sexta-feira, 25 de julho de 2014

Planeta dos Macacos – O Confronto


A série de filmes Planeta dos Macacos vem assustando os humanos desde 1968, quando foi lançado o filme original estrelado por Charlton Heston. Baseada no livro do francês Pierre Boulle, a trama é ambientada em um planeta (que posteriormente descobrimos ser a Terra em um tempo futuro) onde macacos são a raça dominante. A nova franquia, iniciada há três anos com Planeta dos Macacos – A Origem, não é um remake, mas sim de uma prequel, ou seja, os filmes se situam em um momento anterior e mostram como aconteceu a ascensão dos macacos ao poder.

No longa de 2011 foi visto como as experiências do cientista Will Rodman possibilitaram o inacreditável desenvolvimento do chipanzé Caesar, que conseguia se comunicar através da linguagem de sinais e, posteriormente, até mesmo falar. Embora tratado com respeito por Will, Caesar era para todas as demais pessoas um mero animal. Daí à revolta foi um pulo e a trama se interrompe quando Caesar parte para viver em companhia de seus iguais. Nesta sequência, a população humana foi drasticamente reduzida devido a um vírus chamado de “gripe símia”. Os poucos sobreviventes enfrentam um cenário apocalíptico enquanto a sociedade símia, ainda liderada por Caesar, cresceu e prosperou. A possibilidade de gerar energia através de uma usina que se situa justamente onde vivem os macacos pode desencadear uma guerra se as espécies não encontrarem o caminho do diálogo.  


O filme funciona em dois níveis e, portanto, tem atrativos para agradar tanto aos que buscam puro entretenimento quanto àqueles que procuram no cinema uma reflexão mais elaborada. As muitas cenas de ação e os efeitos especiais espetaculares não ofuscam a interessante e até mesmo irônica discussão sobre uma sociedade animal que se desenvolve a ponto de se tornar tão parecida com a humana que o que antes era considerado evolução logo passa a significar involução, fazendo nascer nos símios sentimentos até então inéditos como traição, inveja e ambição.

Caesar não é um líder fanático. Devido a seu histórico, ele entende que há humanos bons e sabe reconhecer quando está diante de um. O que ele não podia conceber é a outra face da moeda, ou seja, o fato de haver macacos malignos. Ainda que o filme trabalhe com personagens um pouco maniqueístas e deixe tudo muito preto no branco, essa falta de tonalidades de cinza nos personagens é compensada pelo roteiro vibrante de Mark Bomback, Rick Jaffa e Amanda Silver e pela direção eficiente de Matt Reeves, o mesmo diretor de Cloverfield e Deixe-me Entrar.


Os efeitos especiais e a direção de arte são ótimos, como não poderiam deixar de ser, embora este seja mais um filme que poderia ter sido realizado em 2D sem nenhum tipo de prejuízo à sua grandiosidade. Mas ok, talvez essa seja uma evolução/involução da qual o blockbusterdos dias de hoje não consiga mais prescindir. Por último, mas não menos importante, é preciso destacar o trabalho excepcional de Andy Serkis, que mais uma vez põe suas expressões faciais a serviço de um personagem digital. O ator, que já havia impressionado “nos papéis” de Gollum (de O Senhor dos Anéis) e King Kong, emociona ainda mais como Caesar e a intensidade de seu olhar atinge o espectador a ponto de fazê-lo acreditar que tem diante de si um verdadeiro milagre evolutivo. 

quarta-feira, 16 de julho de 2014

O Melhor Lance


Giuseppe Tornatore, que ganhou um Oscar e o mundo com o seu Cinema Paradiso em 1988, é conhecido, sobretudo, por seus filmes delicados e que retratam a perda da inocência. Neste filme, o cineasta siciliano surpreende ao criar uma trama de ares hitchcockianos sobre um leiloeiro excêntrico e arredio que se deixa arrastar para um surreal jogo de sedução. La Migliore Offerta (no original) é uma produção italiana falada em inglês e com elenco internacional, com destaque para Geoffrey Rush, Donald Sutherland e Jim Sturgess.

Virgil Oldman é o melhor no que faz: profundo conhecedor de arte, é capaz de distinguir o falso do autêntico logo em um primeiro exame. Metódico, trata a vida privada com a mesma assepsia dedicada ao trabalho, mas sua até então inabalável rotina é alterada por uma mulher misteriosa. Claire tem um imenso acervo para vender, mas revela-se uma cliente irritável e imprevisível. Devido a uma extrema fobia social, comunica-se com Virgil só por telefone, bilhetes ou através de uma porta fechada. A princípio ele se exaspera, mas logo começa a sentir uma inesperada afinidade com aquela estranha mulher. Não deixa de ser significativo que o homem que construiu uma barreira imaginária a seu redor se desarme justamente diante de alguém que lhe impõe a distância física.  

É bem verdade que Tornatore já havia flertado com o thriller no (ótimo) Uma Simples Formalidade e no (nem tão bom) A Desconhecida, mas o gênero não costuma ser associado ao estilo cheio de lirismo e sentimento do diretor. Também este filme tem sua poesia, mas de modo menos explícito. O Melhor Lance é um filme de dualidades. Concreto e abstrato. Original e cópia. Luz e sombra. Procura e oferta. O mundo da arte, com seus valores atribuídos e conceitos subjetivos, funciona como um pano de fundo bastante apropriado. Verdadeiro e falso permeiam toda a estrutura do filme, acrescentando um subtexto instigante. Contexto enriquecido lindamente pela trilha sonora do genial Ennio Morricone, cuja parceria com Tornatore vem desde Cinema Paradiso e já dura mais de 25 anos.


Curiosamente, a grande reviravolta do filme constitui justamente o trecho de maior fragilidade do roteiro. Os melhores lances se encontram antes, em seu desenvolvimento: na atmosfera romântica da mansão decadente, na sedução que ocorre através de frestas e portas fechadas, na cuidadosa composição de um Geoffrey Rush cada vez mais requintado, enfim, em toda a preparação para o clímax que antecede o desfecho. Ainda que essa meia hora final esteja aquém do restante, podemos dizer que ¾ do filme funciona às maravilhas. Em todo caso, é sempre revigorante ver um cineasta com um estilo consagrado arriscar-se fora de sua zona de conforto. Ao contrário do que ocorreu com Baarìa, que, mesmo sendo mais equilibrado, resultou em um filme “morno”.
  
O filme venceu cinco prêmios David di Donatello em 2013 (filme, diretor, trilha sonora, figurino e cenografia) e chega aos nossos cinemas com um ano e meio de defasagem.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Viva a Liberdade


Pessoas que trocam de lugar e passam a ver a vida pelos olhos uma da outra é um argumento recorrente na sétima arte. No caso de Viva a Liberdade, não foi preciso nenhum tipo de acontecimento mágico, já que os personagens em questão são gêmeos idênticos. Enrico é secretário geral do principal partido de oposição e sente-se pressionado tanto pela população quanto por seus correligionários. A crise existencial torna-se tão forte que ele resolve sair de circulação e tirar um tempo para si, deixando todos os seus aliados políticos desesperados. Sua esposa Anna e seu assessor Andrea optam por uma solução radical: convencer o irmão gêmeo Giovanni a fazer algumas aparições públicas como Enrico e, desse modo, ganhar tempo. Mas Giovanni, carismático poeta e filósofo recém-saído de um tratamento psiquiátrico, tem seus próprios planos e ideias.

O grande atrativo do filme não está em seu argumento e sim no modo como ele é tratado. Embora a sinopse leve a crer tratar-se de uma comédia, Viva a Liberdade segue uma abordagem bastante diversa e mostra-se um filme inteligente e reflexivo sobre temas como exercício do poder e escolhas pessoais. O bom humor está presente, é claro, mas sempre a serviço de uma crítica mais profunda. Outro ponto interessante é o modo como o roteiro se abstém da clássica oposição entre protagonista e antagonista. Cada personagem mostra-se bastante complexo e além do reducionismo de ser mocinho ou vilão.


Diretor e co-roteirista, Roberto Andò é também o autor do romance Il Trono Vuoto (O Trono Vazio), no qual se baseia o filme. Destacam-se, ainda, a sobriedade e elegância com que Andò conduz toda a trama, além dos diálogos sempre oportunos, abrilhantados pelo ótimo desempenho de todo o elenco.

Toni Servillo é considerado há muito tempo um dos grandes atores de seu país, embora só tenha alcançado projeção mundial com o sucesso de A Grande Beleza. Aliás, a chegada de Viva a Liberdade aqui no Brasil provavelmente se deve a isso, já que o lançamento deste filme na Itália é anterior ao do longa de Sorrentino. Em todo caso, Servillo mais uma vez demonstra ser um ator de grande talento e versatilidade ao interpretar não somente irmãos de personalidades diversas, mas também o desdobramento de um se passando pelo outro.

Vale destacar, ainda, o trabalho de Valerio Mastandrea, outro excelente ator italiano pouco conhecido aqui no Brasil. Valerio, que foi premiado com dois David di Donatello no ano passado (melhor coadjuvante por este papel e melhor ator por Gli Equilibristi), expõe com delicadeza as indecisões e fragilidades por trás de um assessor político que tenta ser uma fortaleza diante dos outros, mas, em seu interior, se encontra perdido e precisando desesperadamente de algo no qual acreditar. Especialmente significativa é a cena em que ele confessa ao carismático gêmeo do patrão: “no senhor eu votaria”.


Viva a Liberdade venceu, ainda, o David di Donatello de melhor roteiro. Apesar de contextualizado no universo político italiano, as suas reflexões não se limitam a ele e o público brasileiro com toda certeza poderá se identificar com este belo filme. 

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Vic + Flo Viram um Urso


Exibido no Festival do Rio do ano passado, este foi um daqueles filmes que entraram na programação desta que vos escreve sobretudo devido ao título curioso. E “curioso” realmente é um adjetivo que se aplica a este filme. Vic é Victoria e acaba de receber a condicional aos 61 anos. Buscando uma vida nova, ela vai morar na casa de um parente inválido em um local ermo, no meio da floresta. Quem não fica muito satisfeita com o arranjo é sua namorada Florence (a Flo), também ela uma ex-detenta. Mas, apesar das intervenções de Guillaume, um agente de condicional meio enxerido, a vida das duas começaria a entrar nos eixos não fosse o aparecimento de uma misteriosa ameaça do passado.

O filme parte de um argumento que já foi bastante explorado com personagens masculinos, o do malfeitor que tenta a todo custo deixar a vida criminosa para trás, mas sempre tem que se deparar com assuntos pendentes ou pessoas que não querem deixá-lo em paz. O estranho deste filme não é seu tema e sim o modo como tudo é realizado de modo incrivelmente bizarro. Ao longo da projeção, o público ri diversas vezes; mas sempre pelos motivos errados. Ao final, fica difícil concluir qual era a intenção do diretor Denis Côté. Até mesmo as atrizes protagonistas, Pierrette Robitaille e Romane Bohringer, parecem atuar no piloto automático. Somente Marc-André Grondin, que interpreta o oficial de condicional, ainda dá um pouco de credibilidade à trama.

Mas não é só. O filme é cheio de esquisitices inexplicáveis, a começar pela vilã caricata que nunca usa sutiã. Outra coisa que irrita progressivamente é a trilha sonora com tambores ensurdecedores todas as vezes que a malvada entra em cena. E o que dizer de seu capanga violentíssimo que em determinada cena começa a tocar um violãozinho? Tudo muito estranho, mas pode agradar a quem estiver buscando exotismo a todo preço.