quarta-feira, 21 de julho de 2010

O Bem Amado


O Bem Amado talvez seja um dos textos teatrais brasileiros cujo enredo é mais conhecido. Escrito por Dias Gomes em 1962, a peça foi adaptada pelo próprio autor como telenovela onze anos depois e conta a história de Odorico Paraguaçu, prefeito da fictícia Sucupira, que se elege sob a promessa de construir o primeiro cemitério da cidade. Para realizar sua obra, encontra dificuldades que vão desde a oposição de seus inimigos políticos até a falta de verba para tão faraônico empreendimento. Passando por cima de tudo e todos, Odorico conclui a obra e logo se defronta com mais um bizarro problema: a falta de um morto para inaugurá-la. Contando com a ajuda de seu secretário Dirceu Borboleta e suas fiéis correligionárias, as irmãs Cajazeiras — Doroteia, Dulcineia e Judiceia, a Juju –, Odorico começa a tomar medidas desesperadas, como importar moribundos e até trazer de volta à cidade o “fazedor de defuntos” Zeca Diabo, assassino do prefeito anterior.

Além de ter sido a primeira novela em cores da televisão brasileira, O Bem Amado fez tanto sucesso que ainda gerou um seriado que esteve no ar entre 1980 e 1984. Em ambos os casos, Odorico Paraguaçu e Zeca Diabo foram interpretados por Paulo Gracindo e Lima Duarte e representam imagens até hoje muito fortes no imaginário popular. Nesta versão para o cinema, cabe a Marco Nanini a complicada tarefa de dar vida a Odorico Paraguaçu. Nanini acertadamente evita imitar seu antecessor e cria um Odorico mais contido, mais baseado nos políticos do interior, apostando em um humor menos explícito. Algumas de suas célebres tiradas, como “vim de branco para ser mais claro” estão de fato no filme, mas o roteiro economiza um pouco nos famosos neologismos e frases de efeito que celebrizaram o personagem, tornando-o menos cara-de-pau e mais próximo da realidade. O mesmo se pode dizer do introvertido Zeca Diabo de José Wilker, de longe a interpretação mais surpreendente. Por outro lado, causa estranheza que as irmãs Cajazeiras, de beatas sejam promovidas a peruas exageradérrimas. Drica Moraes tem a composição mais equilibrada, compensando o exagero visual com uma interpretação um pouco mais sóbria.


Rodada na cidade de Marechal Deodoro, em Alagoas, a trama é mantida no início dos anos 60 e é narrada em off pelo jornalista Neco Pedreira. Principal opositor de Odorico no original, o Neco do filme ganha ares de herói romântico e idealista graças à criação de um personagem extra: Wladimir, o esquerdista dono do jornal A Trombeta (na peça, o dono é o próprio Neco). Dessa forma, muitos enfrentamentos passam a ser entre Odorico e Wladimir. Atualizações são sempre bem-vindas e até mesmo necessárias quando se trata de um produto tão conhecido, mas neste caso em especial, a criação de Wladimir enfraquece bastante a importância de Neco como personagem, tornando-o apenas o pretendente da filha do Odorico. Também reforçar a toda hora a correlação entre Sucupira e o Brasil como um todo parece um pouco exageradamente didático, conclusão que poderia ficar a cargo do espectador sem que fosse preciso a toda hora “lembrar” que se trata de uma sátira da política brasileira.

Posto isso, O Bem Amado é um filme divertido e bem realizado e que conta com um elenco estelar de grandes comediantes. Como espetáculo de entretenimento, cumpre sua função à perfeição. O único problema é que vindo de um diretor com a habitual excelência artística de Guel Arraes, a gente sempre espera mais, fica mais exigente. Olhando por esse ângulo e relembrando trabalhos irretocáveis como O Auto da Compadecida, Lisbela e o Prisioneiro e, mais recentemente, Romance, é inevitável que este O Bem Amado deixe uma incômoda sensação de que o filme poderia ter sido mais. O que, claro, não tira seus méritos nem impede que se dê boas risadas com ele.

Sexta nos cinemas.

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