sábado, 27 de fevereiro de 2010

Simplesmente Complicado


Não tem figura que uma mulher odeie mais do que a amante de seu marido, certo? A esposa habitualmente despeja a culpa integral do fim de seu casamento na tal “vagabunda” que virou a cabeça de seu querido e inocente cônjuge. Normal. Mas e se esta mesma mulher se tornasse justamente aquilo que tanto desprezava, ou seja, a amante? E pior, do seu ex-marido? É essa situação curiosa que a comédia Simplesmente Complicado leva para as telas.

Jane e Jake Adler estão separados há mais de dez anos. Após tanto tempo, a convivência entre os dois é amistosa, embora Jane ainda se incomode com a presença de Agness – a amante mais jovem elevada ao posto de esposa. Com três filhos criados e dona de seu próprio negócio, Jane não mais coloca um novo relacionamento entre suas prioridades de vida. Ainda mais agora, que fará em casa a reforma com a qual sonha há anos e terá uma cozinha enorme e apenas uma pia, só para ela, no banheiro. Mas tudo muda numa viagem em comemoração à formatura do filho caçula: Jane e Jake acabam sozinhos no bar do hotel, tomam um porre, relembram os velhos tempos... e acordam na mesma cama.

Simplesmente Complicado é um típico longa de Nancy Meyers, com tudo que isso acarreta. A diretora defende uma tese constante em seus trabalhos, a de que a vida pode ser sexualmente interessante na meia-idade. Até aí, tudo bem. O problema é que o modo como ela expõe seu ponto de vista, embora pareça uma defesa da liberdade feminina, também tem um viés retrógrado. A exemplo do que ocorria em Do Que as Mulheres Gostam e Alguém Tem que Ceder, os filmes de Meyers enfocam mulheres que supostamente curtem sua liberdade e dão a volta por cima após penarem com a insensibilidade dos homens. Mas a alegria volta realmente às suas vidas quando surge um novo amor (ou ressurge um velho, neste caso), como se a felicidade só fosse possível ao lado de outra pessoa. Contraditório, não?

Não que isso chegue a ser um entrave para curtir o filme. Simplesmente Complicado diverte, e bastante, graças ao seu afinadíssimo elenco e à boa química entre Meryl Streep e Alec Baldwin. Meryl tem atuação profunda, sincera e divertida na medida certa e, na minha opinião, merecia a indicação ao Oscar por esta interpretação ao invés da que recebeu por Julie & Julia. Alec Baldwin, quem diria, aprendeu ao longo das décadas a se levar menos a sério e se tornou um ótimo comediante. John Krasinski também consegue driblar a seu favor os exageros de seu papel e confere simpatia ao seu pouco crível personagem. Já Steve Martin tem a missão mais difícil, por ser o introvertido em meio a uma turma histriônica.

O filme não tenta inventar muito e tira partido de situações de comicidade líquida e certa, como as manobras que o casal faz para esconder o caso dos filhos, assim como a esperteza de Jake em usá-los a seu favor quando sente que está perdendo terreno para o arquiteto interpretado por Steve Martin. A sequência do baseado, embora exagerada, também rende boas risadas. Mas como diretora, Nancy Meyers é tímida, tanto em termos de enquadramentos quanto de edição e o resultado é um filme tecnicamente careta, quadradinho, que acaba tendo seu grande diferencial no elenco mesmo. São os atores que mantêm o ritmo sempre lá em cima e garantem a satisfação ao fim da projeção.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O Segredo dos Seus Olhos


Ano passado, na época do Festival do Rio, eu já havia escrito um outro texto sobre este magnífico O Segredo dos Seus Olhos. Na ocasião, não apenas fiquei encantada com o filme como também tive a oportunidade de entrevistar o seu simpático diretor, Juan José Campanella. Mas as condições sob as quais assisti ao longa não foram muito propícias, já que minha grade de compromissos só me possibilitou ver o filme pouco antes da entrevista numa cópia digital fornecida pela organização do evento. Sem legendas. Na telinha de um computador. E, mesmo assim, fiquei de queixo caído. Isso foi bem antes do longa ser indicado ao Oscar, é claro. Ontem finalmente tive a oportunidade de rever o filme, desta vez numa telona de cinema, com as legendas e tudo a que se tem direito. E minha opinião sobre o filme mudou: ele é ainda melhor do eu me lembrava. O Segredo dos Seus Olhos é simplesmente perfeito!

A trama se divide em duas épocas distintas: em 1974, Benjamín Espósito era funcionário de um tribunal penal. Encarregado a contragosto de investigar o bárbaro estupro e assassinato de uma jovem, Benjamín acaba se envolvendo no assunto ao descobrir que a polícia prendera dois inocentes apenas para dar o caso por encerrado e também porque sente compaixão do desesperado viúvo da moça. Ao mesmo tempo em que os acontecimentos se complicam e o caso parece caminhar para um beco sem saída, Bemjamín também tem que lidar com a paixão sufocante que sente por sua bela e sofisticada chefe, Irene. Vinte e cinco anos depois, Benjamín se aposenta e decide que usará o tempo livre para escrever um livro baseado nos acontecimentos daquela época. Isso porque, na verdade, ainda está obcecado tanto com o caso inconcluso quanto com a paixão irrealizada com Irene. Ao remexer o passado, é inevitável uma reaproximação com seu antigo amor e passado e presente se mesclam e, muitas vezes, se confundem.


O Segredo de Seus Olhos, na superfície, pode ser considerado um film noir. Mas sob essa primeira camada podemos ter várias outras leituras, já que há também uma discussão sobre paixão, obsessão e o limite entre uma coisa e outra. Além do mais, trata-se de um noir diferente: ao mesmo tempo em que podemos ver na tela mistério, crime, reviravoltas, perseguições e tiros, a história toda é narrada com extrema sensibilidade e com uma abordagem que se recusa a beber nos clichês do estilo. Não tem vez no filme os diálogos cínicos e artificiais, o protagonista decadente e amargurado, as mulheres malvadas e fatais. Como bem pontuou o próprio Campanella, “é um policial, mas com gente normal”. Outro aspecto interessantíssimo é o pano de fundo político, já que 1974, uma das épocas em que se passa a trama, representa um dos períodos mais repressivos na história da Argentina. Corrupção, impunidade, violência institucionalizada, cidadãos “intocáveis”, um panorama chocante que para nós, brasileiros, ainda traz o desgosto extra de tecer um incômodo paralelo com nosso próprio passado político.

Campanella, cineasta de histórias ternas como O Filho da Noiva, O Clube da Lua e O Mesmo Amor, a Mesma Chuva, consegue a proeza de lidar com temas pesados e, ao mesmo tempo, imprimir a este filme de características mais tensas a mesma delicadeza de sentimentos que marcam seus longas anteriores. Para tanto, é primordial o talento de seu colaborador constante, Ricardo Darín, no papel principal. Darín é daquele tipo raro de ator que, apenas com sua presença, consegue fazer com que um filme cresça em importância. Sua interpretação é sempre tão verdadeira que o espectador se sente imediatamente envolvido por qualquer conflito que seus personagens vivam. Neste filme, a obsessão pelo passado se dá em duas vertentes: a frustração de não ter prendido o assassino e o resgate do grande amor da juventude, desdobrando-se num turbilhão de emoções. Outro grande destaque é o carismático Guillermo Francella no papel de Sandoval, alcoólatra esperto e de bom coração que acaba sendo a única pessoa na qual Benjamín confia totalmente.


A trama, baseada no romance de Eduardo Sacheri La Pregunta de Sus Ojos, foi adaptada pelo próprio diretor, que mescla com perfeição a história de amor irrealizado à tensão e suspense policial em um roteiro instigante que prende a atenção do espectador até o impressionante desfecho – que, aliás, foge do lugar-comum. Trata-se de um filme extremamente bem realizado, dirigido com a mais absoluta precisão, lindamente fotografado, com uma direção de arte elegante e trilha sonora precisa. Resumindo, um filme sem defeitos onde cada pequeno detalhe contribui para a excelência do todo. A sequência da perseguição no estádio de futebol, por exemplo, é uma das coisas mais bem-realizadas que eu vi nos últimos anos. Antológica mesmo.

O Segredo dos Seus Olhos é, desde já, sério candidato a melhor filme de 2010. Mereceu com todo louvor a indicação ao Oscar, aliás, uma indicação até pequena para a qualidade da produção. Uma pena que o favorito seja o alemão A Fita Branca, não apenas pelo fato do país ultimamente estar vencendo a categoria com muita frequência mas também pela evidente superioridade de O Segredo dos Seus Olhos. A Academia, que gosta tanto de fazer média, poderia aproveitar essa chance para fazer um (merecido) afago aos latinos.

O filme estreia nesta sexta. Recomendo insistentemente que não deixem de vê-lo.

BAFTA


Os prêmios BAFTA (British Academy of Film and Television Arts), entregues no último domingo, criaram uma pequena reviravolta nas apostas para este Oscar: Kathryn Bigelow e seu Guerra ao Terror passaram por cima de James Cameron e Avatar, num placar de seis estatuetas do primeiro – incluindo melhor filme e direção – contra apenas duas do segundo. Bigelow foi, ainda, a primeira diretora a vencer o BAFTA. Outras mudanças, mas estas esperadas, foram Carey Mulligan e Colin Firth derrotarem os até então imbatíveis Sandra Bullock e Jeff Bridges como melhor atriz e ator. Só que isso pode ser creditado à tradição do prêmio em puxar a sardinha para os atores ingleses. Jás os coadjuvantes Christoph Waltz (Bastardos Inglórios) e Mo'Nique (Preciosa) seguem ganhando todas. E Kristen Stewart recebeu o prêmio de atriz revelação com a expressão “mamãe, estou cheia de Lexotan” de sempre. O BAFTA 2010 também marcou a estreia de Príncipe William como presidente da Academia, assumindo o posto no lugar do cineasta Richard Attenborough.

Kathryn Bigelow
Confira os premiados:

Filme – Guerra ao Terror
Filme Britânico – Fish Tank
Direção – Kathryn Bigelow (Guerra ao Terror)
Ator – Colin Firth (Direito de Amar)
Atriz – Carey Mulligan (Educação)
Ator Coadjuvante – Christoph Waltz (Bastardos Inglórios)
Atriz Coadjuvante – Mo'Nique (Preciosa)
Longa de Animação – Up - Altas Aventuras
Filme Estrangeiro – O Profeta (França)
Roteiro Original – Mark Boal (Guerra ao Terror)
Roteiro Adaptado – Jason Reitman e Sheldon Turner (Amor sem Escalas)
Atriz Revelação – Kristen Stewart (Lua Nova, dentre outros)
Diretor, Produtor ou Roteirista Revelação – Duncan Jones (Moon)
Curta-metragem – I Do Air
Curta de Animação – Mother of Many
Música – Michael Giacchino (Up - Altas Aventuras)
Som – Guerra ao Terror
Melhor Contribuição Britânica para o Cinema – Joe Funton
Edição – Guerra ao Terror
Fotografia – Guerra ao Terror
Efeitos Visuais – Avatar
Figurino – The Young Victoria
Maquiagem e Cabelo – The Young Victoria
Design de Produção – Avatar

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Educação


Como todos bem sabem, este ano a Academia indicou dez produções ao Oscar de melhor filme ao invés dos tradicionais cinco. A medida é uma clara tentativa de alavancar a audiência da festa dando espaço a filmes populares ou alternativos que não teriam espaço dentre os cinco candidatos “sérios” – ou seja, aqueles que também tiveram seus diretores indicados. Pois está justamente ali, na zona do confete, o melhor concorrente deste ano: Educação.

Vencedor de dois prêmios no Festival de Sundance do ano passado, Educação é adaptado de um texto autobiográfico da jornalista Lynn Barber publicado originalmente em uma revista literária. A diretora Lone Scherfig, egressa do movimento Dogma, divide os créditos do excelente roteiro com ninguém menos que o cultuado autor inglês Nick Hornby – autor de Alta Fidelidade e Um grande Garoto, dentre outros. E pode-se sentir claramente a mão do escritor, tanto nos personagens cheios de nuances e indagações internas como nos diálogos fluidos e espertos, tudo isso salpicado com uma pitada de ironia e provocação. Somando-se a ótima história com um elenco dos sonhos, o resultado é este mergulho indigesto na hipocrisia que regia as convenções sociais na Inglaterra pós-Segunda Guerra.

A protagonista é Jenny, uma inteligente garota de dezesseis anos de classe média que está a um passo de alcançar o sonho da toda sua família: cursar Oxford. O que, nos anos 50/60, equivalia mais a um melhor currículo para conseguir um marido rico do que propriamente uma carreira. Inconformada com as limitações sociais e desanimada com as perspectivas futuras, Jenny sente-se seriamente tentada a mandar a educação convencional às favas quando conhece David, um charmoso bon-vivant com pelo menos o dobro de sua idade. David, com sua lábia sedutora, contorna todas as restrições do pai conservador de Jenny e a introduz a um estilo de vida liberal, repleto de glamour, festas e amigos ricos.

Educação é um filme que caminha pela ambiguidade desde seu título (que felizmente não ganhou nenhuma versão “criativa” aqui no Brasil), enchendo de tons de cinza questões polêmicas como o hedonismo e a sedução de menores. O tema não é novo, claro, mas a abordagem deste filme é tão inteligente e seu roteiro é tão bem-escrito que o conflito ganha um inesperado frescor. Embora o personagem David esteja claramente ultrapassando todos os limites da moralidade, ele não é retratado como o lobo mau da trama. Suas atitudes e intenções são condenáveis, mas seria ele mais culpado do que os pais de Jenny (Alfred Molina e Cara Seymour, perfeitos), adultos que se deixam seduzir tão tolamente quanto uma colegial? E quanto a Jenny? Apesar de jovem, ela não sabia estar trilhando um caminho perigoso? Um indício disso é a cena do mapa, quando ela tem um lampejo da verdadeira personalidade de seus novos amigos e opta por fechar os olhos.


Jenny, como toda adolescente, enxerga o mundo entre dois pólos extremos. Mais tarde, ela entenderá que existe um caminho do meio entre a vidinha modorrenta de seus pais e a roda-viva instável e sem limites proposta por David. E o mais importante: a despeito das lágrimas e da decepção, ela sai fortalecida e mais madura da experiência. Um outro personagem bastante significativo é a professora vivida por Olivia Williams e o modo como a imagem que temos dela, vista pelos olhos de Jenny, muda no decorrer da história.

E, por fim – mas não menos importante –, é preciso ressaltar a extrema competência de todo o elenco. Não há um só ator, por menor que seja sua participação, que esteja menos do que perfeito nesta produção. Carey Mulligan certamente é a grande revelação e se destaca dos demais, mas seria injusto não colocar no mesmo patamar de sua incrível interpretação o sempre talentoso e pouco reconhecido Peter Sarsgaard, que tem ótima química com Carey e consegue angariar simpatia para um personagem que seria o grande vilão caso fosse o filme maniqueísta. Seu David seduz a todos nós, tornando impossível odiá-lo. Além dos já citados Alfred Molina, Cara Seymour e Olivia Williams, também chama a atenção Rosamund Pike. Sua personagem é a loura-burra por excelência, que se orgulha de ser fútil. Ótima.

Educação concorre a três Oscars: melhor filme, atriz e roteiro adaptado. Não tem chance nenhuma nas duas primeiras categorias e pouquíssima na terceira. Injusto, porque um Oscar provavelmente ajudaria este excelente filme a ter a visibilidade que merece. Nos cinemas a partir desta sexta.

Um Olhar do Paraíso


Eu respeito o espírito empreendedor de Peter Jackson. O cara peitou o arriscado feito de levar às telas a trilogia O Senhor dos Anéis quando ninguém acreditava nele. Depois que sua odisséia não apenas deu certo como faturou onze Oscars, os mesmos executivos que desdenharam das pretensões do neozelandês passaram a lhe desenrolar o tapete vermelho. Para o remake de King Kong, Jackson recebeu um cachê de 20 milhões de dólares e orçamento de 200 milhões. Nada mau para quem começou fazendo filmes trash.

O problema é que o cineasta parece ter desenvolvido a síndrome do filme longo. A duração excessiva – que era plenamente justificada em O Senhor dos Anéis – atravancou muito de King Kong e beira as raias do inexplicável neste Um Olhar do Paraíso. O filme tem 135 minutos. Caberia fácil em metade disso, não fossem tantas cenas contemplativas levando a lugar nenhum. Motivado por um excesso de deslumbramento com as modernas técnicas utilizadas e os mundos fantásticos criados por elas, Jackson entope o filme com seqüências mais longas do que o desejável ou – pior – totalmente dispensáveis.

A história é narrada pela protagonista, uma garota morta de 14 anos, de um local metafísico intermediário. Em dezembro de 1973, Susie Salmon voltava da escola quando foi atraída para uma armadilha por um de seus vizinhos. Susie foi violentada, morta e esquartejada. Seu corpo nunca foi encontrado e nem seu assassino descoberto. O desaparecimento da menina destrói o relacionamento de seus pais, Abigail e Jack, em parte por conta da incansável obsessão de Jack em descobrir o que aconteceu à filha. O que ocorre na Terra é acompanhado avidamente por Susie, que tampouco consegue se desvincular da vida que deixou para trás. Entre a saudade da família, o primeiro amor que não chegou a se concretizar e a raiva de saber que o psicopata que a matou continua impune, Susie se encontra suspensa entre dois mundos.


Com um visual barroco que beira o mau gosto de tão enfeitado, o filme lembra a estética e a abordagem pseudo-filosófica de Amor Além da Vida (aquele no qual Robin Williams vai ao inferno atrás da falecida esposa). E nem todos os problemas se resumem ao abuso do CGI: o roteiro de Fran Walsh, Philippa Boyens e Peter Jackson não tem muita coesão e joga na tela situações soltas, como é o caso da viagem de Abigail e do mal-entendido entre Jack e o casal no milharal. As relações pessoais entre vários personagens também ficam no ar (como no caso de Abigail e a mãe) e em alguns casos o desenvolvimento deles é simplesmente abandonado (como no caso da menina paranormal). Para piorar, o filme fica o tempo todo indeciso entre o olhar metafísico de Susie no além e uma abordagem de suspense hitchcockiana que acaba resultando num tremendo anticlímax (a cena do cofre no sumidouro, em vez de tensa, é apenas irritante).

Embora não tenha lido o livro de Alice Sebold no qual se baseou o roteiro, parece que o grau de violência nele relatado também foi suavizado ao máximo. Não me entendam mal. Claro que ninguém queria ver a bonitinha (e talentosa) Saoirse Ronan sendo estuprada e esquartejada com todos os detalhes, mas o modo metafórico e asséptico como seu assassinato é tratado esvazia grande parte do impacto emocional. Existem modos de deixar a extensão do dano clara sem necessariamente mostrar alguma coisa – como fez muito bem Clint Eastwood em Sobre Meninos e Lobos.

O elenco é bom e se esforça para manter a verdade cênica, mas não tem lá muitas chances de dizer a que veio. Mesmo o personagem de Stanley Tucci, que é o único com maior grau de desenvolvimento, fica na superfície da psicopatia e a indicação do ator ao Oscar é um exagero. No final das contas, resta a impressão de que tudo no filme foi deixado de lado para dar vazão aos impulsos criativos de Jackson. Depois de duas horas e quinze minutos de nuvens etéreas, esferas brilhantes e paisagens surrealistas, o espectador sai da sala escura com a sensação de ter assistido a um interminável portfólio publicitário. Decepcionante. Estreia nesta sexta.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

O Lobisomem


Refilmagem do clássico de 1941 que imortalizou Lon Chaney Jr. no papel, esta nova versão de O Lobisomem mantém os personagens centrais da história, embora mude vários detalhes. Benicio Del Toro é Lawrence Talbot, aristocrata inglês que retorna à mansão da família quando recebe uma carta da noiva de seu irmão Ben reportando o desaparecimento deste. Chegando ao vilarejo de Blackmoor, Lawrence fica sabendo que o corpo de Ben fora encontrado mutilado, e que ele não foi o primeiro da localidade a ser morto em circunstâncias misteriosas. Lawrence resolve ficar até descobrir o que está ocorrendo, apesar dos sentimentos negativos que a casa da família e a figura do pai lhe despertam.

O Lobisomem é um filme estranho. Visualmente, é fascinante. Direção de arte perfeita, maquiagem idem, fotografia linda, figurinos classudos, enfim, um primor estético. Como filme, tem sua credibilidade bastante atravancada por um roteiro meio esquizofrênico e interpretações fora do tom. Benicio Del Toro, com seu inquestionável talento e seus grandes olhos profundos, confere uma boa dose de mistério e fascínio ao atormentado personagem. O ator reveste Lawrence de uma aura gótica que lhe cai muito bem, além de ter um biotipo que torna bastante convincente sua caracterização como lobisomem. Sua presença é o grande trunfo do elenco, embora também tenha sido acertada a escolha de Emily Blunt para a mocinha Gwen. Pena que não se possa dizer o mesmo de Anthony Hopkins, que passa a nítida impressão de estar atuando da má-vontade, com um tom que oscila entre o apático e o canastrão. Igualmente preguiçosa é a interpretação de Hugo Weaving, que se limita a fazer caretas.


A falta de qualquer resquício de humor no roteiro também é uma opção arriscada, já que ajuda a evidenciar as deficiências da história. Resumindo, o filme toma o perigoso rumo de se levar a sério, muito a sério, e acaba não tendo o gabarito necessário para isso. É verdade que as seqüências com a criatura são arrepiantes – mérito do fera Rick Baker – e a ambientação na Era Vitoriana por si só já cria um tremendo climão, realçado ainda mais por todos os bons recursos visuais citados. Também é ótima a decisão de conceber o lobisomem como uma fera com características mais humanas, o que o deixa bem mais ameaçador do que se fosse apenas um lobo grande. Em tempos dos lobinhos camaradas da série Crepúsculo, é reconfortante voltar a ver um monstro para valer. Mas, infelizmente, o roteiro capenga e os equívocos da direção botam por água abaixo os acertos técnicos.

O resultado é um filme irregular, especialmente em termos de ritmo e desenvolvimento da trama. Começa bem, sombrio, cheio de mistério, e vai se atrapalhando no seu desenrolar, até resultar numa inusitada mescla de horror clássico com tomadas sangrentas, à moda gore. A certa altura, o que se vê na tela passa a nítida impressão de que o diretor Joe Johnston resolveu jogar a trama para o espaço e investir em sustos fáceis. Daí até o desfecho sem sal, o longa vai perdendo muito do charme inicial. Provavelmente essa salada de estilos é resultante das inúmeras mudanças que ocorreram desde o início das filmagens. Diretor, roteirista, montador, quase tudo no filme passou por substituições de 2008 para cá. Um filme mexido, remexido e com prazos esgotados não poderia mesmo apresentar um resultado uniforme. Em certas passagens, se pode até sentir o potencial de um filme que poderia ter sido um excelente terror à moda antiga, a exemplo do que Coppola fez em seu Drácula de Bram Stoker. Mas não rolou. Pena.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Guerra ao Terror


OK, vamos falar de Guerra ao Terror. Numa das trajetórias mais esquisitas que um oscarizável já teve por aqui, o filme de Kathryn Bigelow foi lançado agora nos cinemas depois de ter saído em DVD e ter passado até em um canal de TV a cabo. Outros filmes concorrentes à estatueta careca já foram relançados antes, dois casos recentes são O Labirinto do Fauno e Crash. Mas estes pelo menos passaram no cinema, foram mal de bilheteria e depois foram relançados com sucesso. Guerra ao Terror foi direto para o DVD porque os distribuidores aqui no Brasil não deram nada pelo filme. Claro que foi uma mancada comercial, mas eu me pergunto se a decisão em si foi equivocada.

O longa é, sem dúvida, bem dirigido. É correto, sim. Mas, para mim, um filme absolutamente normal. Não consigo enxergar a genialidade que fez a Sociedade de Críticos Americanos elegê-lo melhor filme de 2009. É certo que ele tem alguns diferenciais em relação à costumeira patriotada cega que costuma brotar dos filmes de guerra ianques, mas eu realmente não acho que as qualidades do longa estejam à altura da babação que tem sido feita em torno dele. E vamos combinar que indicar Jeremy Renner ao Oscar de melhor ator foi uma das maiores supervalorizações já cometidas pela Academia. O Sherlock Holmes de Robert Downey Jr. e o Desinformante de Matt Damon são apenas dois exemplos de gente que fez coisa bem melhor do que Renner nesse ano que passou.

Guerra ao Terror mostra uma espécie de contagem regressiva dos dias que faltam para uma equipe que desarma bombas no Iraque voltar para casa. Na primeira e impactante seqüência, um dos integrantes vai pelos ares. No dia seguinte, ele é substituído pelo viciado em adrenalina William James. James constantemente desrespeita as medidas de segurança e põe em risco seus dois colegas: o sargento Sanborn, que preza as regras e quer fazer tudo dentro dos conformes, e Eldridge, um soldado tenso que tem certeza de que vai morrer a qualquer momento.

O problema é que o conflito não vai além disso: do choque das personalidades desses três homens dia após dia. O caráter apolítico do roteiro é uma faca de dois gumes: se, por um lado, evita o irritante discurso imperialista, por outro não dá uma dimensão maior ao que os personagens representam. O filme impacta logo no princípio, mas depois de algumas bombas desarmadas, você fica com a impressão de que a trama já se esgotou. E o que pensar de Guy Pierce e Ralph Fiennes, com seus nomes estampados no cartaz, entrarem no filme só para morrer? Sem contar o trecho do discursinho de James para o filho, que nos deixa imaginando onde a diretora queria chegar.

Na briga entre ex-marido e ex-mulher – ou seja, este filme e Avatar – fico com James Cameron. Nem acho Avatar o melhor filme de todos os tempos, mas suas qualidades ficam realmente gritantes se fizermos uma comparação entre estes dois campeões de indicações. Cameron criou algo novo ali. The Hurt Locker, ainda mais prejudicado pelo título bobo em português, é um filme bem-feito e esquecível. Cheio de som e fúria, mas significando muito pouco.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Rumo ao Oscar 2010


Os indicados ao Oscar 2010 foram conhecidos na manhã de hoje. Sem nenhuma grande surpresa, apenas endossando premiações anteriores, Avatar e Guerra ao Terror largam na frente, com nove indicações cada. De inusitado só o fato dos diretores dos longas – James Cameron e Kathryn Bigelow, respectivamente – já terem sido casados. Atrás deles, correndo atrás do prejuízo, seguem os Bastardos Inglórios de Quentin Tarantino, com apenas uma indicação a menos. Amor sem Escalas e Preciosa emplacaram seis e o alternativo Distrito 9, quatro. Como se pode notar pela lista abaixo, este ano tem indicação para todos os gostos. Outra novidade é a indicação de dez títulos para melhor filme, ao invés dos tradicionais cinco. Os vencedores serão conhecidos na cerimônia do dia 7 de março, este ano comandada por Steve Martin e Alec Baldwin. Enquanto isso, confiram a lista completa de indicações:

Filme
Amor Sem Escalas
Avatar
Bastardos Inglórios
Distrito 9
Educação
Guerra ao Terror
Preciosa
Um Homem Sério
Um Sonho Possível
Up - Altas Aventuras

Direção
James Cameron (Avatar)
Jason Reitman (Amor Sem Escalas)
Kathryn Bigelow (Guerra ao Terror)
Lee Daniels (Preciosa)
Quentin Tarantino (Bastardos Inglórios)

Ator
Colin Firth (Direito de Amar)
George Clooney (Amor Sem Escalas)
Jeff Bridges (Crazy Heart)
Jeremy Renner (Guerra ao Terror)
Morgan Freeman (Invictus)

Atriz
Carey Mulligan (Educação)
Gabourey Sidibe (Preciosa)
Helen Mirren (The Last Station)
Meryl Streep (Julie & Julia)
Sandra Bullock (Um Sonho Possível)

Ator Coadjuvante
Christoph Waltz (Bastardos Inglórios)
Christopher Plummer (The Last Station)
Matt Damon (Invictus)
Stanley Tucci (Um Olhar do Paraíso)
Woody Harrelson (O Mensageiro)

Atriz Coadjuvante
Anna Kendrick (Amor Sem Escalas)
Maggie Gyllenhaal (Crazy Heart)
Mo'Nique (Preciosa)
Penelope Cruz (Nine)
Vera Farmiga (Amor Sem Escalas)

Roteiro Adaptado
Amor Sem Escalas
Distrito 9
Educação
In The Loop
Preciosa

Roteiro Original
Bastardos Inglórios
Guerra ao Terror
O Mensageiro
Um Homem Sério
Up - Altas Aventuras

Longa de Animação
Coraline e o Mundo Secreto
O Fantástico Sr. Raposo
A Princesa e o Sapo
The Secret of Kells
Up - Altas Aventuras

Direção de Arte
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O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus
Nine
Sherlock Holmes
The Young Victoria

Fotografia
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Bastardos Inglórios
A Fita Branca
Harry Potter e o Enigma do Príncipe
Guerra ao Terror

Figurino
Brilho de Uma Paixão
Coco Antes de Chanel
O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus
Nine
The Young Victoria

Montagem
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Bastardos Inglórios
Distrito 9
Guerra ao Terror
Preciosa

Filme Estrangeiro
Ajami (Israel)
A Fita Branca (Alemanha)
Um Profeta (França)
O Segredo dos Seus Olhos (Argentina)
A Teta Assustada (Peru)

Trilha Sonora
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O Fantástico Sr. Raposo
Guerra ao Terror
Sherlock Holmes
Up - Altas Aventuras

Canção Original
Almost There (A Princesa e o Sapo)
Down in New Orleans (A Princesa e o Sapo)
Loin De Paname (Paris 36)
Take it All (Nine)
The Weary Kind (Crazy Heart)

Edição de Som
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Bastardos Inglórios
Guerra ao Terror
Star Trek
Up - Altas Aventuras

Mixagem de Som
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Bastardos Inglórios
Guerra ao Terror
Star Trek
Transformers: A Vingança dos Derrotados

Efeitos Especiais
Avatar
Distrito 9
Star Trek

Maquiagem
Il Divo
Star Trek
The Young Victoria

Documentário Longa-Metragem
Burma Vj
The Cove
Food Inc.
The Most Dangerous Man In America: Daniel Ellsberg and the Pentagon Papers
Which Way Home

Documentário Curta-Metragem
The Last Campaign of Governos Booth Gardner
The Last Truck: Closing of a GM Plant
Music by Prudence
Province
Rabbit à la Berlin

Curta de Animação
French Roast
Granny O´Grimn´s Sleeping Beauty
The Lady and the Reaper (La Dama e la Muerte)
Logorama
A Matter of Loaf and Death

Curta Live Action
The Door
Instead of Abracadabra
Kavi
Miracle Fish
The New Tenants