de 2009

Três Vezes Amor


Muitas vezes um trailer, em sua obrigação de tornar o filme mais atraente ou abranger um público maior, dá uma noção totalmente equivocada do produto que está vendendo. Isso nunca foi boa estratégia, porque acaba desagradando os que compram a idéia alterada e afastando o público-alvo correto. Assim é o trailer de Três Vezes Amor, cujo título em português tampouco ajuda a esclarecer sobre o que o filme realmente é. Pelo trailer, imaginamos tratar-se de uma comédia ligeira onde um trintão divorciado, incentivado pela filha, passa a correr atrás das ex-namoradas que o dispensaram. Pouco animador, certo? Acalmem-se, a coisa é melhor do que parece.

Definitely, Maybe (no original) se desenvolve praticamente através de flashbacks. Will Hayes está se divorciando e, numa noite que passa com a filha Maya, de 10 anos, é intimado pela menina a contar como ele e a mãe dela se conheceram e apaixonaram. Will não está a fim de desenterrar recordações mas, diante da insistência da menina, encontra uma solução intermediária: narrar sua vida, desde que chegou em Nova Iorque, há dezesseis anos, para trabalhar na campanha presidencial de Bill Clinton. Nesse período de tempo, Will se apaixonou por três mulheres. Uma delas é a mãe de Maya, mas, como ele se recusa a dizer os nomes verdadeiros, cabe à filha descobri-la através de eventuais pistas. Seria sua mãe a namoradinha de juventude Emily, a parceira de trabalho April ou a ambiciosa jornalista Summer?

Três Vezes Amor é um filme narrado com inesperada sinceridade e que mostra encontros e desencontros que poderiam acontecer a qualquer um, em qualquer lugar do mundo. É claro que o longa não se propõe a ser profundo nem a traçar nenhum painel definitivo sobre as relações humanas. É apenas uma história que conta com graça e simplicidade os caminhos imprevisíveis e confusos que tomamos em nossa vida amorosa. O quanto as pessoas são cegas para determinadas situações que acabam levando-as a resultados indesejados. A estrutura do roteiro também é muito legal e possibilita diversas situações divertidas, já que, ao narrar seu passado para a filha, Will se esquece em certos momentos de que está conversando com uma criança. Um exemplo disso é quando ele inadvertidamente menciona um mènage a trois. No final das contas, ao fazer a filha de analista, Will descobre que a menina pode ajudá-lo a consertar a bagunça que é sua vida.

No papel de Maya, a irretocável Abigail “Pequena Miss Sunshine” Breslin leva o filme nas costas. Claro que o simpático Ryan Reynolds também faz sua parte, mas a proposta talvez não funcionasse tão bem sem a espontaneidade e fofurice de Abigail. A menina transborda tanto carinho e preocupação por aquele pai atrapalhado que leva o espectador a enxergá-lo pelos seus olhos. A trilha sonora do filme é um capítulo à parte, já que é usada para recriar períodos e não apenas ilustrar as cenas. Considerando que a história abrange de 1992 a 2008, é uma grata viagem para os balzaquianos ouvir coisas de R.E.M. ou Nirvana – a letra de Come as You Are, aliás, faz parte da narrativa –, o que cria uma aproximação muito grande com os personagens, a exemplo do que foi feito em Alta Fidelidade.

É realmente uma pena que, aqui no Brasil, toda comédia romântica tenha que obrigatoriamente levar a palavra “amor” no título. E o título Três Vezes Amor acaba depondo contra o bom filme que é justamente por soar como milhões de outras coisas que você já assistiu antes e não gostou muito. Definitivamente, talvez fosse melhor apostar um pouco mais na inteligência do público.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Crepúsculo


“De três coisas eu tinha certeza absoluta: primeiro, Edward era um vampiro. Segundo, havia uma parte dele – e eu não sabia o quão dominante essa parte poderia ser – que desejava o meu sangue. E terceiro, eu estava completamente apaixonada por ele.”

Está chegando às locadoras a tão esperada transposição de Crepúsculo (Twilight, no original), da americana Stephenie Meyer, para as telas. O trecho acima, retirado da contracapa do livro, resume bem o conflito central dos quatro volumes que giram em torno do amor entre a adolescente Bella e o vampiro de bom coração Edward. A chamada Twilight Saga apóia-se numa trama original e simpática que, não obstante alguns pontos fracos, sabe fisgar a atenção do leitor ao longo de mais de duas mil páginas. A legião de fãs se espalhou pelo mundo e o filme já estava em produção antes mesmo do lançamento do último livro, em agosto do ano passado.

Bella Swan é uma adolescente desajeitada que se sente deslocada na cidadezinha para onde acaba de se mudar. Quando o lindo e misterioso Edward Cullen demonstra interesse por ela, Bella mal pode acreditar. Mas o rapaz tem atitudes estranhas e contraditórias: num dia não consegue tirar os olhos dela e, no outro, trata-a como se ela não existisse. O porquê desse conflito o espectador já sabe, e espera pelo momento em que Bella também descobrirá que Edward vive dividido entre sua atração por ela e o medo de machucá-la, já que pertence a um clã de vampiros civilizados e acredita que o único modo de controlar seus instintos naturais é manter uma distância segura dos humanos.

A primeira notícia que ouvi sobre a produção deste filme me deixou apreensiva: a escolha de Catherine Hardwicke para a direção. Hardwicke estreou atrás das câmeras há cinco anos com o pavoroso Aos Treze. Depois realizou o apenas razoável Os Reis de Dogtown. O bom presságio estava no fato dela pelo menos não ter escrito o roteiro desta vez. Adaptar um livro de 500 páginas para um filme de duas horas é sempre complicado, e tudo se torna ainda mais difícil quando é preciso estar atento para não cortar nenhum detalhe que possa fazer falta nos filmes subseqüentes. Podemos dizer que, no todo, a essência deste primeiro volume foi bem preservada. Embora algumas pequenas subtramas tenham sido limadas e alguns personagens que terão importância adiante apareçam muito rápido, a base principal para toda a série foi estabelecida.

Algumas decisões visuais poderão incomodar quem leu o livro, como o tratamento dado à cidade de Forks – descrita como um buraco no fim do mundo –, mas que na tela parece moderninha demais, cheia de adolescentes de aspecto descolado. Assim como a casa de Charlie, excessivamente arrumada para um homem solitário que vive para o trabalho. Mas esses detalhes são diminutos diante da grande bola-fora do filme: a tosquice dos efeitos especiais. A seqüência em que Edward corre pela floresta levando Bella nas costas chega a ser constrangedora de tão fake. Aliás, todas as cenas que tentam mostrar a rapidez e/ou força sobre-humana do personagem não convencem – quase podemos ver os cabos suspendendo o ator, tamanha a falta de naturalidade. A única seqüência em que os efeitos parecem bem aplicados é a que mostra a família jogando beisebol.

Se Crepúsculo fosse um filme de ação, um clássico filme de vampiros, a mediocridade dos já citados “defeitos especiais” prejudicaria o resultado final de forma irreversível. Mas o longa é, antes de tudo, uma história de amor. Meio surreal, mas inquestionavelmente romântica. E, como tal, o filme funciona. Com um pouquinho só de boa vontade é possível se deixar encantar, com a ajuda da trilha bonitinha e, principalmente, da fotografia deslumbrante. Seja nas tomadas na floresta, na bela casa de vidro dos Cullen ou até mesmo num singelo coreto enfeitado com luzes, todas as imagens de Crepúsculo são muito bem cuidadas. Outro destaque são os flashbacks em tom sépia.

Embora não tenham absolutamente nada a ver uma com a outra, comparações entre as franquias Twilight e Harry Potter são recorrentes. Não apenas por serem ambas direcionadas ao público juvenil, mas também por inserirem um mundo mágico numa realidade contemporânea. Robert Pattinson, conhecido justamente como o Cedric Diggory de Harry Potter e o Cálice de Fogo, a princípio parecia uma má escolha para o papel de Edward. Mas não é que Pattinson é o maior acerto do elenco? Além de seu visual ser a materialização exata do Edward do livro, o ator passa de modo convincente a tensão interna de um personagem que está sempre tentando não perder o controle duramente adquirido. E, convenhamos, ele fica lindo com aqueles olhos dourados.

Já Kristen Stewart, apesar da boa química com Pattinson, mantém a mesma fisionomia apática até quando é ameaçada de morte. A atriz já está ficando conhecida tanto por sua beleza como por sua falta de expressão. Pensando a longo prazo, é motivo para se preocupar. Seria bom que a produção providenciasse um bom preparador de elenco para a moça. Dentre os coadjuvantes, sobressaem-se Billy Burke como Charlie Swan e Ashley Greene como Alice Cullen. A performance de Taylor Lautner, intérprete de Jacob Black, pode ser um fator decisivo para a série devido à importância futura de seu personagem. Mas como ele praticamente não aparece neste primeiro longa, só poderemos analisá-lo melhor em New Moon (o segundo filme, que estréia em novembro). New Moon, aliás, ficará a cargo de um novo diretor: Chris Weitz, de A Bússola de Ouro e Um Grande Garoto. Outra expectativa é a confirmação da estrelinha Dakota Fanning no elenco como a vilã Jane. Torçamos para que isso se reflita num salto de qualidade para a série.

Simplesmente Feliz


Algumas pessoas costumam dizer que rico ri à toa. Ou que alegria de pobre dura pouco. Parece que a sabedoria popular tem como consenso o fato de que a pessoa precisa ter muitos motivos – de preferência, financeiros – para estar de bem com a vida. O novo filme de Mike Leigh defende a tese de que algumas pessoas são felizes e positivas sem nenhuma razão em especial. E que podem incomodar os que estão à sua volta justamente pelo fato de seu otimismo ser gratuito.

Poppy é uma professora primária em Londres. Sua vida não tem nada de especial: é uma assalariada, divide um apartamento com uma amiga e vive os pequenos problemas do dia-a-dia como qualquer ser humano regular. Quer dizer, não exatamente como qualquer um. A grande diferença é que nada consegue tirar o bom humor da moça. Logo no princípio do longa, sua bicicleta é roubada. Após uma breve expressão de contrariedade, Poppy logo se refaz e passa a ver o lado positivo da situação: perder a bicicleta transforma-se numa boa oportunidade de aprender a dirigir.

É então que Poppy encontra seu pólo negativo: Scott, um instrutor de auto-escola tenso e mal-humorado. A princípio irritado com a alegria constante da aluna, o personagem passa para um interesse relutante e também pela desconfiança, vivendo uma montanha-russa de emoções contraditórias. E Poppy em nenhum momento se dá conta do impacto que seu modo de ser causa em Scott. Ao mesmo tempo, ela inicia um relacionamento com o assistente social Tim que, ao contrário de Scott, se encanta logo de cara por seu jeito descontraído e eufórico.


O filme mostra com muita graça e sensibilidade o quanto o “diferente” incomoda. Mesmo o diferente que é positivo, otimista, gente boa, enfim, totalmente do bem. A atitude de Poppy e o modo como ela ama sua vida prosaica é tão rara e tão surpreendente que parece deboche ou inconsequência aos olhos de um amargurado como Scott. Na cabeça dele, alguém assim não pode ser uma pessoa responsável – o que fica claro com o espanto dele ao saber que ela é professora. Vale ressaltar que também o espectador tem essa primeira impressão, que é progressivamente desfeita ao longo do filme conforme vai sendo ilustrado que Poppy tem postura responsável como professora, amiga, irmã, cidadã. O que leva a um questionamento interessante: por que as pessoas associam alegria à irresponsabilidade?

Poppy é defendida com garra e talento inquestionáveis por Sally Hawkins, que não deixa a personagem cair na caricatura (o que é bem difícil, considerando seu figurino bizarro). Sally também imprime uma energia vigorosa, o que evita que Poppy pareça uma mosca-morta conformada. Resumindo: a atriz constrói a personagem na medida certa, e fez por merecer seu Urso de Prata e Globo de Ouro de melhor atriz (e ela certamente merecia ter obtido uma indicação ao Oscar). Mike Leigh, cineasta de filmes mais densos e politizados, surpreende ao realizar esta comédia inteligente e despretensiosa. Um filme simplesmente delicioso.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Ele Não Está Tão a Fim de Você


Situação clássica: garota sai com rapaz, acha que a noite foi ótima e já se empolga com a possibilidade de um relacionamento... só que ele nunca mais telefona. As amigas, tentando dar uma força, encontram possíveis desculpas. Ele perdeu o telefone, ficou doente, viajou para a Sibéria... Gigi está farta disso. Quer saber porque Conor não retorna seus telefonemas e procura forçar um encontro “casual” no bar que ele disse frequentar. Não encontra o ex-futuro-namorado, mas faz amizade com o cínico Alex, que simpatiza com ela e resolve lhe dar algumas dicas úteis sobre o mundo masculino. Segundo ele, não existe meio-termo nem desculpas. Se o cara quer encontrar uma garota, ele dá um jeito. Se não ligou, ele simplesmente não está a fim.

Existem filmes que gravitam em torno de seus personagens, ou seja, o que está acontecendo é sempre menos importante do que a reação ou sentimento do personagem a respeito do fato. Já este filme segue o caminho inverso: trata-se de um filme de situações, onde o que realmente importa é discorrer sobre determinado assunto – no caso, a dificuldade das pessoas em enxergar a verdade. O roteiro de Abby Kohn e Marc Silverstein foi baseado livro homônimo de Greg Behrendt e Liz Tuccillo, que, por sua vez, teve como ponto de partida um episódio do seriado Sex and the City em que um namorado da personagem Carrie explicava à sua amiga Miranda a tal tese depois que esta tentava entender o porquê de seu encontro ter acabado de forma insatisfatória.

Ele Não Está Tão a Fim de Você aborda de modo descontraído e esperto o modo como as pessoas – em geral mulheres, mas também há um exemplo masculino dentre os personagens – preferem se enganar a aceitar o óbvio quando se trata de rejeição. Afinal de contas, é sempre mais fácil fantasiar razões colaterais para um fracasso amoroso do que encarar a rejeição pura e simples. Quem nunca se consolou em ouvir frases como “eu acabei de sair de um relacionamento”, “não estou pronto para uma relação agora” ou a clássica das clássicas “não é você, sou eu”? E a ilusão costuma ser alimentada pelos amigos que, na melhor das intenções, sempre se lembram de um episódio parecido com o seu que teve um desfecho inesperadamente feliz. Conforme Alex diz a Gigi, casos assim são a exceção; a grande maioria de nós tem que se contentar em ser a regra.

O roteiro passeia por várias histórias interligadas, sendo os personagens Gigi e Alex os principais condutores da trama. Os personagens não são analisados de modo individual e funcionam mais como arquétipos: Gigi é uma romântica incorrigível, que não desiste de encontrar o amor; Beth tem um relacionamento feliz e estável, mas não consegue se desapegar do sonho do casamento; Janine está frustrada com o marido e direciona sua energia para a reforma da casa; Anna ignora os sinais de perigo e mergulha numa relação fadada ao desastre desde o princípio. Na banda masculina, Conor é o cara simpático que acaba sendo mais amigo do que amante da mulher que ama; Neil quer dividir a vida com a namorada, mas tem pavor da instituição casamento; e Alex tem teorias e regras que o protegem das armadilhas do amor, mas que acabaram transformando-o em um solitário.


O elenco é repleto de estrelas: Jennifer Aniston, Jennifer Connelly, Scarlett Johansson, Ben Affleck, Drew Barrymore. Mas, curiosamente, é a pouco conhecida Ginnifer Goodwin (antes desse filme, ela foi a esposa de Joaquin Phoenix em Johnny e June) quem dá sustentação ao filme com sua simpatia e sinceridade. É claro que nada do que é mostrado no longa chega a ser uma revelação e qualquer pessoa com um pouco de autocrítica pode chegar sozinha à maioria das conclusões a que os personagens chegam. Mas a mensagem é outra e isso fica claro justamente quando Alex vai contra alguns de seus próprios dogmas. O filme, longe de cair em contradição, ensina que cada caso é um caso e não existe regra nem fórmula infalível quando se trata de amor.

Estréia nesta sexta.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Supernatural


Imaginem um mundo onde as crianças devem de fato temer os monstros no fundo do armário. Onde vampiros e lobisomens não fazem parte apenas da mitologia. Onde demônios caminham entre nós e possuem pessoas inocentes, fazendo com que pareçam loucas ou homicidas. E onde todas as lendas urbanas que você alguma vez já ouviu se revelam verdadeiras. É justamente esse o cotidiano dos irmãos Sam e Dean Winchester, protagonistas da série Supernatural.

Cruzando estradas americanas a bordo de um Impala 67 preto cheio de armamentos na mala, enchendo assombrações de tiros de sal e arriscando a vida diariamente, Sam e Dean sabem que o trabalho que fazem nunca terá nenhum tipo de reconhecimento e, ainda assim, continuam a fazê-lo pelo simples fato de pertencerem ao restrito universo dos que sabem que há muito mais entre o céu e a Terra do que vãs filosofias. Com tanto em jogo, os manos são heróis nada convencionais: mentem descaradamente para obter informações, profanam túmulos, usam identidades falsas, fraudam cartões de crédito (afinal de contas, caçador de demônios não é uma profissão remunerada) e são procurados pela polícia em diversos estados; enfim, os caras vivem totalmente à margem da sociedade – o compromisso deles é com a sua própria ética.

Como eles entraram nessa? O episódio-piloto explica: vinte dois anos antes, quando Sam tinha seis meses e Dean, quatro anos, a mãe deles foi morta por um demônio. Desde então, John Winchester, o pai, ficou obcecado em descobrir tudo sobre o mundo sobrenatural. Na busca pelo demônio que destruiu sua família, John se esmerou em caçar espíritos atormentados e toda sorte de criaturas do mal, além de criar os filhos como verdadeiros guerreiros. Até o dia em que Sam, farto daquela vida surreal, resolveu abandonar tudo e ir para a faculdade. Para tanto, precisou enfrentar o pai e romper relações com ele. Dois anos depois, Dean aparece pedindo sua ajuda. John saíra para uma caçada há vários dias e não dera notícias desde então. Comovido com o desespero do irmão, Sam concorda em ajudá-lo a seguir a última pista deixada pelo pai. Mas só. Ele está feliz e não quer voltar a lidar com o sobrenatural. Mas é forçado a mudar de idéia quando sua namorada Jessica é assassinada exatamente da mesma forma que sua mãe. Tudo indica que o demônio tem uma questão pessoal com os Winchester.


Há tempos que as emissoras tentam produzir uma série como essa e não conseguem. Embora tudo que exista dentro do gênero atualmente tenha suas origens na célebre Além da Imaginação, a safra moderna certamente começou graças à popularidade de Buffy – A Caça-Vampiros. Por ser Buffy direcionada demais ao público adolescente, urgia criar algo semelhante para o espectador adulto. Tentativas não faltaram, desde Charmed (que começou bem e depois descambou para o mesmo estilo teen de Buffy) até as chatinhas Medium e Ghost Whisperer, passando pela muito boa e pouco vista Tru Calling. Nenhuma delas chegou a ser um fenômeno de popularidade.

Em Supernatural, a grande sacada vem do fato dos irmãos estarem sempre na estrada, se deslocando, o que evita que se criem “barrigas”, ou seja, episódios onde nada acontece. A cada semana uma nova história de horror é contada, como se fosse um filme independente, mas sempre mantendo em foco também a sequência da história dos Winchester, sua caça ao demônio e a relação familiar. Aliado a isso, a equipe de roteiristas tem à mão todo o arsenal de lendas urbanas americanas, bastando para isso colocar Sam e Dean na estrada em busca de uma nova pista. E a mistura de suspense e road movie torna a série incrivelmente dinâmica e diversificada.

Também chama a atenção o bom humor que pontua as histórias e as inúmeras referências à cultura pop contidas nos diálogos. Um exemplo é quando Dean é alvo de um médium que controla a mente alheia e tenta explicar a Sam porque emprestou seu amado carro a ele: “ele deu uma de Obi-Wan pra cima de mim”. Ou o deboche de Dean quando descobre que o irmão tem visões: “quem é melhor médium: Patricia Arquette, Jennifer Love Hewitt... ou você?”, numa referências às atrizes de Medium e Ghost Whisperer.


Outro ponto fundamental é a química entre os atores Jared Padalecki (Sam) e Jensen Ackles (Dean), que passam com perfeição a dinâmica existente entre dois irmãos que, embora se amem incondicionalmente, têm personalidades bastante diferentes. Sam é mais calmo, sensível e intelectual (o que não quer dizer que ele não saia no braço com vampiros se preciso) enquanto Dean é mais rude, cheio de marra, mulherengo, sem papas na língua. Imaginem essas duas figuras convivendo 24 horas por dia, 7 dias por semana. Provocações, piadas e brigas são constantes. Que sempre terminam em reconciliação, afinal de contas, não apenas eles são irmãos como precisam estar unidos para combater o Mal. Jeffrey Dean Morgan no papel do pai também foi uma ótima escolha. Sua participação na série é esporádica (mais no final da primeira temporada), porém marcante. Dividido entre suas obsessões e os filhos, o ator deixa sempre claro o que é mais importante cada vez que lança seu olhar cheio de amor e orgulho a cada um deles. Vale dizer, ainda, que a série triunfa onde a maioria dos filmes de terror falha, que é na apresentação de personagens tridimensionais e com bom desenvolvimento psicológico.

Supernatural está em sua quarta temporada e passa no Warner Channel todo domingo às 21h. Na TV aberta, o SBT exibe atualmente a segunda temporada também nas noites de domingo depois do “Oito e Meia no Cinema”, que começa às dez e tal (!!!), ou seja, Supernatural começa mesmo depois de meia-noite – o que não deixa de ser apropriado. Mas as três primeiras temporadas já estão todas disponíveis em DVD, então oportunidades não faltam para acompanhar a melhor série do momento. Caiam na estrada com os irmãos Winchester!

sábado, 21 de março de 2009

O Roqueiro


Era uma vez um diretor de TV inglês chamado Peter Cattaneo que, em 1997, realizou uma comédia que foi um inesperado sucesso, Ou Tudo ou Nada. Cattaneo foi indicado ao Oscar de melhor diretor e tudo. Mas depois disso os filmes dele nunca mais chegaram ao Brasil. The Lucky Break passou em um Festival de anos atrás e só; Opal Dream, nem isso. Este O Roqueiro, que passou no Festival do Rio do ano passado, agora chega ao Brasil direto em DVD.

Robert “Fish” Fishman foi baterista de uma banda de rock nos anos 80, mas foi traído pelos amigos e expulso do grupo quando este estava a um passo do estrelato. Vinte anos depois, ele é um atendente de telemarketing que fica furioso quando ouve falar do sucesso dos velhos desafetos. Sua segunda chance na música vem através da banda do sobrinho adolescente e num vídeo bizarro que o transforma em sucesso no You Tube.

Não é que O Roqueiro seja um filme super original. O roteiro segue aquela fórmula do fracassado que tem sua segunda chance e prova a uma nova geração incrédula que tem seu valor, passando por desentendimentos entre os personagens que levam a um final onde todos amadurecem. Mas o filme é tão simpático e engraçadinho que não dá para deixar de se divertir. No papel principal está o carismático Rainn Wilson, da série The Office, como uma espécie de clone do Jack Black em Escola de Rock.

Fora isso, o filme faz algumas piadas realmente inspiradas, como os roqueiros que inventaram um sotaque inglês depois de famosos. Também recria cenas impagáveis envolvendo aquela cafonice purpurinada de algumas bandas dos anos 80. Todo mundo que já pulou ao som do Bon Jovi sabe do que eu estou falando. Yeah, baby, let's rock!

sexta-feira, 20 de março de 2009

Sob Controle


Elizabeth Anderson e Sam Hallaway são dois agentes do FBI que chegam a uma pequena cidade onde acabou de ocorrer um brutal massacre na estrada. A dupla desconfia que o crime esteja ligado a assassinos que eles estão caçando. Na delegacia, encontram três testemunhas: o policial Jack Bennet, a viciada Bobbi e a menininha Stéphanie. Cada um deles perdeu alguém na chacina e, entre contradições e mentiras, apresentam versões diferentes do ocorrido. 

Jennifer Lynch causou um barulho danado quando, há quinze anos, escreveu e dirigiu o bizarríssimo Encaixotando Helena. Tá certo que moça já tem o DNA da bizarrice só pelo fato de ser filha de David Lynch, mas Encaixotando Helena era tão estranho, tão repleto de perversões e tabus, que a cria conseguiu superar o criador em termos de surrealismo. Passaram-se os anos e Jennifer nunca mais dirigiu um filme, com exceção de um episódio para uma série de TV. Considerando tudo isso, eu não sabia o que esperar de Sob Controle. Bom, digamos que é um filme dentro de um certo grau de normalidade. Normalidade em comparação com seu antecessor, é claro, já que Sob Controle também apresenta alguns personagens bem doentios. Lembra em alguns aspectos Os Suspeitos. E é o tipo de tipo de história em que qualquer resenha mais longa pode acabar tornando-se um spoiler. Só digo então que vale a pena dar uma olhada. Prestem atenção na atmosfera sufocante e na trilha sonora cheia de acordes perturbadores, bem parecida com a de Cidade dos Sonhos.

Exibido no Festival de Cannes de 2008, o filme passou também passou no Festival do Rio de 2009 e agora chega ao mercado de DVD sem ter passado pelo circuito comercial.

Romance


Está chegando às locadoras um dos melhores filmes que passaram por nossos cinemas em 2008: Romance. O filme acompanha a história de amor de Pedro e Ana, dois atores que se conhecem e se apaixonam perdidamente ao interpretarem a tragédia de Tristão e Isolda no teatro. Mas Ana é descoberta por um executivo da TV, que a contrata para uma novela. Ela acha que pode conciliar as duas atividades e que seu sucesso trará público para a peça; ele sente-se ofendido pela súbita popularidade da amada e, corroído pelo ciúme, rompe com a parceria afetiva e profissional. Três anos depois, Ana é uma estrela da televisão e Pedro segue fiel à sua devoção pelo palco. Ainda apaixonados, os dois se reencontram quando Pedro aceita dirigi-la em um especial para a TV e apresenta como projeto uma versão sertaneja da peça que marcou o encontro deles.

Não é de hoje que o talentoso Guel Arraes, diretor consagrado primeiramente por sucessos televisivos como Armação Ilimitada e TV Pirata, vem namorando o cinema. Em 2000, Arraes aproveitou o enorme sucesso que sua minissérie O Auto da Compadecida obteve na TV no ano anterior para editá-la e lançá-la nos cinemas como um longa-metragem. O mesmo aconteceu a seguir com Caramuru – A Invenção do Brasil. Em 2003, a peça Lisbela e o Prisioneiro, encenada por ele nos palcos cariocas, também ganhou as telonas do Brasil. Com esse histórico, não é de se admirar que o roteiro de seu primeiro filme pensado diretamente para o cinema apresente um casamento dessas três artes.

O roteiro, escrito por Arraes e Jorge Furtado, mostra o relacionamento dos atores com seu ofício e a tênue linha que divide a boa oportunidade do mercantilismo: as concessões, as dificuldades, o idealismo, enfim, todos os conflitos das pessoas que fazem da sua arte uma profissão de fé. Pedro acredita no trabalho puro, radical, motivado apenas pela paixão. Ana quer fazer desvios de rota em nome de um bem maior. E o filme traz para a tela de cinema os bastidores do teatro e da televisão, colocando em xeque as inúmeras diferenças e particularidades de cada veículo e as dificuldades que os atores têm de transitar entre cada um. Uma coisa que chama bastante a atenção é o contraste entre a intensa carga dramática de Ana nos palcos como Isolda e a superficialidade de sua personagem televisiva – e a ironia dela ficar famosa pela segunda.

Um aspecto muito presente nos trabalhos de Jorge Furtado é um certo didatismo, no bom sentido. Romance é uma aula fundamental sobre teatro, passando para o espectador conceitos importantíssimos de modo quase imperceptível. Um exemplo disso é quando Pedro explica para Ana que Tristão e Isolda morrem de amor para que o público sinta tamanha emoção sem precisar morrer na vida real. Esse diálogo exprime em poucas e simples palavras a idéia de catarse, um dos pilares fundamentais do teatro – e imprime a marca de Furtado no ótimo roteiro.


Também é belíssimo o uso de obras clássicas como pano de fundo: além da lenda de Tristão e Isolda, casal mítico que serviu de inspiração para Romeu e Julieta e está na origem de todas as histórias de amores trágicos escritas desde então, Pedro também se vale de Cyrano de Bergerac quando escreve em seu roteiro tudo que gostaria de dizer a Ana – falas que ela ouvirá da boca de outro ator. Então não se enganem: embora a arte esteja sempre na berlinda, o tema principal do longa é o amor. Seja correspondido, impossível ou trágico, os efeitos da paixão vão além da teoria e se refletem na vida real. Como diz Letícia Sabatella em uma das cenas, cada ator coloca um pouco de si quando interpreta uma cena romântica na ficção. Sua personagem, Ana, é cativante em suas emoções à flor da pele e contradições. E o que o filme mostra (e eu concordo) é que o fato de um ator se sentir mexido quando interpreta uma cena de amor com alguém por quem sente atração não demonstra de falta de profissionalismo e sim humanidade.

O espectador pode estranhar que Romance seja um filme com menos características cômicas do que os trabalhos anteriores de Guel Arraes, embora o humor esteja presente através dos personagens de Vladimir Brichta e Andréa Beltrão. Ela é uma produtora com os dois olhos no lucro e nenhum na sensibilidade artística, que considera o teatro algo velho e ultrapassado; ele, um tipo cafajeste que faz qualquer coisa para conseguir um bom papel. O interessante na relação desses dois personagens é eles se caracterizarem como uma inversão do velho clichê da atriz ambiciosa que dorme com o produtor para subir na vida.

Wagner Moura e Letícia Sabatella estão simplesmente maravilhosos no papéis principais, transmitindo com igual intensidade grande paixão pela arte e um pelo outro. Inesquecível a cena em que Pedro e Ana quebram o barraco no camarim e se separam aos prantos ao som de Nosso Estranho Amor, uma das mais lindas canções já escritas por Caetano Veloso. Aliás, todo o longa é de uma beleza que salta aos olhos. Na trilha inspirada de Caetano, nas imagens que retratam Tristão e Isolda, nos figurinos e concepção das obras “de dentro”, na perfeição plástica das cenas de amor. Enfim, tudo no visual do filme toca os sentidos e cria um clima propício à emoção.

No final das contas, Romance – como o próprio título já insinua – é um filme que atinge o espectador através dos sentimentos. Seja interpretando o próprio romance ou os desdobramentos dele na pele de seus personagens, Pedro e Ana são loucos um pelo outro e transmitem a força desse amor muitas vezes sem precisar de palavras. O casal certamente inspirará no espectador o desejo de se perder numa paixão semelhante, ignorando a advertência que Pedro faz logo no início do longa sobre as trágicas conseqüências de se apaixonar.

Alma Perdida


Existe coisa mais entediante no cinema atual do que remakes de filmes de terror made in Oriente? Por incrível que pareça, existe sim. Um roteiro original (?) que parece remake de um filme de terror oriental. Assim é Alma Perdida, filme de terror óbvio, repetitivo e que não assusta nem um pouco. Está certo que atualmente pouca coisa se salva no gênero, mas o longa consegue fracassar até mesmo em seguir velhas fórmulas. O título em português também ajuda na sensação de repetição, já que o título original The Unborn (o não-nascido) acaba sendo a única coisa realmente instigante da fita.

Casey Beldon é uma jovem de 19 anos que começa a ter estranhos pesadelos com um garotinho de aspecto malévolo. Logo, pessoas à sua volta começam a ser atacadas e ela percebe que deve buscar as respostas na aparente loucura de sua mãe, que se suicidou quando ela era menina. Com a ajuda do rabino Sendak, ela descobre que sua família vem sendo perseguida por um dybbuk (espírito maligno do folclore judaico) e que a raiz do problema está em um garotinho morto durante a segunda guerra mundial.

A trama parte de um argumento que poderia ser bastante interessante, caso soubesse tirar partido de explorar a lenda do dybbuk ao invés de apenas jogar a informação da tela como uma explicação apressada para o que está acontecendo com a protagonista. O roteiro não esboça o mínimo desenvolvimento do tema, o que faz com que, no final das contas, não faça a mínima diferença que tipo de criatura assombra Casey. Conforme a história avança, os sustos ficam cada vez mais óbvios e as explicações cada vez menos coerentes (até o Dr. Menguele entra na jogada). Até desembocar num clímax que beira o ridículo, com direto a exorcismo com tradução simultânea.

Para piorar o que já não é bom, o roteiro se apóia quase exclusivamente na personagem Casey, interpretada de modo incrivelmente monótono por Odette Yustman. Cam Gigandet, um dos vampiros maus de Crepúsculo, é quem encarna o namoradinho igualmente sem sal. Eu me pergunto quando é que os produtores de elenco dos filmes de terror vão deixar em segundo plano o teste da calcinha (a mocinha sempre aparece levantando da cama de camiseta justa e calcinha, sempre!) e dar um mínimo de atenção aos dotes interpretativos. Afinal de contas, não deve ser impossível encontrar uma atriz jovem e bonitinha que saiba expressar medo de forma convincente. Posto isso, dá pena ver um ator bom como Gary Oldman tentando fazer a sua parte. Mas todos nós temos contas a pagar, não é verdade?

quinta-feira, 19 de março de 2009

Pagando Bem, Que Mal Tem?


Outro filme cuja data de lançamento vinha sendo repetidamente adiada chega às telonas nesta sexta: trata-se do novo longa do debochado Kevin Smith, diretor de O Balconista e Dogma, entre outros. Em primeiro lugar, é preciso que os caros espectadores desconsiderem totalmente a tradução estapafúrdia que o filme ganhou por aqui. O original Zack and Miri Make a Porno (Zack e Miri Fazem um Pornô) sabe-se lá porque se transformou no trocadilho infame (e sem graça) acima.

Os tais Zack e Miri do título original são dois amigos de uma vida inteira que dividem um apartamento e vivem soterrados em dívidas. A pindaíba chega ao ponto de terem a água e a luz cortadas, e de Miri pegar roupas emprestadas na loja de uma amiga para ir a uma festa. Nesta mesma festa eles conhecem um produtor e ator de filmes pornográficos que diz ganhar rios de dinheiro em Los Angeles, o que lhes dá a bizarra idéia de produzir e estrelar um pornô caseiro para fazer dinheiro rápido. Depois da promessa mútua de que o sexo (que eles nunca fizeram um com o outro) não interferirá na amizade, Zack e Miri reúnem uma equipe disposta a embarcar na loucura e apostam todas suas fichas na idéia. Conforme as gravações avançam, a dupla tem que lidar com imprevistos, problemas técnicos, inexperiência e, sobretudo, com os sentimentos que afloram entre eles.

O filme é uma produção ao estilo Kevin Smith, o que significa um enredo onde imperam as piadas escatológicas, os trocadilhos sexuais e o politicamente incorreto. Mas um aspecto curioso é que justo este filme que gira em torno de um tema tão escancaradamente sexual faz isso de um modo por vezes ingênuo e até mesmo carinhoso. Embora leve para a telona imagens pra lá de explícitas, o contexto é irreverente e a abordagem é a de uma comédia romântica convencional. Claro que uma comédia romântica onde mocinho e mocinha discutem sobre vibradores e deixar a porta do banheiro aberta no exercício de suas respectivas necessidades não pode ser tão convencional assim, mas o longa, por incrível que pareça, até que é bem-comportado em comparação com alguns outros trabalhos de Smith.


O resultado é um filme engraçadinho, mas que em alguns trechos não consegue manter o ritmo. Destaque para toda a sequência da festa de reencontro dos ex-colegas do colegial, que já vale a pena só pelo detalhe de ver Brandon Routh, o novo Superman, como o ex-bonitão do colégio com dificuldade em sair do armário. Esta cena é bastante engraçada e, por ser logo no princípio do filme, cria uma expectativa cômica que nem sempre é suprida durante o resto da projeção. De todo modo, o filme merece uma conferida.

Uma curiosidade: Jason Mewes, que costuma interpretar Jay, personagem-assinatura dos longas de Kevin Smith juntamente com Silent Bob (o próprio Smith), mal pode ser reconhecido neste filme sem o característico cabelão. Seu personagem é um ator pornô que tem como principal habilidade “ficar pronto” a qualquer instante.

Gran Torino


Depois de um adiamento de quase dois meses da sua data de estréia original, finalmente chega a nossos cinemas o novo longa do mestre Clint Eastwood. Gran Torino foi um dos grandes injustiçados das premiações deste ano, mesmo sendo um filmaço infinitamente superior ao fraquinho A Troca (que também não faturou prêmios, mas conseguiu maior visibilidade).

Em Gran Torino, Eastwood faz um interessante desdobramento de sua própria imagem na telona ao longo das últimas décadas. Seu personagem, Walt Kowalski, a princípio parece ser um Dirty Harry da terceira idade: um veterano da guerra da Coréia mal-humorado e com uma língua ferina pronta a disparar os maiores insultos racistas. Viúvo, aposentado, solitário e sem nenhuma afinidade com os filhos, que não sabem “o que fazer” com o pai, Walt sente-se cada dia mais isolado. A sensação de estranho no ninho só piora à medida que seu antigo bairro vai sendo “invadido” por imigrantes coreanos. Tudo incomoda o orgulhoso Walt e seu rifle está sempre à mão, mesmo que sua rotina seja composta por atividades simples como beber cerveja na varanda e fazer uma visita mensal ao barbeiro.

Numa noite, Walt surpreende seu vizinho Taoh tentando roubar seu estimado Ford Gran Torino 1972 como prova de iniciação numa gangue asiática. O susto faz o rapaz, que não tem nenhuma propensão criminosa, recuar. Mas seu primo, o chefe da gangue, não fica satisfeito com a dissidência e passa a ameaçar Taoh e sua irmã Sue. Após um incidente em seu próprio gramado, Walt vê-se forçado a sair em defesa do rapaz e torna-se, muito contra sua vontade, um herói para a comunidade coreana de seu bairro. O estreitamento do relacionamento com os vizinhos, e em especial com Taoh, traz de volta para Walt o calor de relação familiar, numa troca de afeto que ele desconhecia desde a morte de sua esposa – como ele diz numa cena, é estranho perceber que tem mais em comum com aqueles coreanos do que com seus próprios filhos.

Gran Torino é parente muito próximo de outro longa recente de Eastwood, o oscarizado Menina de Ouro. Ambos trazem um personagem amargurado e cheio de preconceitos que recobra a afetividade perdida justamente no antigo objeto de seu desprezo. Não deixa de ser curioso notar o paradoxo entre o ódio que o personagem sente pelos estrangeiros e o fato de seu sobrenome evidenciar também ele ser descendente de imigrantes. Outros pontos em comum são a relutância com que o protagonista assume o fardo de ser um herói – de forma menos aberta em Menina de Ouro e bem mais explícita em Gran Torino – e o relacionamento tumultuado que ambos têm com as questões religiosas e os dogmas que a sociedade tenta lhes impor.

Um dos pontos fortes de Gran Torino é o ótimo roteiro escrito pelo novato Nick Schenk, primoroso pela fluência e esperteza dos diálogos, que fazem os maiores absurdos sexistas e raciais soarem fascinantes. E nesse quesito fica bem evidente o quanto é indispensável a presença de Clint no papel principal, já que boa parte da graça vem da imagem prévia que o espectador tem do ator/diretor como uma espécie de “último caubói americano”. Outro trunfo do longa é que quando o espectador acha que sabe exatamente o que Walt fará para deter os marginais que ousaram mexer com ele, a reação do personagem não é bem o que parecia para nós a princípio. E é no desfecho original, porém totalmente plausível, que o filme dá um salto quantitativo. O que até então era apenas um bom filme torna-se algo maior, mais profundo. Um belíssimo tratado sobre dignidade e redenção. O velho Clint está de volta e acertou mais uma vez.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Ele voltará mais uma vez!


O que esperar de um quarto Exterminador do Futuro? O Exterminador do Futuro (1984) e O Exterminador do Futuro 2: O Dia do Julgamento (1991) são dois filmes que já viraram referência no gênero. O primeiro pela originalidade da apocalíptica história e o segundo, por revolucionar no campo dos efeitos especiais. Natural que se tenha criado muita expectativa em torno de um terceiro episódio. Afinal, a fala mais famosa do cyborg é justamente a tão citada I’ll be back (eu voltarei). Mas os anos foram passando e, embora o hiato entre os dois primeiros filmes também tenha sido longo, parecia cada vez mais improvável que o exterminador cumprisse sua ameaça. E quando o terceiro filme finalmente foi feito, em 2003, a sensação geral foi a de que teria sido bem melhor que a série Terminator ficasse para a posteridade exatamente do jeito que estava.

O Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas nada mais é do que um clone requentado do segundo filme. A premissa básica da trama todo mundo já sabe, já foi contado até em videoclip do Guns’n’Roses: num futuro não muito distante, as máquinas se tornam autômatas e dominam o mundo, aniquilando grande parte da raça humana. O único foco de resistência subsiste graças à liderança de um homem: John Connor. Para assegurar sua vitória, as máquinas enviam ao passado (que seria o nosso presente) um robô exterminador para liquidar Connor antes que ele se torne uma ameaça. No primeiro filme o alvo é sua mãe, Sarah Connor. No segundo, o próprio John aos 13 anos. A história do terceiro filme se passa dez anos depois do segundo. As diferenças? Basicamente duas: John Connor cresceu e a máquina enviada para exterminá-lo dessa vez tem a aparência de uma mulher. E já que os efeitos especiais também não diferem muito do que já foi visto antes, só restou descambar para a carnificina visual e auditiva.

Vale relembrar que à época vários presságios indicavam de antemão que ao Exterminador do Futuro 3 não estava reservado um futuro muito brilhante. O primeiro foi quando soube-se que James “Titanic” Cameron, responsável pelos dois primeiros filmes, não estaria mais à frente do projeto. E Cameron pode ser tudo, menos incompetente. Depois estiveram cotados nomes respeitados como Ang Lee e David Fincher. Curiosamente, a direção acabou ficando nas mãos de Jonathan Mostow, dos medianos U-571 - A Batalha do Atlântico e Breakdown.

O segundo fator foi o ator escalado como protagonista. Arnold Schwarzenegger e Kristanna Loken têm a desculpa de seus personagens serem robôs. Já Nick Stahl não pode se utilizar deste expediente. O rapaz até que se esforça, mas falta-lhe o carisma necessário para interpretar o futuro líder da resistência contra as máquinas. Edward Furlong, que interpretou o John Connor pré-adolescente de 1991, continuaria com o personagem. Mas isso foi antes do rapaz ter problemas com drogas. Foi então substituído por Stahl que, além de ser muito diferente fisicamente de Furlong, não convence. A gente quase torce para que a extermina-loura acabe logo com ele.

Mais eis que O Exterminador do Futuro: A Salvação, quarto longa que deve iniciar uma nova trilogia, traz para o papel de John Connor ninguém menos do que Christian Bale. Para quem já encarnou o cavaleiro das trevas em dois filmes, não é nenhum grande desafio entrar na pele de John Connor (agora um adulto com papel ativo de fato na resistência contra as máquinas). Carismático e bom ator desde sempre, ter Bale no papel já é pelo menos 50% de garantia de sucesso. A direção agora está a cargo de McG. Como diretor, McG não tem nada muito relevante no currículo – seus longas mais famosos são As Panteras e As Panteras Detonando. Já como produtor, ele assina a sensacional Supernatural (simplesmente o melhor seriado da atualidade).

Então, qualquer coisa pode acontecer. Será o início de uma nova era para o exterminador ou apenas a confirmação de que a magia se esgotou no segundo episódio? O Exterminador do Futuro: A Salvação tem previsão de estréia para junho. Agora é esperar para conferir.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Meryl Streep, a alma de Mamma Mia!


A filmografia de Meryl Streep abarca mais de 60 filmes. Do alto de seus dois Oscars e quinze indicações (a mais recente foi este ano, por Dúvida), a diva vive atualmente a melhor fase de sua carreira. Claro que Meryl sempre foi talentosa, mas houve uma época em que seu nome não causava muita empolgação. Talvez porque, a despeito de seu incontestável talento, a atriz começava a ficar conhecida por interpretar basicamente heroínas clássicas e/ou sofredoras (A Escolha de Sofia, A Mulher do Tenente Francês, Entre Dois Amores). Mas ela provou que, além de boa atriz, é uma mulher inteligente e começou a diversificar a carreira com comédias (Terapia do Amor, Ela é o Diabo), aventuras (O Rio Selvagem), filmes políticos (Leões e Cordeiros, O Suspeito), além da elegante vilã de O Diabo Veste Prada. Em Mamma Mia!, a loura surpreende mais uma vez ao soltar a voz e executar exuberantes coreografias ao som das canções do grupo sueco ABBA.

O espetáculo teatral que originou este filme, um sucesso absoluto já visto por mais de 30 milhões de espectadores, estreou nos palcos londrinos em 1999. Seguindo a máxima de não mexer em time vencedor, os produtores do longa mantiveram no comando a diretora teatral Phyllida Lloyd e encomendaram o roteiro à teatróloga que escreveu a versão original, Catherine Johnson. A trama se passa na paradisíaca ilha grega onde Donna, uma mulher independente e cheia de energia, comanda uma pousada. Sua filha de 20 anos, Sophie, está prestes a casar e sente-se frustrada porque a mãe se recusa a revelar quem é seu pai. Mas Sophie descobre um antigo diário de Donna e em suas páginas encontra três possíveis candidatos a pai, que resolve convidar para a cerimônia. Sam Carmichael, Bill Anderson e Harry Bright, ansiosos por rever a mulher por quem se apaixonaram no passado, desembarcam na ilha e está estabelecida a confusão.

Se eu tivesse que adjetivar o filme usando apenas uma palavra, acho que esta palavra seria “ensolarado”. E não me refiro aí apenas à onipresente luminosidade do astro-rei e sim a todo um espírito festivo que leva o mais sisudo espectador a cantarolar baixinho os hits que desfilam ao longo desta grande festa que é Mamma Mia! Consideradas cafonas por muitos, adoradas pela comunidade gay e, sobretudo, sinônimo de alegria, as canções do ABBA são mais do que uma mera trilha sonora: elas dão o tom do filme do início ao fim. Assim como o recente Across the Universe se apropriou do psicodelismo das músicas do Beatles para compor o visual do longa, Mamma Mia! exala toda uma estética dos anos 70. As coreografias frenéticas, as roupas esfuziantes, o exagero intencional, enfim, tudo é motivo para transformar o cenário em uma pista de dança e os atores em inesperadas dancing queens.

Meryl Streep é, sem dúvida, a grande atração do filme e conquista o espectador logo no começo ao cantar sua alegria e espanto pela chegada de seus ex-amores no melhor número de todos, não por acaso a música que dá título ao filme. Outro destaque é vê-la interpretando o clássico The Winner Takes It All com pose e dramaticidade de deusa grega. Mesmo deixando evidente que não é uma cantora profissional, a atriz sabe imprimir uma personalidade tão grande à sua performance musical que é impossível reprimir um sorriso ao ouvi-la. Amanda Seyfries, a Sophie, tem uma voz belíssima. Outras (boas) surpresas são o timbre melodioso de Colin Firth e a energia contagiante de Julie Walters. Mas o melhor de Mamma Mia! é que mesmo os atores que não demonstram muita segurança ao cantar, como Pierce Brosnan (coitado, daí a premiá-lo com um Framboesa de Ouro foi exagero), compensam a falta de jeito com outras qualidades – no caso dele, a irreverência e o charme meio cafajeste. E o que dizer da ótima composição do geralmente sério Stellan Skarsgard, talvez o último ator que se esperaria ver num musical?

Deixando de lado a parte da música e dança, o destaque não-musical fica por conta da hilária sequência dentro da igrejinha. A história? É ingênua, pouco crível e serve apenas de plataforma para os números acontecerem. Só que, muitas vezes, o encanto de um musical reside justamente nessa combinação de muita emoção e nenhuma razão.

Bela Noite para Voar


Os primeiros comentários sobre este filme diziam respeito não exatamente à sua trama e sim ao fato do roteiro colocar em primeiro plano a amante de Juscelino Kubitschek conhecida como “Princesa” e não a primeira-dama Sarah – que é apenas citada, mas não aparece em nenhuma cena. Muito buxixo por pouco, visto que o romance do presidente com a moça da alta sociedade mineira nem é o foco central do longa.

Bela Noite para Voar, que estréia hoje nos cinemas, acompanha vinte e quatro horas na vida de JK. O filme começa com o presidente no Palácio do Catete, anunciando o rompimento com o FMI e causando desconforto em aliados e ódio nos seus muitos oponentes. A partir daí, o roteiro segue duas tramas paralelas: numa, JK decola em uma viagem com muitas escalas que terminará em Belo Horizonte, onde ele pretende deixar a política de lado e cair nos braços de sua princesa; em outra, seus inimigos põem em prática um plano de alta traição envolvendo políticos e militares.

Baseado no livro homônimo de Pedro Rogério Moreira, o longa é concebido mais como um thriller do que como um filme sobre política. Ainda assim, consegue apresentar breves pinceladas do panorama político da época e do estilo JK de governar que tanto incomodava a oposição: o empreendimento da construção de Brasília, a disponibilidade do presidente em receber líderes estudantis, seu desdém pelo excesso de convenções e formalidades, seu jeito despojado e cosmopolita, etc.

José de Abreu, apesar da pouca semelhança física, cria um JK carismático e empolgado, bem de acordo com seu apelido de “presidente bossa nova”. Marcos Palmeira como Carlos Lacerda incorpora a verve discursiva e a manha, embora ainda me pareça um pouco suave para um político conhecido por sua virulência. Mariana Ximenes, linda e totalmente retrô, faz contraste interessante com sua performance recente na TV. Mas o grande destaque no elenco vai para a aparição breve, porém impagável, de Cássio Scapin como Jânio Quadros.

No quesito thriller, Bela Noite para Voar é inevitavelmente prejudicado em seu suspense pelo fato de todo mundo já saber de antemão que JK sobreviverá ao atentado para terminar seu mandato vivinho da silva (ele viria a morrer depois num acidente meio suspeito, mas isso é outra história). Mas de todo modo, é interessante ver na tela essa história que exemplifica mais uma das ações terroristas perpetradas pelos golpistas que se auto-intitulavam defensores do Brasil.

domingo, 8 de março de 2009

Watchmen – O Filme


Acaba de chegar aos cinemas a versão cinematográfica para uma das mais cultuadas graphic novels das últimas décadas, a politicamente incorreta e ultra-violenta Watchmen. Publicada originalmente entre 1986 e 1987 e dividida em doze revistas, Watchmen trouxe para o mundo dos quadrinhos heróis desprovidos de super-poderes e cheios de dúvidas, falhas de caráter e contradições. Eu não li as revistas, então não vou me deter aqui em questões de adaptação ou fidelidade e sim sobre o que é mostrado na telona, sobre o filme em si como um produto independente. E posso dizer que, para quem não traz no coração toda a carga emocional de já ser fã da história em sua forma original, Watchmen – O Filme parece bom, porém de modo algum apaixonante.

O roteiro, dizem os fãs, condensa a trama de forma eficiente. Para uma não-iniciada como eu, tem o mérito de tornar tudo plenamente inteligível. Também tem a ousadia de contar uma história de heróis com poucas cenas de ação e bastante discussão filosófica. O que não impede que o longa tenha cenas inusitadamente violentas e altamente erotizadas. Watchmen é ambientado em 1985, numa realidade americana alternativa em que Nixon está em seu terceiro mandato e os Estados Unidos saíram vitoriosos absolutos do Vietnã. Heróis mascarados que no passado foram os incansáveis vigilantes (watchmen) da população foram proibidos de exercer seu ofício e agora vivem na clandestinidade, vítimas de sua própria arrogância e violência. Daí a famosa frase de protesto “who watch the watchmen?” (quem vigia os vigilantes?). Quando um antigo colega de máscara é assassinado, o paranóico e arredio Rorschach tenta convencer os outros vigilantes de que existe uma conspiração para matar todos eles. Mas quem teria interesse em perseguir heróis aposentados?

Jackie Earle Haley – indicado ao Oscar há dois anos pelo pedófilo de Pecados Íntimos – pode ser considerado a alma do filme. Não apenas porque seu personagem, Rorschach, é o narrador da história mas também pela carga de perigo e adrenalina que o ator injeta em cada cena em que aparece. Considerando a baixa estatura e o biotipo franzino de Jackie, é impressionante o modo como ele soa ameaçador e aterrorizante. Assim como ele, Edward Blake, vulgo o Comediante, dispara faíscas em cada fotograma. O personagem é o herói assassinado na primeira cena e que surge novamente em flashbacks. Espancando cidadãos, tentando estuprar sua colega, dizendo barbaridades, o personagem é defendido com garra pelo também ótimo Jeffrey Dean Morgan (o John Winchester da série Supernatural). E a relevância desses dois personagens é, ao mesmo tempo, o ponto alto e a maior deficiência do filme. Deficiência porque não apenas os outros personagens são menos interessantes como os atores que os interpretam não chegam nem perto do nível de Haley e Morgan. São especialmente insossos Malin Akerman (Espectral) e Matthew Goode (o afetado Ozymandias). Billy Crudup, o Dr Manhattan, até se esforça... mas o personagem é um tédio. Patrick Wilson está apenas OK e vai ser mais lembrado pelas cenas de nudez que protagoniza.

No mais, o filme tem boa trilha sonora, direção de arte caprichada (como não podia deixar de ser) e realmente é bem conduzido por Zack Snyder. O curioso é que apesar do longa condensar uma série extensa em um filme de duas horas e quarenta minutos, ao final tem-se a impressão de que muito do que foi mostrado ali poderia ter sido ainda mais compactado. Algumas cenas parecem esticadas além do necessário, como ocorre na sequência em que Espectral e Manhattan conversam em Marte. Mas será que essa impressão vem do já citado desnivelamento de atores/personagens? Ou é apenas coincidência o fato do ritmo cair sempre nos trechos que não contam com a presença de Rorschach ou do Comediante?

sexta-feira, 6 de março de 2009

Glória ao Cineasta


Brincadeira metalinguística que mistura ficção com realidade. Cansado de ser associado a filmes de gângster, o cineasta Takeshi Kitano decide realizar um filme que seja totalmente diferente e agrade a todos. Depois de tentar, sem sucesso, criar um drama neo-realista, um romance água-com-açúcar e um filme de terror, ele se decide por um filme de ficção científica.

Sabe aquela piada que é engraçada na primeira vez que você ouve, mas na segunda já te parece uma chatice? Assim é Glória ao Cineasta, que é mais uma seleção de esquetes do que um longa-metragem com começo, meio e fim. Reina o esquema da piada pela piada, sem grande compromisso com um encadeamento. E o pior é que, mesmo considerando as gracinhas em isolado, nem todas as tentativas de humor são de fato engraçadas.

Existe no humor japonês um excesso de ingenuidade que muitas vezes não tem a mínima graça para nós. Um exemplo é a historinha das garotas que colocam uma barata na comida para não pagar o restaurante. Não teve graça da primeira vez, mas tudo bem. Só que a mesma situação acontece de novo. Aí fica difícil. Como ponto positivo, ficam as sátiras a outros filmes e algumas poucas referências, como a que envolve a famosa cabeçada do Zidane.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Quantum of Solace


Outro lançamento em DVD que não vale o dinheiro gasto na locação é Quantum of Solace, 22º longa da franquia 007 e segundo com Daniel Craig no papel. Na época em que Craig foi escolhido como o novo James Bond e criticado pelo biotipo mais abrutalhado, achei que estavam fazendo muito barulho por nada e que ele poderia ser uma opção interessante pelo fato de ser um bom ator. Só que o grande paradoxo nisso é que a partir do momento em que virou o agente com permissão para matar, Craig parece ter se esquecido de que sabe atuar – e isso está se refletindo até nos outros filmes que fez desde então. Em Quantum of Solace, fica ainda mais claro do que em Cassino Royale que o ator simplesmente faz cara de mau e liga o piloto automático diante das câmeras. E o elegante 007 está virando um brutamontes carente de massa cinzenta, o que fica evidente numa cena em que Bond massacra um suspeito sem a mínima necessidade – o cara estava armado apenas com uma faquinha minúscula. O típico caso do “mata primeiro, pergunta depois”.

O roteiro de Quantum of Solace dá uma certa continuidade a Cassino Royale, ligação que pode ser um problema para quem não tem os personagens e acontecimentos deste último bem guardados na memória. Essa correlação acontece principalmente pela preocupação dos produtores em mudar a imagem de mulherengo incorrigível do agente secreto, o que criou a necessidade de justificar a ausência de Vésper – o affair do filme anterior. Para resumir, a trama parte do estado de espírito pouco estável de Bond por causa do assassinato da bela Vésper, que havia deixado-o por um novo namorado que se revelou um agente duplo que se aproximou da moça para obter informações e causar sua morte.

James Bond agora segue os rastros de Dominic Greene, que comanda uma organização criminosa que tem passado despercebida por todos os órgãos de inteligência do mundo e tem agentes infiltrados em todos os lugares, até mesmo no M-16. Após um incidente em que M quase é morta por seu próprio guarda-costas, Bond percebe a extensão do poderio de Greene e sai em sua caçada numa viagem à Bolívia onde o criminoso pretende ajudar a legitimar um golpe militar que o deixará ainda mais rico às custas da miséria do povo. Sua maior aliada nesse plano solitário será Camille, uma jovem que quer se vingar do homem que assassinou toda sua família e está prestes a ser o novo ditador boliviano.

O diretor Marc Forster tem uma filmografia bem irregular. Se, por um lado, já dirigiu filmes excelentes como Em Busca da Terra do Nunca e Mais Estranho que a Ficção, também é o responsável por abacaxis como A Passagem e O Caçador de Pipas. Quantum of Solace nada acrescenta à carreira do cineasta, já que não passa de uma orquestração de explosões magníficas e pancadarias bem coreografadas. O longa ainda tem uma abertura estranhíssima, com corpos femininos saindo sinuosamente da areia. Está certo que os filmes da série costumam ter essas aberturas meio kitsch, mas esse é de uma cafonice que envergonharia qualquer publicitário amador.

Outra grande bola-fora da produção é escalar Mathieu Amalric para o papel de Dominic Greene, já que o ator não tem talento nem tipo físico para encarnar um grande vilão. Para compensar sua cara de bobo, o francês teria que apresentar uma atuação convincente e fazer um pouco mais do que apenas arregalar os olhos. Mesmo problema da beldade Olga Kurylenko, a bond girl da vez. Ninguém espera que uma atriz vença um Oscar num papel desses, mas beleza e boa interpretação não são necessariamente qualidades incompatíveis. No mais, Judi Dench como M sempre dá um charme a mais no filme e Jeffrey Wright e Giancarlo Gianinni defendem com garra e competência personagens que, infelizmente, aparecem pouco em cena.

No geral, fica a sensação de que o agente secreto a serviço de sua majestade segue um caminho cada vez mais parecido com o dos filmes de ação convencionais e mais afastado do charme e brilho de seus antecessores.