terça-feira, 12 de agosto de 2014

Amantes Eternos


Esqueçam os vampiros sedutores, de pele boa ou que brilham ao sol. Os imortais de Jim Jarmusch estão mais para astros do rock decadentes. Adam vive em Detroit como um músico misterioso e recluso e a única coisa que ainda o tira da letargia é encontrar um novo instrumento raro para sua coleção. Eve, mais apegada aos prazeres da vida, vive em meio ao exotismo de Tânger, no Marrocos. O reencontro dos dois e a chegada de Ava, a incontrolável irmã de Eve, balança o pacato equilíbrio que Adam encontrou para si.

Adam e Eve (seriam os originais?) já viveram de tudo: frequentaram os mais célebres intelectuais, trocaram ideias com os grandes gênios do conhecimento e vagaram pelo vasto planeta se amando através dos séculos. Portanto, nada mais compreensível do que o fato do mundo de hoje enchê-los de tédio. Para completar, a humanidade vem contaminando o próprio sangue e é muito perigoso alimentar-se como antigamente. Imaginem personagens que assistiram, através dos séculos, a uma lenta decadência não somente do próprio estilo de vida, mas do mundo como um todo. Já as pitadas de ironia são quase todas divertidas referências aos ícones com o qual o casal conviveu ao longo dos séculos.

É impossível imaginar dois atores mais condizentes com os papéis de Adam e Eve do que Tom Hiddleston e Tilda Swinton. Talentosos, densos e com uma caracterização inspirada, cada aparição deles enche a tela de magnetismo. Já Mia Wasikowska tem uma participação interessante, porém discreta. Plasticamente, o filme é uma beleza: a fotografia em tons escuros de Yorick Le Saux (que já tinha captado Tilda Swinton lindamente em Io Sono L’Amore) e a direção contida e elegante de Jim Jarmusch fazem com que o espectador supere com facilidade a progressão lenta da trama – e não poderia ser diferente em uma história que tem o tédio existencialista como principal mote.

Jarmusch (também autor do roteiro) confere ao filme um tom contemplativo bastante diferente de tudo que vem sendo feito ultimamente no que diz respeito ao tema. Não é, em absoluto, um filme de terror; aliás, o tom lúgubre do filme se aproxima muito mais da atmosfera de Blade Runner do que daquela dos filmes de vampiro. O filme concorreu à Palma de Ouro no Festival de Cannes do ano passado e foi exibido no Festival do Rio ainda com seu poético título original, Only Lovers Left Alive. Só é uma pena que aqui no Brasil se tenha optado por um título em português genérico ao invés de uma tradução fiel.

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