domingo, 30 de novembro de 2008

Cineminha gratuito

Almoço de Ferragosto é um dos filmes que podem ser vistos gratuitamente no evento

A embaixada da Itália e o Instituto Italiano de Cultura estão apresentando no Cine Odeon, até a próxima quarta, alguns filmes italianos que foram exibidos no último Festival de Veneza. A entrada é franca, basta retirar o ingresso na bilheteria. Confiram a programação:

Domingo (30/11), 21h - A Semente da Discórdia
Segunda (01/12), 21h - Almoço de Ferragosto
Terça (02/12), 21h - Pa-ra-da
Quarta (03/12), 19h - Os Monstros

sábado, 29 de novembro de 2008

Terra Vermelha


Confesso que sinto um arrepio de pavor toda vez que ouço falar em filmes estrangeiros que abordam questões brasileiras. Tal descrição geralmente precede uma visão exótica e/ou deturpada de seja lá qual for o tema abordado. Imagina quando se fala da questão indígena. Pronto! Me preparei para ver um desfile de índios emplumados dignos de escola de samba. Mas não é nada disso que acontece em Terra Vermelha, filme italiano rodado na Amazônia.

A belíssima seqüência de abertura faz uma panorâmica pela região amazônica, numa tomada idílica que logo é cortada para o momento em que dois jovens índios encontram duas meninas da tribo enforcadas. Segue-se uma cena do enterro das meninas, realizado de modo prático e sem grandes aparatos. A partir desse instante, já fica claro que Terra Vermelha não é um filme que vem reforçar o olhar deslumbrado que a maioria dos estrangeiros tem sobre o Brasil e, sobretudo, a respeito das questões indígenas.

Apesar de ser uma produção italiana, em nenhum momento há o ranço de “filme gringo”; pelo contrário, podemos dizer que nenhum longa nacional havia abordado ainda de maneira tão realista os problemas decorrentes da convivência entre indígenas e brancos. Mazelas como a alta taxa de suicídios entre os jovens e o choque cultural causado pela insistência do homem branco em fazer a população indígena viver de acordo com o estilo de vida dito “civilizado” ganham as telas com ares documentais, impressão reforçada pela acertada opção de usar índios de verdade nos papéis principais.

O longa também discute a hipocrisia das reservas indígenas, via de regra demarcadas em terras estéreis que ninguém mais quer. O conflito central do filme acontece a partir da decisão de um líder de um grupo de guarani-kaiowá de deixar a reserva e ocupar a terra pertencente a um rico fazendeiro. Arrancados de tudo que um dia fora de seus antepassados, os nativos montam acampamento no limite das terras do fazendeiro aguardando o momento de se apropriar do que originalmente fora deles.

Terra Vermelha planta as sementes do conflito de modo a fugir de todos os clichês, apesar de sua posição pro-indígena: nem os índios são retratados como inocentes idiotizados nem o fazendeiro personificado por Leonardo Medeiros é alguma encarnação do demônio. Um belo exemplo disso é a cena que mostra o enfrentamento entre o fazendeiro e o líder indígena, que cala as argumentações do primeiro sobre estar naquela terra há três gerações comendo da mesma. Merece destaque o modo como os nativos estão longe de ser o retrato ao qual costumam ser associados: aprenderam na marra as artimanhas do homem branco e, apesar dos efeitos colaterais trazidos por ele – alcoolismo, depressão, desemprego, pobreza –, sabem se defender com as armas que possuem.

O melhor em Terra Vermelha é que, apesar de seu tom documental, o roteiro traça uma história de ficção interessante, cujo expoente maior é Osvaldo, um adolescente em conflito entre sua vocação de xamã e seus hormônios em ebulição por causa da jovem filha do fazendeiro que é inimigo de seu povo. Outro personagem bastante interessante é sua mãe, Lia, uma verdadeira mulher emancipada que escolhe seus parceiros e tem a sexualidade à flor de pele. Reparem como ela se entrega ao homem branco, mas somente na momento em que deseja e deixando bem claro que sua decisão é motivada por desejo sexual e não por subserviência cultural.

O único senão do filme está em seu ritmo desigual: muito lento na primeira metade e meio apressado na segunda, o que leva a um final meio atabalhoado. Mas isso é um pequeno detalhe diante de todas as qualidades deste exemplar admirável de bom cinema.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Rede de Mentiras


Apesar de toda tecnologia dos tempos modernos, o mundo da espionagem internacional ainda é regido por um princípio rudimentar: o sucesso de uma missão depende mais do montante de informações obtidas e controladas pelo agente e menos do aparato a seu dispor. A esperteza e a capacidade de manipulação de informações e pessoas ainda é a moeda de troca mais valiosa.

Rede de Mentiras é baseado no romance homônimo de David Ignatius, jornalista que cobriu o Oriente Médio durante dez anos para o Wall Street Journal. Leonardo DiCaprio é Roger Ferris, agente de campo altamente treinado da CIA que atua no Oriente Médio. Russell Crowe é Ed Hoffman, estrategista brilhante e implacável que controla as ações de Ferris via laptop e celular sem precisar deixar o conforto de sua vida em Washington. Enquanto o primeiro se envolve diretamente com os conflitos, o segundo tem a frieza de quem está fora da zona de perigo.

As diferenças de funções e, sobretudo, de personalidade dos dois parceiros explodem em conflito quando chega até eles a informação sobre um perigoso líder terrorista que, por evitar toda forma de tecnologia, tem se mantido fora do alcance dos órgãos de inteligência. Roger quer atuar em conjunto com o temido Hani Salaam, chefe do Departamento Geral da Inteligência da Jordânia (GID, em inglês), um homem que só perde em importância para o próprio rei. Já Hoffman quer bancar o esperto e usar os jordanianos sem retribuir na mesma moeda, mesmo que tal atitude signifique colocar em risco a vida de Roger.

Nessa história de mentiras e traições, fica bem claro para Roger que sua sobrevivência depende da sua capacidade de discernir quem é fiel e quem poderá trai-lo. O poderoso Hani, que tem como regra básica que não lhe mintam, exige estar a par de tudo que se passa. Hoffman, seu superior, crê que Hani não é confiável. Mas Roger tem dúvidas sobre o quanto pode confiar no próprio Hoffman e em sua obsessão por resultados que beneficiem os americanos a qualquer preço. E até que ponto ele mesmo conseguirá ser sincero com as pessoas que o ajudam sem sacrificar o sigilo de informações valiosas?

À frente do elenco, Leonardo DiCaprio prova que a tal maldição Titanic definitivamente ficou no passado e que sua excelente fase de maturidade artística está apenas começando. Seu personagem, agente esperto e durão que dá nó em pingo d'água, em certos aspectos lembra o estelionatário adolescente de Prenda-Me Se For Capaz – principalmente pelo carisma e capacidade de transmutação. Russell Crowe, sempre à vontade em personagens de caráter duvidoso, também está bastante convincente. Mas a melhor surpresa está na figura do britânico Mark Strong como o refinado e cruel Hani. Sua elegância e educação fazem com que cada ameaça velada soe ainda mais assustadora, sensação realçada pela excelente construção de personagem apresentada pelo ator.

O roteiro, escrito pelo oscarizado William Monahan (de Os Infiltrados), é inteligente e bem-estruturado, fazendo com que Rede de Mentiras seja um filme extremamente cerebral apesar de sua ação constante. Diante de tantos predicados, por que fica a impressão de que Ridley Scott deixou que tudo corresse frouxo? A trama é boa, o elenco idem e, ainda assim, resta a inexplicável sensação de que Rede de Mentiras poderia alcançar um patamar superior como filme se houvesse maior empenho por parte da direção. E não é de hoje que o cineasta de pérolas como Blade Runner e Thelma & Louise demonstra ter perdido a paixão em algum momento do caminho. Ainda é um bom executor, isso fica claro, mas a centelha da genialidade parece ter se apagado.

sábado, 22 de novembro de 2008

Entrando na Tumba da Noiva-Cadáver


Além de ser um inspirado reencontro de Tim Burton com suas origens de animador,A Noiva-Cadáver derruba de vez o conceito de que filme de animação é, necessariamente, para o público infantil. É um filme para adultos, desde os toques de humor negro até a madura reflexão sobre vida e morte, podendo até assustar os miúdos em certas cenas. Então, caro leitor, nada de usar seu sobrinho como desculpa para alugar o DVD. Assista sozinho. Mas assista, porque é imperdível.

A trama, baseada numa lenda do folclore russo, tem como ambientação uma cinzenta era vitoriana e suas rígidas convenções. Victor, filho único de um casal de novos-ricos, está sendo empurrado para um casamento de conveniência com Victoria, filha de nobres falidos. Os dois só se conhecem na véspera do enlace e até parecem simpatizar um com o outro, mas a pressão sobre o tímido rapaz é tanta que ele se atrapalha e erra tudo no ensaio da cerimônia. Humilhado, se esconde na floresta e lá começa a ensaiar. Quando enfia a aliança no que parecia ser um galho seco, desperta o espírito infeliz de uma jovem assassinada no dia do casamento e é arrastado para o mundo dos mortos.

Um dos aspectos mais fascinantes da história é a inversão das noções de vida e morte. Enquanto o mundo real é sombrio, triste e decadente, a terra dos mortos é colorida e cheia de entusiasmo. Os bares estão a todo vapor, a música não pára de tocar e todos estão imbuídos de contagiante alegria de viver - ou de morrer, que seja. Livres dos espartilhos e regras sociais, são os mortos que parecem vivos no filme. E as seqüências mais tocantes são justamente as que promovem o encontro entre esses dois mundos. A cena em que Victor reencontra seu antigo cachorrinho é de derreter os corações mais agnósticos. Por isso, não vai ser nada estranho se o espectador se pegar torcendo para que Victor esqueça da vida entediante que deixou e seja feliz no além ao lado da sensível fantasminha. Afinal de contas, tirando sua noiva Victoria - que é realmente gente boa -, o carrancudo povo da Terra não deixa saudades em ninguém.


É possível reconhecer releituras de algumas cenas feitas anteriormente com gente de carne e osso. A bela tomada da Noiva-Cadáver rodopiando sob a neve, por exemplo, é igualzinha à célebre dança de Winona Ryder em Edward Mãos de Tesoura. Outra cena toma emprestada a famosa fala de E o Vento Levou... (Francamente, minha querida, não dou a mínima), mas aplicada a um contexto totalmente inusitado.

O filme é realizado em stop-motion, ou seja, animação com bonecos fotografados quadro a quadro, mesma técnica de O Estranho Mundo de Jack (concebido e produzido por Burton). O processo exige paciência e paixão infinitas: filma-se um quadro, altera-se de leve a posição dos bonecos para a nova tomada e assim por diante. Vendo o resultado na tela, é quase impossível crer que os cenários deslumbrantes de A Noiva-Cadáver não foram feitos em computador. A textura dos personagens, o brilho das paisagens, o esvoaçante véu da garota morta... tudo criado artesanalmente? Pois é. Um processo só possível sob a direção de um mestre em animação e cinema.

Mas toda a excelência técnica do filme de nada adiantaria caso não estivesse a serviço de uma história bela e comovente, magnificamente interpretada. Os dubladores, aliás, têm papel essencial, já que a gravação das vozes é feita antes da manipulação da expressão dos bonecos. Johnny Depp, parceiro de longa data de Burton, empresta não apenas a voz, mas suas feições ao tímido Victor. É difícil ver o boneco e não lembrar de Depp como o romântico Edward Mãos de Tesoura. O ator trabalhou simultaneamente em A Noiva-Cadáver e A Fantástica Fábrica de Chocolate, quase sempre saindo direto do set deste último para a cabine de gravação. Helena Bonham Carter dá vida à doce Noiva-Cadáver enquanto Emily Watson dubla a contida Victoria. A lista de intérpretes inclui ainda intervenções geniais de Albert Finney e Christopher Lee. Danny Elfman, autor de mais essa hipnótica trilha sonora, também faz uma participação como Bonejangles, líder da banda The Skeletones. Quem tem mais de 30 anos lembra de Elfman à frente do grupo Oingo Boingo cantando Dead Man’s Party. Tudo a ver. Um barato a cena em que os músicos cantam para Victor a saga da Noiva-Cadáver ao ritmo do jazz dos anos 30. Portanto, fica o conselho: versão dublada, nem pensar.

Segmentar A Noiva-Cadáver como um dos melhores filmes de animação já feitos é restringir o alcance desta fábula maravilhosa sobre vida, morte e compromisso. É um dos melhores filmes de todos os tempos. Simples assim.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Os Estranhos


A cultura americana considera o lar de uma pessoa santuário sagrado, tanto que é perfeitamente admissível um cidadão assassinar alguém a tiros se esta pessoa profanou a propriedade privada dele. Coisa de raiz cultural mesmo. Isso dá uma pálida idéia do quanto o atentado ao World Trade Center feriu o povo americano. Mais do que o saldo de mortos, o que realmente os apavora é a exposição da própria fragilidade e da incapacidade de defender seu território.

Partindo do geral para o particular, Os Estranhos mostra um jovem casal acuado madrugada adentro por três delinqüentes. Ao voltar do casamento de um amigo, Kristen e James se dirigem à casa de campo da família dele. Durante a festa, os dois têm um desentendimento e chegam ao local onde deveriam passar uma noite romântica no pior dos climas. É quando uma garota bate à porta às três da manhã perguntando por alguém chamada Tamara. Como o casal logo percebe, ela não está sozinha. E aquelas pessoas parecem dispostas a apavorá-los até o limite de sua forças, num jogo inexplicavelmente perverso.

Apesar de iniciar com legendas que dizem que o filme é baseado em um caso verídico ocorrido em 2005, o diretor e roteirista Bryan Bertino confessou que, na verdade, sua trama foi costurada a partir de várias histórias reais e não uma em particular. Estreante em longas, Bertino demonstra habilidade ao criar um clima progressivamente assustador, que começa a se insinuar muito antes que qualquer ameaça real seja mostrada na tela. Os personagens de Liv Tyler e Scott Speedman ganham nossa simpatia ao acompanharmos sua ameaça de rompimento, que posteriormente se revela o menor dos sofrimentos pelos quais os dois irão passar naquela longa noite.

Parente direto de Violência Gratuita, de Michael Haneke, Os Estranhos acaba sendo um filme mais bem-resolvido justamente por sua falta de pretensão intelectual. O problema está no uso indiscriminado que o roteiro faz dos clichês habituais do gênero, sendo o pior deles o exagero na invencibilidade dos vândalos. A força e agilidade do trio é tão espantosa que em determinadas seqüências eles parecem mais fantasmas do que pessoas. Isso sem contar as decisões absurdas dos protagonistas, como, por exemplo, o momento em que James resolve ir ao celeiro tentar pedir socorro através de um rádio velho (!!!) e deixa Kristen sozinha e desprotegida ao invés de irem os dois juntos. Mesmo considerando que o pânico faz com que as pessoas não raciocinem direito, não dá para engolir uma atitude tão estúpida.

De qualquer maneira, Os Estranhos se mantém acima da média deste estilo de filme. A montagem é ágil sem ser histérica, a trilha sonora é usada nos momentos certos, a câmera é manejada de modo a criar medo (e não apenas dar sustos) e Liv Tyler e Scott Speedman dão credibilidade à situação desesperadora que seus personagens vivem. Mas creio que a grande sacada do filme está em seu assustador recado subliminar: por mais que as portas estejam trancadas, nem sempre é possível manter o inimigo de fora.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Martin Scorsese filma Dennis Lehane

Guardem este título: Shutter Island. Com previsão de estréia aqui no Brasil para outubro de 2009, o longa deve ser ansiosamente aguardado não apenas por ser o novo trabalho de Martin Scorsese - o que, por si só, já é motivo para ficar de olho em um filme -, mas também por ser baseado em um livro escrito pelo sensacional Dennis Lehane (foto). Considerado o melhor romancista policial da atualidade, este americano de 45 anos já forneceu material para dois excelentes filmes anteriormente: Sobre Meninos e Lobos, que virou um filmaço mas mãos experientes de Clint Eastwood; e Gone, Baby, Gone, que transformou o decadente ator Ben Affleck num cineasta de primeiríssima linha com Medo da Verdade.

Shutter Island (o livro aqui se chama Paciente 67) é protagonizado pelos xerifes Teddy Daniels e Chuck Aule, que vão à ilha do título investigar a fuga de uma interna do hospital psiquiátrico que ocupa toda a região. Rachel Solando, assassina condenada, escapou de uma cela muito bem vigiada sem deixar nenhum vestígio, como se tivesse simplesmente evaporado no ar. Os funcionários da instituição não parecem nada dispostos a colaborar na investigação e suas declarações são pouco confiáveis. Seriam verdadeiros os boatos de que o hospital pratica um exercício pouco ético da psiquiatria? Para os que conhecem a literatura de Lehane, vale lembrar que Shutter Island e Sobre Meninos e Lobos são as duas únicas tramas do autor não protagonizadas pela dupla de detetives Patrick Kenzie e Angie Gennaro.

O elenco estrelado traz Leonardo DiCaprio (o que não chega a ser uma novidade), Mark Ruffalo, Ben Kingsley, Emily Mortimer, Max von Sydow, Michelle Williams e Jackie Earle Haley. Agora é segurar a ansiedade para conferir o resultado dessa parceria entre o grande expoente do romance policial e o genial cineasta. Em comum, os dois têm o gosto por tramas cheias de adrenalina e os personagens violentos e complexos.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Falsos Brilhantes

Volta e meia aparece uma dupla de filmes de temática semelhante, feitos à mesma época. Exemplos não faltam: os westerns Tombstone e Wyatt Earp, as animações Vida de Inseto e FormiguinhaZ até mesmo dois Robin Hood que só se diferenciavam nos subtítulos - O Príncipe dos Ladrões e O Herói dos Ladrões. Mais recentemente, em 2006, foi a vez do universo dos mágicos mostrar sua dupla face com O Grande Truque e O Ilusionista. Ambas as produções são ambientadas na Europa do século XIX e têm como protagonistas homens que levam a arte da ilusão às últimas conseqüências.


O primeiro a ganhar as telas brasileiras foi O Grande Truque, dirigido pelo criativo Christopher Nolan (da nova franquia Batman) e tendo Hugh Jackman e Christian Bale como Robert Angier e Alfred Borden, dois mágicos que se conheceram no início de suas carreiras e, por conta de um trágico acidente, se tornaram inimigos. A acirrada rivalidade ultrapassa os limites do puro orgulho profissional e torna-se uma obsessão que os fará passar por cima de qualquer limite ético para destruir o oponente.

O filme faz uma abordagem interessante ao privilegiar a estranha relação de Angier com Borden, em que admiração e ódio se mesclam de tal maneira que um passa a viver em função do outro. Ambos se tornam tão dependentes de seus sentimentos doentios que não basta ter sucesso: é preciso que o rival fracasse. Mas, infelizmente, o filme derrapa no excesso de pegadinhas e pistas falsas. Como a própria história enuncia, os bons números de mágica são feitos em três atos. O Grande Truque despreza sua própria cartilha ao sobrecarregar a trama com reviravoltas a cada segundo - algumas bem inverossímeis, outras ridiculamente ingênuas. E o espectador acaba se sentindo iludido. No mau sentido. O longa é salvo da mediocridade pelos protagonistas: Hugh Jackman e Christian Bale são tão bons contracenando quanto o são seus personagens assombrando as platéias. Enquanto o Angier de Jackman é charmoso e carismático, o Borden de Bale é determinado e obsessivo. Quem levará a melhor?


O segundo filme sobre o tema é O Ilusionista. O personagem-título é Eisenheim, mágico que encanta as platéias de Viena com seu inigualável espetáculo. Logo sua fama irrita o príncipe-herdeiro Leopold, que se dispõe a desmascará-lo. O clima fica ainda mais tenso quando a noiva do príncipe reconhece em Eisenheim sua antiga paixão adolescente. Leopold encarrega um inspetor de polícia corrupto de descobrir os segredos do mágico para que possa destruí-lo. Porém Eisenheim tem seus próprios planos e prepara-se para executar seu maior truque.

O Ilusionista começa muito bem. O clima é de mistério e sedução, como num bom número de mágica. Eisenheim ilude as platéias tanto quanto a boa montagem das seqüências que mostram seus truques cativa o espectador. Reside aí o maior trunfo do longa: colocar o espectador no mesmo lugar do público dentro da tela. Iludido, porém encantado. Assim como o inspetor de polícia, que pode apenas pressentir que uma ilusão fora criada para ocultar a verdade. Mas a trama começa a desandar em sua meia hora final e atinge seu ponto mais fraco quando resolve explicar nos mínimos detalhes como ocorreram os fatos. Dedução a que o espectador sozinho já havia chegado. O final burocrático chega a contrariar a ideologia do filme, já que a arte da ilusão perde todo o significado quando seus truques são revelados. Seria mais honesto dar um voto de confiança para a imaginação do espectador. Para piorar, a montagem da seqüência final é um clone descarado do desfecho de Os Suspeitos. Também aqui se destacam dois atores: os sempre eficientes Edward Norton e Paul Giamatti não deixam a bola cair. Mas não se pode dizer o mesmo de Jessica Biel, que não convence como pivô de uma disputa entre o mágico e o príncipe.

Depois de assistir aos dois filmes, fica uma estranha sensação. Ambos poderiam ser mais bem resolvidos do que foram. Ambos têm diversas qualidades, mas que acabam ofuscadas por suas muitas deficiências. E, embora sejam interessantes em vários aspectos, nenhum dos dois vai ter alguma grande relevância para a posteridade.

domingo, 16 de novembro de 2008

Wonderland by Tim Burton

2008 ainda nem acabou, mas desde já há indícios de qual será o filme mais esperado em 2010: a versão de Tim Burton para Alice no País das Maravilhas. Claro que não é preciso ser nenhum gênio para saber que ator fará o papel do Chapeleiro Maluco: Johnny Depp, é claro. Tampouco é surpresa saber que a Rainha de Copas coube à senhora Burton, Helena Bonham Carter. Já a protagonista será interpretada pela australiana Mia Wasikowska, ainda desconhecida por aqui.

As filmagens de Alice in Wonderland, com previsão de estréia para março de 2010, já estão acontecendo a pleno vapor, embora o universo que Burton está criando para o clássico de Lewis Carroll esteja sendo mantido em sigilo absoluto. As fotos divulgadas para a imprensa mostram apenas os atores nos bastidores ou, no máximo, imagens de Alice no mundo real. Nenhum indício da realidade alternativa do outro lado do espelho chegou até nós por enquanto.

Uma coisa é certa: a história da menina que subitamente se encontra em um mundo totalmente surrealista parece ter sido feita sob medida para o estilo de Burton. Vale lembrar que alguns aspectos mais marcantes no estilo do cineasta são justamente a estética expressionista, a direção de arte arrojada e um certo humor negro mesclado a temas infantis.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Frase do Dia


- "Bem-vindo a Guantánamo."

(De um terrorista islâmico para o agente da CIA vivido por Leonardo DiCaprio, segundos antes de quebrar seus dedos com um martelo, em Rede de Mentiras)

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Cashback


“O tempo rodou num instante, nas voltas do meu coração...”

Sucesso na Mostra Expectativa do Festival do Rio do ano passado, o longa Cashback nasceu a partir de um curta de mesmo título realizado por Sean Ellis em 2004. O filme foi indicado ao Oscar de melhor curta-metragem no ano seguinte. Não venceu, mas deu ao diretor e roteirista inglês ânimo suficiente para transformar sua história de 18 minutos em um filme de uma hora e quarenta com o mesmo elenco. OK. Eu sei que um cara que estréia na direção de longas fazendo uma versão maior de seu curta não parece muito digno de confiança, mas a verdade é que Cashback é um filme muito bacana. E mais: ao contrário do que poderíamos supor, essa costura entre a história original e sua extensão não fica evidente para o espectador.

O protagonista é Ben Willis, um jovem estudante de arte que logo nos momentos iniciais do filme leva um estrondoso fora de sua namorada Suzy. Ele tenta reatar, mas ela já seguiu adiante e arrumou um novo namorado. Mas o que fazer se ele não consegue deixar de pensar nela um minuto sequer e, para piorar, começou a sofrer de uma implacável insônia que lhe dá ainda mais tempo para remoer suas mágoas? Para que as horas solitárias passem mais depressa, Ben arruma um emprego no turno da noite em um supermercado. Lá ele convive com uma fauna de colegas bizarros, um chefe irritante e se aproxima de Sharon, uma caixa simpática e tão sozinha quanto ele. Para espantar o tédio, Ben também desenvolve um certo delírio de que pode congelar o tempo e, mentalmente, caminhar por um mundo estático e só seu.

Impossível não lembrar de O Balconista, cult movie de Kevin Smith que é a quintessência de filmes que enfocam o dia-a-dia de pessoas comuns anestesiadas por suas vidinhas medíocres, embora Cashback me pareça um parente mais próximo do agridoce Por Um Sentido na Vida. Mas, reparando bem, Cashback é parecido com esses filmes mais em termos de ambientação do que pela temática propriamente dita. O filme de Sean Ellis tem uma dose de esperança e romantismo que o torna um híbrido de vários estilos. Sem contar a montagem esperta e o aspecto visual impregnado de realismo mágico dos delírios de Ben – que, esteticamente, lembra certos trechos de Peixe Grande.


O elenco simpático é encabeçado por Sean Biggerstaff (conhecido basicamente como o Oliver Wood dos dois primeiros filmes do Harry Potter) e Emilia Fox, que atuou em O Pianista e Jornada da Alma e soma mais de quarenta filmes no currículo. É interessante que dessa dupla inusitada entre a atriz clássica e experiente e o ator teen quase novato tenha surgido um casal tão carismático. Outro aspecto curioso é que o cartaz do filme, que mostra uma beldade semi-nua entre as prateleiras de um supermercado, vende uma idéia de provocação e rebeldia que não é exatamente o cerne da história. Cashback, embora tenha seus momentos de anarquia, é um filme mais terno e com uma delicadeza de sentimentos que vai além da mera provocação. Podemos dizer que é, antes de mais nada, uma história sobre os encontros e desencontros do amor.

E, no final das contas, é justamente essa a “moral da história”: é preciso um certo distanciamento para perceber que muitas coisas idealizadas não são nem de longe tão boas quanto outras que surgem devagarinho, sem que se perceba.

O filme estréia nesta sexta-feira.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Escondidos nas Prateleiras

Outro dia, dando um passeio pela minha locadora, dei de cara com uma série de filmes interessantes que assisti no Festival do Rio de 2006 (sim, há dois anos) e dos quais nunca mais tinha ouvido falar. Provavelmente porque ficaram esse tempo todo engavetados e um belo dia alguém resolveu lançá-los diretamente em DVD. Ou então passaram pelo circuito tão rápido que eu nem notei. Seguem minhas impressões sobre alguns deles, escritas à época em que os assisti:

C.R.A.Z.Y. - Loucos de Amor



Zachary, quarto de cinco irmãos, nasceu no dia 25 de dezembro. Seus aniversários começam com a Missa do Galo e sempre se confundem com o Natal. O filme acompanha duas décadas da vida de Zachary e sua bizarra família: as festas sempre pontuadas pela bisonha imitação que o pai insiste em fazer de Charles Aznavour, as brigas entre irmãos e, principalmente, sua angústia por ter, desde pequeno, tendências homossexuais que ele reprime com todas as forças. Premiado como melhor filme canadense no Festival de Toronto de 2005.

Uma sensível e engraçada história de autodescobrimento, onde o próprio protagonista pontua seus momentos mais marcantes - desde o dia do nascimento até a idade adulta. Nessa jornada, acompanhamos suas desilusões infantis, sexualidade reticente e seu caminho para conquistar não apenas o respeito dos pais e irmãos, mas também para se destravar e aceitar com a cabeça as escolhas que já fez há tempos no coração. É doloroso constatar que, numa família onde ninguém parece normal, sempre se elege um coitado para receber a descarga das frustrações de todos os demais. E o grande acerto do filme é nunca perder de vista o tom irônico: todas as vezes que a história ameaça resvalar um pouco para o dramalhão, logo em seguida acontece uma virada bem-humorada. Outro detalhe muito legal é a caracterização das diferentes épocas, bem demarcada pelas mudanças não apenas no visual mas também no gosto musical do protagonista. E a explicação para o título do filme – que não é simplesmente por causa da loucura dos personagens – é impagável.

Amigas com Dinheiro

A rica Franny, sempre à frente de causas sociais, vive um casamento de sonho e tem uma família perfeita. A confusa Christine escreve roteiros em parceria com o marido, mas os dois vivem às turras. A irritada Jane, uma estilista de sucesso, é casada com um inglês obviamente gay. Já Olivia é considerada a ovelha negra dentre as amigas: além de ser a única solteira, está em meio a uma grave crise financeira e profissional. O fato de ter abandonado o magistério para trabalhar como faxineira deixa suas amigas perplexas e até mesmo envergonhadas. Para piorar, ela começa um romance com um espertalhão que não assume a relação e ainda fica com parte do seu pagamento.

Através desses quatro personagens básicos, o filme faz uma radiografia - nada animadora, diga-se de passagem - da mulher dos dias de hoje. Com muito bom humor, diálogos inteligentes e boas interpretações – em especial de Frances McDormand, que dá um show com sua personagem eternamente de mal com a vida. Jennifer Anniston, embora ainda carregue o estigma da Rachel de Friends, também está ótima. Jennifer é o tipo de atriz que, ao invés de se adequar aos papéis, precisa buscar papéis que se adequem a ela. E esse lhe cai como uma luva. Amigas com Dinheiro é como se fosse uma versão alternativa do seriado Sex and the City com menos glamour e mais realidade. É fácil se reconhecer em mais de uma das situações mostradas. É fácil se identificar com as personagens. Assistir ao filme acaba equivalendo a uma boa terapia.

Candy
Usuários de drogas pesadas, a pintora Candy e o poeta Dan vivem entre o céu e o inferno: jovens, talentosos e apaixonados, porém sempre na miséria. Chegam ao ponto de Candy se prostituir para manter o vício do casal. Participou da competição oficial do Festival de Berlim de 2006.

Candy é, sem dúvida, um bom filme. Sensível, bem-escrito, lindamente interpretado e dirigido com competência. Seu único problema é ser muito parecido com outros filmes que já foram feitos sobre usuários de drogas. Longe de ter a ousadia estética de um longa como Réquiem para um Sonho, o filme acaba soando como o remake de uma história que já foi mostrada antes. Mas vale a pena conferir o trabalho maduro de Heath Ledger, que prova ser um ator cuja indicação ao Oscar não fez mal. Longe de se tornar acomodado, o cara embarcou numa viagem totalmente diferente e tão radical quanto o caubói gay de Brokeback Mountain. O destaque fica para a comovente cena do casal com o bebê no quarto de hospital.

2:37

Numa escola secundarista na Austrália, algo de terrível acabou de acontecer a portas fechadas. A partir desse fragmento de informação, o filme retrocede para esmiuçar os traumas secretos de alguns dos alunos e revela conflitos envolvendo relações amorosas, homossexualismo, drogas, abuso sexual, negligência familiar. O filme, inspirado em fatos da vida do diretor, foi exibido na mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes 2006.
Nos primeiros minutos de projeção, bateu a apreensão: seria mais um filme ruminar o massacre de Columbine? Para reforçar e piorar essa impressão, o diretor copia descaradamente os maneirismos de câmera e o estilo fragmentado de Elefante. Desnecessariamente. Felizmente, essa má impressão inicial vai se desfazendo ao longo da história, conforme 2:37 começa a decolar e ganhar autonomia. E aí a trama passa a se assemelhar àquele jogo de tabuleiro Detetive: quem seria o aluno que cometeu uma loucura? Todos tinham fortes motivos para se desesperar. A surpreendente resolução deixa claro que, na verdade, qualquer pessoa pode estar num momento em que um fato corriqueiro seja a gota d’água. Este é um filme que só pode ser analisado como um todo, considerando que algumas engrenagens só se movem ao final da história. Um exemplo disso são as inserções de depoimentos, que parecem aleatórias mas ganham sentido no desfecho. Também é interessante notar que os traumas causados pelo excesso de competitividade dos adolescentes, que atinge seu grau máximo na crueldade do ambiente escolar, não é exclusividade dos americanos.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Fonte da Vida


O projeto de Fonte da Vida começou a ser desenvolvido em 2002, tendo Brad Pitt e Cate Blanchett à frente do elenco. Um belo dia, mais de dois anos após o início dos trabalhos, surgiram as chamadas diferenças criativas entre o astro e o cineasta Darren Aronofsky. Tendo perdido sua principal garantia de gordas bilheterias, o diretor sofreu o desgosto de ver seu projeto de estimação cancelado pelo estúdio. A solução encontrada por Aronofsky para salvar a produção foi refazer o roteiro, cortando o supérfluo e enxugando o que fosse dispendioso em excesso. E assim o filme, que inicialmente estava orçado em 90 milhões de dólares, acabou tendo quatro anos depois um custo bem modesto para os padrões americanos: 35 milhões. No lugar de Pitt e Blanchett, foram escalados Hugh Jackman e Rachel Weisz - esposa do diretor e premiada com um Oscar por O Jardineiro Fiel.

Fonte da Vida é uma viagem psicodélica que se desenvolve em três eras distintas: no século XVI, quando o conquistador espanhol Tomás se embrenha nas selvas da Guatemala em busca da Fonte da Juventude como arma para salvaguardar o reinado de sua idolatrada rainha; no século XXI, enfocando um cientista obcecado em descobrir a cura para o câncer que corrói impiedosamente sua amada esposa; e no século XXVI, quando um desdobramento desse mesmo homem vaga pelo espaço ainda em busca de respostas que acalmem seu irrequieto coração. As três narrativas sofrem interseções em diversos pontos, assim como as três manifestações desse personagem - guerreiro, cientista e viajante - buscam, de diferentes formas e por diferentes motivações, um modo de parar o tempo e vencer a morte.

A subjetividade talvez seja o que há de mais fascinante em Fonte da Vida: é um filme mais para ser sentido, experimentado, do que propriamente entendido. Pelo menos, não em seus mínimos detalhes. Muitas coisas dão margem a interpretações pessoais. Não por alguma falha no roteiro e sim por colocar as situações em termos metafísicos. Tomás, Tommy e Tom são, de fato, o mesmo homem ou apenas simbolizam que o desejo de desafiar o destino é constante através dos tempos? Seriam eles arquétipos da negação humana diante do inevitável? Afinal, morrer faz parte do ciclo da vida e, em muitas culturas, tal transição simboliza tão-somente um renascimento. É especialmente triste a situação de Tommy Creo, o cientista dos dias atuais. O personagem está tão determinado em encontrar uma cura para a doença da esposa que gasta o escasso tempo que poderia passar ao lado dela afundado em seus desesperados experimentos. Embora a trama se estenda por um período de mil anos, é justamente contra o tempo que correm os personagens. Todas as histórias - que podem ser encaradas como uma só - são centradas em um homem que se revolta por não aceitar a perda de quem ama. E o tempo é sempre um fator determinante contra ele. Esse método peculiar de criar universos independentes e uni-los, convergindo para uma conclusão em comum, lembra um pouco a estrutura dramática de As Horas.

O principal problema de apostar numa abordagem tão etérea é dar ao espectador a impressão de que o filme, deslumbrante visualmente, tem pouco a dizer. Neste ponto, devo confessar ao caro leitor que tive essa sensação num primeiro momento. Mas, ao ver o longa pela segunda vez, tive uma nova percepção que, de alguma forma, me passou despercebida anteriormente. Tudo se resume a isso, no final das contas: ser tocado ou não por essa odisséia milenar em busca de vida, sabedoria e amor.

Embora os efeitos especiais - pontuados por uma bela trilha musical - sejam a primeira coisa que salta aos olhos, é a interpretação competente de Hugh Jackman e Rachel Weisz que dá sustentação ao filme. Jackman já provou que não vai ficar o resto da vida colhendo os louros do sucesso do Wolverine da série X-Men e vem se mostrando a cada dia mais versátil. E Fonte da Vida é uma bela amostra disso, especialmente pelo modo como o ator diferencia os diversificados estados de espírito de suas três encarnações. Uma atuação segura e apaixonada, como convém à história contada pelo longa. A também ótima Rachel Weisz ilumina a tela com seu sorriso doce, fazendo um contraponto radiante ao sombrio e atormentado companheiro. Podemos notar que a imagem da atriz está sempre destacada, clara, idealizada, enquanto o personagem de Jackman é mantido nas sombras. O que abre mais uma possibilidade: seria ela, a mulher amada, a verdadeira fonte da vida deste homem?

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Seabiscuit e a Reconstrução do Sonho Americano


A recente e histórica eleição de Barack Obama e a crise econômica que afeta os States me parecem uma dica para rever Seabiscuit, ambientado na época da grande depressão americana. Confesso que há cinco anos, quando ouvi falar do filme pela primeira vez, a produção me despertou interesse zero. Ainda que baseado numa história real, me pareceu ser mais um filme maniqueísta e concebido dentro do batido clichê “mocinho que supera obstáculos e alcança seus objetivos”. O tema, corridas de cavalos, também não atraiu muito. Todo esse preconceito só tornou minha surpresa maior quando algumas semanas depois, vencida pelas ótimas críticas, resolvi assisti-lo.

Muitas vezes, estar errada pode ser uma agradável surpresa. Antes de mais nada, Seabiscuit não é um filme sobre corridas de cavalos. Também não é um filme sobre cavalos. É mais sobre vidas, sejam elas humanas ou animais. A época é a grande depressão dos anos 30 e a trama nos apresenta a três personagens: o milionário da indústria automobilística Charles Howard perdeu o filho num acidente com um de seus carros, o que acabou levando a esposa a abandoná-lo; o misto de caubói e treinador Tom Smith tem grande talento no trato com os animais, mas é considerado maluco pelos seres humanos; e John “Red” Pollard, cuja família ficou na miséria, adora cavalos e quer ser jóquei, embora seja corpulento demais. Enfim, três homens massacrados pela vida que o diretor Gary Ross usa como simbologia de uma nação falida e desesperada.

É então que eles se unem em torno de um quarto candidato a perdedor: o cavalinho Seabiscuit que, a despeito de ser cria de um grande campeão, foi tachado desde cedo de imprestável. Seabiscuit era pequeno e tinha as patas tortas, além de comer muito e ter fama de preguiçoso. Para completar o quadro, os maus-tratos constantes o deixaram rebelde e arredio. Desacreditado, foi treinado para correr com cavalos melhores e deixar que ganhassem. Apesar disso, Tom Smith enxerga nele um campeão e convence Charles Howard a comprá-lo, o que acarreta um novo problema: ninguém conseguia montar o cavalo. É então que entra no circuito Red Pollard e o relacionamento entre estes dois enjeitados, associado à perseverança e trabalho duro dos envolvidos, se transforma na receita de sucesso perfeita.

O roteiro foi baseado no livro Seabiscuit - Nascido para Ganhar, de Laura Hillenbrand, que narra como a trajetória de Seabiscuit apaixonou o povo, já que representava a reconstrução de suas próprias vidas e a esperança de que era possível sair do atoleiro em que o país se afundara. Mas talvez o conceito mais importante seja o de que é possível dar uma segunda chance a quem falha. E os americanos, mais do qualquer nação, têm dificuldade em encarar o fracasso como algo reversível. Toda a filosofia do filme pode ser compactada na fala do treinador Tom Smith: “Não se joga fora uma vida inteira por causa de um problema”. Em seu livro, Hillenbrand afirma que, na época, se escreveu nos jornais mais sobre Seabiscuit do que sobre o presidente Franklin Roosevelt.

Além da emotiva história com ares de conto-de-fadas, grande parte do encanto de Seabiscuit vem de seu elenco afinado. Os protagonistas, que o roteiro acertadamente apresenta em separado antes de seu encontro, nos conquistam com suas sofridas histórias. Sendo assim, quando eles se juntam num objetivo comum já têm a torcida da platéia. Chris Cooper - o militar enrustido de Beleza Americana e vencedor do Oscar de ator coadjuvante por Adaptação - está perfeito, mais uma vez, como o sábio Tom Smith. Jeff Bridges, que com a maturidade se tornou um bom ator, também tem atuação bem eficiente nas diversas facetas do milionário Howard. É preciso destacar também o hilário locutor de turfe interpretado por William H. Macy. E por último, mas não menos importante, temos Tobey Maguire. Mesmo tendo alcançado o estrelato no ano anterior ao vestir a malha do Homem-Aranha, foi em Seabiscuit que o ator de grandes olhos azuis finalmente pôde provar ao mundo que sabe interpretar. Sua atuação como o jóquei John “Red” Pollard, um enjeitado que encontra a redenção no relacionamento com o cavalo que dá título ao filme, é intensa, comovente e também contida – como convém a um personagem tão ferido. Um belo trabalho.

Algumas curiosidades: Seabiscuit foi “interpretado” por 10 cavalos diferentes. Já o jóquei George Woolf, amigo de Red Pollard, foi vivido por Gary Stevens, um campeão do turfe na vida real. Aos que nunca se interessaram pelo filme, uma dica: não caiam no mesmo erro que eu incorri ao subestimar a produção. Assim como o animal que o inspirou, Seabiscuit, o filme, é muito mais do que aparenta à primeira vista.