terça-feira, 29 de abril de 2014

Getúlio


Dezenove dias que abalaram um país. Assim poderíamos resumir em uma frase a abordagem escolhida pelo documentarista João Jardim para seu primeiro longa de ficção. Getúlio não é uma biografia do presidente que “saiu da vida para entrar na História” e nem se propõe a fazer considerações sobre sua polêmica figura ou suas realizações políticas. O filme se concentra no turbulento período de agosto de 1954 compreendido entre o atentado contra Carlos Lacerda (dia 5) e a fatídica noite do suicídio de Getúlio Vargas (dia 24). O atentado em questão feriu de leve Lacerda e provocou a morte do major Rubens Vaz, que fazia a sua segurança. Politicamente, insuflou ânimos e foi o estopim de uma crise sem precedentes. Ao fazer este recorte, o roteiro privilegia justamente o dramático epílogo da vida de uma das figuras mais controversas da história brasileira recente.

As escolhas de João Jardim, também autor do argumento, e do roteirista George Moura são sempre voltadas para sublinhar um clima de crescente tensão, resultando em um thriller de ares hitchcockianos. E é incrível conseguir este efeito com uma história não somente real, mas cujo desfecho é amplamente conhecido por qualquer brasileiro. O filme, inclusive, tem pouquíssimas cenas externas em contraposição com as incontáveis sequências que se passam nos aposentos e corredores da locação real de todo o drama: o Palácio do Catete. Uma perfeita tradução em imagens da expressão “intriga palaciana”. O mais impressionante é o modo como a direção consegue manter esse olhar íntimo, mesmo falando de um momento político que mexeu com as convicções e sentimentos de um país inteiro. Um bom exemplo está na passagem em que revoltas populares são mostradas na tela através de fotos nas mãos de Alzira Vargas – um diretor menos inteligente quebraria a atmosfera do filme com cenas de multidão e centenas de figurantes.


Por outro lado, sabemos que a equipe do filme estudou com muita atenção a vasta documentação existente sobre o período e que a pegada de suspense do longa não leva a um nenhum tipo de desleixo quanto à sua exatidão histórica. Aspectos técnicos como fotografia, direção de arte e figurinos são bastante caprichados e espelham bem a época, verossimilhança relativamente tranquila de se atingir uma vez conseguido o grande trunfo de rodar o filme no próprio Palácio do Catete. Também a caracterização do elenco é um ponto alto. Tony Ramos aparece em cena não apenas com a fisionomia e os trejeitos do ex-presidente, mas também em sua compleição física – o ator contou em entrevista recente que vestia uma sobrepele sob o figurino para que o formato de seu corpo se assemelhasse ao de Getúlio Vargas. Também chamam atenção algumas caracterizações que tornaram os atores por baixo delas simplesmente irreconhecíveis, como foi o caso de Jackson Antunes como Café Filho e Michel Bercovitch como Tancredo Neves.

Somados ao virtuosismo técnico e às escolhas felizes em termos de roteiro e direção, o filme conquista, ainda, pelo comovente trabalho de seus atores. A impressionante composição de Tony Ramos no papel-título, a suavidade de Drica Moraes em uma Alzira transbordante de afeto pelo pai e a energia de Alexandre Borges como o sempre exaltado Carlos Lacerda são os aspectos mais visíveis de um elenco todo nivelado pela excelência e repleto de atores competentes nos papéis coadjuvantes.


Getúlio desponta, desde já, como um dos grandes filmes nacionais não somente deste ano, mas do cinema brasileiro recente. Esperemos que seja lembrado mais adiante, quando for o momento de escolher o candidato brasileiro para o próximo Oscar. 

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