terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O Segredo dos Seus Olhos


Ano passado, na época do Festival do Rio, eu já havia escrito um outro texto sobre este magnífico O Segredo dos Seus Olhos. Na ocasião, não apenas fiquei encantada com o filme como também tive a oportunidade de entrevistar o seu simpático diretor, Juan José Campanella. Mas as condições sob as quais assisti ao longa não foram muito propícias, já que minha grade de compromissos só me possibilitou ver o filme pouco antes da entrevista numa cópia digital fornecida pela organização do evento. Sem legendas. Na telinha de um computador. E, mesmo assim, fiquei de queixo caído. Isso foi bem antes do longa ser indicado ao Oscar, é claro. Ontem finalmente tive a oportunidade de rever o filme, desta vez numa telona de cinema, com as legendas e tudo a que se tem direito. E minha opinião sobre o filme mudou: ele é ainda melhor do eu me lembrava. O Segredo dos Seus Olhos é simplesmente perfeito!

A trama se divide em duas épocas distintas: em 1974, Benjamín Espósito era funcionário de um tribunal penal. Encarregado a contragosto de investigar o bárbaro estupro e assassinato de uma jovem, Benjamín acaba se envolvendo no assunto ao descobrir que a polícia prendera dois inocentes apenas para dar o caso por encerrado e também porque sente compaixão do desesperado viúvo da moça. Ao mesmo tempo em que os acontecimentos se complicam e o caso parece caminhar para um beco sem saída, Bemjamín também tem que lidar com a paixão sufocante que sente por sua bela e sofisticada chefe, Irene. Vinte e cinco anos depois, Benjamín se aposenta e decide que usará o tempo livre para escrever um livro baseado nos acontecimentos daquela época. Isso porque, na verdade, ainda está obcecado tanto com o caso inconcluso quanto com a paixão irrealizada com Irene. Ao remexer o passado, é inevitável uma reaproximação com seu antigo amor e passado e presente se mesclam e, muitas vezes, se confundem.


O Segredo de Seus Olhos, na superfície, pode ser considerado um film noir. Mas sob essa primeira camada podemos ter várias outras leituras, já que há também uma discussão sobre paixão, obsessão e o limite entre uma coisa e outra. Além do mais, trata-se de um noir diferente: ao mesmo tempo em que podemos ver na tela mistério, crime, reviravoltas, perseguições e tiros, a história toda é narrada com extrema sensibilidade e com uma abordagem que se recusa a beber nos clichês do estilo. Não tem vez no filme os diálogos cínicos e artificiais, o protagonista decadente e amargurado, as mulheres malvadas e fatais. Como bem pontuou o próprio Campanella, “é um policial, mas com gente normal”. Outro aspecto interessantíssimo é o pano de fundo político, já que 1974, uma das épocas em que se passa a trama, representa um dos períodos mais repressivos na história da Argentina. Corrupção, impunidade, violência institucionalizada, cidadãos “intocáveis”, um panorama chocante que para nós, brasileiros, ainda traz o desgosto extra de tecer um incômodo paralelo com nosso próprio passado político.

Campanella, cineasta de histórias ternas como O Filho da Noiva, O Clube da Lua e O Mesmo Amor, a Mesma Chuva, consegue a proeza de lidar com temas pesados e, ao mesmo tempo, imprimir a este filme de características mais tensas a mesma delicadeza de sentimentos que marcam seus longas anteriores. Para tanto, é primordial o talento de seu colaborador constante, Ricardo Darín, no papel principal. Darín é daquele tipo raro de ator que, apenas com sua presença, consegue fazer com que um filme cresça em importância. Sua interpretação é sempre tão verdadeira que o espectador se sente imediatamente envolvido por qualquer conflito que seus personagens vivam. Neste filme, a obsessão pelo passado se dá em duas vertentes: a frustração de não ter prendido o assassino e o resgate do grande amor da juventude, desdobrando-se num turbilhão de emoções. Outro grande destaque é o carismático Guillermo Francella no papel de Sandoval, alcoólatra esperto e de bom coração que acaba sendo a única pessoa na qual Benjamín confia totalmente.


A trama, baseada no romance de Eduardo Sacheri La Pregunta de Sus Ojos, foi adaptada pelo próprio diretor, que mescla com perfeição a história de amor irrealizado à tensão e suspense policial em um roteiro instigante que prende a atenção do espectador até o impressionante desfecho – que, aliás, foge do lugar-comum. Trata-se de um filme extremamente bem realizado, dirigido com a mais absoluta precisão, lindamente fotografado, com uma direção de arte elegante e trilha sonora precisa. Resumindo, um filme sem defeitos onde cada pequeno detalhe contribui para a excelência do todo. A sequência da perseguição no estádio de futebol, por exemplo, é uma das coisas mais bem-realizadas que eu vi nos últimos anos. Antológica mesmo.

O Segredo dos Seus Olhos é, desde já, sério candidato a melhor filme de 2010. Mereceu com todo louvor a indicação ao Oscar, aliás, uma indicação até pequena para a qualidade da produção. Uma pena que o favorito seja o alemão A Fita Branca, não apenas pelo fato do país ultimamente estar vencendo a categoria com muita frequência mas também pela evidente superioridade de O Segredo dos Seus Olhos. A Academia, que gosta tanto de fazer média, poderia aproveitar essa chance para fazer um (merecido) afago aos latinos.

O filme estreia nesta sexta. Recomendo insistentemente que não deixem de vê-lo.

8 comentários:

  1. Erika, havia lido ano passado a sua entrevista com o diretor Juan José Campanella, mas confesso que só recentemente pude saber mais sobre este seu trabalho por conta da indicação ao Oscar na categoria de melhor filme estrangeiro. O que mais gostei de saber foi que o trabalho reserva alguns toques do film noir. Enfim, será que "A Fita Branca" leva mesmo a estatueta?

    Beijos.

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  2. Alex,

    As previsões dos entendidos dão como certo a vitória da "Fita", mas eu ainda estou contando com a famosa imprevisibilidade dessa categoria para manter acesa a esperança desse Oscar ir para o "Segredo". A "Fita" ainda tem contra o fato de Alemanha ter levado esse prêmio duas vezes nos últimos anos. Já a Argentina não vence desde 1985. Então, vamos cruzar os dedos...

    Beijão!

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  3. Não me contive com a vitória d'O Segredo...
    Nãi vi ainda A Fita Branca, mas estava torcendo pelo argentino. Aquela perseguição no campo de futebol e o final, que eu já desconfiava: a prisão perpétua do assassino. A justiça se faz quando o Estado não cumpre seu papel. E a linguagem entre dois protagonistas, apenas pela força dos olhos?
    Vi recentemente Garage Olimpo, arrepiante. Eu gostaria que o nosso cinema fosse parecido com o argentino, no interesse pela memória sobre a ditadura.

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  4. Eu fiquei felicíssima, já que sempre fui um dos maiores "cabos eleitorais" desse filme. Acho, inclusive, que as escolhas sempre acertadas da Argentina deveriam servir de bom exemplo para essa turma que seleciona os candidatos brasileiros. O Brasil nunca ganhou por dois motivos: azar no ano em que Central do Brasil bateu de frente com A Vida é Bela (não vale discutir qual é melhor e sim a incrível popularidade do longa italiano nos EUA) e, depois, uma série de escolhas equivocadas. Se um filme realmente fantástico como Cidade de Deus ficou de fora, porque continuar batendo sempre nessa tecla? Por que não fazer escolhas diversificadas?

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  5. Pois é... o Segredo dos seus Olhos deveria servir de exemplo para o nosso cinema.

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  6. E MAIS: reparou que chamaram o Almodóvar e o Tarantino, para anunciar os estrangeiros? Quando vi o espanhol, sabia que o argentino se daria muitíssimo beeemmmm!!!!!!!!!

    Beijinho procê.

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  7. Na verdade, eu comecei a me animar mais cedo, quando visitei a página dos oscars.com e vi que havia uma verdadeira comoção em favor do filme nas listas de discussão. Me pareceu que o sentimento pró-segredo estava forte e eu comecei a ficar esperançosa. Quando vi Almodóvar no palco, quase gritei, eheheh.

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  8. imagino o que você faria, se estivesse lá!!!!!!!!!!!!!

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