quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Educação


Como todos bem sabem, este ano a Academia indicou dez produções ao Oscar de melhor filme ao invés dos tradicionais cinco. A medida é uma clara tentativa de alavancar a audiência da festa dando espaço a filmes populares ou alternativos que não teriam espaço dentre os cinco candidatos “sérios” – ou seja, aqueles que também tiveram seus diretores indicados. Pois está justamente ali, na zona do confete, o melhor concorrente deste ano: Educação.

Vencedor de dois prêmios no Festival de Sundance do ano passado, Educação é adaptado de um texto autobiográfico da jornalista Lynn Barber publicado originalmente em uma revista literária. A diretora Lone Scherfig, egressa do movimento Dogma, divide os créditos do excelente roteiro com ninguém menos que o cultuado autor inglês Nick Hornby – autor de Alta Fidelidade e Um grande Garoto, dentre outros. E pode-se sentir claramente a mão do escritor, tanto nos personagens cheios de nuances e indagações internas como nos diálogos fluidos e espertos, tudo isso salpicado com uma pitada de ironia e provocação. Somando-se a ótima história com um elenco dos sonhos, o resultado é este mergulho indigesto na hipocrisia que regia as convenções sociais na Inglaterra pós-Segunda Guerra.

A protagonista é Jenny, uma inteligente garota de dezesseis anos de classe média que está a um passo de alcançar o sonho da toda sua família: cursar Oxford. O que, nos anos 50/60, equivalia mais a um melhor currículo para conseguir um marido rico do que propriamente uma carreira. Inconformada com as limitações sociais e desanimada com as perspectivas futuras, Jenny sente-se seriamente tentada a mandar a educação convencional às favas quando conhece David, um charmoso bon-vivant com pelo menos o dobro de sua idade. David, com sua lábia sedutora, contorna todas as restrições do pai conservador de Jenny e a introduz a um estilo de vida liberal, repleto de glamour, festas e amigos ricos.

Educação é um filme que caminha pela ambiguidade desde seu título (que felizmente não ganhou nenhuma versão “criativa” aqui no Brasil), enchendo de tons de cinza questões polêmicas como o hedonismo e a sedução de menores. O tema não é novo, claro, mas a abordagem deste filme é tão inteligente e seu roteiro é tão bem-escrito que o conflito ganha um inesperado frescor. Embora o personagem David esteja claramente ultrapassando todos os limites da moralidade, ele não é retratado como o lobo mau da trama. Suas atitudes e intenções são condenáveis, mas seria ele mais culpado do que os pais de Jenny (Alfred Molina e Cara Seymour, perfeitos), adultos que se deixam seduzir tão tolamente quanto uma colegial? E quanto a Jenny? Apesar de jovem, ela não sabia estar trilhando um caminho perigoso? Um indício disso é a cena do mapa, quando ela tem um lampejo da verdadeira personalidade de seus novos amigos e opta por fechar os olhos.


Jenny, como toda adolescente, enxerga o mundo entre dois pólos extremos. Mais tarde, ela entenderá que existe um caminho do meio entre a vidinha modorrenta de seus pais e a roda-viva instável e sem limites proposta por David. E o mais importante: a despeito das lágrimas e da decepção, ela sai fortalecida e mais madura da experiência. Um outro personagem bastante significativo é a professora vivida por Olivia Williams e o modo como a imagem que temos dela, vista pelos olhos de Jenny, muda no decorrer da história.

E, por fim – mas não menos importante –, é preciso ressaltar a extrema competência de todo o elenco. Não há um só ator, por menor que seja sua participação, que esteja menos do que perfeito nesta produção. Carey Mulligan certamente é a grande revelação e se destaca dos demais, mas seria injusto não colocar no mesmo patamar de sua incrível interpretação o sempre talentoso e pouco reconhecido Peter Sarsgaard, que tem ótima química com Carey e consegue angariar simpatia para um personagem que seria o grande vilão caso fosse o filme maniqueísta. Seu David seduz a todos nós, tornando impossível odiá-lo. Além dos já citados Alfred Molina, Cara Seymour e Olivia Williams, também chama a atenção Rosamund Pike. Sua personagem é a loura-burra por excelência, que se orgulha de ser fútil. Ótima.

Educação concorre a três Oscars: melhor filme, atriz e roteiro adaptado. Não tem chance nenhuma nas duas primeiras categorias e pouquíssima na terceira. Injusto, porque um Oscar provavelmente ajudaria este excelente filme a ter a visibilidade que merece. Nos cinemas a partir desta sexta.

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