domingo, 19 de junho de 2011

Meia-Noite em Paris


É curioso como um cineasta singelo como Woody Allen atrai reações radicais a seu trabalho. Quase ninguém gosta “mais ou menos” de Woody Allen. Os que o apreciam são fãs incondicionais de seus filmes artesanais, roteiros inteligentes e humor ácido e relevam mesmo suas recorrências. Já os que não o curtem costumam odiá-lo com todas as forças, desgostando de seus filmes antes mesmo de vê-los. Sou assumidamente do primeiro time, e acredito que mesmo um Allen fraco é superior à média do que se vê atualmente no cinema. Mas se tem um filme que pode diminuir um pouco este abismo, convertendo detratores em apreciadores, é este Meia-Noite em Paris. Desde que você, caro leitor, dê a si mesmo a oportunidade de assisti-lo.

O filme demonstra ser um Allen meio diferente já na longa abertura, que passeia sem pressa pela cidade-musa da trama por vários minutos. Seria cansativo se as imagens não fossem absurdamente lindas. Depois de devidamente ambientado, o espectador é apresentado ao casal Gil e Inez. Ele é um roteirista de Hollywood bem-sucedido, mas que gostaria mesmo de ser escritor; ela é uma mulher prática que não entende porque o noivo quer jogar uma carreira vitoriosa para escanteio em nome de pretensões intelectuais.

O grande sonho de Gil é morar em Paris, ao menos por um tempo, e se inebriar na atmosfera que já inspirou tantos grandes artistas. Na verdade, o grande sonho dele seria ter vivido a efervescência parisiense da década de 20, quando personalidades como Ernest Hemingway, Pablo Picasso, Salvador Dalì, Cole Porter, F. Scott Fitzgerald, Luis Buñuel e tantos outros podiam ser encontrados em qualquer café ou esquina. Enquanto isso sua Inez só pensa na futura casa em Malibu e nos discursos pseudo-intelectuais do amigo Paul.

O ótimo roteiro é construído de modo que o espectador perceba a insatisfação e os problemas de Gil antes dele mesmo. Como qualquer sensibilidade artística poderia sobreviver àquela noiva fútil, àqueles sogros truculentos e esnobes e, principalmente, àquele amigo insuportável que gruda no casal como uma moléstia? Como o sujeito pode se inspirar em companhia de uma mulher que está em Paris e se recusa a caminhar na chuva? Poucos filmes de Woody Allen até hoje equilibraram com tamanha perfeição os sentimentos-chave de sua obra: intelecto, humor e ternura, tríade que pode ser sentida em doses iguais ao longo de toda projeção deste encantador Meia-Noite em Paris.


É como dizem, há que se tomar cuidado com o que se deseja. Através de um divertido mecanismo temporal, Gil se vê em meio a seu sonho de consumo. De repente, ele pode ir a uma festa com o casal Fitzgerald ou pedir conselhos literários a Gertrude Stein. Ou sentar à mesa com os surrealistas e dar sugestões a Buñuel. Ou se apaixonar pela musa de um famoso pintor. Mas seria o passado tão resplandecente como ele parece aos nossos olhos de hoje ou é a impossibilidade de vivê-lo que o torna tão perfeito? Com essa questão em foco, o filme nos brinda com sequências de puro deleite, à medida que Gil tem encontros divertidos e surpreendentes com seus ídolos. As referências são incontáveis, além do fato de Allen ter recrutado ótimos atores para essas participações, conferindo ainda mais categoria ao filme. Destaque para o alucinado Dalì de Adrien Brody. Fica ainda a curiosidade de ver a primeira-dama francesa, Carla Bruni, como uma guia de turismo.

Como é hábito de Woody Allen, o protagonista é concebido como um alter ego dele mesmo. O ator escolhido costuma se transformar até mesmo fisicamente, assumindo a postura decaída e o modo rápido de falar do cineasta. A grande surpresa é ver não apenas como Allen extrai essas características de Owen Wilson como também que, por trás dessa mudança física, se revela um insuspeitadamente bom ator. Mas mesmo Woody Allen pode errar, e infelizmente ele não consegue o mesmo milagre de Rachel McAdams. Menos mal que a função de sua Inez seja justamente a de nos irritar, porque a moça irrita como personagem e também como atriz. Por outro lado, temos o contraponto de uma ensolarada Marion Cotillard. Quando a atriz entra em cena, ilumina não somente a vida do pobre Gil, mas o filme como um todo.

Meia-Noite em Paris é filme para ver, se encantar, ter na prateleira. Para assistir de coração aberto e se deixar levar. Para se apaixonar. Por alguém. Pelo filme. Por Paris. Por Woody Allen. 

Já nos cinemas.

2 comentários:

  1. Erika, eu também sou do primeiro time, ainda mais pelo fato de estar mais apaixonado pela obra de Woody Allen após pegar toda a sua filmografia (eu parei em "Hannah e Suas Irmãs", há muita coisa a seguir).

    Em "Meia-noite em Paris", acredito que há muito de "Manhattan" (a sequência inicial é idêntica) e de "A Rosa Púrpura do Cairo" (o contexto mágico da narrativa). Entretanto, o que mais me chamou a atenção no longa foi a maneira como Woody Allen retratou a madrugada em Paris. É raro ver tanto encanto e boêmia na tela. Mesmo assim, acho o filme bom e só. Há algumas coisas processadas com muita facilidade pelo realizador, sem grande criatividade. Não gosto, por exemplo, daquela situação onde o Owen Wilson (excelente no papel) pega ao acaso aquele livro que tem tudo a ver com ele quando traduzido pela Carla Bruni.

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  2. Alex,

    Não seja tão rigoroso com o mestre... O filme é um encanto só!

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