quinta-feira, 10 de julho de 2014

Viva a Liberdade


Pessoas que trocam de lugar e passam a ver a vida pelos olhos uma da outra é um argumento recorrente na sétima arte. No caso de Viva a Liberdade, não foi preciso nenhum tipo de acontecimento mágico, já que os personagens em questão são gêmeos idênticos. Enrico é secretário geral do principal partido de oposição e sente-se pressionado tanto pela população quanto por seus correligionários. A crise existencial torna-se tão forte que ele resolve sair de circulação e tirar um tempo para si, deixando todos os seus aliados políticos desesperados. Sua esposa Anna e seu assessor Andrea optam por uma solução radical: convencer o irmão gêmeo Giovanni a fazer algumas aparições públicas como Enrico e, desse modo, ganhar tempo. Mas Giovanni, carismático poeta e filósofo recém-saído de um tratamento psiquiátrico, tem seus próprios planos e ideias.

O grande atrativo do filme não está em seu argumento e sim no modo como ele é tratado. Embora a sinopse leve a crer tratar-se de uma comédia, Viva a Liberdade segue uma abordagem bastante diversa e mostra-se um filme inteligente e reflexivo sobre temas como exercício do poder e escolhas pessoais. O bom humor está presente, é claro, mas sempre a serviço de uma crítica mais profunda. Outro ponto interessante é o modo como o roteiro se abstém da clássica oposição entre protagonista e antagonista. Cada personagem mostra-se bastante complexo e além do reducionismo de ser mocinho ou vilão.


Diretor e co-roteirista, Roberto Andò é também o autor do romance Il Trono Vuoto (O Trono Vazio), no qual se baseia o filme. Destacam-se, ainda, a sobriedade e elegância com que Andò conduz toda a trama, além dos diálogos sempre oportunos, abrilhantados pelo ótimo desempenho de todo o elenco.

Toni Servillo é considerado há muito tempo um dos grandes atores de seu país, embora só tenha alcançado projeção mundial com o sucesso de A Grande Beleza. Aliás, a chegada de Viva a Liberdade aqui no Brasil provavelmente se deve a isso, já que o lançamento deste filme na Itália é anterior ao do longa de Sorrentino. Em todo caso, Servillo mais uma vez demonstra ser um ator de grande talento e versatilidade ao interpretar não somente irmãos de personalidades diversas, mas também o desdobramento de um se passando pelo outro.

Vale destacar, ainda, o trabalho de Valerio Mastandrea, outro excelente ator italiano pouco conhecido aqui no Brasil. Valerio, que foi premiado com dois David di Donatello no ano passado (melhor coadjuvante por este papel e melhor ator por Gli Equilibristi), expõe com delicadeza as indecisões e fragilidades por trás de um assessor político que tenta ser uma fortaleza diante dos outros, mas, em seu interior, se encontra perdido e precisando desesperadamente de algo no qual acreditar. Especialmente significativa é a cena em que ele confessa ao carismático gêmeo do patrão: “no senhor eu votaria”.


Viva a Liberdade venceu, ainda, o David di Donatello de melhor roteiro. Apesar de contextualizado no universo político italiano, as suas reflexões não se limitam a ele e o público brasileiro com toda certeza poderá se identificar com este belo filme. 

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