sábado, 13 de dezembro de 2008

O Menino do Pijama Listrado



Um filme cujo mote central apóia-se na impensável amizade entre dois meninos em situações bem distintas – o filho de um oficial nazista e um cativo de campo de concentração – parece fadado a se transformar em um melodrama dos mais apelativos. Certo? Não necessariamente. Driblando todas as armadilhas dramatúrgicas, O Menino do Pijama Listrado impõe-se pelo naturalismo com que trata uma história que já é dramática por natureza. E é justamente essa abordagem sem manipulações que faz com que o filme seja um dos mais belos relatos sobre a perda da inocência já mostrados no cinema. 

A trama, ambientada durante a Segunda Guerra Mundial, é focada em Bruno, um menino de oito anos. Embora seja filho de um alto funcionário do partido nazista, Bruno desconhece tudo sobre a guerra, o Holocausto e a chamada “solução final” contra os judeus. Até que seu pai recebe uma promoção: comandar um campo de concentração, o que faz com que a família deixe a residência em Berlim e mude-se para uma região desabitada onde o menino não tem o que fazer nem com quem brincar. Solitário, entediado e muito curioso, Bruno não demora a perceber que há uma estranha fazenda nos arredores de sua casa. Intrigado com o fato de todos os fazendeiros usarem pijamas listrados, o menino ignora as advertências da mãe e vai até o local. Lá, através de uma cerca de arame farpado, conhece Shmuel, um menino da sua idade. A amizade dos dois se desenvolve ao mesmo tempo em que Bruno começa a se questionar sobre o trabalho do pai e a lavagem cerebral que um professor tenta lhe impor a respeito do povo judeu.

Visto inteiramente pela ótica de Bruno, o filme faz algumas analogias interessantes e bastante profundas. Um exemplo disso é a passagem em que ele vê, escondido, um documentário de propaganda nazista em que os campos de concentração são mostrados como belas colônias de férias, justamente quando começava a questionar a figura paterna. Aliviado, o menino se abraça ao pai. Mas o filme em questão não era produzido para crianças de oito anos. Pelo menos, não exclusivamente. Seria a sociedade alemã, como um todo, uma criança desesperada para acreditar que o pai (a pátria) era uma boa pessoa? Também há uma cena em que Bruno finge não conhecer Shmuel por causa do medo irracional que sentia de um dos soldados do pai. Podemos dizer que todas as ações do menino parecem ilustrar um comportamento adotado pelos adultos da época, o que torna o longa ainda mais contundente.

Asa Butterfield, intérprete de Bruno, é um dos grandes responsáveis pelo grau de sinceridade do filme. Muito expressivo, com um rostinho cheio de reflexão e perplexidade, o garoto consegue ser um talentoso ator e, ao mesmo tempo, parecer uma criança. Mérito também dos excelentes diálogos, especialmente os travados entre Bruno e Shmuel, que em nenhum momento soam inadequados a meninos da idade deles. O elenco adulto, que tem papel pra lá de coadjuvante na trama, tem participação discreta e eficiente, ancorado pelos ótimos Vera Farmiga e David Thewlis como os pais de Bruno.

A certa altura, mais precisamente no terço final do filme, já é possível pressentir o rumo que a história tomará. E isso não traz nenhum alívio. A sensação de mal-estar vem como uma onda, é inevitável. Conforme fica cada vez claro que Bruno não sairá ileso de seu mergulho naquele universo proibido, o nó na garganta do espectador vai ficando mais apertado até que o desfecho cruel o deixa grudado na cadeira, incapaz de se mexer até que as luzes se acendam e revelem os rostos ainda molhados. Mas não se trata de emoção barata e momentânea, já que as sensações causadas pelo filme persistem na memória dias depois de assisti-lo.

O cartaz do longa, que mostra os meninos sentados com uma cerca que parece infinita entre eles, faz refletir sobre a insanidade de duas crianças tão pequenas e de origem semelhante terem sido empurradas para realidades tão esmagadoramente distintas. Mas seriam elas realmente diferentes? A cena final responde à questão. E não se espante, leitor, do sentimento de impotência decorrente de tais reflexões. Alguns pecados são tão grandes que pesam na consciência de toda a humanidade. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário