quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Um Olhar do Paraíso


Eu respeito o espírito empreendedor de Peter Jackson. O cara peitou o arriscado feito de levar às telas a trilogia O Senhor dos Anéis quando ninguém acreditava nele. Depois que sua odisséia não apenas deu certo como faturou onze Oscars, os mesmos executivos que desdenharam das pretensões do neozelandês passaram a lhe desenrolar o tapete vermelho. Para o remake de King Kong, Jackson recebeu um cachê de 20 milhões de dólares e orçamento de 200 milhões. Nada mau para quem começou fazendo filmes trash.

O problema é que o cineasta parece ter desenvolvido a síndrome do filme longo. A duração excessiva – que era plenamente justificada em O Senhor dos Anéis – atravancou muito de King Kong e beira as raias do inexplicável neste Um Olhar do Paraíso. O filme tem 135 minutos. Caberia fácil em metade disso, não fossem tantas cenas contemplativas levando a lugar nenhum. Motivado por um excesso de deslumbramento com as modernas técnicas utilizadas e os mundos fantásticos criados por elas, Jackson entope o filme com seqüências mais longas do que o desejável ou – pior – totalmente dispensáveis.

A história é narrada pela protagonista, uma garota morta de 14 anos, de um local metafísico intermediário. Em dezembro de 1973, Susie Salmon voltava da escola quando foi atraída para uma armadilha por um de seus vizinhos. Susie foi violentada, morta e esquartejada. Seu corpo nunca foi encontrado e nem seu assassino descoberto. O desaparecimento da menina destrói o relacionamento de seus pais, Abigail e Jack, em parte por conta da incansável obsessão de Jack em descobrir o que aconteceu à filha. O que ocorre na Terra é acompanhado avidamente por Susie, que tampouco consegue se desvincular da vida que deixou para trás. Entre a saudade da família, o primeiro amor que não chegou a se concretizar e a raiva de saber que o psicopata que a matou continua impune, Susie se encontra suspensa entre dois mundos.


Com um visual barroco que beira o mau gosto de tão enfeitado, o filme lembra a estética e a abordagem pseudo-filosófica de Amor Além da Vida (aquele no qual Robin Williams vai ao inferno atrás da falecida esposa). E nem todos os problemas se resumem ao abuso do CGI: o roteiro de Fran Walsh, Philippa Boyens e Peter Jackson não tem muita coesão e joga na tela situações soltas, como é o caso da viagem de Abigail e do mal-entendido entre Jack e o casal no milharal. As relações pessoais entre vários personagens também ficam no ar (como no caso de Abigail e a mãe) e em alguns casos o desenvolvimento deles é simplesmente abandonado (como no caso da menina paranormal). Para piorar, o filme fica o tempo todo indeciso entre o olhar metafísico de Susie no além e uma abordagem de suspense hitchcockiana que acaba resultando num tremendo anticlímax (a cena do cofre no sumidouro, em vez de tensa, é apenas irritante).

Embora não tenha lido o livro de Alice Sebold no qual se baseou o roteiro, parece que o grau de violência nele relatado também foi suavizado ao máximo. Não me entendam mal. Claro que ninguém queria ver a bonitinha (e talentosa) Saoirse Ronan sendo estuprada e esquartejada com todos os detalhes, mas o modo metafórico e asséptico como seu assassinato é tratado esvazia grande parte do impacto emocional. Existem modos de deixar a extensão do dano clara sem necessariamente mostrar alguma coisa – como fez muito bem Clint Eastwood em Sobre Meninos e Lobos.

O elenco é bom e se esforça para manter a verdade cênica, mas não tem lá muitas chances de dizer a que veio. Mesmo o personagem de Stanley Tucci, que é o único com maior grau de desenvolvimento, fica na superfície da psicopatia e a indicação do ator ao Oscar é um exagero. No final das contas, resta a impressão de que tudo no filme foi deixado de lado para dar vazão aos impulsos criativos de Jackson. Depois de duas horas e quinze minutos de nuvens etéreas, esferas brilhantes e paisagens surrealistas, o espectador sai da sala escura com a sensação de ter assistido a um interminável portfólio publicitário. Decepcionante. Estreia nesta sexta.

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