sábado, 29 de março de 2008

Meu Nome Não é Johnny


João Guilherme Estrella era um jovem de classe média alta como tantos outros. Inteligente, carismático e rebelde, tinha características de liderança e pouco respeito pelas convenções. Poderia ter sido um astro do rock, mas acabou tornando-se um criminoso. Meu Nome Não é Johnny é a versão para o cinema da biografia homônima do rapaz de boa família que entre os anos 80 e 90 tornou-se o maior traficante de drogas do Rio de Janeiro - mesmo sem nunca ter pisado numa favela.

Mal saído da adolescência, João tornou-se usuário constante de drogas e logo passou a fornecedor preferencial da juventude dourada da zona sul. O negócio prosperou a ponto dele realizar, junto com sua namorada Sofia, uma arriscada entrega na Europa. Preso em 1995, após ser denunciado por um desafeto, teve que encarar o banco dos réus e o submundo do sistema carcerário brasileiro.

Antes de mais nada, o filme chama a atenção pela abordagem escolhida. Meu Nome Não é Johnny fez a ousada opção de falar de tráfico de drogas com leveza e bom humor. Decisão certa, já que João Estrella notabilizou-se mais como bon-vivant do que propriamente como um bandido; pelo contrário, João (ou Johnny) personifica o cara de quem qualquer um gostaria de ser amigo. Nos anos 80, a chamada década do desbunde, ainda era possível haver uma figura assim, que se embrenhou na criminalidade meio por acaso, levado pelas circunstâncias e também pelo fato dos pais sempre terem deixado ele fazer o que bem entendia. Johhny não queria construir um império das drogas, apenas viver em alto estilo sem precisar trabalhar. Isso fica bem claro no diálogo em que seu contato europeu diz que está próximo de sua meta de juntar um milhão de dólares e João responde: "já a minha meta é torrar um milhão de dólares". Tanto que, uma vez realizado o serviço, ele simplesmente convida a namorada para gastar tudo pela Europa.

Podemos dizer que a estrutura do filme segue o olhar hedonista que João tinha da vida, como se traficar cocaína fosse apenas uma grande aventura. Aliás, há um ótimo diálogo em que um amigo o adverte que seu negócio "não é como vender pulseirinha de crochê em centro acadêmico". E essa irreverência, mesmo para falar de temas pesados, é o grande diferencial para evitar que o longa seja somente mais um filme de ação. Como conseqüência, também existe uma preocupação em não apostar em cenas de impacto. O que não quer dizer que a história toda seja uma grande festa. Os conflitos do personagem estão bem presentes, mas de um modo ilustrativo. É muito curioso ver um filme assim, ainda mais pelo fato de ter estreado apenas três meses depois do visceral Tropa de Elite. E essa diferença de estilos prova que há muitas maneiras de contar uma história, sem que uma escolha seja necessariamente melhor do que a outra.

Mas o longa também tem sua porção barra-pesada, embora em doses homeopáticas. Tanta inconseqüência não pode perdurar e a festa eterna de Johnny acaba abruptamente quando ele é preso. Do presídio onde aguardou julgamento ao manicômio judiciário onde esteve recluso por dois anos, esse período terrível talvez tenha sido a primeira oportunidade real dele refletir. O cara inquieto por natureza é obrigado a ficar estático.

Outro evidente acerto do filme é ter Selton Mello como protagonista. Elogiar o talento do ator chega a ser redundante, já que em todos os seus papéis ele tem domínio absoluto do que faz. Mas, mesmo considerando seu padrão de excelência normal, Selton consegue transcender em determinadas atuações, como no caso do recente O Cheiro do Ralo. Em Meu Nome Não é Johnny, fica claro que seria difícil outro ator que conseguisse reunir tão bem uma forte dramaticidade com o timing de comédia perfeito, ambos necessários para interpretar o charmoso e intenso personagem. Cleo Pires está bem como a inconseqüente Sofia (a cena em que ela joga tarô e enrola a velhinha é muito boa) e é uma boa surpresa ver que a direção não carregou demais na porção ninfeta da atriz. A relação dos dois é mostrada de forma realista, com cenas de intimidade sim mas sem que fique parecendo um clipe publicitário. Sobre o restante do elenco, dezenas de bons atores abrilhantam cada cena com participações muito bem escolhidas. Destaque para Cassia Kiss como a juíza rigorosa que se dispõe a acreditar na recuperação de João. A cena em que ele se explica no tribunal diante do olhar atento dela (que vai da dureza à piedade) é uma das mais belas do filme.

Meu Nome não é Johnny é um filme que vem para expor as feridas das classes mais privilegiadas. João Guilherme não era um excluído e isso o torna uma figura desafiadora dentro da hipocrisia social a que estamos acostumados, porque expõe a complexidade de um problema que costuma ser tratado como uma equação direta em que pobreza é igual a marginalidade quando, na verdade, a falta de estrutura pode atingir jovens de qualquer camada social. Esperemos que o longa ajude nesse diálogo e leve alguns pais a se perguntarem se realmente conhecem os próprios filhos.

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