quarta-feira, 11 de julho de 2012

Na Estrada



Chega aos cinemas o tão aguardado Na Estrada, ambicioso projeto franco-brasileiro de Walter Salles que se propõe a traduzir em imagens o icônico On the Road, obra-prima de Jack Kerouac que vem apaixonando leitores de todas as gerações desde seu lançamento em 1957. O livro, que foi traduzido por aqui como Pé na Estrada, definiu toda uma geração de jovens americanos - a chamada "geração beat" - que ansiava por ganhar o mundo com uma mochila nas costas, prontos para qualquer aventura e dispostos a encontrar a si mesmos através do batismo na poeira da estrada.

A trama é focada em dois amigos, o introspectivo Sal Paradise e o hedonista Dean Moriarty, que buscam autoconhecimento e liberdade cruzando os Estados Unidos de carro. Farras, garotas, bebedeiras, drogas, enfim, tudo que possa acrescentar uma nova experiência é permitido, embora as atitudes e personalidades diversas façam com que cada um se entregue de uma maneira a esse rito de passagem. Enquanto Sal parece estar amadurecendo e ganhando com as experiências, os exageros de Dean parecem estar empurrando-o cada vez mais rumo a um abismo de frustração e desesperança.


O filme de Walter Salles encanta por ter uma cadência muito parecida com a da própria prosa de Kerouac, que flui com um ritmo solto, maleável, pulsante, muito próximo da vida real, uma literatura que parece jorrada num fluxo de consciência, plena de fragmentos, frases anotadas ao longo do caminho, rabiscos feitos às pressas em bloquinhos. Também está muito presente o universo intelectual dos personagens e suas influências, um exemplo disso é como um exemplar surrado de No Caminho de Swann (primeiro volume de Em Busca do Tempo Perdido, saga escrita ao longo de 14 anos por Marcel Proust) impõe-se quase como um personagem da trama.

Outro ponto interessante a destacar nessa adaptação é justamente o fato dela ter sido dirigida por Walter Salles. Podemos notar que ela dialoga diametralmente com o primoroso Diários de Motocicleta, com a diferença de que enquanto a viagem feita de moto pela América do Sul por Che Guevara e Alberto Granado serve para moldar o caráter dos rapazes e aproximá-los do que eles viriam a ser no futuro, a viagem de Sal e Dean pela América do Norte parece levá-los a um beco sem saída, diante do qual Sal tem mais forças para não sucumbir, talvez por conseguir expurgar seus demônios através da literatura. Certamente não é por acaso que o filme começa e termina em meio às mesmas citações, o que equivale a dizer que enquanto Diários da Motocicleta apresenta uma jornada que vai de um ponto de partida rumo a algo novo, este Na Estrada tem um caráter muito mais circular.


Em meio a esse carrossel de emoções e descobertas, os ótimos Garrett Hedlund e Sam Riley conduzem o espectador por essa viagem libertária. Garrett empresta angústia e hiperatividade na medida certa a Dean, jovem criado entre o abandono e a marginalidade, enquanto Sam compõe Sal (alter ego de Kerouac) com o olhar atento e introspectivo de quem tem maturidade para mergulhar no lado sombrio da vida e retornar à superfície.

Se na obra literária Sal e Dean são protagonistas absolutos da história, o eficiente roteiro de Jose Rivera dá mais atenção e profundidade às mulheres na vida de Dean. Marylou, apresentada por Kerouac como uma garota fútil e brigona, ganha contornos misteriosos na pele de Kristen Stewart (que parece finalmente ter deixado a fase teen para trás) enquanto Camille transpira sofisticação e inteligência através de Kirsten Dunst. Enfim, embora seja um roteiro fidelíssimo, com várias citações literais, a versão cinematográfica tem sua própria pulsação e identidade. 


A produção ainda brinda o espectador com belas participações especiais, que fazem com que personagens que seriam meras citações se transformem em momentos iluminados na tela, graças à sensibilidade e presença de atores como Viggo Mortensen, Amy Adams, Steve Buscemi, Alice Braga e Terrence Howard.

Resumindo, Na Estrada é um grande momento cinematográfico, uma adaptação muito feliz, que sabe quando ser fiel e quando alçar voo independente. O filme concorreu à Palma de Ouro no último Festival de Cannes e é simplesmente inexplicável que tenha saído do evento de mãos abanando. Sexta nos cinemas. 

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