quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Coração de Tinta


Como acontece todos os anos, dezembro é época dos filmes infanto-juvenis invadirem os cinemas. Coração de Tinta, mais um daqueles longas que passaram o ano tendo a data de lançamento adiada, chega às telonas para tentar se beneficiar do espírito natalino. Não que o filme seja esse desastre todo que andam falando, mas tampouco tem cacife para se destacar dentre seus similares.

Adaptado do livro homônimo da alemã Cornelia Funke, Inkheart (no original) parte do argumento de que existiriam pessoas com o dom de trazer para o mundo real os personagens dos livros caso a história fosse lida em voz alta. Mo Folchart possui essa habilidade e só descobre o poder que tem quando Capricórnio, um vilão de um livro de aventuras, se materializa diante de sua família. Sua esposa desaparece para dentro da mesma história e Mo se torna obcecado em encontrar outra cópia do livro, que é raro. Anos depois, ele e a filha Maggie reencontram o maligno Capricórnio, que se adaptou ao nosso mundo e quer usar o talento de Mo para criar seu próprio império aqui.

Em primeiro lugar, não dá para entender porque a história “de dentro” também se chama Coração de Tinta, já que antes de ser lido por Mo o livro era uma história medieval de aventuras como qualquer outra. Mas OK, deixa pra lá. Embora a idéia de universos paralelos não seja nova, ainda mais em histórias infanto-juvenis, a trama central até que é interessante. Geralmente os personagens são levados do mundo real para o mágico, mas neste filme é o mundo mágico (nem sempre amigável) que invade o cotidiano que conhecemos e, levando em conta a extensão incontável de todas as obras já escritas, seria uma bagunça geral se existissem muitos dos chamados “línguas encantadas” por aí.

Os efeitos especiais são corretos – apenas isso – e não comprometem. Já a direção de arte parece ter se inspirado em outros filmes, especialmente na trilogia O Senhor dos Anéis, para criar algumas concepções visuais. O monstruoso Sombra, por exemplo, é igualzinho àquele demônio que Gandalf enfrenta dentro da caverna no primeiro filme. Só que, por incrível que pareça, o maior problema do longa não está na fantasia e sim no fator pessoal. O desenvolvimento psicológico dos personagens é raso e estereotipado, assim como alguns laços de amizade parecem brotar do nada. Tem-se a impressão de que os personagens não têm conflitos. Outra coisa estranha é a naturalidade com que a menina Maggie aceita a revelação de que seu pai tem o poder de trazer personagens dos livros para a vida real – como se isso fosse a coisa mais banal do mundo. E é essa falta de base humana (o que, num sentido amplo, inclui todos os personagens) que quebra a credibilidade da história e vai deixando o espectador meio indiferente às aventuras e perigos pelos quais passam os mocinhos. 

E olha que o elenco se esforça. Brendan Fraser encara mais um herói de ação com o carisma e simpatia habituais, ainda que seja ofuscado pela excelente composição de Paul Bettany como Dedo Empoeirado, personagem que sai do livro junto com os vilões e, ao contrário destes, quer a todo custo voltar para a ficção e para a esposa (Jennifer Connelly, esposa de Bettany na vida real, faz pontinha de luxo). O elenco ainda conta com a toda-poderosa Helen Mirren como a divertida e anti-social tia de Mo e Jim Broadbent como o escritor deslumbrado em encontrar suas criações. Andy Serkis, que ficou famoso como o homem por trás do Gollum, mostra que sabe atuar sozinho e cria um vilão exótico ao estilo dos que costumamos ver nos filmes de James Bond.

O diretor Iain Softley estreou atrás das câmeras há catorze anos com o promissor Backbeat (aquele filme sobre o quinto Beatle, que deixou o grupo antes do estrelato). Depois disso, sua escassa filmografia vem oscilando entre o razoável (A Chave Mestra) e o deplorável (K-Pax). Podemos dizer que Coração de Tinta, apesar de suas falhas, consegue ficar na coluna dos acertos. Por um triz, mas consegue.  

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