sábado, 27 de dezembro de 2008

10+ e 10-


Fim de ano é época de um balanço de tudo que foi visto ao longo de doze meses. 2008 foi um bom ano para o cinema, tanto brasileiro como internacional. Foi o ano de seqüências arrasa-quarteirões, mas também houve espaço para a singeleza e sensibilidade. Foi o ano em que os Coen chegaram ao Oscar, Indiana Jones interrompeu um descanso de duas décadas e o Coringa conquistou as telas após a partida de seu intérprete.

Em um ano movimentado como esse, fica ainda mais difícil elaborar a famosa lista dos 10+ e 10-. Sempre lembrando que trata-se de uma visão particular minha, nenhum julgamento definitivo sobre os filmes aqui relacionados. A lista de 10-, em especial, costuma ser mais uma relação de decepções do que propriamente uma lista de "piores", já que alguns filmes declaradamente pavorosos eu nem chego a assistir.

Sem mais delongas, esses são os vinte longas que chamaram mais minha atenção - no bom e no mau sentido - em 2008:

10+

1 – Batman – O Cavaleiro das Trevas
2 – Sweeney Todd – O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet
3 – Estômago
4 – Feliz Natal
5 – O Menino do Pijama Listrado
6 – Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal
7 – O Sonho de Cassandra
8 – Onde os Fracos Não Têm Vez
9 – Senhores do Crime
10 – Romance

10-

1 – Awake – A Vida por um Fio
2 – Maldita Sorte
3 – A Mulher do Meu Amigo
4 – A Força da Amizade
5 – Atos que Desafiam a Morte
6 – Pecados Inocentes
7 – A Lista – Você Está Livre Hoje?
8 – Corrida Mortal
9 – O Procurado
10 – Mandela – Luta pela Liberdade

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Os melhores cartazes de 2008

Tem coisa mais irritante e sem criatividade do que esses cartazes de filmes que se limitam a mostrar uma foto (geralmente, posada) dos atores principais? Um cartaz é uma tradução visual do filme e, como tal, deve conter seu espírito. Não necessariamente precisa trazer o rosto dos atores estampado nele. Infelizmente, a grande maioria dos cartazes de cinema atuais apresenta uma concepção preguiçosa. Como o que é bom deve sempre ser destacado, selecionei dez cartazes que enfeitaram os cinemas neste ano de 2008 e que eu considero perfeitos (alguns, inclusive, são melhores que o filme que anunciam). Confiram e opinem:











(Batman - O Cavaleiro das Trevas, Um Beijo Roubado, Ensaio Sobre a Cegueira, Era Uma Vez, O Orfanato, O Menino do Pijama Listrado, SOS Saúde, REC, Sweeney Todd, Speed Racer)

Coração de Tinta


Como acontece todos os anos, dezembro é época dos filmes infanto-juvenis invadirem os cinemas. Coração de Tinta, mais um daqueles longas que passaram o ano tendo a data de lançamento adiada, chega às telonas para tentar se beneficiar do espírito natalino. Não que o filme seja esse desastre todo que andam falando, mas tampouco tem cacife para se destacar dentre seus similares.

Adaptado do livro homônimo da alemã Cornelia Funke, Inkheart (no original) parte do argumento de que existiriam pessoas com o dom de trazer para o mundo real os personagens dos livros caso a história fosse lida em voz alta. Mo Folchart possui essa habilidade e só descobre o poder que tem quando Capricórnio, um vilão de um livro de aventuras, se materializa diante de sua família. Sua esposa desaparece para dentro da mesma história e Mo se torna obcecado em encontrar outra cópia do livro, que é raro. Anos depois, ele e a filha Maggie reencontram o maligno Capricórnio, que se adaptou ao nosso mundo e quer usar o talento de Mo para criar seu próprio império aqui.

Em primeiro lugar, não dá para entender porque a história “de dentro” também se chama Coração de Tinta, já que antes de ser lido por Mo o livro era uma história medieval de aventuras como qualquer outra. Mas OK, deixa pra lá. Embora a idéia de universos paralelos não seja nova, ainda mais em histórias infanto-juvenis, a trama central até que é interessante. Geralmente os personagens são levados do mundo real para o mágico, mas neste filme é o mundo mágico (nem sempre amigável) que invade o cotidiano que conhecemos e, levando em conta a extensão incontável de todas as obras já escritas, seria uma bagunça geral se existissem muitos dos chamados “línguas encantadas” por aí.

Os efeitos especiais são corretos – apenas isso – e não comprometem. Já a direção de arte parece ter se inspirado em outros filmes, especialmente na trilogia O Senhor dos Anéis, para criar algumas concepções visuais. O monstruoso Sombra, por exemplo, é igualzinho àquele demônio que Gandalf enfrenta dentro da caverna no primeiro filme. Só que, por incrível que pareça, o maior problema do longa não está na fantasia e sim no fator pessoal. O desenvolvimento psicológico dos personagens é raso e estereotipado, assim como alguns laços de amizade parecem brotar do nada. Tem-se a impressão de que os personagens não têm conflitos. Outra coisa estranha é a naturalidade com que a menina Maggie aceita a revelação de que seu pai tem o poder de trazer personagens dos livros para a vida real – como se isso fosse a coisa mais banal do mundo. E é essa falta de base humana (o que, num sentido amplo, inclui todos os personagens) que quebra a credibilidade da história e vai deixando o espectador meio indiferente às aventuras e perigos pelos quais passam os mocinhos. 

E olha que o elenco se esforça. Brendan Fraser encara mais um herói de ação com o carisma e simpatia habituais, ainda que seja ofuscado pela excelente composição de Paul Bettany como Dedo Empoeirado, personagem que sai do livro junto com os vilões e, ao contrário destes, quer a todo custo voltar para a ficção e para a esposa (Jennifer Connelly, esposa de Bettany na vida real, faz pontinha de luxo). O elenco ainda conta com a toda-poderosa Helen Mirren como a divertida e anti-social tia de Mo e Jim Broadbent como o escritor deslumbrado em encontrar suas criações. Andy Serkis, que ficou famoso como o homem por trás do Gollum, mostra que sabe atuar sozinho e cria um vilão exótico ao estilo dos que costumamos ver nos filmes de James Bond.

O diretor Iain Softley estreou atrás das câmeras há catorze anos com o promissor Backbeat (aquele filme sobre o quinto Beatle, que deixou o grupo antes do estrelato). Depois disso, sua escassa filmografia vem oscilando entre o razoável (A Chave Mestra) e o deplorável (K-Pax). Podemos dizer que Coração de Tinta, apesar de suas falhas, consegue ficar na coluna dos acertos. Por um triz, mas consegue.  

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Marley & Eu


Eu tenho um Marley em casa. Ele é preto, peludo e atende pelo nome de Boris. Não late; mia. E, felizmente, tem cinco quilos e não cinqüenta como o protagonista canino de Marley & Eu. Tirando essas diferenças básicas, meu gato é bastante parecido com o cão do filme. Inconveniente, chato e – talvez por isso mesmo – irresistível. Os animais mais travessos geralmente têm essa qualidade de apaixonar as pessoas. Mesmo porque qual seria a graça de ter um cachorro ou gato que fizesse tudo que dele é esperado? E é apostando nessa empatia com todo mundo que tem ou já teve um animal de estimação bagunceiro que o longa consegue arrancar alguns sorrisos do espectador.

O filme é baseado no livro homônimo escrito pelo jornalista John Grogan a respeito da sua convivência, a princípio acidentada, com o labrador Marley. Comprado por ele e pela esposa como um substituto-teste para um futuro filho (o casal acabou tendo três posteriormente), o cãozinho apontava das suas desde pequeno. Vendido mais barato pela criadora que estava doida para se livrar dele, Marley era bruto, mal-educado e incontrolável. Mas incondicionalmente amoroso. Ele destruiu móveis, foi expulso do curso de adestramento e apavorou babás. Mas John e Jenny se apaixonaram por ele e tiveram que se adaptar. Uma das cenas mais bonitas do filme mostra John chegando em casa e observando através da janela a esposa dançando com o cão.

Paralelamente ao crescimento de Marley e também da família, acompanhamos as várias fases por que passa o casal, desde a lua-de-mel até uma crise que quase os leva ao divórcio. Também acompanhamos os dilemas profissionais de John, que sempre quis ser repórter mas acaba por se descobrir um excelente cronista (e as diabruras de Marley são assunto recorrente em sua coluna).

Owen Wilson e Jennifer Aniston estão OK como o casal John e Jenny, assim como o amigo conquistador vivido por Eric Dane (um dos Mc alguma coisa da série Grey's Anatomy). Já Alan Arkin, no papel do chefe de John, rouba todas as cenas em que aparece. Reparem o modo como o personagem sempre diz que determinadas coisas são engraçadas com a cara mais mal-humorada do mundo. Mas nada disso tem muita importância, já que os humanos são meros coadjuvantes na trama. É Marley, ao longo de sua longa e feliz vida, que serve de norte para o roteiro. É a simpatia do canino – aliás, dos 22 cachorros usados ao longo de todo o filme – que faz o espectador manter o sorriso no rosto.

(se você não sabe o final do livro e pretende continuar sem saber, pule o parágrafo seguinte)


David Frankel, que dirigiu anteriormente O Diabo Veste Prada, dirige o longa com mão leve, embora seja quase impossível evitar que a história descambe para o dramalhão perto do final. Não é novidade para ninguém que uma trama que acompanha a trajetória de um cão junto a uma família por anos e anos chegará ao ponto em que a família tem que se despedir dele. Aliás, a própria concepção do livro de Grogan é uma homenagem ao cachorro que ele uma vez classificou como “o pior cão do mundo”. É então que, mais uma vez, o filme toca as pessoas pela transferência emocional e cada um se pegará pensando ou no momento em que teve ou – pior – terá que se separar de seu próprio bichinho. Os animais de estimação, ao contrário dos filhos, costumam partir antes daqueles que os criaram. É cruel, mas é a ordem natural das coisas.

Resumindo, Marley & Eu é um bom programa para quem gosta de animais. Aqueles que nunca viram a mínima graça neles provavelmente também não a verão neste simpático filme. Simples assim.

O filme estréia na quinta, dia 25.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Inveja dos Anjos


Existe uma certa mística de que o público carioca, quando se dá ao trabalho de ir ao teatro, só quer saber de diversão descompromissada. O teatro dito sério, mais poético e dramático, deve se abrigar em outros portos porque no Rio só vingam as comédias. Preconceito, puro preconceito. Aqui na Cidade Maravilhosa algumas companhias de teatro desmentem essa máxima através da solidez de sua trajetória.

O Armazém Cia. de Teatro, criado em Londrina, existe como grupo há 21 anos e há dez mudou sua sede para a Fundição Progresso, no Rio. A companhia ficou realmente conhecida perante o grande público a partir de 1999, graças ao inesquecível Alice Através do Espelho. Algumas características sempre presentes nos trabalhos da trupe dirigida por Paulo de Moraes são a cenografia arrojada, um olhar poético que não teme ser “teatral” e o altíssimo rendimento de todo o elenco, sem distinções. E assistir a uma peça do Armazém é um convite para se surpreender, seja encenando Beckett (Esperando Godot), Nelson Rodrigues (Toda Nudez Será Castigada) ou dramaturgia própria, como é o caso deste Inveja dos Anjos.

Os trilhos de um trem que cruzam o palco simbolizam tanto dolorosas partidas como inesperadas chegadas. Tomás é dono de um sebo e escritor frustrado: não gosta das coisas que escreve. Ainda assim, acha importante escrever; nem que seja para queimar as lembranças um dia. A menina Natália aparece do nada com um bilhete que a declara sua filha. Na casa ao lado, Luísa gastou a juventude cuidando da mãe louca e vive essa rotina há tanto tempo que não consegue mais se lembrar de seus gostos pessoais. Já Cecília cansou de esperar pela volta do homem que um dia embarcou num trem sem nem ao menos se despedir. Rocco foi viver aventuras, mas agora sente falta de suas raízes. Como fio condutor da trama, um carteiro que lê escondido a correspondência e só então decide se deve entregar a carta ou não.

Inveja dos Anjos seduz o espectador aos poucos: começa de modo leve e cômico, embora em nenhum momento abandone uma certa poesia. Aos poucos, a teia de relações se aprofunda e entrevemos as dores ocultas e sonhos frustrados de cada um. E os personagens parecem muito vivos, porque, assim como nós, soterram os traumas sob uma máscara de normalidade. Mas os trilhos do trem não são apenas despedidas, podem ser reencontros, novidades, esperança. Ou não. É difícil analisar aqui, por escrito, um espetáculo que foi totalmente concebido para ser visualizado e sentido. Inveja dos Anjos é particular e universal ao mesmo tempo, falando de modo onírico e simbólico sobre gente que poderia ser a gente.

O elenco é de um preparo corporal, vocal e dramatúrgico perfeito. Tão bem nivelado que talvez seja um pouco injusto destacar alguém, mas, por outro lado, não posso deixar de mencionar Patricia Selonk, uma das mais incríveis atrizes que eu já tive o prazer de ver num palco. Patricia tem a habilidade de sempre se reinventar de modo sutil para seus papéis, alterando inflexões e gestual, mas nunca deixando de olhar o espectador no olho e transmitir toda sua verdade com uma força que chega a intimidar.

Quem quiser assistir a este belo espetáculo ainda em 2008 deve se apressar. A peça fica na Fundição Progresso de quinta (18) até domingo (21), às 20h. Depois, é interrompida para o festejos de fim de ano e retorna somente no dia 8 de janeiro. Ingressos a 30 reais e reservas pelo telefone 2210-2190. Aconselho reservar. Não acreditem na tal preferência do carioca pelas comédias, porque peça nova do Armazém é sinônimo de casa cheia.

sábado, 13 de dezembro de 2008

O Menino do Pijama Listrado



Um filme cujo mote central apóia-se na impensável amizade entre dois meninos em situações bem distintas – o filho de um oficial nazista e um cativo de campo de concentração – parece fadado a se transformar em um melodrama dos mais apelativos. Certo? Não necessariamente. Driblando todas as armadilhas dramatúrgicas, O Menino do Pijama Listrado impõe-se pelo naturalismo com que trata uma história que já é dramática por natureza. E é justamente essa abordagem sem manipulações que faz com que o filme seja um dos mais belos relatos sobre a perda da inocência já mostrados no cinema. 

A trama, ambientada durante a Segunda Guerra Mundial, é focada em Bruno, um menino de oito anos. Embora seja filho de um alto funcionário do partido nazista, Bruno desconhece tudo sobre a guerra, o Holocausto e a chamada “solução final” contra os judeus. Até que seu pai recebe uma promoção: comandar um campo de concentração, o que faz com que a família deixe a residência em Berlim e mude-se para uma região desabitada onde o menino não tem o que fazer nem com quem brincar. Solitário, entediado e muito curioso, Bruno não demora a perceber que há uma estranha fazenda nos arredores de sua casa. Intrigado com o fato de todos os fazendeiros usarem pijamas listrados, o menino ignora as advertências da mãe e vai até o local. Lá, através de uma cerca de arame farpado, conhece Shmuel, um menino da sua idade. A amizade dos dois se desenvolve ao mesmo tempo em que Bruno começa a se questionar sobre o trabalho do pai e a lavagem cerebral que um professor tenta lhe impor a respeito do povo judeu.

Visto inteiramente pela ótica de Bruno, o filme faz algumas analogias interessantes e bastante profundas. Um exemplo disso é a passagem em que ele vê, escondido, um documentário de propaganda nazista em que os campos de concentração são mostrados como belas colônias de férias, justamente quando começava a questionar a figura paterna. Aliviado, o menino se abraça ao pai. Mas o filme em questão não era produzido para crianças de oito anos. Pelo menos, não exclusivamente. Seria a sociedade alemã, como um todo, uma criança desesperada para acreditar que o pai (a pátria) era uma boa pessoa? Também há uma cena em que Bruno finge não conhecer Shmuel por causa do medo irracional que sentia de um dos soldados do pai. Podemos dizer que todas as ações do menino parecem ilustrar um comportamento adotado pelos adultos da época, o que torna o longa ainda mais contundente.

Asa Butterfield, intérprete de Bruno, é um dos grandes responsáveis pelo grau de sinceridade do filme. Muito expressivo, com um rostinho cheio de reflexão e perplexidade, o garoto consegue ser um talentoso ator e, ao mesmo tempo, parecer uma criança. Mérito também dos excelentes diálogos, especialmente os travados entre Bruno e Shmuel, que em nenhum momento soam inadequados a meninos da idade deles. O elenco adulto, que tem papel pra lá de coadjuvante na trama, tem participação discreta e eficiente, ancorado pelos ótimos Vera Farmiga e David Thewlis como os pais de Bruno.

A certa altura, mais precisamente no terço final do filme, já é possível pressentir o rumo que a história tomará. E isso não traz nenhum alívio. A sensação de mal-estar vem como uma onda, é inevitável. Conforme fica cada vez claro que Bruno não sairá ileso de seu mergulho naquele universo proibido, o nó na garganta do espectador vai ficando mais apertado até que o desfecho cruel o deixa grudado na cadeira, incapaz de se mexer até que as luzes se acendam e revelem os rostos ainda molhados. Mas não se trata de emoção barata e momentânea, já que as sensações causadas pelo filme persistem na memória dias depois de assisti-lo.

O cartaz do longa, que mostra os meninos sentados com uma cerca que parece infinita entre eles, faz refletir sobre a insanidade de duas crianças tão pequenas e de origem semelhante terem sido empurradas para realidades tão esmagadoramente distintas. Mas seriam elas realmente diferentes? A cena final responde à questão. E não se espante, leitor, do sentimento de impotência decorrente de tais reflexões. Alguns pecados são tão grandes que pesam na consciência de toda a humanidade. 

V for Vendetta


Remember, remember, the Fifth of November,
The Gunpowder Treason and Plot
I know of no reason
Why the Gunpowder Treason should ever be forgot

Com esses versos provocadores, que evocam a chamada “traição da pólvora”, encabeçada pelo rebelde Guy Fawkes há mais de 400 anos, começa V de Vingança. Situada em 2020, a trama é ambientada numa Inglaterra dirigida com mão de ferro por um chanceler absolutista. Os cidadãos vivem apavorados, já que qualquer deslize é motivo para uma prisão seguida de conveniente desaparecimento. A jovem Evey Hammond é apenas uma dessas pessoas que passa seus dias em silencioso terror. Numa noite em que se atrasa para o toque de recolher, Evey fica à mercê da truculência de dois agentes do governo. Ela é salva de um destino de estupro e morte por um homem mascarado, que se apresenta apenas como “V” e luta contra os malfeitores com incrível destreza e elegância. Logo Evey descobre que está em apuros, pois o desconhecido que tanto lhe interessou pretende derrubar o governo e incitar o povo à rebelião.

O que é certo e errado? Um conceito é verdadeiro por ser aceito pela maioria? Qual o limite entre ideologia e fanatismo? O que diferencia um herói de um terrorista? Os fins justificam os meios? Em alguns filmes, perguntas assim são facilmente respondidas. Mas de vez em quando surgem produções que causam polêmica justamente por colocar tais questões num cinza nebuloso mais difícil de digerir do que os tradicionais tons de preto e branco.

O fascinante nos personagens é o modo como eles contrariam os estereótipos clássicos. V não é o herói galante. Embora norteado por nobres princípios, o personagem serve à sua vendetta pessoal em primeiro lugar e adota métodos que beiram o terrorismo. E Evey não é a doce namoradinha do protagonista, uma peça decorativa a ser manipulada por V ou seus detratores, e sim uma cidadã que passa por um processo de tomada de consciência. Enquanto tenta descobrir quem é aquele homem mascarado, Evey acaba por descobrir a si mesma. A seqüência que culmina com a personagem tendo os cabelos raspados é de um simbolismo muito claro: nasce ali uma nova pessoa, despojada do medo e renovada pela esperança de ter encontrado papel ativo num mundo onde estava acostumada a ser mera espectadora.


Tão logo V de Vingança estreou nos EUA, há dois anos, as revistas Time e Newsweek e o jornal New York Times cerraram fileiras para fazer patrulha ideológica contra o filme, por considerarem seu enredo simpático ao terrorismo. A imprensa americana ficou especialmente chocada com a cena em que V diz que “explodir um prédio pode mudar o mundo”, esquecendo-se de que a trama não é situada numa sociedade democrática e sim num regime totalitário em que o povo é privado de toda e qualquer liberdade individual e o livre pensamento é punido com a morte. Criticar as intenções do filme sem considerar a ambientação é, no mínimo, tendencioso. Tal método de julgamento levaria a classificar os líderes da Revolução Francesa como meros terroristas também.

V de Vingança é baseado na graphic novel homônima de Alan Moore e David Lloyd, lançada nos anos 80 como uma crítica ferina ao governo conservador de Margareth Tatcher. A história também guarda forte semelhança com 1984, célebre romance do também inglês George Orwell escrito no final dos anos 40 que profetizava um futuro onde os cidadãos eram vigiados sem descanso e uma mera fisionomia de contrariedade equivalia a uma condenação – o romance cunhou a hoje deturpada expressão Big Brother.

Os irmãos Wachowski, diretores da trilogia Matrix e autores do eficiente roteiro, convidaram seu antigo assistente James McTeigue para assumir a direção desta produção que custou US$ 50 milhões. Uma soma bem razoável para as dimensões do longa, ainda mais se considerarmos o talentoso elenco. A escolha do australiano Hugo Weaving foi fundamental para a credibilidade de um personagem como V, que um ator menos habilidoso poderia tornar risível. Como aparece o tempo inteiro coberto pela máscara e roupas pesadas, era preciso alguém que conseguisse se expressar apenas com a voz e a linguagem corporal. E, a despeito dessas limitações, a presença de Weaving em cena é simplesmente magnética. Natalie Portman, que cada vez mais se distancia do perfil de menina-prodígio para se firmar como uma atriz talentosa e ousada, também tem atuação marcante como Evey. O filme ainda se dá ao luxo de ter caras como John Hurt, Stephen Rea e Stephen Fry como coadjuvantes.

V de Vingança é um bem-sucedido casamento de ficção científica, aventura e filosofia. Aliás, o filme não tem tantas cenas de ação como se poderia supor. Pode-se dizer que há mais tensão do que ação, já que a discussão ideológica nunca deixa de estar em primeiro plano - qualidade presente no Matrix original e que se diluiu nas seqüências.

O espectador mais atento vai estranhar a ausência do nome de Alan Moore nos créditos (apenas David Lloyd é citado). A explicação é simples: o cartunista se desentendeu com a Warner e exigiu que seu nome fosse eliminado de tudo, se recusando até mesmo a receber os royalties que lhe eram devidos. Moore costuma detestar as adaptações de suas histórias. No caso do sofrível A Liga Extraordinária, com toda razão. No caso do mediano Do Inferno, também se pode compreender. Mas, em se tratando de V de Vingança, me parece que o genial autor foi arrogante ou, no mínimo, precipitado. Uma adaptação pressupõe transpor a história original para outro veículo com as devidas mudanças, apenas cuidando para que seja preservada a essência da trama. Qualidades que foram devidamente respeitadas na versão cinematográfica de V for Vendetta, um dos grandes filmes da última década.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Globo de Ouro 2009

O Globo de Ouro, prêmio concedido pela imprensa estrangeira em Los Angeles, é considerado por muitos como uma prévia do Oscar. Claro que para a estatueta careca as chances se afunilam um pouco, já que no Globo de Ouro os prêmios para melhor filme, ator e atriz são divididos em duas categorias: drama e musical/comédia.

Os indicados para 2009 foram anunciados hoje nos Estados Unidos. O grande destaque, sem dúvida, foi a aguardada indicação de melhor ator coadjuvante para Heath Ledger. Espera-se que o Globo de Ouro seja o primeiro de muitos prêmios que o australiano vencerá postumamente pela sua inesquecível performance como o Coringa de O Cavaleiro das Trevas.


Já o Brasil, que ansiava cavar uma indicação para Última Parada 174 como pedigree para o Oscar, ficou a ver navios. A categoria filme estrangeiro parece confirmar o favoritismo do italiano Gomorra – o que eu considero um exagero, muito barulho por um filme apenas mediano.

Em termos de número de indicações, os mais cotados são O Curioso Caso de Benjamin Button, Doubt e Frost/Nixon, com cinco nomeações cada. Os vencedores serão conhecidos na festa de premiação que acontecerá no dia 11 de janeiro, em Los Angeles.

Confiram os indicados em cinema (a premiação também contempla séries de TV e telefilmes):

Melhor Filme (drama)
O Curioso Caso de Benjamin Button
Frost/Nixon
The Reader
Revolutionary Road
Slumdog Millionaire

Melhor Atriz (drama)
Anne Hathaway (O Casamento de Rachel)
Angelina Jolie (A Troca)
Meryl Streep (Doubt)
Kristin Scott Thomas (I've Loved You So Long)
Kate Winslet (Revolutionary Road)

Melhor Ator (drama)
Leonardo DiCaprio (Revolutionary Road)
Frank Langella (Frost/Nixon)
Sean Penn (Milk)
Brad Pitt (O Curioso Caso de Benjamin Button)
Mickey Rourke (The Wrestler)

Melhor Filme (musical/comédia)
Queime Depois de Ler
Simplesmente Feliz
Na Mira do Chefe
Mamma Mia!
Vicky Cristina Barcelona

Melhor Atriz (musical/comédia)
Rebecca Hall (Vicky Cristina Barcelona)
Sally Hawkins (Simplesmente Feliz)
Frances McDormand (Queime Depois de Ler)
Meryl Streep (Mamma Mia!)
Emma Thompson (Last Chance Harvey)

Melhor Ator (musical/comédia)
Javier Bardem (Vicky Cristina Barcelona)
Colin Farrell (Na Mira do Chefe)
James Franco (Segurando as Pontas)
Brendan Gleeson (Na Mira do Chefe)
Dustin Hoffman (Last Chance Harvey)

Melhor Filme de Animação
Bolt – Supercão
Kung Fu Panda
Wall-E

Melhor Filme em Língua Estrangeira
The Baader Meinhof Complex (Alemanha)
Everlasting Moments (Suécia/Dinamarca)
Gomorra (Itália)
I've Loved You So Long (França)
Waltz With Bashir (Israel)

Melhor Atriz Coadjuvante
Amy Adams (Doubt)
Penelope Cruz (Vicky Cristina Barcelona)
Viola Davis (Doubt)
Marisa Tomei (The Wrestler)
Kate Winslet (The Reader)

Melhor Ator Coadjuvante
Tom Cruise (Trovão Tropical)
Robert Downey Jr. (Trovão Tropical)
Ralph Fiennes (The Duchess)
Philip Seymour Hoffman (Doubt)
Heath Ledger (Batman - O Cavaleiro das Trevas)

Melhor Diretor
Danny Boyle (Slumdog Millionaire)
Stephen Daldry (The Reader)
David Fincher (O Curioso Caso de Benjamin Button)
Ron Howard (Frost/Nixon)
Sam Mendes (Revolutionary Road)

Melhor Roteiro
Simon Beaufoy (Slumdog Millionaire)
David Hare (The Reader)
Peter Morgan (Frost/Nixon)
Eric Roth (O Curioso Caso de Benjamin Button)
John Patrick Shanley (Doubt)

Melhor Trilha Sonora
Alexandre Desplat (O Curioso Caso de Benjamin Button)
Clint Eastwood (A Troca)
James Newton Howard (Defiance)
A. R. Rahman (Slumdog Millionaire)
Hans Zimmer (Frost/Nixon)

Melhor Canção Original
Down to Earth (Wall-E)
Gran Torino (Gran Torino)
I Thought I Lost You (Bolt)
Once In A Lifetime (Cadillac Records)
The Wrestler (The Wrestler)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

O Traidor


Podemos dizer que O Traidor é uma espécie de primo pobre de Rede de Mentiras, comentado alguns posts abaixo. E assistir ao primeiro tem como principal efeito colateral fazer com que valorizemos o segundo, já que o filme de Ridley Scott, mesmo tendo uma ou outra deficiência, conta com um roteiro cheio de diálogos inteligentes e um elenco de primeiríssima linha. Já O Traidor é uma trama pouco interessante protagonizada por Don Cheadle, ator irregular cuja única interpretação realmente digna de nota foi em Hotel Ruanda – e, mesmo assim, fica a dúvida se o que realmente nos comovia era seu trabalho ou a história em si.

O Traidor conta a história de Samir Horn, ex-oficial de um grupo de operações especiais do governo americano que é suspeito de estar envolvido com extremistas islâmicos. Sudanês de nascimento e convertido ao islamismo tempos depois, Samir chama a atenção dos investigadores por suas habilidades com explosivos. Mas seria aquele militar de ficha limpa, casado e cidadão exemplar um terrorista?

O roteiro tenta ser politicamente imparcial ao mostrar as razões que os radicais têm em odiar o imperialismo ianque e o modo como seu discurso inflama os jovens que sonham se explodir e acordar num paraíso cheio de belas virgens. O problema é que nada daquilo é novidade. A trama, que parece uma colagem de vários filmes pós-onze de setembro, não empolga e o protagonista não causa empatia, combinação que apenas leva ao tédio ao longo das quase duas horas de filme. O versátil Guy Pearce até se esforça para segurar as pontas, mas sua luta é inglória. Perda de tempo, pura perda de tempo.

domingo, 30 de novembro de 2008

Cineminha gratuito

Almoço de Ferragosto é um dos filmes que podem ser vistos gratuitamente no evento

A embaixada da Itália e o Instituto Italiano de Cultura estão apresentando no Cine Odeon, até a próxima quarta, alguns filmes italianos que foram exibidos no último Festival de Veneza. A entrada é franca, basta retirar o ingresso na bilheteria. Confiram a programação:

Domingo (30/11), 21h - A Semente da Discórdia
Segunda (01/12), 21h - Almoço de Ferragosto
Terça (02/12), 21h - Pa-ra-da
Quarta (03/12), 19h - Os Monstros

sábado, 29 de novembro de 2008

Terra Vermelha


Confesso que sinto um arrepio de pavor toda vez que ouço falar em filmes estrangeiros que abordam questões brasileiras. Tal descrição geralmente precede uma visão exótica e/ou deturpada de seja lá qual for o tema abordado. Imagina quando se fala da questão indígena. Pronto! Me preparei para ver um desfile de índios emplumados dignos de escola de samba. Mas não é nada disso que acontece em Terra Vermelha, filme italiano rodado na Amazônia.

A belíssima seqüência de abertura faz uma panorâmica pela região amazônica, numa tomada idílica que logo é cortada para o momento em que dois jovens índios encontram duas meninas da tribo enforcadas. Segue-se uma cena do enterro das meninas, realizado de modo prático e sem grandes aparatos. A partir desse instante, já fica claro que Terra Vermelha não é um filme que vem reforçar o olhar deslumbrado que a maioria dos estrangeiros tem sobre o Brasil e, sobretudo, a respeito das questões indígenas.

Apesar de ser uma produção italiana, em nenhum momento há o ranço de “filme gringo”; pelo contrário, podemos dizer que nenhum longa nacional havia abordado ainda de maneira tão realista os problemas decorrentes da convivência entre indígenas e brancos. Mazelas como a alta taxa de suicídios entre os jovens e o choque cultural causado pela insistência do homem branco em fazer a população indígena viver de acordo com o estilo de vida dito “civilizado” ganham as telas com ares documentais, impressão reforçada pela acertada opção de usar índios de verdade nos papéis principais.

O longa também discute a hipocrisia das reservas indígenas, via de regra demarcadas em terras estéreis que ninguém mais quer. O conflito central do filme acontece a partir da decisão de um líder de um grupo de guarani-kaiowá de deixar a reserva e ocupar a terra pertencente a um rico fazendeiro. Arrancados de tudo que um dia fora de seus antepassados, os nativos montam acampamento no limite das terras do fazendeiro aguardando o momento de se apropriar do que originalmente fora deles.

Terra Vermelha planta as sementes do conflito de modo a fugir de todos os clichês, apesar de sua posição pro-indígena: nem os índios são retratados como inocentes idiotizados nem o fazendeiro personificado por Leonardo Medeiros é alguma encarnação do demônio. Um belo exemplo disso é a cena que mostra o enfrentamento entre o fazendeiro e o líder indígena, que cala as argumentações do primeiro sobre estar naquela terra há três gerações comendo da mesma. Merece destaque o modo como os nativos estão longe de ser o retrato ao qual costumam ser associados: aprenderam na marra as artimanhas do homem branco e, apesar dos efeitos colaterais trazidos por ele – alcoolismo, depressão, desemprego, pobreza –, sabem se defender com as armas que possuem.

O melhor em Terra Vermelha é que, apesar de seu tom documental, o roteiro traça uma história de ficção interessante, cujo expoente maior é Osvaldo, um adolescente em conflito entre sua vocação de xamã e seus hormônios em ebulição por causa da jovem filha do fazendeiro que é inimigo de seu povo. Outro personagem bastante interessante é sua mãe, Lia, uma verdadeira mulher emancipada que escolhe seus parceiros e tem a sexualidade à flor de pele. Reparem como ela se entrega ao homem branco, mas somente na momento em que deseja e deixando bem claro que sua decisão é motivada por desejo sexual e não por subserviência cultural.

O único senão do filme está em seu ritmo desigual: muito lento na primeira metade e meio apressado na segunda, o que leva a um final meio atabalhoado. Mas isso é um pequeno detalhe diante de todas as qualidades deste exemplar admirável de bom cinema.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Rede de Mentiras


Apesar de toda tecnologia dos tempos modernos, o mundo da espionagem internacional ainda é regido por um princípio rudimentar: o sucesso de uma missão depende mais do montante de informações obtidas e controladas pelo agente e menos do aparato a seu dispor. A esperteza e a capacidade de manipulação de informações e pessoas ainda é a moeda de troca mais valiosa.

Rede de Mentiras é baseado no romance homônimo de David Ignatius, jornalista que cobriu o Oriente Médio durante dez anos para o Wall Street Journal. Leonardo DiCaprio é Roger Ferris, agente de campo altamente treinado da CIA que atua no Oriente Médio. Russell Crowe é Ed Hoffman, estrategista brilhante e implacável que controla as ações de Ferris via laptop e celular sem precisar deixar o conforto de sua vida em Washington. Enquanto o primeiro se envolve diretamente com os conflitos, o segundo tem a frieza de quem está fora da zona de perigo.

As diferenças de funções e, sobretudo, de personalidade dos dois parceiros explodem em conflito quando chega até eles a informação sobre um perigoso líder terrorista que, por evitar toda forma de tecnologia, tem se mantido fora do alcance dos órgãos de inteligência. Roger quer atuar em conjunto com o temido Hani Salaam, chefe do Departamento Geral da Inteligência da Jordânia (GID, em inglês), um homem que só perde em importância para o próprio rei. Já Hoffman quer bancar o esperto e usar os jordanianos sem retribuir na mesma moeda, mesmo que tal atitude signifique colocar em risco a vida de Roger.

Nessa história de mentiras e traições, fica bem claro para Roger que sua sobrevivência depende da sua capacidade de discernir quem é fiel e quem poderá trai-lo. O poderoso Hani, que tem como regra básica que não lhe mintam, exige estar a par de tudo que se passa. Hoffman, seu superior, crê que Hani não é confiável. Mas Roger tem dúvidas sobre o quanto pode confiar no próprio Hoffman e em sua obsessão por resultados que beneficiem os americanos a qualquer preço. E até que ponto ele mesmo conseguirá ser sincero com as pessoas que o ajudam sem sacrificar o sigilo de informações valiosas?

À frente do elenco, Leonardo DiCaprio prova que a tal maldição Titanic definitivamente ficou no passado e que sua excelente fase de maturidade artística está apenas começando. Seu personagem, agente esperto e durão que dá nó em pingo d'água, em certos aspectos lembra o estelionatário adolescente de Prenda-Me Se For Capaz – principalmente pelo carisma e capacidade de transmutação. Russell Crowe, sempre à vontade em personagens de caráter duvidoso, também está bastante convincente. Mas a melhor surpresa está na figura do britânico Mark Strong como o refinado e cruel Hani. Sua elegância e educação fazem com que cada ameaça velada soe ainda mais assustadora, sensação realçada pela excelente construção de personagem apresentada pelo ator.

O roteiro, escrito pelo oscarizado William Monahan (de Os Infiltrados), é inteligente e bem-estruturado, fazendo com que Rede de Mentiras seja um filme extremamente cerebral apesar de sua ação constante. Diante de tantos predicados, por que fica a impressão de que Ridley Scott deixou que tudo corresse frouxo? A trama é boa, o elenco idem e, ainda assim, resta a inexplicável sensação de que Rede de Mentiras poderia alcançar um patamar superior como filme se houvesse maior empenho por parte da direção. E não é de hoje que o cineasta de pérolas como Blade Runner e Thelma & Louise demonstra ter perdido a paixão em algum momento do caminho. Ainda é um bom executor, isso fica claro, mas a centelha da genialidade parece ter se apagado.

sábado, 22 de novembro de 2008

Entrando na Tumba da Noiva-Cadáver


Além de ser um inspirado reencontro de Tim Burton com suas origens de animador,A Noiva-Cadáver derruba de vez o conceito de que filme de animação é, necessariamente, para o público infantil. É um filme para adultos, desde os toques de humor negro até a madura reflexão sobre vida e morte, podendo até assustar os miúdos em certas cenas. Então, caro leitor, nada de usar seu sobrinho como desculpa para alugar o DVD. Assista sozinho. Mas assista, porque é imperdível.

A trama, baseada numa lenda do folclore russo, tem como ambientação uma cinzenta era vitoriana e suas rígidas convenções. Victor, filho único de um casal de novos-ricos, está sendo empurrado para um casamento de conveniência com Victoria, filha de nobres falidos. Os dois só se conhecem na véspera do enlace e até parecem simpatizar um com o outro, mas a pressão sobre o tímido rapaz é tanta que ele se atrapalha e erra tudo no ensaio da cerimônia. Humilhado, se esconde na floresta e lá começa a ensaiar. Quando enfia a aliança no que parecia ser um galho seco, desperta o espírito infeliz de uma jovem assassinada no dia do casamento e é arrastado para o mundo dos mortos.

Um dos aspectos mais fascinantes da história é a inversão das noções de vida e morte. Enquanto o mundo real é sombrio, triste e decadente, a terra dos mortos é colorida e cheia de entusiasmo. Os bares estão a todo vapor, a música não pára de tocar e todos estão imbuídos de contagiante alegria de viver - ou de morrer, que seja. Livres dos espartilhos e regras sociais, são os mortos que parecem vivos no filme. E as seqüências mais tocantes são justamente as que promovem o encontro entre esses dois mundos. A cena em que Victor reencontra seu antigo cachorrinho é de derreter os corações mais agnósticos. Por isso, não vai ser nada estranho se o espectador se pegar torcendo para que Victor esqueça da vida entediante que deixou e seja feliz no além ao lado da sensível fantasminha. Afinal de contas, tirando sua noiva Victoria - que é realmente gente boa -, o carrancudo povo da Terra não deixa saudades em ninguém.


É possível reconhecer releituras de algumas cenas feitas anteriormente com gente de carne e osso. A bela tomada da Noiva-Cadáver rodopiando sob a neve, por exemplo, é igualzinha à célebre dança de Winona Ryder em Edward Mãos de Tesoura. Outra cena toma emprestada a famosa fala de E o Vento Levou... (Francamente, minha querida, não dou a mínima), mas aplicada a um contexto totalmente inusitado.

O filme é realizado em stop-motion, ou seja, animação com bonecos fotografados quadro a quadro, mesma técnica de O Estranho Mundo de Jack (concebido e produzido por Burton). O processo exige paciência e paixão infinitas: filma-se um quadro, altera-se de leve a posição dos bonecos para a nova tomada e assim por diante. Vendo o resultado na tela, é quase impossível crer que os cenários deslumbrantes de A Noiva-Cadáver não foram feitos em computador. A textura dos personagens, o brilho das paisagens, o esvoaçante véu da garota morta... tudo criado artesanalmente? Pois é. Um processo só possível sob a direção de um mestre em animação e cinema.

Mas toda a excelência técnica do filme de nada adiantaria caso não estivesse a serviço de uma história bela e comovente, magnificamente interpretada. Os dubladores, aliás, têm papel essencial, já que a gravação das vozes é feita antes da manipulação da expressão dos bonecos. Johnny Depp, parceiro de longa data de Burton, empresta não apenas a voz, mas suas feições ao tímido Victor. É difícil ver o boneco e não lembrar de Depp como o romântico Edward Mãos de Tesoura. O ator trabalhou simultaneamente em A Noiva-Cadáver e A Fantástica Fábrica de Chocolate, quase sempre saindo direto do set deste último para a cabine de gravação. Helena Bonham Carter dá vida à doce Noiva-Cadáver enquanto Emily Watson dubla a contida Victoria. A lista de intérpretes inclui ainda intervenções geniais de Albert Finney e Christopher Lee. Danny Elfman, autor de mais essa hipnótica trilha sonora, também faz uma participação como Bonejangles, líder da banda The Skeletones. Quem tem mais de 30 anos lembra de Elfman à frente do grupo Oingo Boingo cantando Dead Man’s Party. Tudo a ver. Um barato a cena em que os músicos cantam para Victor a saga da Noiva-Cadáver ao ritmo do jazz dos anos 30. Portanto, fica o conselho: versão dublada, nem pensar.

Segmentar A Noiva-Cadáver como um dos melhores filmes de animação já feitos é restringir o alcance desta fábula maravilhosa sobre vida, morte e compromisso. É um dos melhores filmes de todos os tempos. Simples assim.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Os Estranhos


A cultura americana considera o lar de uma pessoa santuário sagrado, tanto que é perfeitamente admissível um cidadão assassinar alguém a tiros se esta pessoa profanou a propriedade privada dele. Coisa de raiz cultural mesmo. Isso dá uma pálida idéia do quanto o atentado ao World Trade Center feriu o povo americano. Mais do que o saldo de mortos, o que realmente os apavora é a exposição da própria fragilidade e da incapacidade de defender seu território.

Partindo do geral para o particular, Os Estranhos mostra um jovem casal acuado madrugada adentro por três delinqüentes. Ao voltar do casamento de um amigo, Kristen e James se dirigem à casa de campo da família dele. Durante a festa, os dois têm um desentendimento e chegam ao local onde deveriam passar uma noite romântica no pior dos climas. É quando uma garota bate à porta às três da manhã perguntando por alguém chamada Tamara. Como o casal logo percebe, ela não está sozinha. E aquelas pessoas parecem dispostas a apavorá-los até o limite de sua forças, num jogo inexplicavelmente perverso.

Apesar de iniciar com legendas que dizem que o filme é baseado em um caso verídico ocorrido em 2005, o diretor e roteirista Bryan Bertino confessou que, na verdade, sua trama foi costurada a partir de várias histórias reais e não uma em particular. Estreante em longas, Bertino demonstra habilidade ao criar um clima progressivamente assustador, que começa a se insinuar muito antes que qualquer ameaça real seja mostrada na tela. Os personagens de Liv Tyler e Scott Speedman ganham nossa simpatia ao acompanharmos sua ameaça de rompimento, que posteriormente se revela o menor dos sofrimentos pelos quais os dois irão passar naquela longa noite.

Parente direto de Violência Gratuita, de Michael Haneke, Os Estranhos acaba sendo um filme mais bem-resolvido justamente por sua falta de pretensão intelectual. O problema está no uso indiscriminado que o roteiro faz dos clichês habituais do gênero, sendo o pior deles o exagero na invencibilidade dos vândalos. A força e agilidade do trio é tão espantosa que em determinadas seqüências eles parecem mais fantasmas do que pessoas. Isso sem contar as decisões absurdas dos protagonistas, como, por exemplo, o momento em que James resolve ir ao celeiro tentar pedir socorro através de um rádio velho (!!!) e deixa Kristen sozinha e desprotegida ao invés de irem os dois juntos. Mesmo considerando que o pânico faz com que as pessoas não raciocinem direito, não dá para engolir uma atitude tão estúpida.

De qualquer maneira, Os Estranhos se mantém acima da média deste estilo de filme. A montagem é ágil sem ser histérica, a trilha sonora é usada nos momentos certos, a câmera é manejada de modo a criar medo (e não apenas dar sustos) e Liv Tyler e Scott Speedman dão credibilidade à situação desesperadora que seus personagens vivem. Mas creio que a grande sacada do filme está em seu assustador recado subliminar: por mais que as portas estejam trancadas, nem sempre é possível manter o inimigo de fora.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Martin Scorsese filma Dennis Lehane

Guardem este título: Shutter Island. Com previsão de estréia aqui no Brasil para outubro de 2009, o longa deve ser ansiosamente aguardado não apenas por ser o novo trabalho de Martin Scorsese - o que, por si só, já é motivo para ficar de olho em um filme -, mas também por ser baseado em um livro escrito pelo sensacional Dennis Lehane (foto). Considerado o melhor romancista policial da atualidade, este americano de 45 anos já forneceu material para dois excelentes filmes anteriormente: Sobre Meninos e Lobos, que virou um filmaço mas mãos experientes de Clint Eastwood; e Gone, Baby, Gone, que transformou o decadente ator Ben Affleck num cineasta de primeiríssima linha com Medo da Verdade.

Shutter Island (o livro aqui se chama Paciente 67) é protagonizado pelos xerifes Teddy Daniels e Chuck Aule, que vão à ilha do título investigar a fuga de uma interna do hospital psiquiátrico que ocupa toda a região. Rachel Solando, assassina condenada, escapou de uma cela muito bem vigiada sem deixar nenhum vestígio, como se tivesse simplesmente evaporado no ar. Os funcionários da instituição não parecem nada dispostos a colaborar na investigação e suas declarações são pouco confiáveis. Seriam verdadeiros os boatos de que o hospital pratica um exercício pouco ético da psiquiatria? Para os que conhecem a literatura de Lehane, vale lembrar que Shutter Island e Sobre Meninos e Lobos são as duas únicas tramas do autor não protagonizadas pela dupla de detetives Patrick Kenzie e Angie Gennaro.

O elenco estrelado traz Leonardo DiCaprio (o que não chega a ser uma novidade), Mark Ruffalo, Ben Kingsley, Emily Mortimer, Max von Sydow, Michelle Williams e Jackie Earle Haley. Agora é segurar a ansiedade para conferir o resultado dessa parceria entre o grande expoente do romance policial e o genial cineasta. Em comum, os dois têm o gosto por tramas cheias de adrenalina e os personagens violentos e complexos.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Falsos Brilhantes

Volta e meia aparece uma dupla de filmes de temática semelhante, feitos à mesma época. Exemplos não faltam: os westerns Tombstone e Wyatt Earp, as animações Vida de Inseto e FormiguinhaZ até mesmo dois Robin Hood que só se diferenciavam nos subtítulos - O Príncipe dos Ladrões e O Herói dos Ladrões. Mais recentemente, em 2006, foi a vez do universo dos mágicos mostrar sua dupla face com O Grande Truque e O Ilusionista. Ambas as produções são ambientadas na Europa do século XIX e têm como protagonistas homens que levam a arte da ilusão às últimas conseqüências.


O primeiro a ganhar as telas brasileiras foi O Grande Truque, dirigido pelo criativo Christopher Nolan (da nova franquia Batman) e tendo Hugh Jackman e Christian Bale como Robert Angier e Alfred Borden, dois mágicos que se conheceram no início de suas carreiras e, por conta de um trágico acidente, se tornaram inimigos. A acirrada rivalidade ultrapassa os limites do puro orgulho profissional e torna-se uma obsessão que os fará passar por cima de qualquer limite ético para destruir o oponente.

O filme faz uma abordagem interessante ao privilegiar a estranha relação de Angier com Borden, em que admiração e ódio se mesclam de tal maneira que um passa a viver em função do outro. Ambos se tornam tão dependentes de seus sentimentos doentios que não basta ter sucesso: é preciso que o rival fracasse. Mas, infelizmente, o filme derrapa no excesso de pegadinhas e pistas falsas. Como a própria história enuncia, os bons números de mágica são feitos em três atos. O Grande Truque despreza sua própria cartilha ao sobrecarregar a trama com reviravoltas a cada segundo - algumas bem inverossímeis, outras ridiculamente ingênuas. E o espectador acaba se sentindo iludido. No mau sentido. O longa é salvo da mediocridade pelos protagonistas: Hugh Jackman e Christian Bale são tão bons contracenando quanto o são seus personagens assombrando as platéias. Enquanto o Angier de Jackman é charmoso e carismático, o Borden de Bale é determinado e obsessivo. Quem levará a melhor?


O segundo filme sobre o tema é O Ilusionista. O personagem-título é Eisenheim, mágico que encanta as platéias de Viena com seu inigualável espetáculo. Logo sua fama irrita o príncipe-herdeiro Leopold, que se dispõe a desmascará-lo. O clima fica ainda mais tenso quando a noiva do príncipe reconhece em Eisenheim sua antiga paixão adolescente. Leopold encarrega um inspetor de polícia corrupto de descobrir os segredos do mágico para que possa destruí-lo. Porém Eisenheim tem seus próprios planos e prepara-se para executar seu maior truque.

O Ilusionista começa muito bem. O clima é de mistério e sedução, como num bom número de mágica. Eisenheim ilude as platéias tanto quanto a boa montagem das seqüências que mostram seus truques cativa o espectador. Reside aí o maior trunfo do longa: colocar o espectador no mesmo lugar do público dentro da tela. Iludido, porém encantado. Assim como o inspetor de polícia, que pode apenas pressentir que uma ilusão fora criada para ocultar a verdade. Mas a trama começa a desandar em sua meia hora final e atinge seu ponto mais fraco quando resolve explicar nos mínimos detalhes como ocorreram os fatos. Dedução a que o espectador sozinho já havia chegado. O final burocrático chega a contrariar a ideologia do filme, já que a arte da ilusão perde todo o significado quando seus truques são revelados. Seria mais honesto dar um voto de confiança para a imaginação do espectador. Para piorar, a montagem da seqüência final é um clone descarado do desfecho de Os Suspeitos. Também aqui se destacam dois atores: os sempre eficientes Edward Norton e Paul Giamatti não deixam a bola cair. Mas não se pode dizer o mesmo de Jessica Biel, que não convence como pivô de uma disputa entre o mágico e o príncipe.

Depois de assistir aos dois filmes, fica uma estranha sensação. Ambos poderiam ser mais bem resolvidos do que foram. Ambos têm diversas qualidades, mas que acabam ofuscadas por suas muitas deficiências. E, embora sejam interessantes em vários aspectos, nenhum dos dois vai ter alguma grande relevância para a posteridade.

domingo, 16 de novembro de 2008

Wonderland by Tim Burton

2008 ainda nem acabou, mas desde já há indícios de qual será o filme mais esperado em 2010: a versão de Tim Burton para Alice no País das Maravilhas. Claro que não é preciso ser nenhum gênio para saber que ator fará o papel do Chapeleiro Maluco: Johnny Depp, é claro. Tampouco é surpresa saber que a Rainha de Copas coube à senhora Burton, Helena Bonham Carter. Já a protagonista será interpretada pela australiana Mia Wasikowska, ainda desconhecida por aqui.

As filmagens de Alice in Wonderland, com previsão de estréia para março de 2010, já estão acontecendo a pleno vapor, embora o universo que Burton está criando para o clássico de Lewis Carroll esteja sendo mantido em sigilo absoluto. As fotos divulgadas para a imprensa mostram apenas os atores nos bastidores ou, no máximo, imagens de Alice no mundo real. Nenhum indício da realidade alternativa do outro lado do espelho chegou até nós por enquanto.

Uma coisa é certa: a história da menina que subitamente se encontra em um mundo totalmente surrealista parece ter sido feita sob medida para o estilo de Burton. Vale lembrar que alguns aspectos mais marcantes no estilo do cineasta são justamente a estética expressionista, a direção de arte arrojada e um certo humor negro mesclado a temas infantis.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Frase do Dia


- "Bem-vindo a Guantánamo."

(De um terrorista islâmico para o agente da CIA vivido por Leonardo DiCaprio, segundos antes de quebrar seus dedos com um martelo, em Rede de Mentiras)

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Cashback


“O tempo rodou num instante, nas voltas do meu coração...”

Sucesso na Mostra Expectativa do Festival do Rio do ano passado, o longa Cashback nasceu a partir de um curta de mesmo título realizado por Sean Ellis em 2004. O filme foi indicado ao Oscar de melhor curta-metragem no ano seguinte. Não venceu, mas deu ao diretor e roteirista inglês ânimo suficiente para transformar sua história de 18 minutos em um filme de uma hora e quarenta com o mesmo elenco. OK. Eu sei que um cara que estréia na direção de longas fazendo uma versão maior de seu curta não parece muito digno de confiança, mas a verdade é que Cashback é um filme muito bacana. E mais: ao contrário do que poderíamos supor, essa costura entre a história original e sua extensão não fica evidente para o espectador.

O protagonista é Ben Willis, um jovem estudante de arte que logo nos momentos iniciais do filme leva um estrondoso fora de sua namorada Suzy. Ele tenta reatar, mas ela já seguiu adiante e arrumou um novo namorado. Mas o que fazer se ele não consegue deixar de pensar nela um minuto sequer e, para piorar, começou a sofrer de uma implacável insônia que lhe dá ainda mais tempo para remoer suas mágoas? Para que as horas solitárias passem mais depressa, Ben arruma um emprego no turno da noite em um supermercado. Lá ele convive com uma fauna de colegas bizarros, um chefe irritante e se aproxima de Sharon, uma caixa simpática e tão sozinha quanto ele. Para espantar o tédio, Ben também desenvolve um certo delírio de que pode congelar o tempo e, mentalmente, caminhar por um mundo estático e só seu.

Impossível não lembrar de O Balconista, cult movie de Kevin Smith que é a quintessência de filmes que enfocam o dia-a-dia de pessoas comuns anestesiadas por suas vidinhas medíocres, embora Cashback me pareça um parente mais próximo do agridoce Por Um Sentido na Vida. Mas, reparando bem, Cashback é parecido com esses filmes mais em termos de ambientação do que pela temática propriamente dita. O filme de Sean Ellis tem uma dose de esperança e romantismo que o torna um híbrido de vários estilos. Sem contar a montagem esperta e o aspecto visual impregnado de realismo mágico dos delírios de Ben – que, esteticamente, lembra certos trechos de Peixe Grande.


O elenco simpático é encabeçado por Sean Biggerstaff (conhecido basicamente como o Oliver Wood dos dois primeiros filmes do Harry Potter) e Emilia Fox, que atuou em O Pianista e Jornada da Alma e soma mais de quarenta filmes no currículo. É interessante que dessa dupla inusitada entre a atriz clássica e experiente e o ator teen quase novato tenha surgido um casal tão carismático. Outro aspecto curioso é que o cartaz do filme, que mostra uma beldade semi-nua entre as prateleiras de um supermercado, vende uma idéia de provocação e rebeldia que não é exatamente o cerne da história. Cashback, embora tenha seus momentos de anarquia, é um filme mais terno e com uma delicadeza de sentimentos que vai além da mera provocação. Podemos dizer que é, antes de mais nada, uma história sobre os encontros e desencontros do amor.

E, no final das contas, é justamente essa a “moral da história”: é preciso um certo distanciamento para perceber que muitas coisas idealizadas não são nem de longe tão boas quanto outras que surgem devagarinho, sem que se perceba.

O filme estréia nesta sexta-feira.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Escondidos nas Prateleiras

Outro dia, dando um passeio pela minha locadora, dei de cara com uma série de filmes interessantes que assisti no Festival do Rio de 2006 (sim, há dois anos) e dos quais nunca mais tinha ouvido falar. Provavelmente porque ficaram esse tempo todo engavetados e um belo dia alguém resolveu lançá-los diretamente em DVD. Ou então passaram pelo circuito tão rápido que eu nem notei. Seguem minhas impressões sobre alguns deles, escritas à época em que os assisti:

C.R.A.Z.Y. - Loucos de Amor



Zachary, quarto de cinco irmãos, nasceu no dia 25 de dezembro. Seus aniversários começam com a Missa do Galo e sempre se confundem com o Natal. O filme acompanha duas décadas da vida de Zachary e sua bizarra família: as festas sempre pontuadas pela bisonha imitação que o pai insiste em fazer de Charles Aznavour, as brigas entre irmãos e, principalmente, sua angústia por ter, desde pequeno, tendências homossexuais que ele reprime com todas as forças. Premiado como melhor filme canadense no Festival de Toronto de 2005.

Uma sensível e engraçada história de autodescobrimento, onde o próprio protagonista pontua seus momentos mais marcantes - desde o dia do nascimento até a idade adulta. Nessa jornada, acompanhamos suas desilusões infantis, sexualidade reticente e seu caminho para conquistar não apenas o respeito dos pais e irmãos, mas também para se destravar e aceitar com a cabeça as escolhas que já fez há tempos no coração. É doloroso constatar que, numa família onde ninguém parece normal, sempre se elege um coitado para receber a descarga das frustrações de todos os demais. E o grande acerto do filme é nunca perder de vista o tom irônico: todas as vezes que a história ameaça resvalar um pouco para o dramalhão, logo em seguida acontece uma virada bem-humorada. Outro detalhe muito legal é a caracterização das diferentes épocas, bem demarcada pelas mudanças não apenas no visual mas também no gosto musical do protagonista. E a explicação para o título do filme – que não é simplesmente por causa da loucura dos personagens – é impagável.

Amigas com Dinheiro

A rica Franny, sempre à frente de causas sociais, vive um casamento de sonho e tem uma família perfeita. A confusa Christine escreve roteiros em parceria com o marido, mas os dois vivem às turras. A irritada Jane, uma estilista de sucesso, é casada com um inglês obviamente gay. Já Olivia é considerada a ovelha negra dentre as amigas: além de ser a única solteira, está em meio a uma grave crise financeira e profissional. O fato de ter abandonado o magistério para trabalhar como faxineira deixa suas amigas perplexas e até mesmo envergonhadas. Para piorar, ela começa um romance com um espertalhão que não assume a relação e ainda fica com parte do seu pagamento.

Através desses quatro personagens básicos, o filme faz uma radiografia - nada animadora, diga-se de passagem - da mulher dos dias de hoje. Com muito bom humor, diálogos inteligentes e boas interpretações – em especial de Frances McDormand, que dá um show com sua personagem eternamente de mal com a vida. Jennifer Anniston, embora ainda carregue o estigma da Rachel de Friends, também está ótima. Jennifer é o tipo de atriz que, ao invés de se adequar aos papéis, precisa buscar papéis que se adequem a ela. E esse lhe cai como uma luva. Amigas com Dinheiro é como se fosse uma versão alternativa do seriado Sex and the City com menos glamour e mais realidade. É fácil se reconhecer em mais de uma das situações mostradas. É fácil se identificar com as personagens. Assistir ao filme acaba equivalendo a uma boa terapia.

Candy
Usuários de drogas pesadas, a pintora Candy e o poeta Dan vivem entre o céu e o inferno: jovens, talentosos e apaixonados, porém sempre na miséria. Chegam ao ponto de Candy se prostituir para manter o vício do casal. Participou da competição oficial do Festival de Berlim de 2006.

Candy é, sem dúvida, um bom filme. Sensível, bem-escrito, lindamente interpretado e dirigido com competência. Seu único problema é ser muito parecido com outros filmes que já foram feitos sobre usuários de drogas. Longe de ter a ousadia estética de um longa como Réquiem para um Sonho, o filme acaba soando como o remake de uma história que já foi mostrada antes. Mas vale a pena conferir o trabalho maduro de Heath Ledger, que prova ser um ator cuja indicação ao Oscar não fez mal. Longe de se tornar acomodado, o cara embarcou numa viagem totalmente diferente e tão radical quanto o caubói gay de Brokeback Mountain. O destaque fica para a comovente cena do casal com o bebê no quarto de hospital.

2:37

Numa escola secundarista na Austrália, algo de terrível acabou de acontecer a portas fechadas. A partir desse fragmento de informação, o filme retrocede para esmiuçar os traumas secretos de alguns dos alunos e revela conflitos envolvendo relações amorosas, homossexualismo, drogas, abuso sexual, negligência familiar. O filme, inspirado em fatos da vida do diretor, foi exibido na mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes 2006.
Nos primeiros minutos de projeção, bateu a apreensão: seria mais um filme ruminar o massacre de Columbine? Para reforçar e piorar essa impressão, o diretor copia descaradamente os maneirismos de câmera e o estilo fragmentado de Elefante. Desnecessariamente. Felizmente, essa má impressão inicial vai se desfazendo ao longo da história, conforme 2:37 começa a decolar e ganhar autonomia. E aí a trama passa a se assemelhar àquele jogo de tabuleiro Detetive: quem seria o aluno que cometeu uma loucura? Todos tinham fortes motivos para se desesperar. A surpreendente resolução deixa claro que, na verdade, qualquer pessoa pode estar num momento em que um fato corriqueiro seja a gota d’água. Este é um filme que só pode ser analisado como um todo, considerando que algumas engrenagens só se movem ao final da história. Um exemplo disso são as inserções de depoimentos, que parecem aleatórias mas ganham sentido no desfecho. Também é interessante notar que os traumas causados pelo excesso de competitividade dos adolescentes, que atinge seu grau máximo na crueldade do ambiente escolar, não é exclusividade dos americanos.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Fonte da Vida


O projeto de Fonte da Vida começou a ser desenvolvido em 2002, tendo Brad Pitt e Cate Blanchett à frente do elenco. Um belo dia, mais de dois anos após o início dos trabalhos, surgiram as chamadas diferenças criativas entre o astro e o cineasta Darren Aronofsky. Tendo perdido sua principal garantia de gordas bilheterias, o diretor sofreu o desgosto de ver seu projeto de estimação cancelado pelo estúdio. A solução encontrada por Aronofsky para salvar a produção foi refazer o roteiro, cortando o supérfluo e enxugando o que fosse dispendioso em excesso. E assim o filme, que inicialmente estava orçado em 90 milhões de dólares, acabou tendo quatro anos depois um custo bem modesto para os padrões americanos: 35 milhões. No lugar de Pitt e Blanchett, foram escalados Hugh Jackman e Rachel Weisz - esposa do diretor e premiada com um Oscar por O Jardineiro Fiel.

Fonte da Vida é uma viagem psicodélica que se desenvolve em três eras distintas: no século XVI, quando o conquistador espanhol Tomás se embrenha nas selvas da Guatemala em busca da Fonte da Juventude como arma para salvaguardar o reinado de sua idolatrada rainha; no século XXI, enfocando um cientista obcecado em descobrir a cura para o câncer que corrói impiedosamente sua amada esposa; e no século XXVI, quando um desdobramento desse mesmo homem vaga pelo espaço ainda em busca de respostas que acalmem seu irrequieto coração. As três narrativas sofrem interseções em diversos pontos, assim como as três manifestações desse personagem - guerreiro, cientista e viajante - buscam, de diferentes formas e por diferentes motivações, um modo de parar o tempo e vencer a morte.

A subjetividade talvez seja o que há de mais fascinante em Fonte da Vida: é um filme mais para ser sentido, experimentado, do que propriamente entendido. Pelo menos, não em seus mínimos detalhes. Muitas coisas dão margem a interpretações pessoais. Não por alguma falha no roteiro e sim por colocar as situações em termos metafísicos. Tomás, Tommy e Tom são, de fato, o mesmo homem ou apenas simbolizam que o desejo de desafiar o destino é constante através dos tempos? Seriam eles arquétipos da negação humana diante do inevitável? Afinal, morrer faz parte do ciclo da vida e, em muitas culturas, tal transição simboliza tão-somente um renascimento. É especialmente triste a situação de Tommy Creo, o cientista dos dias atuais. O personagem está tão determinado em encontrar uma cura para a doença da esposa que gasta o escasso tempo que poderia passar ao lado dela afundado em seus desesperados experimentos. Embora a trama se estenda por um período de mil anos, é justamente contra o tempo que correm os personagens. Todas as histórias - que podem ser encaradas como uma só - são centradas em um homem que se revolta por não aceitar a perda de quem ama. E o tempo é sempre um fator determinante contra ele. Esse método peculiar de criar universos independentes e uni-los, convergindo para uma conclusão em comum, lembra um pouco a estrutura dramática de As Horas.

O principal problema de apostar numa abordagem tão etérea é dar ao espectador a impressão de que o filme, deslumbrante visualmente, tem pouco a dizer. Neste ponto, devo confessar ao caro leitor que tive essa sensação num primeiro momento. Mas, ao ver o longa pela segunda vez, tive uma nova percepção que, de alguma forma, me passou despercebida anteriormente. Tudo se resume a isso, no final das contas: ser tocado ou não por essa odisséia milenar em busca de vida, sabedoria e amor.

Embora os efeitos especiais - pontuados por uma bela trilha musical - sejam a primeira coisa que salta aos olhos, é a interpretação competente de Hugh Jackman e Rachel Weisz que dá sustentação ao filme. Jackman já provou que não vai ficar o resto da vida colhendo os louros do sucesso do Wolverine da série X-Men e vem se mostrando a cada dia mais versátil. E Fonte da Vida é uma bela amostra disso, especialmente pelo modo como o ator diferencia os diversificados estados de espírito de suas três encarnações. Uma atuação segura e apaixonada, como convém à história contada pelo longa. A também ótima Rachel Weisz ilumina a tela com seu sorriso doce, fazendo um contraponto radiante ao sombrio e atormentado companheiro. Podemos notar que a imagem da atriz está sempre destacada, clara, idealizada, enquanto o personagem de Jackman é mantido nas sombras. O que abre mais uma possibilidade: seria ela, a mulher amada, a verdadeira fonte da vida deste homem?

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Seabiscuit e a Reconstrução do Sonho Americano


A recente e histórica eleição de Barack Obama e a crise econômica que afeta os States me parecem uma dica para rever Seabiscuit, ambientado na época da grande depressão americana. Confesso que há cinco anos, quando ouvi falar do filme pela primeira vez, a produção me despertou interesse zero. Ainda que baseado numa história real, me pareceu ser mais um filme maniqueísta e concebido dentro do batido clichê “mocinho que supera obstáculos e alcança seus objetivos”. O tema, corridas de cavalos, também não atraiu muito. Todo esse preconceito só tornou minha surpresa maior quando algumas semanas depois, vencida pelas ótimas críticas, resolvi assisti-lo.

Muitas vezes, estar errada pode ser uma agradável surpresa. Antes de mais nada, Seabiscuit não é um filme sobre corridas de cavalos. Também não é um filme sobre cavalos. É mais sobre vidas, sejam elas humanas ou animais. A época é a grande depressão dos anos 30 e a trama nos apresenta a três personagens: o milionário da indústria automobilística Charles Howard perdeu o filho num acidente com um de seus carros, o que acabou levando a esposa a abandoná-lo; o misto de caubói e treinador Tom Smith tem grande talento no trato com os animais, mas é considerado maluco pelos seres humanos; e John “Red” Pollard, cuja família ficou na miséria, adora cavalos e quer ser jóquei, embora seja corpulento demais. Enfim, três homens massacrados pela vida que o diretor Gary Ross usa como simbologia de uma nação falida e desesperada.

É então que eles se unem em torno de um quarto candidato a perdedor: o cavalinho Seabiscuit que, a despeito de ser cria de um grande campeão, foi tachado desde cedo de imprestável. Seabiscuit era pequeno e tinha as patas tortas, além de comer muito e ter fama de preguiçoso. Para completar o quadro, os maus-tratos constantes o deixaram rebelde e arredio. Desacreditado, foi treinado para correr com cavalos melhores e deixar que ganhassem. Apesar disso, Tom Smith enxerga nele um campeão e convence Charles Howard a comprá-lo, o que acarreta um novo problema: ninguém conseguia montar o cavalo. É então que entra no circuito Red Pollard e o relacionamento entre estes dois enjeitados, associado à perseverança e trabalho duro dos envolvidos, se transforma na receita de sucesso perfeita.

O roteiro foi baseado no livro Seabiscuit - Nascido para Ganhar, de Laura Hillenbrand, que narra como a trajetória de Seabiscuit apaixonou o povo, já que representava a reconstrução de suas próprias vidas e a esperança de que era possível sair do atoleiro em que o país se afundara. Mas talvez o conceito mais importante seja o de que é possível dar uma segunda chance a quem falha. E os americanos, mais do qualquer nação, têm dificuldade em encarar o fracasso como algo reversível. Toda a filosofia do filme pode ser compactada na fala do treinador Tom Smith: “Não se joga fora uma vida inteira por causa de um problema”. Em seu livro, Hillenbrand afirma que, na época, se escreveu nos jornais mais sobre Seabiscuit do que sobre o presidente Franklin Roosevelt.

Além da emotiva história com ares de conto-de-fadas, grande parte do encanto de Seabiscuit vem de seu elenco afinado. Os protagonistas, que o roteiro acertadamente apresenta em separado antes de seu encontro, nos conquistam com suas sofridas histórias. Sendo assim, quando eles se juntam num objetivo comum já têm a torcida da platéia. Chris Cooper - o militar enrustido de Beleza Americana e vencedor do Oscar de ator coadjuvante por Adaptação - está perfeito, mais uma vez, como o sábio Tom Smith. Jeff Bridges, que com a maturidade se tornou um bom ator, também tem atuação bem eficiente nas diversas facetas do milionário Howard. É preciso destacar também o hilário locutor de turfe interpretado por William H. Macy. E por último, mas não menos importante, temos Tobey Maguire. Mesmo tendo alcançado o estrelato no ano anterior ao vestir a malha do Homem-Aranha, foi em Seabiscuit que o ator de grandes olhos azuis finalmente pôde provar ao mundo que sabe interpretar. Sua atuação como o jóquei John “Red” Pollard, um enjeitado que encontra a redenção no relacionamento com o cavalo que dá título ao filme, é intensa, comovente e também contida – como convém a um personagem tão ferido. Um belo trabalho.

Algumas curiosidades: Seabiscuit foi “interpretado” por 10 cavalos diferentes. Já o jóquei George Woolf, amigo de Red Pollard, foi vivido por Gary Stevens, um campeão do turfe na vida real. Aos que nunca se interessaram pelo filme, uma dica: não caiam no mesmo erro que eu incorri ao subestimar a produção. Assim como o animal que o inspirou, Seabiscuit, o filme, é muito mais do que aparenta à primeira vista.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Che em São Paulo

Os astros Benicio Del Toro e Rodrigo Santoro conversaram com a imprensa hoje a respeito de Che, longa de Steven Soderbergh que fecha a 32ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. O filme, que estava sendo aguardado para o Festival do Rio e acabou não dando as caras por aqui, tem mais de quatro horas de duração e só deve chegar aos cinemas brasileiros em 2009, dividido em duas partes. A primeira enfoca o papel de Che na Revolução Cubana; a segunda, sua trajetória na Bolívia, para onde foi com o intuito de fomentar uma grande revolução e acabou assassinado. Benicio Del Toro já está sendo apontado como forte candidato ao Oscar de melhor ator do próximo ano. Já Rodrigo Santoro interpreta Raúl Castro, irmão de Fidel e atual presidente cubano.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Conversas com Almodóvar

O livro, escrito a partir de entrevistas que o cineasta espanhol concedeu ao crítico de cinema Frédéric Strauss ao longo de uma década, traz em sua contracapa uma advertência pra lá de verdadeira: “Depois de ler Conversas com Almodóvar, o leitor terá vontade de rever os filmes aqui comentados”. É a mais pura verdade, ler Almodóvar falando sobre seus filmes é simplesmente apaixonante e o desejo de rever seus filmes sob sua ótica vem num impulso imediato. Depois de ler o livro, me peguei curiosa para dar uma nova conferida até mesmo nos longas que não são meus preferidos, justamente por ter ficado com uma nova impressão deles através da percepção plena de significados mostrada pelo autor.

Mas Almodóvar vai além de dissecar os dezesseis longa-metragens que realizou em vinte e seis anos: o cineasta discorre sobre sua vida, família, iniciação na sétima arte, influências e até relacionamento com os atores. Ficamos sabendo, por exemplo, detalhes sobre as dificuldades de Gael García Bernal para atuar travestido de mulher em Má Educação e também sobre o deterioramento da longa parceria entre Almodóvar e sua musa Carmen Maura. Outro aspecto interessante é o fato de Almodóvar não possuir uma educação formal na área de cinema e, a despeito disso, conhecer tão profundamente cada etapa da realização de um filme, da elaboração do roteiro a detalhes minúsculos a respeito da cenografia ou do figurino.

Mais do que tudo, o leitor sente em cada declaração a paixão e sinceridade com que Almodóvar vivencia sua arte, nunca colocando as conveniências comerciais acima de sua visão artística privilegiada. Leitura obrigatória para qualquer um que se considere amante não apenas do cinema, mas de qualquer expressão artística.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Zodíaco

Por mais que a imaginação humana seja capaz de inventar perversões, não existe história de horror mais impressionante do que a realidade. O serial killer conhecido como o Zodíaco aterrorizou São Francisco por décadas, sem que nunca se tenha chegado a uma conclusão satisfatória sobre sua identidade. Um mistério tão intrigante quanto o de Jack, o Estripador e que perdurou por muito mais tempo, já que o assassino zombou da polícia e da imprensa por anos a fio. O mais desconcertante no Zodíaco é que, ao contrário da maioria dos serial killers, ele não seguia um padrão rígido. Seus assassinatos não eram ritualisticamente repetidos nos mínimos detalhes. Ele parecia estar mais interessado em confundir as autoridades e provar a própria esperteza de que propriamente em seguir padrões. Por isso, o número de vítimas nunca será conhecido com exatidão.

Tudo começa em 1969, quando três jornais recebem três diferentes cartas, cada uma contendo parte de uma mensagem cifrada. O autor, que se auto-intitula “O Zodíaco”, fornece detalhes só conhecidos pela polícia sobre o assassinato de três pessoas e a tentativa de homicídio de uma quarta e exige que as cartas sejam publicadas, do contrário mais pessoas morreriam. Mesmo tendo seu desejo atendido, as mortes e as cartas se multiplicam, deixando cidadãos em pânico e autoridades desnorteadas. David Toschi, detetive responsável pelo caso, vira celebridade, assim como o repórter Paul Avery. Mas é Robert Graysmith, um tímido cartunista que trabalha no mesmo jornal que Avery, quem chega mais perto de solucionar o caso. Recentemente, li o livro de Graysmith que relata minunciosamente a cronologia dos assassinatos, bem como o rumo das investigações policiais e suas próprias pesquisas para o livro. A leitura por vezes pode ser pesada por seu excesso de detalhamento, mas sem dúvida é um trabalho intrigante e completíssimo. Zodíaco, o livro, também me fez reavaliar o filme homônimo realizado em 2007.

Com uma história dessas e um nome como David Fincher na direção, a expectativa a respeito do filme era das maiores. Afinal de contas, à frente do projeto estava o cara que revitalizou o gênero com o cultuadíssimo Seven – Os Sete Crimes Capitais e ainda dirigiu o surpreendente e polêmico Clube da Luta. Este foi o terceiro filme feito sobre o Zodíaco: os anteriores foram The Zodiac Killer, de 1971 (o filme deve ser muito ruim, já que o diretor Tom Hanson encerrou a carreira por aí) e O Zodíaco, de 2005. Sem contar Perseguidor Implacável (primeiro dos filmes de Dirty Harry), também de 1971, que mostra Clint Eastwood caçando um serial killer que ataca em São Francisco chamado Scorpio.

A idéia inicial para a nova versão era criar uma ficção em cima dos fatos relatados por Robert Graysmith no livro. Mas quando o roteirista James Vanderbilt e o produtor Bradley Fischer, dois apaixonados pela história, conseguiram os direitos do livro, acabaram optando por uma adaptação fiel. O que criou um problema de ordem dramatúrgica, já que, como a identidade do Zodíaco nunca foi confirmada e o principal suspeito nem chegou a ser preso, não existe exatamente um desfecho para a trama.


O filme é muito bom até a metade, quando o ritmo fica arrastado e o espectador tem a impressão de que pouca coisa está acontecendo na tela. Perto do final, ganha fôlego novamente. Não é que o longa tenha um grande defeito, é mais uma falha em segurar a atenção do espectador – como Seven faz ao longo de toda a projeção. O que nos leva à questão que seria, no final das contas, a grande deficiência do filme: Zodíaco tem 158 minutos. Nada contra filmes longos, desde que tal duração seja justificada. Não é. Daí a sensação de quebra no ritmo narrativo. O que é uma pena, porque fora isso o filme tem todos os elementos certos: uma história interessantíssima, um clima de suspense bem estabelecido e trilha sonora caprichada. Sem contar o elenco de primeira, encabeçado pelos ótimos Jake Gyllenhaal (Robert Graysmith) e Robert Downey Jr. (Paul Avery). Rodado com câmeras digitais de alta definição e com um orçamento de US$ 85 milhões, era para ser o thriller do ano. Não foi isso tudo, mas o saldo final ainda pende para o positivo. Vale reservar um tempinho (ou melhor, um tempão) para conferir a produção.