quarta-feira, 16 de julho de 2014

O Melhor Lance


Giuseppe Tornatore, que ganhou um Oscar e o mundo com o seu Cinema Paradiso em 1988, é conhecido, sobretudo, por seus filmes delicados e que retratam a perda da inocência. Neste filme, o cineasta siciliano surpreende ao criar uma trama de ares hitchcockianos sobre um leiloeiro excêntrico e arredio que se deixa arrastar para um surreal jogo de sedução. La Migliore Offerta (no original) é uma produção italiana falada em inglês e com elenco internacional, com destaque para Geoffrey Rush, Donald Sutherland e Jim Sturgess.

Virgil Oldman é o melhor no que faz: profundo conhecedor de arte, é capaz de distinguir o falso do autêntico logo em um primeiro exame. Metódico, trata a vida privada com a mesma assepsia dedicada ao trabalho, mas sua até então inabalável rotina é alterada por uma mulher misteriosa. Claire tem um imenso acervo para vender, mas revela-se uma cliente irritável e imprevisível. Devido a uma extrema fobia social, comunica-se com Virgil só por telefone, bilhetes ou através de uma porta fechada. A princípio ele se exaspera, mas logo começa a sentir uma inesperada afinidade com aquela estranha mulher. Não deixa de ser significativo que o homem que construiu uma barreira imaginária a seu redor se desarme justamente diante de alguém que lhe impõe a distância física.  

É bem verdade que Tornatore já havia flertado com o thriller no (ótimo) Uma Simples Formalidade e no (nem tão bom) A Desconhecida, mas o gênero não costuma ser associado ao estilo cheio de lirismo e sentimento do diretor. Também este filme tem sua poesia, mas de modo menos explícito. O Melhor Lance é um filme de dualidades. Concreto e abstrato. Original e cópia. Luz e sombra. Procura e oferta. O mundo da arte, com seus valores atribuídos e conceitos subjetivos, funciona como um pano de fundo bastante apropriado. Verdadeiro e falso permeiam toda a estrutura do filme, acrescentando um subtexto instigante. Contexto enriquecido lindamente pela trilha sonora do genial Ennio Morricone, cuja parceria com Tornatore vem desde Cinema Paradiso e já dura mais de 25 anos.


Curiosamente, a grande reviravolta do filme constitui justamente o trecho de maior fragilidade do roteiro. Os melhores lances se encontram antes, em seu desenvolvimento: na atmosfera romântica da mansão decadente, na sedução que ocorre através de frestas e portas fechadas, na cuidadosa composição de um Geoffrey Rush cada vez mais requintado, enfim, em toda a preparação para o clímax que antecede o desfecho. Ainda que essa meia hora final esteja aquém do restante, podemos dizer que ¾ do filme funciona às maravilhas. Em todo caso, é sempre revigorante ver um cineasta com um estilo consagrado arriscar-se fora de sua zona de conforto. Ao contrário do que ocorreu com Baarìa, que, mesmo sendo mais equilibrado, resultou em um filme “morno”.
  
O filme venceu cinco prêmios David di Donatello em 2013 (filme, diretor, trilha sonora, figurino e cenografia) e chega aos nossos cinemas com um ano e meio de defasagem.

Um comentário:

  1. Pois é, concordo com o seu comentário em relação a reviravolta. O filme estava nota 10, com todo aquele voyeurismoe mergulho nas excentricidades de seu protagonista. Porém, por mais que o ato final não seja ruim, as surpresas não combinam nem um pouco com a sofisticação que Tornatore estava impondo de modo tão fascinante. Uma pena, tinha tudo para ser um dos melhores filmes deste ano.

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