quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Longas italianos do Festival de Veneza com entrada franca


Em sua 9ª edição, a Mostra Venezia Cinema no Brasil traz ao Rio de Janeiro uma seleção de filmes italianos apresentados durante a 70ª edição do Festival de Veneza. Cinco dos seis filmes escolhidos representam um panorama da produção cinematográfica contemporânea italiana, com destaque para o vencedor do Leão de Ouro, Sacro Gra; o sexto é Le Mani Sulla Città, vencedor do Leão em 1963 que também foi exibido no Festival desse ano em cópia recém-restaurada.  

A Mostra vai de 6 a 11 de novembro e os filmes serão exibidos sempre às 19h30 no Espaço Itaú de Cinema (Praia de Botafogo, 316). A entrada é franca, com ingressos distribuídos por ordem de chegada. Confiram abaixo a programação:

Quarta, dia 6 – Sacro Gra, de Gianfranco Rosi 
Quinta, dia 7 – Via Castellana Bandiera, de Emma Dante 
Sexta, dia 8 – Piccola Patria, de Alessandro Rossetto
Sábado, dia 9 – Bertolucci on Bertolucci, de Luca Guadagnino e Walter Fasano
Domingo, dia 10 – Le Mani Sulla Città, de de Francesco Rosi
Segunda, dia 11 – L'intrepido, di Gianni Amelio

domingo, 27 de outubro de 2013

Bologna: gastronomia e história caminham juntas

Vista da Piazza del Nettuno

Gastronomia e história convivem lado a lado na capital da Emilia Romagna. A Universidade de Bologna é considerada a mais antiga do mundo, tendo sido fundada em 1088. Por conta desse prestígio milenar, até hoje a cidade atrai jovens não somente de todas as partes da Itália, mas do mundo inteiro, o que torna o centro de Bologna sempre muito movimentado e vibrante. Só que os seus encantos vão além das muitas lojas e bares. A primeira coisa a chamar a atenção na cidade é a sua cor: enquanto a maioria das cidades italianas pende para o amarelo, Bologna é vermelha. Suas construções góticas, com janelas em ogiva, e o tom predominantemente escarlate lhe dão um aspecto fascinante e dramático.

Exemplo da típica arquitetura gótica dominada por tons vermelhos

Contra o céu recorta-se a inconfundível silhueta das chamadas duas torres, cujas origens remontam ao século XII. A maior, a Torre degli Asinelli, é aberta a visitação e tem 97,2 metros de altura. Do alto dela, é possível ter uma vista completa do centro. Bem a seu lado está a Torre Garisenda, que foi erguida devido a uma disputa de poder entre os Asinelli e os Garisendi, mas terminou como uma humilhação para esses últimos, já que a torre, tendo ultrapassado sessenta metros, começou a inclinar-se perigosamente. Os trabalhos foram interrompidos e, posteriormente, ela teve que ser reduzida – ficando com a altura atual de 48 metros. Vale mencionar que também a Asinelli tem uma leve inclinação. Dante Alighieri, que estudou direito na Universidade de Bologna, ficou tão impressionado com a história que depois citaria a torre na sua Divina Comédia – mais especificamente, nas linhas 136 a 138 do 31º cântico do Inferno: “Como acontece olhando a Garisenda debaixo do pendor – se lhe abeira uma nuvem, parece que mais penda”.    

A Torre degli Asinelli (à direita) ao lado da "baixinha" Garisenda (à esquerda)

No que diz respeito à gastronomia, a cidade é famosa por seus pratos de massa, que vão desde a clássica lasagne alla bolognese a especialidades como os tortellini ou o tagliatelle al ragu. No entanto, não procure por lá o prato que mais vemos nos restaurantes italianos fora da Itália: o spaghetti alla bolognese foi inventado no exterior e não tem nada a ver com a cidade que leva seu nome. De qualquer modo, é bom evitar os locais com cara muito turística e comer em uma pequena trattoria, ou seja, onde comem os italianos de fato. A Trattoria Fantoni é uma boa pedida: comida caseira, bom preço e a poucos minutos da Piazza del Nettuno (Via del Pratello 11, para chegar basta pegar a Via Ugo Bassi em frente à praça). O ambiente é simples, mas o leque de opções vai da já citada lasanha a especialidades mais exóticas como a bisteca de cavalo. Ali perto, na Via Monte Grappa 11, se localiza a Gelateria Gianni, cujos sabores vale a pena conhecer.

"Tortellini feito por vocês para enganar os maridos". Massa fresca e bom humor nos cartazes

Com o paladar satisfeito, falemos um pouco mais de história e cultura geral. Como em toda cidade italiana, o centro nervoso de Bologna se expande a partir de uma praça principal. Neste caso, são duas praças adjacentes que convergem para um enorme espaço: a Piazza Maggiore e a Piazza del Nettuno, onde reina soberana uma Fontana adornada com uma bela escultura do deus dos mares, obra do célebre Giambologna (mesmo artista de Il Ratto delle Sabine, citada no artigo sobre Firenze). No mesmo local se encontra a Basilica di San Petronio, que não pode ser plenamente admirada nas fotos porque passava por reformas na ocasião.

La Fontana del Nettuno, figura central da praça e ponto de encontro da juventude

À parte a beleza austera dos prédios que circundam o espaço – todos construídos em estilo gótico –, há, ainda, particularidades que não estão nos guias de turismo. O Palazzo Re Enzo, construído no século treze, guarda uma inexplicável curiosidade: em seu piso térreo existe um entroncamento de dois corredores onde duas pessoas podem se falar através das paredes sem que ninguém mais ouça. Isso mesmo, a voz é levada de um canto ao seu oposto e alguém passe pelo meio não escuta a conversa, somente as pessoas posicionadas no lugar correto. E mais: o artifício só funciona em quinas cruzadas, nunca perpendiculares. A explicação é que o prédio servia de confessionário em tempos de peste, quando seria perigoso que os sacerdotes se aproximassem dos enfermos.

Flagramos uma pessoa em um dos pontos, a outra (fora do alcance da lente) estava no canto que faz um "x" com ele

Se o visitante escolher o final de novembro para visitar a cidade, pode acrescentar a todos esses atrativos ainda o Cioccoshow, o festival de chocolate que acontece anualmente e reúne os maiores artesãos do setor em inúmeros stands espalhados em torno da Piazza del Nettuno. Esse ano o evento acontece entre os dias 13 e 17 de novembro.

Chocolate para todos os gostos, como não amar?

A visita que originou essa matéria contou com a ajuda inestimável de Flavio Criseo, um siciliano que migrou para Bologna há muitos anos e conhece como poucos os segredos da cidade. Grazie, Flavio!


Confiram abaixo algumas outras fotos:

Bologna vista do alto da Torre degli Asinelli

Mais uma visão das imponentes construções góticas que dominam o centro

A Basilica di San Petronio, com a fachada protegida devido a obras de restauração

Um recanto um pouco mais romântico

As duas torres... em chocolate!


quinta-feira, 24 de outubro de 2013

O Conselheiro do Crime


Depois da controversa sci-fi Prometheus, que frustrou muitas expectativas e gerou uma série de piadas com seu título (do tipo “prometheus, mas não cumpriu”), o cineasta Ridley Scott volta a fincar os pés na Terra com esse roteiro de Cormac McCarthy – romancista de Onde os Fracos Não Têm Vez, dentre outros. Também aqui toda a trama se desenrola a partir de uma decisão equivocada da parte de um dos protagonistas, o que desencadeia uma espiral de violência que atinge não somente ele, mas todas as pessoas à sua volta.

Michael Fassbender interpreta um advogado ambicioso e que flerta com o mundo do crime. Um dia ele resolve dar o passo definitivo e se envolve diretamente em uma transação criminosa que dá errado, aliás, muito errado. Ele quer consertar tudo e se explicar, mas o que ele percebe tarde demais é que, entre criminosos, não há segunda chance e basta um único passo em falso. Sem possibilidade de retorno, só lhe resta tentar escapar e proteger a esposa.


Um detalhe muito interessante é que o espectador fica sem saber o nome do personagem de Fassbender, já que este é chamado o tempo todo de Counselor (denominação dada aos advogados e que neste caso não significa exatamente “conselheiro”). É como se o personagem fosse uma mera peça no tabuleiro, com uma função, não importando para ninguém o seu nome e sim o que ele tem a oferecer.

O filme tem um desenvolvimento atraente, com personagens instigantes e um elenco estelar. Michael Fassbender, Javier Bardem (com a energia habitual e mais uma caracterização bizarra), Brad Pitt, Penélope Cruz e Cameron Diaz estão ótimos. Quem mais surpreende é Cameron, que aparece em cena com aspecto envelhecido e destilando veneno por todos os poros. Seu personagem é dúbio, felino e com uma maturidade que a atriz ainda não havia demonstrado antes. Também as cenas entre Fassbender e Bardem são excelentes, com seus diálogos cheios de sarcasmo. Uma curiosidade é o fato de Penélope e Javier, casados na vida real, não contracenarem em nenhum momento.


O grande problema do filme parece derivar do roteiro ser muito truncado em certas passagens. A trama evolui aos saltos, sem uma progressão fluente. A dinâmica entre certos personagens é pouco desenvolvida e há uma penca de situações que não se apresentam de forma clara, deixando o espectador com a impressão de que novos fatos serão revelados mais adiante – o que não acontece. 

Assim como ocorre no já resenhado Os Suspeitos, é o elenco azeitado que levanta a moral do filme, já que tampouco a direção de Scott parece inspirada. Atuações bacanas e uma série de diálogos espertos que levam a boas sequências, apesar da estrutura geral deixar um pouco a desejar.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Um Castelo na Itália


A italiana Valeria Bruni Tedeschi tem uma longa carreira como atriz, construída basicamente no cinema francês. Como diretora, este é seu terceiro longa-metragem e, a exemplo do anterior (Atrizes, 2006), Valeria dirige a si mesma interpretando uma atriz italiana radicada em Paris. Metalinguagem pouca é bobagem.

Neste Um Castelo na Itália Valeria é Louise Rossi Levi, atriz que abandonou a carreira e se sente dividida entre assuntos familiares e a paixão por um jovem ator. Pertencente a uma aristocracia falida e com seu único irmão à beira da morte, Louise tem que encarar em conjunto com ele e com a mãe decisões difíceis como se desfazer dos bens familiares para saldar dívidas. No âmbito amoroso, são contraditórios os sentimentos entre seu desesperado desejo de maternidade e a reticência do namorado Nathan em assumir o papel que ela exige dele.

Todos os personagens do longa são bastante exuberantes e muito exagerados em suas reações, abordagem que certamente é intencional da parte de Valeria. Ainda assim, o tom do filme é sempre tão teatral e superlativo que por vezes o espectador poderá ter a sensação de que isso ocorre não por opção dramatúrgica e sim pelo fato da diretora, roteirista e protagonista não se sentir totalmente à vontade com esse filme que, segundo ela mesma, teria inspirações autobiográficas. Ninguém está dizendo que é fácil mexer nas raízes familiares, mas, uma vez tomada tal decisão, mascará-la através da alegoria não soa como a mais corajosa das alternativas.


O filme tem no elenco seu ponto forte, com destaque para a presença sempre forte e expressiva de Filippo Timi. Já Valeria tem a seu lado algo que pode ser uma vantagem ou desvantagem, dependendo de como se encara a questão: a mãe de Louise é interpretada por Marisa Borini, sua mãe na vida real. Vale lembrar que Marisa também é mãe da cantora e ex-primeira-dama da França Carla Bruni – que não quis nem saber de se meter nessa produção familiar. Um charme a mais são as participações afetivas de Silvio Orlando e Omar Shariff.

Um Castelo na Itália foi exibido em competição no Festival de Cannes 2013. Ressalvas feitas, certamente é um filme simpático e que merece ser conferido. 

Observação: A estreia do filme no Rio de Janeiro acaba de ser convertida em pré-estreia (a partir de sexta, com duas sessões diárias). Confiram a programação do circuito para saber mais. 

Amor Bandido


Jeff Nichols, diretor deste Amor Bandido (Mud, no original), fez um grande sucesso no Festival do Rio de 2011 com seu filme anterior, O Abrigo. Teve muito cinéfilo que até o considerou o melhor do evento. Não era para tanto. O filme partia de um argumento bastante interessante sim, mas deixava um pouco a desejar em termos de ritmo narrativo. Característica que é ainda mais realçada neste novo trabalho do diretor. Mud, que é o nome de um personagem, mas também faz referência à lama da região pantanosa onde se passa a história, é centrado em dois garotos com deficiências familiares e afetivas que se envolvem com um foragido da polícia.

O impulsivo Ellis mora em uma construção ribeirinha ilegal e sofre não somente pela iminente separação dos pais, mas também pela perspectiva de desintegração de todo um estilo e vida, já que a mãe pretende levá-lo para viver na cidade. Já seu melhor amigo Neckbone, que muitas vezes é a voz da razão, é órfão e vive sob a tutela do tio alcóolatra e mulherengo. É nesse contexto que os garotos conhecem Mud, um homem procurado pela polícia que se esconde nas matas à espera de uma oportunidade de reunir-se com a garota que ama. Cheio de histórias, Mud convence os garotos a ajudá-lo com suprimentos e, mais tarde, a fazer contato com sua namorada Juniper. Neckbone a princípio não confia nele, enquanto Ellis se encanta de cara com sua aura de herói romântico. Só que a aventura pode custar caro, já que Mud não está sendo caçado somente pelas autoridades.


Os garotos Tye Sheridan (premiado no Festival de Veneza por seu trabalho em Joe) e Jacob Lofland impressionam nos papéis de Ellis e Neckbone, enquanto é uma grata surpresa voltar a ver Matthew McConaughey em um papel mais denso. Depois de uma série de comédias românticas e aventuras medianas, o ator já tinha acenado uma revisão na carreira há dois anos com Killer Joe e agora deixa claro que realmente está dando mais atenção aos papéis que escolhe para si. O que é ótimo, já que Matthew é um ator de talento que vinha desperdiçando a carreira no mesmo tipo “pegador-gente-boa” filme após filme. Também é revigorante e surpreendente ver Reese Witherspoon, o retrato da garota de classe média, em uma personagem decadente, de caráter dúbio e totalmente desprovida de glamour. O elenco coadjuvante conta, ainda, com nomes de peso como Michael Shannon (o ator-fetiche de Nichols) e Sam Shepard.


Considerando isso, Mud tinha tudo para ser um filmaço. Mas passado o trecho inicial e estabelecidas as relações entre os personagens, o filme começa a ficar tempo demais girando em torno dos mesmos conflitos. Com uma premissa poderosa e um desfecho digno, certamente essa “barriga” poderia ter sido facilmente resolvida com uma boa edição, ou seja, se Nichols simplesmente fizesse um filme mais curto. Por que insistir em um longa com 130 minutos de duração se a trama não apresenta recheio para tanto?

Noves fora, Mud é um filme acima de média e só reforça a primeira impressão de que Jeff Nichols é um cineasta de futuro, a cuja carreira devemos ficar atentos. Qualidades artísticas o moço tem de sobra, apenas esperemos que a concisão que lhe falta surja com a experiência. A estreia do filme, que deveria ter acontecido há meses, vem sendo adiada pelo seu distribuidor brasileiro. Agora ele se encontra em pré-estreia a partir desta sexta e esperemos que logo tenha uma carreira normal em circuito. 


sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Serra Pelada


O filme, que encerrou o Festival do Rio semana passada, leva para a telona a saga de Juliano e Joaquim (conhecido como “professor”), dois amigos de infância que deixam São Paulo e partem para o garimpo de Serra Pelada em busca de sonhos de riqueza, mas acabam se deparando com uma realidade repleta de ganância e violência que põe à prova o caráter e a amizade deles. O filme é ambientado na primeira metade dos anos 80 e mostra como a chance de enriquecer pode destruir não somente uma amizade, mas os valores pessoais e a dignidade de cada um.

Heitor Dhalia, cineasta cheio de estilo habituado a contar histórias mais intimistas e com poucos personagens, se sai bem na direção desta produção de proporções gigantescas. Dhalia consegue criar uma ambientação interessante para o garimpo e seu entorno, como um microcosmo (ou um universo paralelo), onde as regras da sociedade e as leis do país parecem não se aplicar. O filme remete um pouco à estrutura de Cidade de Deus, nem tanto pelas eventuais semelhanças na trajetória de alguns personagens e pela escalada da violência, mas principalmente pelo tom de westernmoderno e pelo estilo da narração em off feita por um dos protagonistas.

Serra Pelada tem como pontos fortes e fotografia excepcional de Lito Mendes da Rocha, que impressiona em especial nas tomadas panorâmicas que fazem o garimpo a céu aberto parecer um imenso formigueiro. Outro destaque absoluto fica por conta das incríveis interpretações de Julio Andrade e Juliano Cazarré, em especial a deste último – uma verdadeira força da natureza na telona. Também Wagner Moura, que é um dos produtores do filme, faz uma divertida participação. Alguns outros personagens, porém, carecem de melhor desenvolvimento – caso do Coronel Carvalho de Matheus Nachtergaele. Já Sophie Charlotte, praticamente a única presença feminina da trama, tem personagem que poderia render, mas não apresenta o impacto esperado.

Bastardos


É bastante complicado analisar esse novo trabalho de francesa Claire Denis: Bastardos é um filme que apresenta ótimos momentos e um excelente protagonista, mas alcança um resultado desigual em seu contexto geral. Marco (personagem do ótimo Vincent Lindon) é um capitão de navio que é forçado a voltar à terra firme para socorrer sua irmã Sandra em um momento de desespero, já que o marido dela se suicidou, os negócios da família se afundaram e a filha se encontra internada devido a abusos sexuais. Sandra insiste em responsabilizar um poderoso homem de negócios pelas desgraças na família e Marco acaba por se aproximar da amante deste, Raphaëlle. Mas teria Sandra revelado toda a verdade ou apenas a parte que lhe convinha?

O ponto alto do filme certamente é o modo como Denis conduz a trama sempre em uma atmosfera crescente de tensão, que converge para verdades desagradáveis e recantos obscuros da psique humana. Em diversos trechos, porém, resta uma incômoda sensação de que a cineasta quer tanto realizar um filme perturbador que deixa o roteiro e o desenvolvimentos dos personagens em segundo plano. Se o protagonista é claramente definido em suas ações e motivações, não se pode dizer o mesmo dos outros personagens: tanto a Raphaëlle de Chiara Mastroianni como a Sandra de Julie Bataille poderiam ter mais nuances. Também fica a impressão de que a cineasta inseriu situações excessivas em uma trama que já tinha conflitos o suficiente – um exemplo disso é o acidente de carro que ocorre no trecho final.

O filme foi exibido na mostra Um Certo Olhar do último Festival de Cannes. Claire Denis é de fato uma diretora interessante e que provoca inquietação, mas seu filme está distante de ser essa obra-prima alardeada por alguns.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Os Suspeitos


Esse filme era muito aguardado por dois motivos: primeiro, por ser a estreia em Hollywood do diretor canadense Denis Villeneuve (do cultuado Incêndios); segundo, pelo invejável elenco reunido. Hugh Jackman, Jake Gyllenhaal, Viola Davis, Melissa Leo, Terrence Howard, Paul Dano, Maria Bello. Sim, todos esses talentos reunidos em um filme só. Como não ficar ansioso para ver?

Os Suspeitos parte de um início instigante: Hugh Jackman é Keller Dover, um pai de família presente e amoroso que perde as estribeiras quando sua filhinha desaparece a poucos metros de casa junto com a filha de seus amigos e vizinhos. A polícia logo prende um suspeito, mas o rapaz, que tem evidente atraso mental, não diz nada de aproveitável depois de um longo interrogatório e acaba sendo solto. Decepcionado com a polícia e assustado com as estatísticas que dizem que com o passar dos dias diminuem as chances de encontrar sua menina com vida, Keller resolve agir por conta própria.


No início, o espectador poderá pensar “por que o filme se chama Os Suspeitos se só há um?”. E tudo corre nos trilhos enquanto Keller se embate com esse único suspeito e com seus próprios limites morais. Tensão na medida certa, dilemas interessantes, pistas de que em breve saberemos verdades ocultas e inconfessáveis sobre aquelas pessoas. Todos parecem ter um passado cheio de detalhes incômodos. Porém o filme parece perder coesão e substância em sua segunda metade, justamente à medida que a trama se volta para outros suspeitos.

O que mais incomoda no roteiro é a curva dramática e o desenvolvimento (ou falta dele) de alguns personagens, como se o roteirista Aaron Guzikowski estivesse tão obcecado em rechear a parte final de reviravoltas e mudanças de foco que acabasse por deixar alguns personagens à deriva. O mais prejudicado é o policial interpretado por Jake Gyllenhaal. A despeito da belíssima atuação de Gyllenhaal e de seu tipo com cacoetes, tatuagens pouco usuais e menções a um passado turbulento, seu personagem é mal resolvido e fica carente de aprofundamento. É bastante frustrante quando um roteiro insere pistas e depois deixa o espectador sem suas respectivas recompensas. E não se pode culpar a edição, já que o longa ultrapassa duas horas e meia de projeção. Tempo extra que é desperdiçado em cenas apelativas (como a das cobras) e de pouca relevância para a trama.


Resumindo, o roteiro do inexperiente Guzikowski é o que mais deixa a desejar; a direção de Villeneuve, embora pouco firme, ainda tem lá seus méritos; mas é o elenco que brilha e consegue manter o espectador interessado quando tudo o mais parece vacilar. Os Suspeitos é um filme que deve agradar apesar de seus tropeços, mas seu potencial era tão maior que o sentimento de decepção é inevitável. 

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Salvo


Salvo é um belo exemplo de essência da sétima arte. É um filme com um enredo simples, tem pouquíssimos diálogos e, ainda assim, consegue manter o espectador inebriado diante da tela por mais de 100 minutos. Talvez porque hoje em dia muitos filmes se apropriem da linguagem televisiva ou sigam sua opção diametralmente oposta – mas igualmente preguiçosa –, aquela de se apoiar exclusivamente em efeitos especiais. Salvo resgata o cinema de imagem, de longos planos, de silêncios pontuados por tensão, de trilha sonora que vai além da música, de olhares que explicam mais do que palavras. E esse filme tão maduro vem de dois estreantes: Antonio Piazza e Fabio Grassadonia eram ambos roteiristas, realizaram um curta juntos e agora estreiam na direção de longas com este filme de encher os olhos.

Salvo é ambientado na terra natal de Piazza e Grassadonia, a Sicília. Em um pedaço de Palermo dominado pela máfia, Salvo é guarda-costas e faz-tudo para o chefão local. Quando este sofre um atentado, o menino de ouro é enviado para justiçar o traidor. Chegando à casa do homem que deve matar, Salvo descobre que ele mora com uma irmã cega, Rita, que vive o terror de escutar o irmão sendo assassinado. Com o trauma, algo de milagroso acontece: Rita começa a recuperar a visão. Salvo, por outro lado, sente-se tocado por um ser humano pela primeira vez e não consegue matar Rita. Resolve escondê-la, levando-a para uma fábrica abandonada, situação que obviamente não poderá se sustentar por muito tempo.


A primeira coisa que impressiona no filme é sua atmosfera de western em conjunto com um clima noir. O jovem Salvo, assim como os personagens de Clint Eastwood nos filmes de Sergio Leone, representa o estranho sem nome, o homem de poucas palavras e quase nenhuma consciência, a perfeita máquina de matar. Até mesmo o modo como o ator Saleh Bakri se move em cena (rígido, com as costas sempre muito retas) reforça essa impressão. Enquanto isso, a Rita de Sara Serraiocco é puro sentimento. A moça ondeia, apesar de sua cegueira, cantando sempre a mesma canção romântica. Rita está dentro do ambiente da máfia e, ao mesmo tempo, sua deficiência lhe permite ficar à margem dele.

A direção espetacular define bem a claustrofobia e o isolamento de Salvo: entendemos que o rapaz não tem ninguém, que provavelmente foi posto sob a proteção deste criminoso quando ainda era um adolescente e que, também ele, está dentro do mundo do crime, mas não se sente completamente integrado nele. Ao mesmo tempo, ele parece nunca ter conhecido outro modo de vida. Além das imagens, também o som desempenha um papel fundamental na trama. Os efeitos sonoros do filme muitas vezes funcionam como catalisadores de tensão, causando toda uma gama de sensações. É como se em Palermo o som dos tiros e o barulho do mar pudessem ser igualmente ensurdecedores.

Tecnicamente, Salvo é um primor. Mas não é só. A perfeição dos planos, a direção segura, a expressividade no rosto dos atores, enfim, as qualidades técnicas ajudam a contar a história, mas nunca se sobrepõem a ela. Mais importante é a vontade de escapar de um mundo que não te deixa muita opção, as decisões difíceis que cedo ou tarde deverão ser tomadas, a ruptura do confortável em nome do correto, a mudança que deve partir de cada um e, sobretudo, o amor que surge apesar de tudo.


Salvo ganhou o Grande Prêmio da Crítica no Festival de Cannes deste ano.

Cliquem aqui para ler a entrevista feita com os diretores durante o Festival do Rio.

Gravidade


Quando um filme é precedido de tanta expectativa e elogios como tem ocorrido com este, o risco de decepção é sempre maior. Mas não é que o novo longa de Alfonso Cuarón é merecedor de toda essa unanimidade? Gravidade mantém o espectador assustado, comovido e tenso em cada um dos seus precisos 90 minutos de duração.

Sandra Bullock é Ryan Stone, uma engenheira em sua primeira missão espacial. George Clooney é Matt Kowalsky, astronauta experiente. No momento em que estão testando um novo aparato do lado de fora, a nave é atingida por destroços de uma explosão. Os outros tripulantes são mortos, a nave é irremediavelmente avariada e eles perdem a comunicação com a Terra, ficando completamente sozinhos e à deriva no espaço.

Gravidade é um filme de efeitos visuais espetaculares, uma daquelas raras produções nas quais o 3D realmente faz diferença, mas o importante é que não se trata somente de capricho estético. É um filme que consegue ser grandioso e, ao mesmo tempo, intimista. O espectador se sente sempre muito próximo dos personagens e de sua desesperada busca pela sobrevivência, graças à direção brilhante de Alfonso Cuarón, ao roteiro enxuto escrito por ele em parceria com o filho Jonás e, em especial, pela interpretação comovente de Sandra Bullock. A agonia sentida pela personagem é muito palpável, mesmo nas cenas em que Sandra está completamente coberta pelo traje espacial.


Gravidade é um filme realmente capaz de fazer qualquer um esquecer que está no cinema. A angústia, a claustrofobia, o terror, a desesperança, a solidão. É tudo muito real e, antes que se perceba a passagem do tempo, o filme termina. É só então que o espectador, trazido de volta à sala de exibição, consegue relaxar a musculatura e soltar completamente a respiração. 

Final de semana com ótimas opções cinematográficas


Dentro da lógica do antes tarde que nunca, a boa notícia é a chegada ao circuito de Terra Firme, filme de Emanuele Crialese que foi atração do Festival do Rio... de 2011! Outro longa italiano, Salvo, teve melhor sorte: suas exibições no Festival desse ano foram tão concorridas que o filme estreou em tempo recorde. Chega aos cinemas, ainda, o filme-sensação do ano, Gravidade. Clique aqui para ler o texto sobre Terra Firme escrito na ocasião de sua exibição no Festival do Rio.

Os eleitos do A&S

 Toni Servillo em cena de A Grande Beleza, o melhor filme do Festival

Festival terminado, hora de fazer um balanço. Esse ano a quantidade de filmes foi um pouco menor do que a de outros anos, porém a maior parte das produções que vêm sendo elogiadas pela imprensa ou premiadas mundo afora foram conferidas (com exceção da unanimidade Blue Jasmine e da surpresa nacional O Lobo Atrás da Porta). Segue a lista:

1 – A Grande Beleza (La Grande Bellezza), de Paolo Sorrentino
2 – Nebraska (idem), de Alexander Payne
3 – Gravidade (Gravity), de Alfonso Cuarón
4 – Salvo (idem), de Antonio Piazza e Fabio Grassadonia
5 – Um Estranho no Lago (L’inconnu du Lac), de Alain Guiraudie
6 – Belém (Bethlehem), de Yuval Adler
7 – Alì Tem Olhos Azuis (Alì Ha Gli Occhi Azzurri), de Claudio Giovannesi
8 – Tatuagem (idem), de Hilton Lacerda
9 – Um Time Show de Bola (Metegol), de Juan José Campanella
10 – A Garota de Lugar Nenhum (Le Fille de Nulle Part), de Jean-Claude Brisseau

Menções especiais: Only Lovers Left Alive, Como Não Perder Essa Mulher (Don Jon’s Addiction), Gata Velha Ainda Mia. Essa trinca não chegou a entrar na lista, mas deve ser destacada pela grata surpresa que foi assistir a cada um deles.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Festival do Rio - os premiados de 2013


Festival do Rio anuncia os vencedores do Troféu Redentor e, mais uma vez, o longa Tatuagem se destaca:

Prêmios pelo voto popular:
Longa de ficção – Tatuagem,  de Hilton Lacerda
Documentário – Fla X Flu, de Renato Terra
Curta – Jessy, de Paula Lice, Rodrigo Luna e Ronei Jorge

Júri oficial:
Filme – De Menor, de Caru Alves de Souza / O Lobo Atrás da Porta, de Fernando Coimbra
Prêmio Especial do Júri (longa de ficção) – Tatuagem,  de Hilton Lacerda
Prêmio Especial do Júri (documentário) – A Farra do Circo, de Roberto Berliner e Pedro Bronz
Curta-metragem – Contratempo, de Bruno Jorge
Documentário – Histórias de Arcanjo, Um Documentário sobre Tim Lopes, de Guilherme Azevedo
Menção Honrosa do Júri (documentário) – Cativas, Presas Pelo Coração, de Joana Nin / Damas do Samba, de Susanna Lira
Ator – Jesuíta Barbosa (Tatuagem)
Menção Honrosa do Júri (Ator) – Francisco Gaspar (Estrada 47)
Atriz – Leandra Leal (O Lobo Atrás da Porta)
Diretor – Cao Guimarães e Marcelo Gomes (O Homem das Multidões)
Ator Coadjuvante – Rodrigo Garcia (Tatuagem)
Menção Honrosa do Júri (Ator Coadjuvante) – Silvio Guindane (O Jogo das Decapitações)
Atriz Coadjuvante – Martha Nowill (Entre Nós)
Fotografia – Pedro Urano (Quase Samba)
Montagem – Mair Tavres (Estrada 47)
Roteiro – Paulo Morelli (Entre Nós)

Novos Rumos 
Filme – Tão Longe é Aqui, de Eliza Capai
Menção Honrosa do Júri (filme) – O Menino e o Mundo, de Alê Abreu
Curta – Todos Esses Dias em que Sou Estrangeiro, de Eduardo Morotó
Menção Honrosa do Júri (curta) Lição de Esqui, de Leonardo Mouramateus e Samuel Brasileiro

Prêmio Fipresci
Tatuagem, de Hilton Lacerda

Sacro Gra


Eis um filme que já chegou ao Festival causando desconfiança. Sacro Gra foi o grande vencedor do último Festival de Veneza e foi a primeira vez que um documentário recebeu o Leão de Ouro, mas a sua premiação foi considerada injusta pela mídia de um modo geral. Ok. Realmente não é um filme que causa uma impressão forte e sua vitória em Veneza parece, de fato, um exagero, mas tampouco se trata de um filme ruim.

O filme se desenvolve com uma estrutura bastante semelhante à dos documentários de Eduardo Coutinho, em especial Edifício Master. Gianfranco Rosi documentou o dia a dia de pessoas que vivem à margem de um grande anel rodoviário que se localiza na periferia de Roma. Naquele reduto nada turístico da cidade eterna, Rosi monta um painel diversificado e cheio de naturalismo. Atores de uma fotonovela, o motorista da ambulância que atende ao hospital da região, os travestis que fazem ponto na estrada, um botânico que estuda as palmeiras, uma família que vive à margem de um riacho, enfim, gente que vive ou trabalha em torno do local. São especialmente significativas as tomadas feitas do lado de fora das janelas, como é o caso das cenas que mostram as conversas descontraídas entre um pai e sua filha ou as vizinhas que falam de uma vista bonita que o espectador nunca vê.

Embora peque pelo ritmo um pouco arrastado (ainda mais considerando sua curta duração), o filme apresenta um panorama bastante curioso que certamente se tornará mais interessante para quem tem alguma relação ou interesse pela cidade. Outro ponto de identificação pode ocorrer no caso do espectador ter assistido ao longa de Paolo Sorrentino, A Grande Beleza. Isso porque o universo de concreto e fuligem retratado em Sacro Gra pode tranquilamente funcionar como o “lado B” da Roma sedutora e esfuziante de Sorrentino. De qualquer modo, vale uma conferida.

Mostra Panorama


Wrong Cops – Os Maus Policiais


O frequentador assíduo do Festival do Rio deve se lembrar de Rubber, um filme que passou na edição de 2010 e era “protagonizado” por um pneu com poderes telepáticos mortais. Sim, isso mesmo. Um pneu demoníaco que explodia as pessoas. O responsável por esse absurdo é o diretor e roteirista Quentin Dupieux, que está de volta ao Festival com este Wrong Cops.

Com uma estrutura mais tradicional – se é que podemos chamar assim – o filme sem desenrola em torno de bando de policiais corruptos, incompetentes e politicamente incorretos. Duke trafica maconha e usa ratos mortos como “mulas”, Rough acha que a música ruim que faz com seu sintetizador vai transformá-lo em astro, Sunshine tem um passado de pornografia gay que precisa esconder da família, Shirley fará de tudo para conseguir dinheiro para a terceira plástica no nariz e Renato usa o distintivo para assediar as mulheres. Quando Duke acidentalmente atira no vizinho, sua tentativa de esconder o “quase cadáver” desencadeia uma escalada de confusões e desentendimentos.  

Wrong Cops é bem engraçado, desde que o espectador esteja plenamente ciente do tipo de filme que está para assistir. Se, por um lado, parte de um argumento menos criativo do que o de Rubber, por outro é um pouco mais bem resolvido em termos de trama e coerência. Um grande besteirol, claro, mas pode ser o programa ideal para quem passou o dia vendo filmes densos e precisa de um pouco de diversão descompromissada. Fica, ainda, a curiosidade de ver o roqueiro Marilyn Manson no elenco como um personagem que é o tempo todo caracterizado como se fosse adolescente.

Mostra Midnight Movies