sexta-feira, 24 de maio de 2013

Faroeste Caboclo


Faroeste Caboclo, escrita por Renato Russo em 1979 (mas só lançada oito anos depois, no disco Que País É Este?), narra em pouco mais de nove minutos e 168 versos sem repetição – ou seja, é uma canção sem refrão – a epopeia de João de Santo Cristo, que, vindo de uma infância miserável no sertão se torna “bandido destemido e temido no Distrito Federal”. Como numa boa trama de western, o bruto também ama e tenta em vão se regenerar por sua Maria Lucia, mas tudo desanda e a saga culmina num duelo sob o sol entre ele e o traficante Jeremias.

É até curioso que tenha demorado tanto para que alguém se dispusesse transformar a cinematográfica canção em um filme. Em Hollywood, por exemplo, se teria feito uma trilogia inteira com um décimo desse enredo. Talvez no caso de Faroeste Caboclo tenha pesado um certo temor em mexer com um dos maiores ícones musicais do século XX. Dificilmente alguém que foi jovem nos anos oitenta não sabe a extensa letra de cor e salteado. Renato Russo é considerado o maior poeta das últimas décadas e a Legião Urbana segue arrebanhando fãs apaixonados geração após geração. Em todo caso, valeu a pena esperar. O novato René Sampaio tomou para si a responsabilidade e, com isso, estreou com o pé direito na direção. Faroeste Caboclo, o filme, é intenso, violento e apaixonante. Exatamente como os versos que o inspiraram.


O roteiro de Marcos Bernstein e Victor Atherino é bastante fiel ao que diz a canção, porém sem que isso se torne uma amarra. Foram suprimidas algumas referências excessivamente datadas ou passagens que não seriam muito interessantes para o desenrolar do longa, ao mesmo tempo em que várias lacunas deixadas pela letra foram preenchidas. O roteiro também se preocupa em desenvolver os outros personagens, em especial Maria Lucia e Jeremias, que deixam de ser meros agentes motivadores das decisões do protagonista para ganhar de fato uma identidade, uma biografia.

O elenco é outro ponto forte do filme. O trio central, formado por Fabrício Boliveira, Ísis Valverde e Felipe Abib – respectivamente, João de Santo Cristo, Maria Lucia e Jeremias – está perfeito. Os atores interagem perfeitamente entre si, e ainda transmitem muita emoção e verdade a seus personagens. No time coadjuvante, brilham desde atores consagrados como Antonio Calloni (aliás, Calloni é sempre apavorante em papéis de vilão) até talentos em ascensão como César Trancoso e Rodrigo Pandolfo. A participação afetiva fica por conta de Giuliano Manfredini (filho de Renato Russo), como um dos amigos de Maria Lucia.


Mais do que tudo, é muito interessante o modo como o filme cria uma atmosfera típica de western, utilizando-se de várias imagens icônicas do gênero, e joga esses códigos na efervescência da Brasília dos anos 80. Um verdadeiro faroeste caboclo e urbano. Por tudo isso, Faroeste Caboclo é imperdível e não somente para os fãs de Renato Russo. Claro que estes vão se divertir mais em ver materializadas na telas diversas passagens e citações – como a Rockonha e a Winchester 22 –, mas o filme tem potencial e qualidades para agradar por seus próprios méritos.

Uma curiosidade: a acertada decisão de colocar a música somente nos créditos finais acabou criando um pequeno problema para a produção, já que a canção tem mais de nove minutos. Foi divertido ver todos os truques utilizados para esticar os créditos de forma a durar esse tempo todo.

Faroeste Caboclo entra em cartaz no dia 29 de maio, mas as pré-estreias já estão acontecendo desde hoje.

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