quarta-feira, 28 de julho de 2010

Salt


Faz tempo que a chamada Guerra Fria esfriou de vez, tirando dos russos o posto de inimigos número 1 do Tio Sam. Afinal de contas, quem ainda se lembra das paranóias acerca do “perigo vermelho” depois que o Oriente Médio e seus ataques suicidas trouxeram uma nova e mais terrível forma de pesadelo para o mundo capitalista? Salt pareceria um filme datado – e até saudosista – não fosse pela intrigante coincidência de, às vésperas de seu lançamento, ter estourado aquele escândalo sobre espiões russos infiltrados até hoje nos Estados Unidos. É a arte imitando a vida e rendendo ainda mais visibilidade ao novo filme de Angelina Jolie.

Angelina é Evelyn Salt, uma agente de campo da CIA que se encontra prestes a pedir transferência para um posto administrativo para levar uma vida mais sossegada ao lado do marido quando um desertor russo complica sua vida. Oleg Orlov, ex-agente da KGB, afirma ter feito parte de uma divisão que treinaria agentes secretos desde crianças para que estes posteriormente tomassem o lugar de cidadãos americanos e vivessem infiltrados por anos, ou até mesmo décadas, aguardando pacientemente suas missões. Segundo ele, Evelyn Salt seria, na verdade, uma espiã russa designada para o assassinato iminente de uma importante figura pública. Salt não paga para ver e resolve fugir, até que possa provar sua inocência. Mas seria ela realmente inocente ou apenas uma criminosa desmascarada tentando manter o disfarce?

Salt é um típico filme de Angelina Jolie, pelo menos desta versão da atriz que mergulha cada vez mais no universo dos filmes de ação. Desde que encarnou a aventureira Lara Croft em Tomb Raider, Angelina parece ter se apaixonado perdidamente por este perfil de personagem forte, atlética, que encara qualquer parada. Não é que a atriz não faça bem o tipo; pelo contrário, sua presença dá bastante credibilidade, já que a moça faz a maioria das cenas sem ajuda de dublês. O problema é que os filmes em si acabam sendo todos muito parecidos. É difícil distinguir esta Evelyn Salt da Lara Croft (inclusive há uma cena que lembra aquela de Lara correndo de moto pela Muralha da China) ou da assassina profissional de O Procurado, ou da Sra. Smith.

A direção correta Phillip Noyce investe na adrenalina e ação ininterrupta, em uma eficaz camuflagem da pouca consistência da trama. O longa é exagerado até dizer chega não somente na quebra de todas as leis da física, mas também nas reviravoltas rocambolescas da trama e no excesso de pistas falsas. Noyce, aliás, tem know-how com o gênero – também são dele Perigo Real e Imediato e Jogos Patrióticos – e já havia trabalhado antes com Angelina Jolie em O Colecionador de Ossos. No mais, é Angelina fazendo o que gosta e desfilando bela e letal pela tela. Seja em versão loura ou morena, a personagem é perseguida e muito bem coadjuvada pelos competentes Liev Schreiber e Chiwetel Ejiofor.


Resumindo: Salt é mais do mesmo, mas pelo menos é um filme honesto. Seu trailer resume exatamente o que o filme é. Quem é fã de fitas de ação ou de Angelina Jolie provavelmente sairá do cinema satisfeito.

Estreia nesta sexta-feira.

Uma Noite em 67


Foi em uma noite de outubro de 1967 que aconteceu em um teatro paulista, com transmissão ao vivo para todo o Brasil, a final do 3º Festival de Música Popular Brasileira da TV Record. Diante de uma plateia indomável, que aplaudia e vaiava com igual disposição, alguns jovens promissores da época – hoje monstros sagrados da música brasileira – competiam entre si. Canções que se tornariam verdadeiros hinos no futuro naquela noite eram apresentadas ao público pela primeira vez.

O Festival vencido por Edu Lobo com Ponteio teve, ainda, Gilberto Gil e os Mutantes em segundo lugar (Domingo no Parque), Chico Buarque e MPB-4 em terceiro (Roda Viva), Caetano Veloso em quarto (Alegria, Alegria) e Roberto Carlos em quinto (com o samba Maria, Carnaval e Cinzas). Realmente foi uma noite ímpar, marcada não apenas por inovações musicais como a polêmica introdução da guitarra elétrica na MPB, mas também por acontecimentos folclóricos como a reação explosiva de Sérgio Ricardo que, ao ser impedido de cantar por monumentais vaias, quebrou seu violão e atirou-o sobre a plateia – episódio que depois foi jocosamente apelidado de “violada no auditório”.

O documentário Uma Noite em 67 contrapõe com muita vibração e bom humor estas imagens históricas a depoimentos atuais dos principais personagens: Chico Buarque, Caetano Veloso, Roberto Carlos, Gilberto Gil, Edu Lobo e Sérgio Ricardo, além de testemunhas privilegiadas como Sérgio Cabral (um dos jurados) e Nelson Motta (um dos jornalistas que cobria o evento). “É naquele momento que o Tropicalismo explode, a MPB racha, Caetano e Gil se tornam ídolos instantâneos, e se confrontam as diversas correntes musicais e políticas da época”, assim resumiu Motta.


Os diretores Renato Terra e Ricardo Calil, que pretendiam inicialmente fazer um panorama geral sobre a chamada era dos festivais, foram extremamente felizes na decisão de focar o filme apenas nesta emblemática edição de 1967, o que permite uma visão mais íntima e detalhada não apenas do evento, mas também do momento de ruptura e contradições que vivia a música brasileira, ainda em busca de um senso de identidade. Eram tempos românticos, nos quais ainda se acreditava numa certa pureza musical em contraponto ao “imperialismo ianque”. É impossível não sorrir diante do mea culpa constrangido dos artistas que participaram de uma passeata contra a guitarra elétrica, por exemplo. O espectador também tem a oportunidade de saber em primeira mão detalhes nunca antes divulgados, como, por exemplo, o estado emocional em que se encontrava Gilberto Gil ao defender sua música.

Contando com imagens de arquivo fantásticas e depoimentos atuais inspirados, ternos e divertidos dos principais envolvidos, Uma Noite em 67 encanta e diverte, relembrando uma época explosiva, durante a qual fazer música colocava as escolhas políticas e musicais em igual nível de importância. Simples e delicioso. Sexta nos cinemas.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

O Bem Amado


O Bem Amado talvez seja um dos textos teatrais brasileiros cujo enredo é mais conhecido. Escrito por Dias Gomes em 1962, a peça foi adaptada pelo próprio autor como telenovela onze anos depois e conta a história de Odorico Paraguaçu, prefeito da fictícia Sucupira, que se elege sob a promessa de construir o primeiro cemitério da cidade. Para realizar sua obra, encontra dificuldades que vão desde a oposição de seus inimigos políticos até a falta de verba para tão faraônico empreendimento. Passando por cima de tudo e todos, Odorico conclui a obra e logo se defronta com mais um bizarro problema: a falta de um morto para inaugurá-la. Contando com a ajuda de seu secretário Dirceu Borboleta e suas fiéis correligionárias, as irmãs Cajazeiras — Doroteia, Dulcineia e Judiceia, a Juju –, Odorico começa a tomar medidas desesperadas, como importar moribundos e até trazer de volta à cidade o “fazedor de defuntos” Zeca Diabo, assassino do prefeito anterior.

Além de ter sido a primeira novela em cores da televisão brasileira, O Bem Amado fez tanto sucesso que ainda gerou um seriado que esteve no ar entre 1980 e 1984. Em ambos os casos, Odorico Paraguaçu e Zeca Diabo foram interpretados por Paulo Gracindo e Lima Duarte e representam imagens até hoje muito fortes no imaginário popular. Nesta versão para o cinema, cabe a Marco Nanini a complicada tarefa de dar vida a Odorico Paraguaçu. Nanini acertadamente evita imitar seu antecessor e cria um Odorico mais contido, mais baseado nos políticos do interior, apostando em um humor menos explícito. Algumas de suas célebres tiradas, como “vim de branco para ser mais claro” estão de fato no filme, mas o roteiro economiza um pouco nos famosos neologismos e frases de efeito que celebrizaram o personagem, tornando-o menos cara-de-pau e mais próximo da realidade. O mesmo se pode dizer do introvertido Zeca Diabo de José Wilker, de longe a interpretação mais surpreendente. Por outro lado, causa estranheza que as irmãs Cajazeiras, de beatas sejam promovidas a peruas exageradérrimas. Drica Moraes tem a composição mais equilibrada, compensando o exagero visual com uma interpretação um pouco mais sóbria.


Rodada na cidade de Marechal Deodoro, em Alagoas, a trama é mantida no início dos anos 60 e é narrada em off pelo jornalista Neco Pedreira. Principal opositor de Odorico no original, o Neco do filme ganha ares de herói romântico e idealista graças à criação de um personagem extra: Wladimir, o esquerdista dono do jornal A Trombeta (na peça, o dono é o próprio Neco). Dessa forma, muitos enfrentamentos passam a ser entre Odorico e Wladimir. Atualizações são sempre bem-vindas e até mesmo necessárias quando se trata de um produto tão conhecido, mas neste caso em especial, a criação de Wladimir enfraquece bastante a importância de Neco como personagem, tornando-o apenas o pretendente da filha do Odorico. Também reforçar a toda hora a correlação entre Sucupira e o Brasil como um todo parece um pouco exageradamente didático, conclusão que poderia ficar a cargo do espectador sem que fosse preciso a toda hora “lembrar” que se trata de uma sátira da política brasileira.

Posto isso, O Bem Amado é um filme divertido e bem realizado e que conta com um elenco estelar de grandes comediantes. Como espetáculo de entretenimento, cumpre sua função à perfeição. O único problema é que vindo de um diretor com a habitual excelência artística de Guel Arraes, a gente sempre espera mais, fica mais exigente. Olhando por esse ângulo e relembrando trabalhos irretocáveis como O Auto da Compadecida, Lisbela e o Prisioneiro e, mais recentemente, Romance, é inevitável que este O Bem Amado deixe uma incômoda sensação de que o filme poderia ter sido mais. O que, claro, não tira seus méritos nem impede que se dê boas risadas com ele.

Sexta nos cinemas.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Shrek Para Sempre


Manter o bom nível de uma franquia de sucesso por nada menos que quatro filmes não é tarefa para qualquer um. Poucos filmes chegam a seu terceiro episódio com fôlego e energia para mais. Para provar que é sempre prematuro decretar que uma série não tem mais o que mostrar, este Shrek Para Sempre volta renovado em seu capítulo final. Após o fraquinho Shrek Terceiro, o ogro verde ressurge nas telas em crise existencial em uma nova e criativa aventura que contempla universos paralelos e seus desdobramentos metafísicos.

Shrek está com a vida mansa. Casado, pai de três filhos, celebridade local. Antes temido, agora atração turística. Enfadado com a rotina, relembra com saudosismo dos seus dias de monstro solitário. Era a chance que o maligno Rumpelstiltskin (referência a um duende malvado de um conto dos irmãos Grimm) esperava. O vilão ludibria Shrek com um pacto mágico onde ele teria um dia inteiro só para ele e, em troca, teria que dar um dia de seu passado para o bruxo. É quando o ogro acorda em uma versão alternativa da história e descobre que não existe de fato, já que Rumpelstiltskin se apropriou justamente do dia de seu nascimento. Sem nunca tê-lo conhecido, Fiona teve que fugir sozinha da torre do dragão e se tornou uma guerreira, o Burro ganha a vida puxando carruagens de bruxas e o Gato de Botas é um animal domesticado com sérios problemas de obesidade. Para que tudo volte ao normal e ele não desapareça ao fim daquele dia, Shrek deve fazer com que Fiona se apaixone por ele e o beije, assim quebrando o contrato mágico.

Como já anunciado em seu próprio cartaz, este Shrek Para Sempre é o capítulo final da saga do monstrengo mais gente boa da sétima arte. Recebido com injusta má-vontade pela crítica norte-americana, o filme é um final à altura para a bem-sucedida franquia e coroa com dignidade a acertada decisão de por fim à série – afinal de contas, ninguém quer que personagens tão bacanas sejam sugados à exaustão e se tornem pastiches de si mesmos. A trama com toques de ficção científica é outro acerto, já que permite possibilidades bem interessantes, como conhecer outra versão dos personagens em um mundo não afetado por Shrek. Destaque para a hilária versão obesa do Gato de Botas. Podemos até dizer que o filme tem pegada filosófica, o que não impede que o roteiro tire sarro de si mesmo. Um exemplo disso é quando Rumpelstiltskin diz a Shrek que o fato dele estar ali sem nunca ter nascido é o que se chama de paradoxo científico. Muito bom. Talvez algumas coisas não sejam captadas pelos pequenos, mas tudo bem. Eu, particularmente, sempre achei Shrek muito mais direcionado ao público adulto mesmo.

A versão mostrada para a imprensa foi a dublada, que é correta, com interpretação especialmente eficaz para Shrek e Fiona. A voz de Eddie Murphy como o Burro sempre faz falta (é, de longe, o melhor trabalho já feito pelo comediante americano) e também não pega muito bem ouvir o Gato de Botas falando português, já que o tempero latino é o grande charme do personagem – lembrando que no original há um espanhol legítimo, Antonio Banderas, por trás do personagem. Mas as cópias dubladas são decisões mercadológicas que pouco tem a ver com o filme em si. Qualquer que seja o idioma, Shrek Para Sempre é ótima diversão para toda a família, mantendo o bom nível de citações e piadas, mas tampouco esquecendo as boas doses de romance e ternura mostrados nos dois primeiros filmes. Valeu, Dreamworks!

Amanhã nos cinemas.