quarta-feira, 8 de junho de 2011

Namorados Para Sempre


É preciso tomar muito cuidado com certos títulos de filmes em português. Mais do que não corresponder ao original, assim desvirtuando as intenções de quem o realizou, alguns chegam ao extremo de passar uma mensagem diametralmente oposta sobre o que se está por assistir. Um exemplo? O espectador que estiver a fim de curtir um romancezinho a dois neste Dia dos Namorados e se deixar levar pela promessa de singeleza contida em um título como Namorados para Sempre (tradução mais do que infiel para Blue Valentine) pode se sentir bem lesado ao final da sessão, visto que o excepcional filme de Derek Cianfrance não tem nada de leve e nem de fofinho. Pelo contrário, é um dos mais pungentes e doloridos retratos do esfacelamento de uma história de amor.

Através de um roteiro corajoso e isento de concessões, o filme narra dois momentos distintos na vida do casal Cyndi e Dean: o início do relacionamento, quando ambos mergulham em uma paixão avassaladora, capaz de superar os mais complicados obstáculos; e o momento atual, quando já estão juntos há alguns anos, tem uma filha pequena e lutam para manter de pé um casamento que parece agonizar e caminhar para o inevitável precipício. A montagem, que intercala esses dois recortes da relação, faz com que o espectador se envolva profundamente e se compadeça mesmo durante as cenas felizes, justamente por ter conhecimento de que aquela harmonia está fadada a ruir em um futuro não tão distante assim.

Alguns acusarão o argumento de prosaico, banal. Mas talvez o grande diferencial do filme seja justamente esse senso de familiaridade. O filme não se apóia em traições, problemas insuperáveis, grandes motivos para justificar a decadência amorosa. Não se pode identificar uma única razão, é o cotidiano, é a rotina, são as pequenas decepções que se infiltram sem que se perceba, minando a confiança, o carinho, o companheirismo. Quando se dá conta, Cyndi não suporta mais ser tocada pelo marido e se exaspera com defeitos que Dean já possuía quando se conheceram, mas que agora ganham uma dimensão mítica. Em um primeiro momento, o espectador tenderá a simpatizar mais com Dean; afinal de contas, ele demonstra ainda amar a mulher e é constantemente repelido por ela com rispidez. Mas esse não é um filme de mocinhos e vilões e logo passamos a ver também a ótica de Cyndi, cansada da miopia do marido em relação aos problemas, decepcionada com sua falta de ambição, farta de ser a única adulta no relacionamento.


Michelle Williams (indicada ao Oscar por este papel) e Ryan Gosling estão nada menos do que soberbos em seus papéis. Os atores passaram um mês inteiro se familiarizando um com o outro antes das filmagens, técnica que parece ter dado ótimo resultado. Michelle e Ryan passam uma atmosfera de total intimidade de casal quando se amam e – o mais difícil – também quando se desentendem. Ponto também para o excelente trabalho de caracterização, que consegue refletir no rosto dos protagonistas não somente os anos passados, mas também a carga de desesperança, cansaço e desilusão sofrida por cada um.

Chama a atenção que um filme tão visceral como esse venha de um cineasta com uma carreira quase exclusivamente voltada para o documentário. Por outro lado, pode ser que seja justamente a experiência com a vida real de Cianfrance que tenha permitido que o resultado final desta obra de ficção soe tão devastadoramente verdadeiro. Impossível não sentir um nó na garganta ao ouvir a marcante frase “como podemos confiar nos sentimentos se eles simplesmente desaparecem?”. Até o último fotograma, Blue Valentine se mantém humano, realista, sóbrio e, por isso mesmo, assustadoramente próximo de todos nós.

Sexta nos cinemas.

Um comentário: