quarta-feira, 25 de julho de 2012

Aqui É o Meu Lugar


Este foi um dos filmes mais concorridos no último Festival do Rio, por conta de mais uma das transformações camaleônicas de Sean Penn. Neste longa dirigido pelo italiano Paolo Sorrentino (do bom Il Divo) e premiado no Festival de Cannes, Penn é o ex-astro do rock Cheyenne. Afastado do mundo da música desde que dois jovens se suicidaram influenciados por suas letras depressivas, Cheyenne agora vive de renda e aplicações na Bolsa – embora ainda se vista como gótico, pinte as unhas de preto e use maquiagem todos os dias. A morte de seu pai, com quem não falava há 30 anos, o obriga a deixar Dublin e retornar a Nova York. Ao descobrir a obsessão do pai em encontrar um oficial nazista que o humilhava no campo de concentração, Cheyenne toma para si a tarefa e, ajudado pelos diários do pai, inicia uma viagem através dos Estados Unidos.


Que ator formidável é Sean Penn. Isso não se pode discutir, pois é ele o grande responsável por manter o espectador focado ao longo de quase duas horas em um filme lento, irregular e cheio informações truncadas. A bizarríssima composição de Penn para Cheyenne é espetacular não apenas pela transformação física (ele ficou a cara do Robert Smith, do The Cure), mas, principalmente, pela sua habilidade em deixar o espectador fascinado por aquele sujeito de voz pastosa, andar arrastado e olhar cansado, o que contrasta enormemente com sua aparência de rebeldia, revelando, no final das contas, uma desesperada e infantil necessidade de chamar a atenção.

Já sobre o filme, não se podem estender os mesmos elogios. E a principal decisão equivocada de Aqui É o Meu Lugar está no fato de dar muito destaque ao tema da caça ao nazista em detrimento de outro que seria bem mais complexo e interessante: a culpa de Cheyenne em relação aos garotos que se suicidaram inspirados em sua depressão fake, feita para vender discos, e a consequência disso, ou seja, a gradual transformação de um pseudo-problemático em uma pessoa doente de verdade. Quando o roteiro opta por não apenas deixar as inquietações de Cheyenne em segundo plano, mas também por trazer a trama para os Estados Unidos e largar inconclusos os assuntos levantados na Irlanda, o filme perde muito de seu interesse inicial.

E o espectador certamente ficará esperando que algumas ideias deixadas de lado sejam amarradas no desfecho – como, por exemplo, a relação do passivo protagonista com a enérgica esposa (a ótima Frances McDormand, desperdiçada) e também com a menina Mary. Mas, ao final da projeção, muita coisa continua mal-explicada. É bem verdade que Sorrentino acerta o tom da direção, entregando algumas sequências belas e plenas de poesia, mas em termos de roteiro o italiano deixa bastante a desejar. Boas cenas em isolado formam um todo decepcionante, um filme carente de unidade. E aí, temos que ser mais gratos do que nunca por ter em cena um ator com o talento e carisma de Sean Penn. O tempo todo, Sean é maior do que o filme. Isso é ótimo para ele, mas nem tanto para o longa.

terça-feira, 24 de julho de 2012

360 abrirá Festival de Gramado


Foi escolhido o filme de abertura do 40º Festival de Gramado, que se inicia no próximo dia 10 de agosto: será 360, o novo projeto internacional de Fernando Meirelles. O longa, que tem roteiro do oscarizado Peter Morgan (A Rainha), apresenta nove histórias se entrelaçam para fazer um panorama dos relacionamentos na era moderna. No elenco, Anthony Hopkins, Jude Law, Rachel Weisz, Ben Foster, Marianne Jean-Baptiste e os brasileiros Maria Flor e Juliano Cazarré.

Confiram abaixo o trailer de 360:


domingo, 22 de julho de 2012

Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge


Há quatro anos Christopher Nolan lançava seu já lendário Batman, o Cavaleiro das Trevas, dando sequência à trilogia iniciada três anos antes com Batman Begins. O filme, além de ser considerado por muita gente como o melhor longa daquele ano (e a colunista aqui se inclui nesse grupo), ainda tornou-se icônico graças à inesquecível atuação de Heath Ledger como o Coringa. Dezenas de prêmios póstumos foram concedidos ao ator – incluindo o Oscar, o Golden Globe, o Bafta e o SAG –, aumentando ainda mais o poder de fogo de um filme que já era um sucesso absoluto sob todos os aspectos. Posto isso, podemos imaginar a pressão e expectativa em torno deste filme que chega na próxima sexta aos cinemas. Seria Nolan capaz de superar tamanho arrasa-quarteirão?

A trama se passa oito anos depois da noite em Batman desapareceu, carregando consigo o fardo de levar a culpa pela morte de Harvey Dent. Afinal de contas, Gotham precisava de um herói inquestionável. E a ficção criada em torno disso funcionou por algum tempo, já que a imagem do Harvey bom, antes de se transfigurar no Duas Caras, foi responsável por uma dura lei anticrime que limpou as ruas de Gotham. Só que a paz será novamente ameaçada com a chegada de Bane, mercenário mascarado com um passado obscuro. Ao mesmo tempo em que uma ousada ladra de joias parece desafiar Bruce Wayne, Batman se sente compelido a ressurgir para impedir que Bane instaure o caos e destrua a cidade. Mas estaria ele à altura de tamanho desafio depois de longos oito anos vivendo nas sombras?


Neste filme nos reencontramos com o Bruce Wayne/Batman de Christian Bale, o Comissário Gordon de Gary Oldman, o Lucius Fox de Morgan Freeman e o Alfred de Michael Caine. Ao lado destes velhos conhecidos, novos personagens interpretados por Tom Hardy, Marion Cotillard, Joseph Gordon-Levitt e, claro, a mulher-gato de Anne Hathaway. Sobre essa última, vale dizer que a personagem (que é apresentada apenas como Selina Kyle, não sendo chamada pela alcunha em nenhum momento do filme) tem uma sensualidade mais atlética, talvez para se contrapor à interpretação dengosa imortalizada por Michelle Pfeiffer no longa de Tim Burton. Ponto para Anne, que acerta ao buscar sua própria leitura do personagem e não tenta reproduzir o mesmo estilo seguido por Michelle. Podemos dizer, ainda, que cada um dos novos personagens tem um desdobramento surpreendente ao longo do filme.


Aliás, o filme como um todo acerta justamente por não cometer o maior erro das sequências, ou seja, repetir o que deu certo antes e não trilhar caminhos novos. Se no longa anterior o carisma e a inteligência refinada do Coringa se sobrepunham ao restante do filme, aqui Nolan apresenta um vilão sem humor e sem sutilezas, portador de uma maldade em estado bruto. Também aproveita para equilibrar melhor o espaço dado a cada personagem, fazendo com que não haja um grande destaque em particular e sim um somatório de grandes atores fazendo sua parte e contribuindo para um filme mais coeso. Com esse equilíbrio, personagens como o Alfred de Michael Caine finalmente tem oportunidade de brilhar em algumas cenas memoráveis, sendo Caine responsável pelos momentos mais emotivos do filme.


Também vale dizer que, mesmo com alguns flashbacks e momentos explicativos, é fundamental que o espectador tenha assistido aos filmes anteriores para entender completamente a história. Um exemplo disso é o momento cômico gerado pela súbita aparição de um personagem de Batman Begins, o que só tem graça se o espectador souber de quem se trata.

Falar sobre a parte técnica do filme chega a ser perda de tempo, já que ninguém esperava que ela fosse menos que perfeita. Falemos então da sensação geral: são duas horas e quarenta e seis minutos que parecem passar voando, na velocidade dos veículos incríveis e dos saltos vertiginosos que vemos na tela. Com uma parte final cheia de surpresas e um desfecho ambíguo, no qual a conclusão dependerá do grau de romantismo ou cinismo do espectador, Batman: o Cavaleiro das Trevas Ressurge fecha a trilogia em grande estilo. O filme é tão espetacular que, por mais que um impulso infantil nos leve a querer mais, devemos torcer para que Christopher Nolan não seja convencido a realizar mais um filme e mantenha firme sua promessa anterior de ser este o capítulo final para a saga do atormentado homem-morcego.

Desde já, o filme do ano. Imperdível. 


quinta-feira, 19 de julho de 2012

Menos Que Nada


O protagonista da história é Dante, paciente em uma instituição psiquiátrica que alterna estados de completo isolamento com crises violentas sempre que alguém tenta interferir em seu universo particular. Quando a dra. Paula, jovem psiquiatra que faz residência no hospital, resolve usar Dante como objeto de sua tese, é desaconselhada a seguir adiante pelo fato de seu estado mental ser considerado irreversível. Mas Paula encontra uma ponte para dialogar com Dante através de vídeos que faz de pessoas que o conheceram no passado, assim atraindo sua atenção e, ao mesmo tempo, desvendando os motivos que acabaram com sua saúde mental.

Menos Que Nada é o novo longa do cineasta gaúcho Carlos Gerbase, que trabalha mais uma vez em colaboração com a esposa, Luciana Tomasi. Gerbase é especialmente conhecido pelo provocador Tolerância (2000), filme no qual a tecnologia também desempenha um papel fundamental para a trama. Se em Tolerância a manipulação de imagens acaba por criar mal-entendidos graves e precipitar uma série de conflitos, em Menos Que Nada os seus efeitos são mais conciliadores, permitindo que o personagem Dante se reencontre com o passado através dos vídeos gravados pela dra. Paula.


O roteiro escrito por Gerbase em conjunto com Marcelo Backes e Celso Gutfreind arrisca um pouco ao criar tantos desdobramentos para a história de Dante, em um leque que vai do triângulo amoroso à arqueologia, mas, no final das contas, consegue manter a unidade e amarrar as situações.

O grande destaque do filme, sem dúvida, é o trabalho excepcional de Felipe Kannenberg como Dante. Contido e muito retraído nas cenas do passado são e com uma mobilidade incrível de se transfigurar em suas cenas como louco, o ator faz com que o espectador não consiga desgrudar os olhos de sua imagem em cada uma de suas cenas. Igualmente feliz é a escalação de Roberto Oliveira para o personagem de Gregório, pai de Dante. Com uma verve cômica, sem, contudo, resvalar na caricatura, o personagem é um sopro de irreverência em meio a um panorama tão tenso.


É uma pena que as personagens femininas não causem uma impressão tão forte quanto as masculinas, já que seria interessante saber mais sobre as motivações da dra. Paula de Branca Messina (como, por exemplo, o motivo daquele paciente em particular ter tocado seu coração). Também a René de Rosanne Mulholland e a Berenice de Maria Manoella parecem pouco reveladoras. Mesmo considerando Dante como o protagonista absoluto da trama, faz falta conhecer um pouco mais a fundo essas três mulheres que tocaram a sua vida tão decisivamente.

Em todo caso, trata-se de um filme que levanta questões interessantes sobre questões éticas, morais e, principalmente, sobre os mistérios que servem de alicerce para a nossa saúde mental. A partir de amanhã nos cinemas.  

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Na Estrada



Chega aos cinemas o tão aguardado Na Estrada, ambicioso projeto franco-brasileiro de Walter Salles que se propõe a traduzir em imagens o icônico On the Road, obra-prima de Jack Kerouac que vem apaixonando leitores de todas as gerações desde seu lançamento em 1957. O livro, que foi traduzido por aqui como Pé na Estrada, definiu toda uma geração de jovens americanos - a chamada "geração beat" - que ansiava por ganhar o mundo com uma mochila nas costas, prontos para qualquer aventura e dispostos a encontrar a si mesmos através do batismo na poeira da estrada.

A trama é focada em dois amigos, o introspectivo Sal Paradise e o hedonista Dean Moriarty, que buscam autoconhecimento e liberdade cruzando os Estados Unidos de carro. Farras, garotas, bebedeiras, drogas, enfim, tudo que possa acrescentar uma nova experiência é permitido, embora as atitudes e personalidades diversas façam com que cada um se entregue de uma maneira a esse rito de passagem. Enquanto Sal parece estar amadurecendo e ganhando com as experiências, os exageros de Dean parecem estar empurrando-o cada vez mais rumo a um abismo de frustração e desesperança.


O filme de Walter Salles encanta por ter uma cadência muito parecida com a da própria prosa de Kerouac, que flui com um ritmo solto, maleável, pulsante, muito próximo da vida real, uma literatura que parece jorrada num fluxo de consciência, plena de fragmentos, frases anotadas ao longo do caminho, rabiscos feitos às pressas em bloquinhos. Também está muito presente o universo intelectual dos personagens e suas influências, um exemplo disso é como um exemplar surrado de No Caminho de Swann (primeiro volume de Em Busca do Tempo Perdido, saga escrita ao longo de 14 anos por Marcel Proust) impõe-se quase como um personagem da trama.

Outro ponto interessante a destacar nessa adaptação é justamente o fato dela ter sido dirigida por Walter Salles. Podemos notar que ela dialoga diametralmente com o primoroso Diários de Motocicleta, com a diferença de que enquanto a viagem feita de moto pela América do Sul por Che Guevara e Alberto Granado serve para moldar o caráter dos rapazes e aproximá-los do que eles viriam a ser no futuro, a viagem de Sal e Dean pela América do Norte parece levá-los a um beco sem saída, diante do qual Sal tem mais forças para não sucumbir, talvez por conseguir expurgar seus demônios através da literatura. Certamente não é por acaso que o filme começa e termina em meio às mesmas citações, o que equivale a dizer que enquanto Diários da Motocicleta apresenta uma jornada que vai de um ponto de partida rumo a algo novo, este Na Estrada tem um caráter muito mais circular.


Em meio a esse carrossel de emoções e descobertas, os ótimos Garrett Hedlund e Sam Riley conduzem o espectador por essa viagem libertária. Garrett empresta angústia e hiperatividade na medida certa a Dean, jovem criado entre o abandono e a marginalidade, enquanto Sam compõe Sal (alter ego de Kerouac) com o olhar atento e introspectivo de quem tem maturidade para mergulhar no lado sombrio da vida e retornar à superfície.

Se na obra literária Sal e Dean são protagonistas absolutos da história, o eficiente roteiro de Jose Rivera dá mais atenção e profundidade às mulheres na vida de Dean. Marylou, apresentada por Kerouac como uma garota fútil e brigona, ganha contornos misteriosos na pele de Kristen Stewart (que parece finalmente ter deixado a fase teen para trás) enquanto Camille transpira sofisticação e inteligência através de Kirsten Dunst. Enfim, embora seja um roteiro fidelíssimo, com várias citações literais, a versão cinematográfica tem sua própria pulsação e identidade. 


A produção ainda brinda o espectador com belas participações especiais, que fazem com que personagens que seriam meras citações se transformem em momentos iluminados na tela, graças à sensibilidade e presença de atores como Viggo Mortensen, Amy Adams, Steve Buscemi, Alice Braga e Terrence Howard.

Resumindo, Na Estrada é um grande momento cinematográfico, uma adaptação muito feliz, que sabe quando ser fiel e quando alçar voo independente. O filme concorreu à Palma de Ouro no último Festival de Cannes e é simplesmente inexplicável que tenha saído do evento de mãos abanando. Sexta nos cinemas. 

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Headhunters


O cinema escandinavo surpreende mais uma vez. Depois da trilogia sueca Millenium – injustamente ofuscada pelo remakeamericano de David Fincher –, vem daquelas bandas, mais especificamente da Noruega, outra ótima surpresa cinematográfica. Trata-se de Headhunters, um thriller dinâmico, sangrento e muito engenhoso.

Roger Brown é um dos mais respeitados especialistas em seleção e recrutamento da Noruega. Ele acredita que a reputação de um homem é tudo e, portanto, gosta de exibi-la usufruindo um padrão de vida muito acima de suas reais possibilidades. Para conseguir manter as aparências, Roger concebeu um esquema: com as informações conseguidas ao entrevistar altos executivos, ele e seu cúmplice Ove roubam obras de arte, substituindo-as por réplicas, cuja falsidade só é descoberta quando o original já foi entregue a um receptador fora do país. Nem mesmo Diana, esposa de Roger, conhece sua vida dupla, mas esses estilos de vida totalmente antagônicos entrarão em choque quando ele conhece Clas Greve, uma vítima em potencial que também possui uma faceta oculta.

OK. Apresentar um personagem fora-da-lei e antiético e, mesmo assim, fazer com que o público torça por ele quando as coisas realmente ficam complicadas não é novidade, mas geralmente esse tipo de personagem é personificado por um ator com o biotipo do herói, ou seja, alto, forte, bonito. Headhunters foge do lugar-comum ao escalar para o papel de Roger o baixinho Aksel Hennie e ainda colocar em seu encalço o galã Nikolaj Coster-Waldau (ele mesmo, o Jaime Lannister de Game of Thrones).


Também é muito interessante o modo como a trama se inicia no mundo empresarial, descamba para a ação desenfreada e, ao final, consegue unir essas vertentes distintas em um desfecho irônico, inteligente e bem amarrado com os pontos estabelecidos no início do filme. Especialmente saborosa é a explicação para a competência do policial infalível.

Algumas pessoas poderão achar que o filme abusa um pouco da suspensão da descrença do espectador. Bobagem. O roteiro de fato usa o exagero como metáfora do capitalismo selvagem e, nesse ponto, lembra um pouco o argentino O Que Você Faria? (ainda que com uma pegada mais radical), mas aqui vale muito mais a engenhosidade com que a história se desenrola do que o apego excessivo à verossimilhança. E vamos combinar, o que seria do gênero ação/aventura sem algumas façanhas sobre-humanas?


Falar mais sobre Headhunters acabaria sendo um desserviço ao espectador, já que estragaria a maioria das surpresas. Fica aqui a recomendação de que vale muito a pena conferir essa original aventura à la James Bond vinda da Noruega. Só não demorem muito, porque talvez o longa não consiga se manter muito tempo em circuito diante da concorrência dos blockbusters de julho.