sábado, 29 de março de 2008

Nelson Rodrigues e a Falecida


Nelson Rodrigues iniciou a carreira como repórter de polícia aos treze anos no jornal de seu pai e, já naquela época, assombrava os colegas mais velhos por sua capacidade de dramatizar pequenos acontecimentos. Sua migração para o teatro ocorreu muito tempo depois, quase por acaso. Nelson havia acabado de se casar e sua esposa, Elza, estava grávida. O dinheiro estava escasso e um dia, ao passar em frente ao Teatro Rival, ele viu uma enorme fila que se formava para assistir a uma peça e pensou: "por que não escrever teatro?". Escreveu. Em 1941, estreou A Mulher sem Pecado, que ficou em cartaz duas semanas e não teve nenhuma repercussão. Mas o novo ofício o animou e, dois anos depois, surge sua segunda peça, que é justamente a revolucionária Vestido de Noiva. Podemos dizer que a dramaturgia nacional divide-se entre "antes" e "depois" de Vestido de Noiva. Sua estrutura, que se desenvolve em três planos narrativos simultâneos – realidade, delírio e memória – é, até hoje, considerada inovadora.

Até sua morte, em 1980, Nelson escreveu um total de dezessete peças. Está em cartaz atualmente no Rio A Falecida, curioso exemplar de humor negro qualificado pelo autor como "tragédia carioca". Escrita em 1953, transgredia as regras do teatro da época ao narrar, em linguagem coloquialíssima, uma história suburbana com direito a papos sobre futebol e sinuca. A protagonista é Zulmira, uma dona-de-casa que começa a ficar cismada com a idéia de que está à beira da morte e obcecada com o desejo de ter um enterro de gente rica. Como se pudesse, em morte, compensar uma vida inteira de insatisfação.

A excelente montagem do talentoso João Fonseca é dinâmica, engraçada e utiliza de forma criativa algumas cadeiras como principal cenário. Aliás, isso não é surpresa para quem acompanha a carreira de João. Ele já havia feito algo similar com o universo rodrigueano em Escravas do Amor (baseado no folhetim de Suzana Flag) e até mesmo com um clássico grego em Édipo Unplugged. Em A Falecida, as cadeiras se transformam em objetos específicos como um caixão e o público realmente "enxerga" um caixão.

No papel-título, Rafaela Amado (filha de Camilla Amado, que também está no elenco) cria uma Zulmira tragicômica e determinada. Ensandecida por seus delírios de grandeza post-mortem, Zulmira é um personagem mais difícil do que aparenta justamente por estar numa fronteira muito indefinida. Bem coadjuvada por Guilherme Piva como Tuninho – o marido que só quer saber de futebol e sinuca –, Rafaela dá conta de todas as nuances dessa mulher triste e, ao mesmo tempo, histérica. Impagável a cena em que uma vizinha pergunta se ela está com gripe e a doida responde, exultante: "Não, é pulmão!".

A Falecida está em cartaz de quinta a domingo no Centro Cultural da Justiça Federal (Avenida Rio Branco, 241) até 27 de abril. Ingressos a R$ 20,00.

6 comentários:

  1. Querida !
    estou adorando o Blog!
    Que tal um pouco de musica por aqui tb?
    :)

    Beijos beijos beijos!
    Rodrygo Andrade

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  2. Legal essa divulgação! Ainda não tive a oportunidade de conferir o espetáculo, mas assim que fizer, postarei meus comentários sobre o mesmo por aqui.

    Já que a Erika mencionou "Vestido de Noiva" no texto, e que como ela mesma disse, existe o "antes de Vestido de Noiva" e o pós "Vestido de Noiva", minha dica é para aqueles que nunca tiveram a oportunidade de conferir o clássico nos palcos. Confiram a versão da sétima arte de Jofre Rodrigues, que saiu em dvd. O filme é uma adaptação fiel do texto, com foco super teatral dos atores, dando uma idéia bem verídica da obra. Vale muito a pena mesmo, sendo uma das melhores adaptações de teatro pra cinema já feitas no Brasil! Aliás, a Erika sabe como descrever esse filme de maneira bem melhor que este que vos fala, já ficando aqui uma sugestão de futuro texto pro blog.


    Yuri Calandrino

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  3. Com certeza essa é uma bela sugestão. O filme, que já está disponível em DVD, é dirigido pelo Joffre Rodrigues (filho do Nelson) e tem Simone Spoladore, Letícia Sabatella, Marília Pera e Marcos Winter nos papéis principais.

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  4. Vale a pena, sem dúvidas. Leia meu blog também Érika. Blog em homenagem a Nelson, onde falo muito do filme também.
    Bjs!

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  5. Muito bom o blog da Georgia, gente! Tudo a ver com o universo rodrigueano, a começar pela trilha sonora. Vou deixar o link aqui:

    http://nelsonrodrigues-teatro.blogspot.com/

    Vejam o trailer o curta Diabólica, que parece excelente.

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