sábado, 7 de junho de 2014

O Lobo Atrás da Porta


Choque, estupor, incredulidade. Esses são alguns dos sentimentos com os quais terá que lidar o espectador ao fim da projeção de O Lobo Atrás da Porta. O filme é inspirado em uma história real ocorrida há muito tempo no Rio de Janeiro. Algumas pessoas, como esta que vos escreve, já sabiam do que se tratava; outras não. Então não vamos mencionar aqui o cerne da questão. Digamos apenas que, independentemente do quanto se saiba de antemão, o impacto é o mesmo.

Uma menina de seis anos foi levada da escola por uma mulher misteriosa e, partir do ocorrido, caberá ao delegado de plantão tentar entender o que realmente aconteceu. O pai acusa a ex-amante, que nega estar envolvida e dispara acusações contra a esposa e um suposto amante desta. Que alguém está mentindo é certo, mas quem? O roteiro é bastante perspicaz, partindo do momento em que o crime foi cometido e esclarecendo fatos e versões aos poucos. A estrutura do filme coloca o espectador na pele do delegado, que tenta juntar as peças para desvendar o desaparecimento e descobrir quem é o suspeito definitivo.   


O que mais impressiona no filme é o fato de seus personagens serem pessoas absolutamente comuns, o que deixa sempre em dúvida a nossa percepção. A ficção acostumou o espectador a ver o criminoso em potencial como uma pessoa que de alguma forma se diferencia das demais, seja por um comportamento antissocial, seja por uma inteligência rara. É raro pensar no vilão como aquela pessoa sentada ali ao lado no transporte público. Alguém que poderia ter trilhado uma trajetória totalmente diversa caso as circunstâncias tivessem sido mais favoráveis.

O curta-metragista Fernando Coimbra, que assina o roteiro e a direção, realiza um excelente primeiro longa-metragem. Vale destacar o modo como suas locações evocam um Rio suburbano e muito diferente das imagens de cartões postais, mas, ao mesmo tempo, igualmente distante do cenário de criminalidade implícita das favelas. As imagens de Coimbra remetem a um cotidiano sem glamour nos dois sentidos e que pode levar à loucura justamente por sua absoluta banalidade. Um exemplo disso é a casa em que Rosa vive com os pais, mantida sempre com sombras e ângulos escuros. Interessante notar que a mãe nunca é vista de perto, assim como ocorre com o delegado no começo do filme.


São pequenos detalhes que tornam o filme instigante e ajudam o espectador a entrar no clima de fatalidade que a trama vai impondo cada vez mais. Por último, mas não menos importante, é preciso destacar a força arrasadora de Leandra Leal como protagonista, que assume sem pudores uma personagem polêmica e a enriquece humanidade e dubiedade. Que Leandra esbanja talento não é novidade, e com este filme ela se coloca definitivamente como uma das melhores atrizes brasileiras. Completam o triângulo Fabiula Nascimento e Milhem Cortaz, a primeira dando nuances interessantes à personagem da esposa inocente e o segundo tentando mostrar um lado dramático um pouco diferente da faceta habitual de malandro. Também Juliano Cazarré tem participação interessante como o delegado que dispara observações sarcásticas apesar do evidente cansaço.


O Lobo Atrás da Porta venceu dois prêmios no último Festival do Rio, melhor filme de ficção e melhor atriz. Um belo exemplar de um gênero ainda pouco explorado pela cinematografia nacional. Imperdível. 

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